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Gestão da Informação no Estado
              Um desígnio nacional sistematicamente adiado
                                         Luís Vidigal
A Administração Pública é sem dúvida o sistema de qualquer país que está mais associado aos
recursos de informação e que por isso deveria exigir maior rigor e competência na sua gestão, pois
a actividade do Estado está toda ela impregnada de formulários, cadastros, processos e regras de
negócio, cadeias de decisão, representações simbólicas de pessoas, empresas, território, veículos,
etc., que constituem um fluxo perpétuo de recursos informacionais vitais ao funcionamento e à
sobrevivência das suas instituições.

Historicamente os sistemas administrativos foram sendo construídos em casulos departamentais
baseados em suportes massivos de papel, legitimando um número sempre crescente de estruturas
compostas por legiões de funcionários e dirigentes submergidos em pilhas burocráticas de
celulose, que se foram auto-perpetuando ao longo dos anos. Longe vai a Burocracia enquanto
modelo perfeito de organização, idealizado pelo sociólogo Max Webber, pois hoje assistimos
apenas às suas disfunções mais perversas e à imagem socialmente negativa que dela se foi
construindo.

Há cerca de 30 anos que vimos denunciando os silos verticais, tentando romper a estanquicidade
dos organismos e dos ministérios uns em relação aos outros, com a convicção e a impaciência de
quem há muitos anos acredita que é urgente abrir novas perspectivas para um Estado mais
orientado para as necessidades dos cidadãos e agentes económicos e não apenas concentrado em
rotinas e processos internos.

Assim se multiplicaram as ilhas de computadores e os silos de informação não comunicáveis entre
si, que requerem mão-de-obra intensiva e elevados custos de exploração e administração, para
uma prestação de serviços quase sempre medíocre e incompleta.

É urgente estimular a mudança de paradigma de uma Administração Pública passiva e reactiva,
estritamente baseada na recolha departamentalizada de informação suportada em formulários ad
hoc, para uma Administração Pública proactiva e que seja capaz de controlar e partilhar as
diversas fontes de informação através da integração e interoperabilidade dentro do mesmo
sistema Estado e nas suas diversas relações com a sociedade, mediante a criação de uma
arquitectura de informação interdepartamental co-optada entre os vários sectores.

Apesar dos progressos já alcançados ao longo dos últimos vinte anos, esta atitude paroquial
continua a ser predominante na maioria dos serviços públicos. Nalguns casos instalou-se mesmo
uma competição surda e uma marcação cada vez mais acentuada dos territórios e fronteiras
orgânicas, como consequência da progressiva empresialização ou como mecanismo de defesa em
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relação às agressões a que alguns organismos passaram a ser sujeitos nos últimos tempos por
força de preconceitos mal fundamentados e de um sistema de avaliação precipitado e mal
apropriado pelos serviços.

Quando a partir de meados dos anos 80 se começou a olhar com mais atenção para alguns
sistemas horizontais e se foi assumindo uma nova consciência da importância de olhar a
Administração Pública pela perspectiva dos cidadãos e das empresas, deram-se os primeiros
passos para a criação de um Estado moderno e orientado para as necessidades e expectativas dos
cidadãos e agentes económicos. Urge arquitectar as cadeias de valor que estão por detrás de cada
evento de vida das pessoas, empresas, prédios, veículos e tantas outras macro-entidades
informacionais que trespassam todo o sistema Estado.

Infelizmente esta mudança de perspectiva ainda está longe de ser assumida por todos os
organismos. Hoje ainda temos uma Administração Pública a duas velocidades, em que se podem
verificar casos de enorme sucesso a nível internacional a par de ilhas de conservadorismo e
resistência difíceis de transpor.

Habituámo-nos a assistir ao desfilar de muitos Governos, caracterizados por uma alternância
crónica de "re-inventores da roda", que foram assumindo progressivamente o papel de
"Calimeros" quando passavam para a oposição, caindo no desânimo de verem as suas ideias e os
seus projectos serem quase sempre destruídos pelos novos protagonismos pessoais e políticos,
sem memória e sem escrúpulos pela destruição dos recursos do nosso país.

Assistimos a verdadeiras rupturas de memória colectiva, que foram desbaratando o capital de
conhecimento de um país, atrapalhando sistematicamente a sequência virtuosa do nosso
progresso.

A situação está a agravar-se, à medida que se destrói e desvaloriza a camada de funcionários e de
organismos da Administração Directa do Estado, a quem competiria dar sustentabilidade,
soberania e independência à "Máquina do Estado" (policies), e se reforça o poder e o
protagonismo da administração indirecta do Estado, que não passa de um amontoado de
“empregados” contratados ad hoc e de "empresas de faz de conta" totalmente instrumentalizadas
por desígnios conjunturais e políticos (politics), francamente desprovidas de qualquer regulação
estatal e da própria economia real.

Sempre acreditámos na partilha, na reutilização e na cooperação, mas em cada dia que passa, nos
sentimos mais desapontados com as atitudes contraditórias entre o discurso politicamente
correcto e a prática de verdadeira asfixia de redes e pessoas livres que já deram provas de isenção,
competência e vontade de melhorar o funcionamento do Estado e dos serviços ao cidadão.

Ao longo de 38 anos de serviço público e de 25 Governos diferentes, habituámo-nos a ler os
programas para cada Legislatura e as correspondentes GOP (Grandes Opções do Plano), como se
constituíssem uma carta de missão para cada funcionário público que valoriza acima de tudo a sua

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independência política e a sua responsabilidade perante o serviço público e a Sociedade,
respeitando cada Governo eleito e as suas orientações estratégicas. É evidente que cada área de
especialidade tem um enfoque diferente e valoriza acima de tudo aquelas medidas que estão no
seu âmbito, como se tentássemos ver diamantes verdadeiros em pedaços de pedra comum.

Por exemplo, no caso do actual Governo e na perspectiva dos sistemas de informação, sobressaem
as novas versões 2.0 dos Portais do Cidadão e da Empresa, em que se pretende uma maior
personalização de serviços, os simuladores online, de que se espera uma interpretação mais
uniforme das regras e processos, menos CO2, que valoriza a comunicação sem papel, a consulta
pública 2.0, para incentivar a participação e co-participação nas consultas e discussões públicas, o
voto electrónico antecipado e em mobilidade, etc.

Mas no meio de tantas promessas, sobressai o sistema Dados.gov. Para quem se preocupa com
questões relacionadas com a gestão de informação, este sistema parece pretender incluir
informação pública produzida pela AP e disponibilizada de forma facilmente utilizável por
cidadãos, empresas, etc. Esta medida, para além de ser a concretização de uma Directiva
comunitária tardiamente transposta para o direito português, poderá significar finalmente uma
preocupação com a qualidade dos dados, uma vez que estes irão ficar mais expostos ao controlo
da sociedade e não irão ser mais toleradas incoerências, inconsistências e faltas de rigor e
actualização.

Associado à gestão da qualidade dos dados espera-se que sobressaia finalmente o papel do CIO
(Chief Information Officer) do Estado. Trata-se de um papel verdadeiramente paradoxal, uma vez
que, ao mesmo tempo que deverá ser capaz de participar e influenciar as estruturas políticas em
cada momento, terá de ser capaz de ultrapassar as barreiras do tempo (sobreviver às mudanças
de Legislatura) e ultrapassar as barreiras do espaço, ou seja da tutela em que se encontra
integrado, mantendo uma visão holística do sistema de informação do Estado.

De acordo com a legislação vigente e os princípios do PRACE, a estrutura executiva de suporte ao
CIO deveria ser uma Direcção Geral (Administração Directa do Estado) com as mesmas
características de autoridade, credibilidade e independência que devem caracterizar o papel do
CIO e não uma agência, empresa ou qualquer outra entidade da Administração Indirecta do
Estado.

Nos últimos anos viveram-se momentos de grande contracção das estruturas da Administração
Directa do Estado (Direcções Gerais), decorrente do PRACE, mas sobretudo resultante da migração
para a Administração Indirecta do Estado (Empresas, Fundações, Agências, Institutos, etc.), como
forma de desorçamentação e de iludir de forma fictícia a contracção do défice orçamental.

Com a confusão reinante entre alguns organismos que são ao mesmo tempo Coordenadores e
Prestadores de Serviços, onde quase sempre se confundem os papeis e as vocações específicas
dos organismos da administração directa e indirecta do Estado, vive-se hoje uma permanente crise
existencial e de identidade e uma evidente quebra de soberania e credibilidade do Estado.
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As funções mais soberanas, que deveríamos desenvolver e proteger internamente, como é o caso
de um verdadeiro CIO do Estado, exigem muita maturidade, independência, uma leitura atenta às
inovações e às tendências e uma relação livre, descomprometida e profissional com o mercado. É
difícil assegurar estas funções quando se está comprometido e se é refém de "arenas políticas" e
de "tecnocracias" auto-geridas e predadoras.

A Arquitectura de sistemas e tecnologias da informação é uma função de soberania exercida no
âmbito das funções de CIO, que faz essencialmente apelo a competências relacionais e de
comunicação entre as necessidades das unidades de negócio e as possibilidades e oportunidades
tecnológicas, numa dialéctica constante de transformação e mudança.

As funções de Arquitectura são um instrumento de coordenação e um testemunho de maturidade
no desempenho do CIO, que deixa de corresponder simplesmente ao paradigma de prestação de
serviços tecnológicos, para passar a uma relação de parceria e envolvimento conjunto e cooptado
na transformação do aparelho do Estado e na incorporação de valor através das tecnologias da
informação.

A concertação semântica deverá ser um desígnio nacional e deverá existir uma arquitectura de
dados / informação comum e transversal, gerida de forma centralizada por um órgão equidistante
de todos os sectores e dotado de competências reguladoras, no âmbito da Administração Directa
do Estado.

Só um quadro semântico comum facilitará a integração e a interoperabilidade dos vários sistemas
da administração pública, já de si excessivamente compartimentada.

A qualidade e a validação interdepartamental da informação deveriam mobilizar toda a
administração pública, num momento em que se estão a iniciar em todos os ministérios novos
sistemas de informação baseados em semânticas e tecnologias nem sempre concertadas e
interoperáveis.

A primeira componente no desenvolvimento de uma Arquitectura de Sistema de Informação é a
compreensão e obtenção de consenso quanto às principais entidades conceptuais de informação
relevantes para o Sistema de Informação Estado. 0 desenvolvimento de um modelo de dados de
alto nível organizativo, que integre as principais entidades conceptuais de informação relevantes
para toda a Administração Pública e as principais relações que as unem, é assim um dos pilares
fundamentais do Sistema de Informação, sendo o principal condicionante de integração do
modelo aplicacional e respectivos subsistemas.

Para alem da definição de um conjunto estruturante de processos de negócio a empreender
(Macro-modelo de Processos) e de aplicações informáticas que dêem suporte adequado a estes
processos (Modelo de Aplicações), é ainda necessário garantir que a implementação destas
aplicações se faz segundo uma visão integrada dos dados (Macro-modelo de Dados), sobre uma
arquitectura tecnológica adequada (Modelo de Tecnologias e Comunicações), de forma

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equilibrada e em harmonia com as características particulares de algumas organizações
perfeitamente identificadas.

O Macro-modelo de Dados deverá assumir um papel de referência para futuros desenvolvimentos
aplicacionais. A aproximação preconizada corresponde às duas camadas superiores da framework
de Zachman (níveis Contextual e Conceptual) representando-se a este nível abstracções das
entidades do mundo real relevantes para a Administração Pública e as suas principais relações.

Trata-se de pensar num sistema de Administração Pública em Tempo Real (Real Time Government
– RTG), baseada numa visão holística e integrada das diversas aplicações e em arquitecturas de
informação e tecnológicas orientadas a serviços web.

O que se propõe para as novas aplicações da Administração Pública são novas competências para
lidar com a abertura, partilha e interoperabilidade entre sistemas heterogéneos e uma nova
atitude mais aberta para inovar nos processos internos, inovar nos processos interdepartamentais
e inovar no relacionamento com os cidadãos e agentes económicos.

Estamos agora na onda em que quase tudo é 2.0 e o e-Government não podia ser excepção. Mais
do que uma nova tecnologia, o e-Government 2.0 é uma nova atitude, em que o Estado se propõe
antecipar as necessidades do cidadão e passar a ter uma postura mais proactiva em torno dos seus
eventos de vida e das suas expectativas em cada momento ou lugar.

Na Web 2.0 qualquer pessoa expõe o seu perfil e as suas ideias e interesses de forma espontânea
e voluntária (pull), ao mesmo tempo que a Web semântica (denominada 3.0) organiza estes
conteúdos individuais de forma colectiva e circunstanciada, devolvendo serviços personalizados
(push) impensáveis à alguns anos atrás. Os tempos são cada vez mais de transformação e inovação
na forma e nos canais como o Estado interage com a Sociedade, mas os cuidados e o rigor na
gestão da informação devem ser cada vez maiores.

 A Administração Pública recolhe todos os dias informação proveniente da sociedade, mas não
tem sabido valorizá-la convenientemente como acontece no sector privado, em que o
conhecimento das necessidades de cada cliente é considerado um activo muito valioso e
preservado para utilização futura. O princípio de pedir informação uma vez e reutilizá-la muitas
vezes (ask once and use many) ainda é tabu nos nossos serviços públicos, invocando pretextos de
privacidade que ainda parecem inquestionáveis.

Na economia como na vida real a nossa identidade, os nossos interesses e os nossos perfis são
cada vez mais capturados todos os dias, constituindo-se em chaves primárias para múltiplos
sistemas comerciais, mas o Estado continua a fazer de conta que não pode haver representações
únicas a pretexto da protecção da privacidade e da proibição constitucional de números únicos. É
altura de repensar o nº 5 do Artigo 35º da Constituição e acabar de vez com fantasmas do passado
que só atrasam, complicam e encarecem os sistemas de informação, com graves prejuízos para os
cidadãos e agentes económicos e para a transparência e segurança do próprio Estado.

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Sabe-se hoje que uma das maiores causas de fraude está na multiplicidade de identidades com
que nos autenticamos perante o sistema Estado, parecendo ricos ou pobres, criminosos ou
inocentes, devedores ou credores, vivos ou mortos, consoante as circunstâncias e as
conveniências de cada um. A confusão e a irracionalidade dos processos estatais sempre
alimentaram profissões e negócios privados, sem acrescentar qualquer valor ao país, mas
actualmente não há desculpa para não termos sistemas mais simples, auditáveis, eficazes e
seguros para os cidadãos e para a administração pública.

Não podemos continuar a ser inocentes e bons cidadãos com prazo de validade, comprovados
através de certidões que deveriam ser eliminadas e substituídas por troca de bits ou Web services
lançados just in time e just in case sobre repositórios de informação dinâmicos, fiáveis e
responsáveis. Só há pouco tempo é que deixámos de ter certidões de óbito com prazo de validade,
como se esperássemos que os mortos acordassem e se levantassem dos túmulos ao fim de seis
meses.

Não basta criar processos horizontais e acabar com silos verticais. São necessárias representações
únicas de pessoas, empresas, território, etc., evitando a criação de novos silos horizontais
(processuais), tanto ou mais perversos que os silos verticais (departamentais). Todos os silos
afectam a qualidade da informação e é por isso que a informação incoerente e redundante é
muito pior do que a informação eventualmente errada mas que, por ser partilhada, pode ser
rapidamente corrigida e credibilizada.

O PIDDAC e o QREN, enquanto fontes de financiamento deveriam privilegiar processos end to end
sob pena de se criarem auto-estradas para se chegar a engarrafamentos burocráticos. Sempre que
não existisse um trabalho prévio de arquitectura e não se respeitasse o princípio da reutilização da
informação, não deveria haver financiamento nem aprovação do projecto, a exemplo do que
acontece no Governo Federal dos EUA no âmbito OMB e do CIO Council.

Os orçamentos anualizados e departamentalizados fragmentam os processos. Paradoxalmente os
fornecedores externos, ao tentarem reduzir o risco e definir o âmbito da sua actuação no seu
contrato com o cliente, também contribuem para esta fragmentação. Se a informação não existe
recolhe-se de novo, se o organismo não respeita normas nem possui dicionários de dados
inventam-se tabelas para a circunstância, evitando-se o incómodo e o risco de ir à procura de
dados e semânticas comuns e partilháveis junto de outras entidades nacionais e internacionais.

Por tudo isto, o papel de gestão de informação não é facilmente externalizável e constitui uma
função nuclear e soberana do CIO do Estado.

Os processos trespassam não apenas a administração central, mas também a regional e local, no
entanto o cidadão não tem culpa que o Estado esteja fragmentado e deseja que as cadeias de
valor que alimentam a prestação de serviços estejam desobstruídas e fluidas. Por isso devemos
perguntar quem é que está a governar a fluidez dos processos administrativos e quem defende os
interesses do Cidadão nesta rede de grandes e pequenos poderes?
                                                                                                  6
Com a progressiva desmaterialização dos processos e dos dados que os suportam, verifica-se uma
dependência cada vez mais acentuada em relação às tecnologias da informação, acabando mesmo
estas por se confundirem com o negócio, com riscos bastante elevados de continuidade e
sustentabilidade de serviços.

Torna-se cada vez mais evidente a necessidade de se salvaguardar os processos e os dados, que
constituem os verdadeiros activos das organizações.

O Estado tem necessidade de salvaguardar os seus activos e deve proteger-se contra à excessiva
dependência em relação a fornecedores externos de tecnologia. Por isso deverá ter-se consciência
das componentes que envolvem os mais elevados níveis de soberania e risco operacional
(Processos e Dados) e o que pode ser subcontratado externamente e substituído quando for
necessário (Tecnologia). A Tecnologia tem um ciclo de vida cada vez mais curto, mas os Processos
e os Dados devem acompanhar continuamente a vida das organizações.

As boas práticas de gestão de sistemas e tecnologias exigiriam salvaguardas que nos permitissem
livremente mudar de tecnologia em qualquer momento, protegendo a soberania sobre os activos
informacionais (Processos e Dados), através da segregação adequada das camadas semânticas e
tecnológicas.

Todos os dias assistimos no Estado à compra deslumbrada e fácil de soluções tecnológicas, que
logo de seguida andam à procura dos problemas reais que justifiquem a despesa anteriormente
feita de forma precipitada.

É preciso saber comprar e ter liberdade de escolha. Quem não sabe o que quer, começa por
comprar a Tecnologia como se fosse uma panaceia milagrosa e deixa-se capturar pelo fornecedor,
que faz tudo para impedir a liberdade de escolha e “fidelizar” o cliente. A história das TIC está
cheia de lutas entre a abertura desejada pelos clientes e o fechamento proprietário imposto pelos
fornecedores. Este ciclo vicioso só é quebrado se o cliente conseguir proteger os seus processos e
dados, tornando-os agnósticos em relação à tecnologia (utilização de XML, BPML, SOA, etc). Não é
apenas uma questão de open source mas e sobretudo de open standards.

Todos os activos de uma organização (processos e dados) que entram num produto tecnológico
devem poder sair em qualquer momento e ser reaproveitados futuramente numa nova infra-
estrutura tecnológica. Esta deve ser não apenas uma opção tecnológica, mas uma atitude de
gestão que deve presidir a todas as escolhas, muito especialmente quando se trata de aplicações
em larga escala para o Estado como é o caso de um ERP, de um sistema de gestão documental e
workflow, de um CRM, etc.

Quando se trata de aplicações em larga escala o grau de dependência do Estado em relação aos
fornecedores escolhidos é muito elevado e não é coisa para amadores e principiantes. Nestes
casos, a passagem para a fase de roll-out e de extensão aos serviços da administração pública,
como está prestes a acontecer para os ERP, deve garantir condições e margens de negociação bem

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escoradas e transparentes, através de benchmarkings internacionais conduzidos por entidades de
reconhecida imparcialidade e tecnicamente competentes.

Os sistemas e tecnologias da informação (SI/TI) têm que deixar de ser entendidos como simples
implementações de projectos e “choques” ou planos tecnológicos, mas como verdadeiras acções
interdisciplinares de mudança, que exigem um olhar cada vez mais estratégico e arquitectónico e
uma condução cada vez mais política (policy) e menos partidária (politics). A actual indefinição e
falta de condução político-estratégica dos SI/TI do Estado, perpetuam a auto-determinação e o
conservadorismo de algumas das suas actuais estruturas, a pretexto de uma aparente
complexidade tecnológica que se auto-protege e se auto-legitima para se excluir de alguns
constrangimentos do processo de mudança que o país exige.

Num processo de mudança como o que se está a viver actualmente, mais do que bons gestores,
são necessários bons líderes, orientados por valores, visão, sentimentos, proactividade,
comprometimento, persuasão, inovação, flexibilidade, comunicação, etc., mas estes são difíceis de
encontrar, quando o que se pretende é apenas conformismo e obediência política, mesmo que
isto signifique continuar a actuar na hipocrisia dissimulada.

Não se pode temer o conflito e, na actual conjuntura, deve-se utilizar positivamente a energia que
dele resulta. A liderança dos SI/TI nos nossos dias exige escolhas e decisões difíceis, por isso tem
cada vez mais a ver com a capacidade de lidar com a mudança e o saber construir sem medo um
mundo melhor através de uma combinação adequada de pessoas, processos e tecnologias.

Em conclusão, nunca como agora se sentiu tanto a necessidade de uma efectiva gestão da
informação na Administração Pública. Apesar de alguns voluntarismos individuais, os organismos
cada vez mais se fecham em si próprios, sem saber o que fazer e sem encontrar nenhum apoio ou
orientação central. Criam-se todos os dias novas taxionomias, novas semânticas e novas estruturas
de informação totalmente desconcertadas umas das outras e à deriva. É preciso acordar e abrir a
“Caixa de Pandora” da Gestão da Informação, para termos esperança em relação ao futuro.




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Gestão da Informação no Estado: Desígnio Sistematicamente Adiado

  • 1. Gestão da Informação no Estado Um desígnio nacional sistematicamente adiado Luís Vidigal A Administração Pública é sem dúvida o sistema de qualquer país que está mais associado aos recursos de informação e que por isso deveria exigir maior rigor e competência na sua gestão, pois a actividade do Estado está toda ela impregnada de formulários, cadastros, processos e regras de negócio, cadeias de decisão, representações simbólicas de pessoas, empresas, território, veículos, etc., que constituem um fluxo perpétuo de recursos informacionais vitais ao funcionamento e à sobrevivência das suas instituições. Historicamente os sistemas administrativos foram sendo construídos em casulos departamentais baseados em suportes massivos de papel, legitimando um número sempre crescente de estruturas compostas por legiões de funcionários e dirigentes submergidos em pilhas burocráticas de celulose, que se foram auto-perpetuando ao longo dos anos. Longe vai a Burocracia enquanto modelo perfeito de organização, idealizado pelo sociólogo Max Webber, pois hoje assistimos apenas às suas disfunções mais perversas e à imagem socialmente negativa que dela se foi construindo. Há cerca de 30 anos que vimos denunciando os silos verticais, tentando romper a estanquicidade dos organismos e dos ministérios uns em relação aos outros, com a convicção e a impaciência de quem há muitos anos acredita que é urgente abrir novas perspectivas para um Estado mais orientado para as necessidades dos cidadãos e agentes económicos e não apenas concentrado em rotinas e processos internos. Assim se multiplicaram as ilhas de computadores e os silos de informação não comunicáveis entre si, que requerem mão-de-obra intensiva e elevados custos de exploração e administração, para uma prestação de serviços quase sempre medíocre e incompleta. É urgente estimular a mudança de paradigma de uma Administração Pública passiva e reactiva, estritamente baseada na recolha departamentalizada de informação suportada em formulários ad hoc, para uma Administração Pública proactiva e que seja capaz de controlar e partilhar as diversas fontes de informação através da integração e interoperabilidade dentro do mesmo sistema Estado e nas suas diversas relações com a sociedade, mediante a criação de uma arquitectura de informação interdepartamental co-optada entre os vários sectores. Apesar dos progressos já alcançados ao longo dos últimos vinte anos, esta atitude paroquial continua a ser predominante na maioria dos serviços públicos. Nalguns casos instalou-se mesmo uma competição surda e uma marcação cada vez mais acentuada dos territórios e fronteiras orgânicas, como consequência da progressiva empresialização ou como mecanismo de defesa em 1
  • 2. relação às agressões a que alguns organismos passaram a ser sujeitos nos últimos tempos por força de preconceitos mal fundamentados e de um sistema de avaliação precipitado e mal apropriado pelos serviços. Quando a partir de meados dos anos 80 se começou a olhar com mais atenção para alguns sistemas horizontais e se foi assumindo uma nova consciência da importância de olhar a Administração Pública pela perspectiva dos cidadãos e das empresas, deram-se os primeiros passos para a criação de um Estado moderno e orientado para as necessidades e expectativas dos cidadãos e agentes económicos. Urge arquitectar as cadeias de valor que estão por detrás de cada evento de vida das pessoas, empresas, prédios, veículos e tantas outras macro-entidades informacionais que trespassam todo o sistema Estado. Infelizmente esta mudança de perspectiva ainda está longe de ser assumida por todos os organismos. Hoje ainda temos uma Administração Pública a duas velocidades, em que se podem verificar casos de enorme sucesso a nível internacional a par de ilhas de conservadorismo e resistência difíceis de transpor. Habituámo-nos a assistir ao desfilar de muitos Governos, caracterizados por uma alternância crónica de "re-inventores da roda", que foram assumindo progressivamente o papel de "Calimeros" quando passavam para a oposição, caindo no desânimo de verem as suas ideias e os seus projectos serem quase sempre destruídos pelos novos protagonismos pessoais e políticos, sem memória e sem escrúpulos pela destruição dos recursos do nosso país. Assistimos a verdadeiras rupturas de memória colectiva, que foram desbaratando o capital de conhecimento de um país, atrapalhando sistematicamente a sequência virtuosa do nosso progresso. A situação está a agravar-se, à medida que se destrói e desvaloriza a camada de funcionários e de organismos da Administração Directa do Estado, a quem competiria dar sustentabilidade, soberania e independência à "Máquina do Estado" (policies), e se reforça o poder e o protagonismo da administração indirecta do Estado, que não passa de um amontoado de “empregados” contratados ad hoc e de "empresas de faz de conta" totalmente instrumentalizadas por desígnios conjunturais e políticos (politics), francamente desprovidas de qualquer regulação estatal e da própria economia real. Sempre acreditámos na partilha, na reutilização e na cooperação, mas em cada dia que passa, nos sentimos mais desapontados com as atitudes contraditórias entre o discurso politicamente correcto e a prática de verdadeira asfixia de redes e pessoas livres que já deram provas de isenção, competência e vontade de melhorar o funcionamento do Estado e dos serviços ao cidadão. Ao longo de 38 anos de serviço público e de 25 Governos diferentes, habituámo-nos a ler os programas para cada Legislatura e as correspondentes GOP (Grandes Opções do Plano), como se constituíssem uma carta de missão para cada funcionário público que valoriza acima de tudo a sua 2
  • 3. independência política e a sua responsabilidade perante o serviço público e a Sociedade, respeitando cada Governo eleito e as suas orientações estratégicas. É evidente que cada área de especialidade tem um enfoque diferente e valoriza acima de tudo aquelas medidas que estão no seu âmbito, como se tentássemos ver diamantes verdadeiros em pedaços de pedra comum. Por exemplo, no caso do actual Governo e na perspectiva dos sistemas de informação, sobressaem as novas versões 2.0 dos Portais do Cidadão e da Empresa, em que se pretende uma maior personalização de serviços, os simuladores online, de que se espera uma interpretação mais uniforme das regras e processos, menos CO2, que valoriza a comunicação sem papel, a consulta pública 2.0, para incentivar a participação e co-participação nas consultas e discussões públicas, o voto electrónico antecipado e em mobilidade, etc. Mas no meio de tantas promessas, sobressai o sistema Dados.gov. Para quem se preocupa com questões relacionadas com a gestão de informação, este sistema parece pretender incluir informação pública produzida pela AP e disponibilizada de forma facilmente utilizável por cidadãos, empresas, etc. Esta medida, para além de ser a concretização de uma Directiva comunitária tardiamente transposta para o direito português, poderá significar finalmente uma preocupação com a qualidade dos dados, uma vez que estes irão ficar mais expostos ao controlo da sociedade e não irão ser mais toleradas incoerências, inconsistências e faltas de rigor e actualização. Associado à gestão da qualidade dos dados espera-se que sobressaia finalmente o papel do CIO (Chief Information Officer) do Estado. Trata-se de um papel verdadeiramente paradoxal, uma vez que, ao mesmo tempo que deverá ser capaz de participar e influenciar as estruturas políticas em cada momento, terá de ser capaz de ultrapassar as barreiras do tempo (sobreviver às mudanças de Legislatura) e ultrapassar as barreiras do espaço, ou seja da tutela em que se encontra integrado, mantendo uma visão holística do sistema de informação do Estado. De acordo com a legislação vigente e os princípios do PRACE, a estrutura executiva de suporte ao CIO deveria ser uma Direcção Geral (Administração Directa do Estado) com as mesmas características de autoridade, credibilidade e independência que devem caracterizar o papel do CIO e não uma agência, empresa ou qualquer outra entidade da Administração Indirecta do Estado. Nos últimos anos viveram-se momentos de grande contracção das estruturas da Administração Directa do Estado (Direcções Gerais), decorrente do PRACE, mas sobretudo resultante da migração para a Administração Indirecta do Estado (Empresas, Fundações, Agências, Institutos, etc.), como forma de desorçamentação e de iludir de forma fictícia a contracção do défice orçamental. Com a confusão reinante entre alguns organismos que são ao mesmo tempo Coordenadores e Prestadores de Serviços, onde quase sempre se confundem os papeis e as vocações específicas dos organismos da administração directa e indirecta do Estado, vive-se hoje uma permanente crise existencial e de identidade e uma evidente quebra de soberania e credibilidade do Estado. 3
  • 4. As funções mais soberanas, que deveríamos desenvolver e proteger internamente, como é o caso de um verdadeiro CIO do Estado, exigem muita maturidade, independência, uma leitura atenta às inovações e às tendências e uma relação livre, descomprometida e profissional com o mercado. É difícil assegurar estas funções quando se está comprometido e se é refém de "arenas políticas" e de "tecnocracias" auto-geridas e predadoras. A Arquitectura de sistemas e tecnologias da informação é uma função de soberania exercida no âmbito das funções de CIO, que faz essencialmente apelo a competências relacionais e de comunicação entre as necessidades das unidades de negócio e as possibilidades e oportunidades tecnológicas, numa dialéctica constante de transformação e mudança. As funções de Arquitectura são um instrumento de coordenação e um testemunho de maturidade no desempenho do CIO, que deixa de corresponder simplesmente ao paradigma de prestação de serviços tecnológicos, para passar a uma relação de parceria e envolvimento conjunto e cooptado na transformação do aparelho do Estado e na incorporação de valor através das tecnologias da informação. A concertação semântica deverá ser um desígnio nacional e deverá existir uma arquitectura de dados / informação comum e transversal, gerida de forma centralizada por um órgão equidistante de todos os sectores e dotado de competências reguladoras, no âmbito da Administração Directa do Estado. Só um quadro semântico comum facilitará a integração e a interoperabilidade dos vários sistemas da administração pública, já de si excessivamente compartimentada. A qualidade e a validação interdepartamental da informação deveriam mobilizar toda a administração pública, num momento em que se estão a iniciar em todos os ministérios novos sistemas de informação baseados em semânticas e tecnologias nem sempre concertadas e interoperáveis. A primeira componente no desenvolvimento de uma Arquitectura de Sistema de Informação é a compreensão e obtenção de consenso quanto às principais entidades conceptuais de informação relevantes para o Sistema de Informação Estado. 0 desenvolvimento de um modelo de dados de alto nível organizativo, que integre as principais entidades conceptuais de informação relevantes para toda a Administração Pública e as principais relações que as unem, é assim um dos pilares fundamentais do Sistema de Informação, sendo o principal condicionante de integração do modelo aplicacional e respectivos subsistemas. Para alem da definição de um conjunto estruturante de processos de negócio a empreender (Macro-modelo de Processos) e de aplicações informáticas que dêem suporte adequado a estes processos (Modelo de Aplicações), é ainda necessário garantir que a implementação destas aplicações se faz segundo uma visão integrada dos dados (Macro-modelo de Dados), sobre uma arquitectura tecnológica adequada (Modelo de Tecnologias e Comunicações), de forma 4
  • 5. equilibrada e em harmonia com as características particulares de algumas organizações perfeitamente identificadas. O Macro-modelo de Dados deverá assumir um papel de referência para futuros desenvolvimentos aplicacionais. A aproximação preconizada corresponde às duas camadas superiores da framework de Zachman (níveis Contextual e Conceptual) representando-se a este nível abstracções das entidades do mundo real relevantes para a Administração Pública e as suas principais relações. Trata-se de pensar num sistema de Administração Pública em Tempo Real (Real Time Government – RTG), baseada numa visão holística e integrada das diversas aplicações e em arquitecturas de informação e tecnológicas orientadas a serviços web. O que se propõe para as novas aplicações da Administração Pública são novas competências para lidar com a abertura, partilha e interoperabilidade entre sistemas heterogéneos e uma nova atitude mais aberta para inovar nos processos internos, inovar nos processos interdepartamentais e inovar no relacionamento com os cidadãos e agentes económicos. Estamos agora na onda em que quase tudo é 2.0 e o e-Government não podia ser excepção. Mais do que uma nova tecnologia, o e-Government 2.0 é uma nova atitude, em que o Estado se propõe antecipar as necessidades do cidadão e passar a ter uma postura mais proactiva em torno dos seus eventos de vida e das suas expectativas em cada momento ou lugar. Na Web 2.0 qualquer pessoa expõe o seu perfil e as suas ideias e interesses de forma espontânea e voluntária (pull), ao mesmo tempo que a Web semântica (denominada 3.0) organiza estes conteúdos individuais de forma colectiva e circunstanciada, devolvendo serviços personalizados (push) impensáveis à alguns anos atrás. Os tempos são cada vez mais de transformação e inovação na forma e nos canais como o Estado interage com a Sociedade, mas os cuidados e o rigor na gestão da informação devem ser cada vez maiores. A Administração Pública recolhe todos os dias informação proveniente da sociedade, mas não tem sabido valorizá-la convenientemente como acontece no sector privado, em que o conhecimento das necessidades de cada cliente é considerado um activo muito valioso e preservado para utilização futura. O princípio de pedir informação uma vez e reutilizá-la muitas vezes (ask once and use many) ainda é tabu nos nossos serviços públicos, invocando pretextos de privacidade que ainda parecem inquestionáveis. Na economia como na vida real a nossa identidade, os nossos interesses e os nossos perfis são cada vez mais capturados todos os dias, constituindo-se em chaves primárias para múltiplos sistemas comerciais, mas o Estado continua a fazer de conta que não pode haver representações únicas a pretexto da protecção da privacidade e da proibição constitucional de números únicos. É altura de repensar o nº 5 do Artigo 35º da Constituição e acabar de vez com fantasmas do passado que só atrasam, complicam e encarecem os sistemas de informação, com graves prejuízos para os cidadãos e agentes económicos e para a transparência e segurança do próprio Estado. 5
  • 6. Sabe-se hoje que uma das maiores causas de fraude está na multiplicidade de identidades com que nos autenticamos perante o sistema Estado, parecendo ricos ou pobres, criminosos ou inocentes, devedores ou credores, vivos ou mortos, consoante as circunstâncias e as conveniências de cada um. A confusão e a irracionalidade dos processos estatais sempre alimentaram profissões e negócios privados, sem acrescentar qualquer valor ao país, mas actualmente não há desculpa para não termos sistemas mais simples, auditáveis, eficazes e seguros para os cidadãos e para a administração pública. Não podemos continuar a ser inocentes e bons cidadãos com prazo de validade, comprovados através de certidões que deveriam ser eliminadas e substituídas por troca de bits ou Web services lançados just in time e just in case sobre repositórios de informação dinâmicos, fiáveis e responsáveis. Só há pouco tempo é que deixámos de ter certidões de óbito com prazo de validade, como se esperássemos que os mortos acordassem e se levantassem dos túmulos ao fim de seis meses. Não basta criar processos horizontais e acabar com silos verticais. São necessárias representações únicas de pessoas, empresas, território, etc., evitando a criação de novos silos horizontais (processuais), tanto ou mais perversos que os silos verticais (departamentais). Todos os silos afectam a qualidade da informação e é por isso que a informação incoerente e redundante é muito pior do que a informação eventualmente errada mas que, por ser partilhada, pode ser rapidamente corrigida e credibilizada. O PIDDAC e o QREN, enquanto fontes de financiamento deveriam privilegiar processos end to end sob pena de se criarem auto-estradas para se chegar a engarrafamentos burocráticos. Sempre que não existisse um trabalho prévio de arquitectura e não se respeitasse o princípio da reutilização da informação, não deveria haver financiamento nem aprovação do projecto, a exemplo do que acontece no Governo Federal dos EUA no âmbito OMB e do CIO Council. Os orçamentos anualizados e departamentalizados fragmentam os processos. Paradoxalmente os fornecedores externos, ao tentarem reduzir o risco e definir o âmbito da sua actuação no seu contrato com o cliente, também contribuem para esta fragmentação. Se a informação não existe recolhe-se de novo, se o organismo não respeita normas nem possui dicionários de dados inventam-se tabelas para a circunstância, evitando-se o incómodo e o risco de ir à procura de dados e semânticas comuns e partilháveis junto de outras entidades nacionais e internacionais. Por tudo isto, o papel de gestão de informação não é facilmente externalizável e constitui uma função nuclear e soberana do CIO do Estado. Os processos trespassam não apenas a administração central, mas também a regional e local, no entanto o cidadão não tem culpa que o Estado esteja fragmentado e deseja que as cadeias de valor que alimentam a prestação de serviços estejam desobstruídas e fluidas. Por isso devemos perguntar quem é que está a governar a fluidez dos processos administrativos e quem defende os interesses do Cidadão nesta rede de grandes e pequenos poderes? 6
  • 7. Com a progressiva desmaterialização dos processos e dos dados que os suportam, verifica-se uma dependência cada vez mais acentuada em relação às tecnologias da informação, acabando mesmo estas por se confundirem com o negócio, com riscos bastante elevados de continuidade e sustentabilidade de serviços. Torna-se cada vez mais evidente a necessidade de se salvaguardar os processos e os dados, que constituem os verdadeiros activos das organizações. O Estado tem necessidade de salvaguardar os seus activos e deve proteger-se contra à excessiva dependência em relação a fornecedores externos de tecnologia. Por isso deverá ter-se consciência das componentes que envolvem os mais elevados níveis de soberania e risco operacional (Processos e Dados) e o que pode ser subcontratado externamente e substituído quando for necessário (Tecnologia). A Tecnologia tem um ciclo de vida cada vez mais curto, mas os Processos e os Dados devem acompanhar continuamente a vida das organizações. As boas práticas de gestão de sistemas e tecnologias exigiriam salvaguardas que nos permitissem livremente mudar de tecnologia em qualquer momento, protegendo a soberania sobre os activos informacionais (Processos e Dados), através da segregação adequada das camadas semânticas e tecnológicas. Todos os dias assistimos no Estado à compra deslumbrada e fácil de soluções tecnológicas, que logo de seguida andam à procura dos problemas reais que justifiquem a despesa anteriormente feita de forma precipitada. É preciso saber comprar e ter liberdade de escolha. Quem não sabe o que quer, começa por comprar a Tecnologia como se fosse uma panaceia milagrosa e deixa-se capturar pelo fornecedor, que faz tudo para impedir a liberdade de escolha e “fidelizar” o cliente. A história das TIC está cheia de lutas entre a abertura desejada pelos clientes e o fechamento proprietário imposto pelos fornecedores. Este ciclo vicioso só é quebrado se o cliente conseguir proteger os seus processos e dados, tornando-os agnósticos em relação à tecnologia (utilização de XML, BPML, SOA, etc). Não é apenas uma questão de open source mas e sobretudo de open standards. Todos os activos de uma organização (processos e dados) que entram num produto tecnológico devem poder sair em qualquer momento e ser reaproveitados futuramente numa nova infra- estrutura tecnológica. Esta deve ser não apenas uma opção tecnológica, mas uma atitude de gestão que deve presidir a todas as escolhas, muito especialmente quando se trata de aplicações em larga escala para o Estado como é o caso de um ERP, de um sistema de gestão documental e workflow, de um CRM, etc. Quando se trata de aplicações em larga escala o grau de dependência do Estado em relação aos fornecedores escolhidos é muito elevado e não é coisa para amadores e principiantes. Nestes casos, a passagem para a fase de roll-out e de extensão aos serviços da administração pública, como está prestes a acontecer para os ERP, deve garantir condições e margens de negociação bem 7
  • 8. escoradas e transparentes, através de benchmarkings internacionais conduzidos por entidades de reconhecida imparcialidade e tecnicamente competentes. Os sistemas e tecnologias da informação (SI/TI) têm que deixar de ser entendidos como simples implementações de projectos e “choques” ou planos tecnológicos, mas como verdadeiras acções interdisciplinares de mudança, que exigem um olhar cada vez mais estratégico e arquitectónico e uma condução cada vez mais política (policy) e menos partidária (politics). A actual indefinição e falta de condução político-estratégica dos SI/TI do Estado, perpetuam a auto-determinação e o conservadorismo de algumas das suas actuais estruturas, a pretexto de uma aparente complexidade tecnológica que se auto-protege e se auto-legitima para se excluir de alguns constrangimentos do processo de mudança que o país exige. Num processo de mudança como o que se está a viver actualmente, mais do que bons gestores, são necessários bons líderes, orientados por valores, visão, sentimentos, proactividade, comprometimento, persuasão, inovação, flexibilidade, comunicação, etc., mas estes são difíceis de encontrar, quando o que se pretende é apenas conformismo e obediência política, mesmo que isto signifique continuar a actuar na hipocrisia dissimulada. Não se pode temer o conflito e, na actual conjuntura, deve-se utilizar positivamente a energia que dele resulta. A liderança dos SI/TI nos nossos dias exige escolhas e decisões difíceis, por isso tem cada vez mais a ver com a capacidade de lidar com a mudança e o saber construir sem medo um mundo melhor através de uma combinação adequada de pessoas, processos e tecnologias. Em conclusão, nunca como agora se sentiu tanto a necessidade de uma efectiva gestão da informação na Administração Pública. Apesar de alguns voluntarismos individuais, os organismos cada vez mais se fecham em si próprios, sem saber o que fazer e sem encontrar nenhum apoio ou orientação central. Criam-se todos os dias novas taxionomias, novas semânticas e novas estruturas de informação totalmente desconcertadas umas das outras e à deriva. É preciso acordar e abrir a “Caixa de Pandora” da Gestão da Informação, para termos esperança em relação ao futuro. 8