Carla António, investigadora do ITQB de 34 anos, é uma das portuguesas em destaque na edição de hoje da revista Weekend do Jornal de Negócios, no artigo intitulado «Os Retornados da Troika». São histórias de jovens que regressaram de livre vontade a Portugal – “um País ainda amarrado a uma intervenção externa, que reencontraram zangado, mais disposto a arriscar, metido num desaconchego”.
2. Sexta-feira/16deMaiode2014/Negócios
NOME: RICARDO CORREIA
PROFISSÃO: ACTOR E ENCENADOR
PAÍS DE EMIGRAÇÃO: INGLATERRA
REGRESSO: JULHO 2013
Depois de uma temporada em
Londres, sentiu esmorecer uma
indignação que já “não sabe
reconhecer contra quem é que se
grita nas manifestações, que não
sabe quem são os alvos”.
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ANTÓNIO LARGUESA
alarguesa@negocios.pt
REPORTAGEM
troika
Os retornados da
Pedro Elias
Ouviram a família e os amigos questionarem a sua loucura porterem regressado de livre vontade a um País
ainda amarrado a uma intervenção externa, que reencontraram zangado, mais disposto a arriscar, metido
num desaconchego. Ei-los que voltam, “talvez não sejam uma minoria tão pequena”.
3. omasmalasdatroikacolocadasàporta
deumasaída“limpa”,aemigraçãoficará
para a história que se escreverá adiante
comoumadasmaispesadasherançasda
criseiniciadaem2008eprolongadanope-
ríododeajustamentoemcurso.Enquanto
osurtomigratórioteimaemcontinuaraen-
grossarasfilasdosterminaisdepartidados
aeroportos,opaísjácomeçouaabsorver
umaminoria–queJoãoPeixoto,doObser-
vatóriodaEmigraçãonotaque“talveznão
sejaumaminoriatãopequena”.Sãoospri-
meirosretornadosdatroika,quedecidiram
delivreeespontâneavontaderecomeçaras
vidasnesta“metrópole”quereencontra-
ramzangadaedescrente,maisresponsável
nascontasemetidanumdesaconchego.Ei-
losquevoltam,numacontraversãoabusi-
vadacantigausadaporManuelFreirepara
retratarosquepartiramnosanos1960“buscandoasortenoutraspara-
gens,noutrasaragens,entreoutrospovos”.Estesseisantigosemigrantes
nãoregressaramricos,voltaramporigual“contandohistóriasládelon-
ge”,todosouvindoosfamiliareseamigosaquestionaroslaivosmaisou
menosprofundosdeloucuradessadecisão.
OprocessoderepatriamentodeRitaRocha,35anos,acompanhouno
tempoaqueleemquesediscutiuaentradadatroikaemPortugal–ochum-
bodoPECIV,opedidodeajudaexterna,ademissãodeJoséSócrates,a
convocaçãodeeleiçõesantecipadas,anegociaçãodoprogramaeacam-
panhaeleitoralqueconduziuPassosePortasaopoder.EmMarçode2011,
antecipandootérminodocursodefotografiaemCardiff,iniciouàdistân-
ciaoscontactoseoenviodecurrículos.Econfirmou,aoconseguiruma
vagacomoformadoranoInstitutoPortuguêsdeFotografia,adesconfian-
çadeque,estudandonoestrangeiro,depois“teriamaisportasabertas”.
FormadapelaAcademiaContemporâneadoEspectáculo,noPorto,par-
tiuparaLondresem2004,quandoonegóciodaproduçãodeeventosar-
tísticoscomeçavaafraquejareasCâmaras,porexemplo,demoravamjá
novemesesapagar.Trêsanosdepois,querendoabraçarumhóbiquejá
associavaaosespectáculoslondrinos,inscreveu-senocursoeempregou-
-se,das17hàs23h,comorecepcionistadehotelnoPaísdeGales.
“NãodesistinuncadePortugal,semprequisvoltar.Aspessoasdiziam-
-me:‘tuésmaluca,istoestámuitodifícil,porqueregressas?!Masodinhei-
ronãopagatudo.Queriaestarcomosmeuspais,queaminhafilhaesti-
vessetambémcomosavós.Ehácoisasquenãosepagam:casajuntoda
praia,estesol,osvegetaiseafrutasabemcompletamentediferente”,enu-
meraajovemdaPóvoadeVarzim.Confessa“algumasorteetambémmé-
rito”porque“nuncadissequenão”.Nemafazer“unsbiscatesmuitíssi-
momalpagosemcasamentos,quemuitagenterejeitaria”,nema“iratodo
olado”parasedaraconheceraomercadoeretomarumarededecontac-
tosdiluídaemseisanosnoestrangeiro.Hojetemasuaprópriaempresa
quefotografacasamentoseprodutodeclientes,comoaMatutano,além
dedarformaçãoefazerfotografiadecena.Paraaemigraçãousaa“lente”
daapreensão.“Osquesaemsãopessoascomcoragem,algumafinco,aque-
lasdequemaisprecisávamosaqui:asquevãoàlutaequepodiamcomba-
terpornós”,lamentaRitaRocha,queencontrousobretudo“maisdes-
crença”aopôropéemPortugalquaseaomesmotempoqueatroika.
“Noteinaspessoasalgumdesânimo,algumapreocupação.Mastam-
bémquemuitasdelasagarraramoportunidades,oquesecalharnãoti-
nhamfeitonoutraaltura,comumaforçamaiorpararecomeçardepois
deperderemotrabalho,aseremmaispró-activoseaaproveitarosconhe-
cimentosparacomeçaroutrotipodenegócios”,completaFranciscoMa-
toseSilva,queregressouaPortugalemSetembrode2012,começouuma
empresapequenacomamigose,antesdofinaldesseano,assumiuocar-
godedirectordeexportaçãodoMontedaRavasqueira,projectovitiviní-
colaalentejanocomgestãoeexploraçãodaSociedadeAgrícolaD.Diniz,
ligadaháváriosanosàfamíliaJosédeMello.BaseadoemLisboa,com90%
dosimportadoresdeorigemestrangeira,sãofrequentesasviagensdetra-
balhoeainexistênciade“problemasdeadaptação”pelaexperiênciaacu-
muladacomoestudantenaRepúblicaCheca,comoestagiárioemXangai
(China)eemAngola,ondeestevetrêsanosatrabalharnodepartamento
demarketingemediadaRefriango,amaiorempresadebebidasnãoal-
coólicasdaquelepaísafricano.
LicenciadoemGestãopelaNova,olisboetasublinhaqueavontadede
serestabeleceremPortugalfoimaisfortedoqueacrisenomercadode
trabalhoouaperdadasregaliasque,comoexpatriado,permitiamumes-
tilodevidamaisfaustoso.“Mesmonãotendocondiçõesfinanceiraspara
terumavidatãofácilcomoláfora,gerindobemodinheiroconsegue-se
NOME: CARLA ANTÓNIO
PROFISSÃO: CIENTISTA
PAÍS DE EMIGRAÇÃO: ALEMANHA
REGRESSO: MAIO 2013
Nos últimos tempos em Berlim
começou a sentir a animosidade
de colegas alemães, “que se
viravam com atitudes estranhas,
do género ‘a Alemanha não tem
dinheiro para ti’”.
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C
Pedro Elias
6. Sexta-feira/16deMaiode2014/Negócios
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REPORTAGEM
Com base nos
dados do último
recenseamento,
um estudo mostrou
que perto de 200
mil portugueses
que tinham vivido
mais de um ano
no estrangeiro
regressaram
ao País entre
2001 e 2011.
SE JÁ É DIFÍCIL CONTABILIZAR AS SAÍDAS DO PAÍS, mais difícil é controlar
o fluxo dos regressos. No entanto, o membro do conselho científico
do Observatório da Emigração, João Peixoto, acredita que “talvez não
seja uma minoria assim tão pequena”. “A sensação que temos é que
muitos desses movimentos são instáveis, de circulação, de vai-e-vem.
Os próprios dados do Instituto Nacional de Estatística dizem que
mais de metade das saídas são temporárias. Muito mais gente está
envolvida em processos de saída e regresso do que pensamos.
Mas a ordem de grandeza é impossível saber. Funcionamos muito
na base das expectativas e ela é a de êxodo para sempre. O nosso
pessimismo leva-nos a exagerar o fenómeno e pensar que há muita
gente a sair e que ninguém volta. Há muitos a sair, claro, mas
também muito mais pessoas a voltar do que pensamos”, apontou
o investigador do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG).
Os inquéritos avulso realizados pelo Observatório vão mostrando
uma disponibilidade “muito grande” dos emigrantes para o regresso,
fazendo-o depender de encontrarem um bom emprego, com
possibilidade de progressão na carreira. Ou seja, “aquele que não
se cria de um dia para o outro”. Aliás, grande parte das pessoas que
estão a sair de Portugal estavam empregadas, mas tinham um baixo
salário ou contratos precários, saindo precisamente por essa “falta
de perspectivas”. Um projecto em que João Peixoto esteve envolvido
encontrou, no último recenseamento, mais de 200 mil portugueses
que tinham vivido mais de um ano no exterior e que regressaram
entre 2001 e 2011, em particular de países como Espanha, Reino
Unido e Angola. Não se trata de emigração temporária e “dá a ideia
de que estas migração são hoje muito mais instáveis do que no
passado”, concluiu o professor universitário. De 2011 para cá,
desde a entrada da troika, “é impossível saber” qual foi a evolução.
Já do lado das saídas é o valor declarado pelo INE referente a 2012
– mais de 120 mil, entre temporários e permanentes – que passou a
servir de referencial no debate público. “Os números hoje
aproximam-se preocupantemente daqueles dos anos 1960. Desse
ponto de vista da dimensão, temos razões para estar preocupados.
(...) No pós-troika, mantendo-se as tendências, o nosso dramatismo
passa a justificar-se. Se voltarmos ao antes da troika, com um
padrão misto de entradas e saídas, a situação não nos obriga a ser
tão dramáticos”, sublinhou o membro do Observatório. E aqui joga-
se muito novamente no campo das expectativas. “Os números
actuais são grandes, mas não são uma grande revolução nos dados
migratórios do País. Sempre existiram saídas, durante muitos anos
não nos preocupamos. No final dos anos 1980 tivemos um padrão
de emigração muito severo, que não foi encarado como um grande
problema porque tínhamos um grande optimismo com a entrada na
União Europeia. Não foi avaliado de uma forma tão dramática como
hoje e isso tem a ver com as nossas expectativas face ao futuro”.
Mais: a “grande ideia” de que a maioria de saídas são de licenciados
“não é verdade”. É certo que têm um peso significativo e há agora
mais a sair – Portugal também forma muito mais do que no passado
–, mas estão longe de ser a maioria. No Reino Unido, o país da
Europa para onde se estima que vão mais portugueses altamente
qualificados, “apenas” um terço tem o Ensino Superior completo.
Em termos geográficos, é para o Velho Continente que dois em
cada três portugueses continuam a emigrar, embora depois da
grande recessão de 2008 e 2009 (que desacelerou as saídas),
tenha havido uma recomposição. O caso espanhol é paradigmático:
saiu do radar. Assiste-se então, também neste aspecto, ao início de
uma Europa a duas velocidades, com a emergência daqueles que
saíram da crise com menos debilidades e conseguiram atrair mais
estrangeiros, como o Reino Unido, Alemanha, Suíça ou Holanda.
Na batalha entre os que dramatizam os efeitos deste surto migratório
e os que apontam as suas virtualidades, João Peixoto responde que
a maior diferença está na abordagem de curto ou médio prazo, em
que se colocarão questões como a sustentabilidade da Segurança
Social. “As saídas não são dramáticas à priori. Todos queremos que
os nossos filhos tenham uma experiência no estrangeiro. Ter uma
população cosmopolita é bom e ser uma sociedade aberta, em que
uns saem e outros entram, é das melhores coisas que Portugal tem.
Mas, do ponto de vista das políticas públicas, há que gerir os fluxos
para não serem desequilibrados”, resumiu. É que a imigração laboral
afundou, não voltará ao volume do passado e na próxima expansão
terá uma natureza de talento “desejavelmente diferente”. AL
“Há muito mais pessoas a voltar do que pensamos”
NOME: CARLOS RIBEIRO
PROFISSÃO: ENGENHEIRO
INFORMÁTICO
PAÍS DE EMIGRAÇÃO: BÉLGICA
REGRESSO: DEZEMBRO 2011
No centro da Europa
chegaram-lhe a dizer que era o
primeiro português que
conheciam que “não faz
prédios”. No regresso abriu
uma empresa para “dar uma
segunda hipótese ao País”.