Este documento descreve o estudo de um conjunto de fotografias do acervo do Escritório Ramos de Azevedo que retratam "caixas de madeira", estruturas temporárias utilizadas durante a construção de edifícios. O texto discute o processo de digitalização e catalogação das fotografias realizado para preservação e acesso ao acervo, e analisa a representação da arquitetura e da cidade de São Paulo nas imagens no início do século XX.
5. 5
Índice
iNTrOdUÇÃO
1.1 acervo ramos de azevedo
1.2 Trabalhos realizados com o acervo
1.2.1 Digitalização
1.2.2 Ampliação
1.2.3 Considerações
1.3 estudo sobre a imagem fotográfica
OBJeTO
2.1 a Fotografia
2.1.1 Breve Histórico da Fotografia
2.1.2 Teoria na Fotografia
2.2 Os Fotógrafos
iMaGeM
3.1 Os edifícios
3.1.1 Identificação dos edifícios
3.1.2 Os projetos
3.2 as Propagandas
Caixa de Madeira
4.1 dentro do acervo ramos de azevedo
4.1.1 Motivos
4.1.2 Agrupamentos
4.1.3 Cronologia
4.2 imaginário – caixas de madeira fora do acervo
FOrMa
5.1 Álbum comparativo e Mapa das Fotografias
iNTerVeNÇÕes CONTeMPOrÂNeas
CONCLUsÃO
7.1 desdobramentos
reFerÊNCias BiBLiOGrÁFiCas
6. Mapa feito pelo Escritório de Ramos de Azevedo, pontuando seus edifícios
Fonte Coleção Ramos de Azevedo, Biblioteca da FAUUSP
7. 7
iNTrOdUÇÃO
1.1 aCerVO raMOs de azeVedO
A pesquisa parte do estudo de um conjunto de fotografias do acervo de
imagens do Escritório Ramos de Azevedo, que instigam interpretações pelo
fenômeno denominado caixas de madeira. Esse recorte das imagens fotográ-
ficas representa uma etapa da construção que constitui em tapumes, forma-
dos por ordenadas tábuas de madeira, que sobem conforme a construção dos
1 A linha ferroviária São andares, isto é, vedação leve que não se restringe ao térreo do canteiro de
Paulo Railway foi inaugurada
obras e que cobre a obra enquanto é edificada.
em 1867, passando na cidade
pelo Vale do rio Tamandua-
Propõe-se construir conhecimento a partir deste material sobre a repre-
teí, criando uma nova relação sentação de arquitetura por fotografias, que se inserem na documentação
do espaço urbano com seus do início do século XX de vistas da cidade e suas transformações; sobre a
rios. Das intervenções deste técnica construtiva e sua arquitetura, que estabelece a relação do estilo do
período, destaca-se a criação edifício, do Ecletismo ao Art Déco no caso estudado, e sua construção por
do Parque do Anhangabaú,
materiais e tecnologias disponíveis; e sobre o imaginário urbano da cidade
em cima do riacho de mes-
mo nome, e do Parque D.
de São Paulo no período da produção das imagens, que sofreu profundas
Pedro II, às margens do rio alterações em sua estrutura e cenário urbanos.
Tamanduateí. Entre as décadas de 1910 e 1940, a capital paulista viveu significativa
O Plano de Avenidas, execu- mudança de paisagem, mudando seus traços de cidade colonial para cidade
tado durante a gestão do pre- moderna do início do século XX. Da inauguração da ferrovia São Paulo Railway
feito Francisco Prestes Maia
ao Plano de Avenidas de Prestes Maia1, consolidam-se na cidade traçados e
(1938-1945), delimitava
avenidas em fundo de vale,
espaços essenciais para entender sua história e seus reflexos no presente.
como a atual Avenida Nove Nesses lugares criados pela ação do Estado e da elite cafeeira, desponta, pela
de Julho. E são justamente quantidade de obras, a arquitetura de Ramos de Azevedo e seu escritório.
nesses locais e nesse momen- A expressiva presença dessa construtora e escritório de arquitetura é
to em que se contextualizam constatada em visita a um perímetro relativamente pequeno do centro da
as obras com caixas de madeira
cidade de São Paulo. O escritório da empresa The São Paulo Tramway Light
do escritório do engenheiro-
-arquiteto Francisco de Pau-
and Power, conhecido como Prédio da Light; o edifício Conde Matarazzo,
lo Ramos de Azevedo. atualmente sede da Prefeitura da cidade de São Paulo; o edifício dos Cor-
Sobre a relação entre a his- reios e Telégrafos e o Teatro Municipal, obra mais famosa do escritório, são
tória de São Paulo e suas construções dessa modernidade personificada por Ramos de Azevedo, e
águas, ver o curta-metra- todas ao redor do Vale Anhangabaú, um dos símbolos dessa nova São Paulo.
gem: Entre Rios (2009),
Frente a tantas transformações urbanas surgem “a produção de vistas
direção: Caio Silva Ferraz,
produção: Joana Scarpelini, urbanas, com o objetivo da elite de apresentar, nacional e internacional-
e edição: Luana de Abreu. mente, uma imagem europeizante de São Paulo” (Gouveia, 2008: 219) e o
rico acervo iconográfico do escritório de Ramos de Azevedo.
2 Apesar de já ter realiza- O corpus fotográfico que é objeto desta pesquisa encontra-se no Setor
do importantes obras nos de Audiovisual do Serviço de Biblioteca e Informação da Faculdade de Ar-
anos anteriores, foi em 1907
quitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e fica disponível para
que Ramos de Azevedo cria
o “Escritório F. P. Ramos pesquisa e consulta de seus usuários. Não somente armazenado, o conjunto
de Azevedo”, em sociedade de imagens fotográficas está bem cuidado e organizado na Biblioteca da
com Ricardo Severo. Em FAUUSP. Como primeira etapa da pesquisa tinha-se a aproximação de seu
1928, após o falecimento do material iconográfico; assim, cabe reconhecer as pesquisas realizadas ante-
chefe Ramos de Azevedo, a riormente sobre esse acervo e o estado em que este foi encontrado.
firma se intitula “Escritó-
Em 1982, o Escritório Técnico F. P. Ramos de Azevedo – Severo & Villa-
rio Técnico F. P. Ramos de
Azevedo – Severo & Villa- res encerra suas atividades e deixa em seu edifício-sede parte da documen-
res”. In: Lemos, Carlos. Ra- tação dos 75 anos de atividades em arquitetura e construção2. Neste arquivo
mos de Azevedo e seu escritório. havia as fotografias, mais precisamente 4652 negativos de vidro e algumas
8. 8
ampliações em papel, que foram trazidas para a Biblioteca da FAUUSP pelo
Professor Carlos Lemos. Este comandou também o primeiro trabalho de
recuperação do material em 1984, com apoio da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Dez anos depois, inicia-se um segundo trabalho de conservação do 3 Todo o histórico das
pesquisas e dos processos
acervo, empreendido pelo Serviço de Biblioteca e Informação da FAUUSP,
utilizados para a conserva-
somando a atividade de duplicação e identificação dos temas retratados. ção e duplicação da Cole-
Esse projeto, que teve apoio da Fundação Vitae e coordenação de Sérgio ção Ramos de Azevedo da
Burgi, ampliou e tornou público o material fotográfico. Os negativos de Biblioteca FAUUSP está
vidro foram duplicados em negativos de celulóide 6x9 centímetros e foram muito bem documentado
realizadas reproduções fotográficas, garantindo, ao mesmo tempo, o acesso no Relatório Técnico do Pro-
jeto de Recuperação, Conserva-
às imagens e a preservação dos negativos originais3.
ção e Reprodução de negativos
Dessa forma, além dos negativos de vidro originais, encontram-se 12 de fotos do Setor Audiovisual
álbuns com cópias de contato para identificação das imagens e mais de 4000 do Serviço de Biblioteca e Infor-
negativos em celulóide para que se possa ampliar ou reproduzir digitalmente. mação/FAUUSP.
Figura 1 Os doze álbuns de contato dos negativos, relatório do Projeto Ramos de Azevedo
e etiqueta de identificação da Biblioteca da FAUUSP
Fotos do autor
1.2 TraBaLhOs reaLizadOs COM O aCerVO
1.2.1 digitalização
Descobriu-se que no Laboratório de Fotografia da FAUUSP havia a possi-
bilidade de digitalizar as imagens diretamente dos negativos de segunda
geração, não havendo a necessidade de se realizar as duplicações em papel,
já que imagens digitalizadas permitiriam uma reprodução em alta resolução
e sem perda de qualidade.
Além de agilizar a produção das imagens que pudessem ser manipula-
das, o escaneamento diretamente dos negativos permitiu que mais delas
fossem digitalizadas, pois não haveria a necessidade de se produzir sua
imagem respectiva em papel. Desse maior número de fotografias digitais
surgem maiores possibilidades de relações comparativas entre as caixas
de madeira e outras imagens do acervo de Ramos de Azevedo, contextu-
alizando a produção do Escritório Técnico Ramos de Azevedo no tempo e
no espaço.
9. 9
4 Ver em anexo o primei- Assim, realizou-se o levantamento das imagens4 que correspondiam
ro levantamento feito no à expectativa da pesquisa, isto é, ou continham as caixas de madeira efe-
Setor Audiovisual da Bi- tivamente ou possibilitavam o aprofundamento das interpretações sobre
blioteca da FAUUSP e sua
este fenômeno, determinando quantas imagens seriam digitalizadas5.
sistematização posterior.
Quanto às ampliações em papel, como não necessárias para a digitaliza-
5 Mesmo com o cuidado e ção, decidiu-se realizá-las na segunda etapa do trabalho. Essas reprodu-
a organização da Biblioteca ções fotográficas ampliaram a parte em papel do acervo, que começou com
com o acervo, uma dupla de a pesquisa de 1994.
imagens do Clube Comer- Da maneira que se escanearam os negativos, o número resultante
cial em construção, com cai-
de imagens para o acervo da Biblioteca da FAUUSP foi muito maior que o
xas de madeira em seu contor-
no, vista no álbum de cópias previsto, visto também que a máscara que foi oferecida no Laboratório de
de contato, não foi digitaliza- Fotografia da FAUUSP permitia a digitalização por duplas.
da, pois não foi encontrado Por fim, foram digitalizadas 270 imagens, sendo que 90 delas retra-
o negativo de segunda gera- tam obras que possuíram caixas de madeira durante algum período de
ção para tal finalidade. Para sua construção6.
que essa imagem seja repro-
O número de digitalizações realizadas foi superior ao planejado7, devido
duzida, é necessária sua du-
plicação a partir do negativo à maneira que se encaminhou o processo de aproximação das imagens
de vidro original, cujo acesso fotográficas. Nos primeiros meses de pesquisa, com o intuito de identificar a
é restrito. Dessa forma, estas iconografia referente às caixas de madeira, foi posta em questão o que eram
duas imagens não constarão esses invólucros e o que estes se diferenciavam de tapumes e andaimes
na pesquisa. convencionais da construção civil daquela época.
Desse percurso de pensamentos frente à identificação do acervo, aqui
6 Ver em anexo pequenas
reproduções das noventa simplificado e ordenado, iniciou-se a digitalização a partir dos negativos
imagens digitais identifica- de segunda geração. A partir das possibilidades do scanner e do software,
das com caixas de madeira. procurou-se a melhor maneira de transferir a imagem do papel para a tela,
preservando as características originais do negativo, que já era de segunda
7 Além das imagens sele- geração. Como na pesquisa de 1995, que reproduziu as imagens para nega-
cionadas, adicionou-se, para
tivos de celulóide, tinha a preocupação em se restaurar a fotografia original
entender melhor o contexto
do escritório, fotografias da do escritório, havia na digitalização o cuidado de se manter fiel na passa-
rotina do trabalho e de um gem para a imagem digital.
interessante mapa de São Ciente de que o filme fotográfico utilizado era o da Kodak TMAX,
Paulo em que os edifícios ISO 100, pesquisou-se com quais características e definições se deveria
projetados por eles eram escanear para manter as propriedades do filme preto-e-branco e sua ex-
pontuados com pinos, mos-
posição à luz. Com pesquisa por e-mail a Microtek, fabricante do hard–
trando a forte presença de
Ramos de Azevedo na cons- ware, determinou-se a compensação das limitações do scanner, que não
trução de São Paulo a partir possuía já pré-estabelecido as configurações de digitalização desse filme
do início do século XX. fotográfico.
Figura 2 Processo de digitalização no
Laboratório de Fotografia da FAUUSP
Fotos do autor
10. 10
8 As imagens digitaliza-
Outra preocupação era com a resolução da imagem, já que os arquivos das corresponderão bem a
digitais constituirão parte do acervo da Biblioteca da FAUUSP. As digitali- uma reprodução aproxima-
zações foram feitas em alta resolução, 1600 dpi, que permite a reprodução damente até em formato A3
da imagem em grandes formatos8, ampliando os possíveis usos dessas em (42 x29,7 cm).
futuras pesquisas.
Figura 3 Escritório Técnico Ramos de Azevedo, sem data
Fonte Coleção Ramos de Azevedo, Biblioteca da FAUUSP
1.2.2 ampliação
A segunda aproximação à coleção de fotos foi o trabalho de ampliação
fotográfica que, devido ao atraso da aquisição do material, como revelador
e papel fotográfico, demonstrou o predomínio das imagens digitais, já que
estavam em falta estes materiais no Laboratório de Fotografia da FAUUSP 9. 9 Ver em anexo o pedido
Interessante observar que, ao contrário de nossas expectativas, não de materiais feito a Diretoria
havia papel fotográfico, nem fixador; apenas o revelador estava disponível da FAUUSP, que apoiou a
pesquisa na aquisição do pa-
para o uso. Tornou-se necessária a contrapartida da Diretoria da Faculda-
pel fotográfico e revelador.
de, uma vez que os produtos resultantes da pesquisa serão da Biblioteca e
aumentarão seu acervo de pesquisa, para a compra desses insumos.
A substituição da imagem fotográfica revelada em papel pelo arquivo
digital é tão significativa que a aquisição do material pedido dependia de
uma pesquisa prévia sobre sua disponibilidade no mercado. Foram adqui-
ridos quatro pacotes, de 25 folhas cada, de papel fotográfico tamanho
17,8x24 centímetros e dois pacotes de fixador para filmes e papéis. Esses
foram disponibilizados para utilização no Laboratório apenas no dia 6 de
junho de 2011.
Para a ampliação fotográfica foi necessário fazer um levantamento
das fotografias em papel presentes no acervo Ramos de Azevedo, para que
11. 11
não houvesse imagens repetidas, contribuindo para o aumento de imagens
ampliadas disponíveis para consulta. A prioridade foi ampliar as imagens
de canteiro de obras em que a caixa de madeira estivesse presente, porém
significativa parte das imagens selecionadas já possuía sua ampliação em
papel. Assim adicionaram-se imagens de outro interesse, como as fotogra-
10 Ver em anexo o levan- fias noturnas e os mapas 10.
tamento feito das fotogra- Com a aquisição do material foram realizadas as ampliações em papel
fias em papel do acervo da fotográfico resinado no Laboratório de Fotografia da FAUUSP das imagens
Biblioteca da FAUUSP.
selecionadas. O processo constituía na retirada do negativo de celulóide e
ajuste dos aparelhos para que se produzisse uma reprodução bem cuidada e
mais próxima do original.
A passagem do negativo para o papel fotográfico é um processo que de-
manda escolhas, assim como a transferência para a imagem digital, que mo-
dificam o resultado final. Para o ampliador utilizou-se a lente de 120 mm,
própria para os negativos usados, e o diafragma em sua menor abertura.
Para o papel fotográfico foi utilizado um margeador com meio centímetro,
de forma a manter um padrão das ampliações realizadas para essa pesquisa.
(adicionar imagens do processo de ampliação)
Além dessa configuração inicial, modificava-se o tempo de exposição
para a sensibilização do papel fotográfico de acordo com a densidade do
negativo. Posteriormente, o papel era banhado nas seguintes soluções
químicas: revelador, interruptor, fixador e lavagem, cada um com um tempo
específico de acordo com o tipo de papel utilizado.
Apesar de a ampliação fotográfica ser um processo já conhecido e com
pré-determinações técnicas, a escolha de parâmetros para sua realização
mostra a interferência do seu produtor na imagem final. Cada ampliação foi
entendida como uma reprodução do negativo de segunda geração, resultan-
te de determinados parâmetros definidos pelo autor. No caso, as escolhas se
deviam ao corte da imagem dentro do margeador, feito para que protegesse
as bordas da imagem, e o tempo de exposição, que, conforme a imagem,
privilegiavam os detalhes de cada parte.
No acervo Ramos de Azevedo, cujas imagens possuíam um alto contraste,
de acordo com o processo de ampliação, ou as partes mais escuras ou as mais
Figura 4 Processo de claras ficavam mais nítidas. Procurou-se atingir um equilíbrio dentro da ima-
ampliação fotográfica gem, o que por vezes não significava ser mais fiel ao negativo, que já era de se-
Fotos do autor gunda geração, intervindo para que todo o conteúdo da fotografia fosse visível.
12. 12
Ao final foram ampliadas 60 imagens em papel fotográfico resinado,
que foram doadas à Biblioteca da FAUUSP. O coeficiente de aproveitamento
do papel foi de 60%, havendo perdas para testes de tempo de exposição e
aprendizado do processo de ampliação.
1.2.3 Considerações
A importância de se aproximar do acervo por esses trabalhos de digitali-
zação e ampliação consiste na afirmação da imagem como material básico
de construção do conhecimento da pesquisa. Reconhecer as modificações
ocorridas na imagem no processo de sua materialização, seja para a mídia
digital ou para a reprodução em papel, permite enxergar o autor como
agente produtor da própria imagem. Essa reflexão conduz a encarar o acervo
fotográfico em seus diferentes aspectos: a imagem, o objeto pelo qual ela se
apresenta e os seus realizadores.
Dentro da produção sobre o acervo fotográfico foram feitas escolhas
como a compensação de luz na digitalização, a correção de contraste no
software Adobe Photoshop, o recorte da imagem na ampliação, o tempo de
exposição e manipulação para amenização do contraste. Todos esses aspec-
tos são ressaltados para demonstrar por quantos equipamentos e programas
as imagens trabalhadas passaram, sendo, portanto, cada imagem resultado
de um jogo de forças entre as intenções das máquinas e de seus agentes11. 11 Essa visão do ato
Dessa forma, é notória a diferença de uma imagem digital de uma ima- fotográfico corresponde
gem fotográfica ampliada sobre um papel. Cada uma possui suas definições: àquela apresentada no livro
Filosofia da caixa preta: ensaios
por exemplo, a imagem digital é dividida em pixels, logo sua reprodução é
para uma futura filosofia da fo-
limitada por sua resolução, que é a quantidade desses pontos por polegada tografia, de Vilém Flusser.
(sigla dpi, em inglês); já a imagem ampliada a partir de seu negativo se
limita apenas pela capacidade do ampliador, sendo a capacidade da imagem
praticamente ilimitada.
Assim, seus usos se diferem também quanto à presença como objeto, no
entanto, ficou nítido o predomínio da imagem digital sobre a fotografia em
papel nessa pesquisa, conforme explicitado anteriormente. Com o escla-
recimento da importância da ampliação em papel das fotografias, foram
tomados todos os cuidados com esses documentos que agora fazem parte do
acervo da Biblioteca da FAUUSP.
1.3 esTUdO sOBre a iMaGeM FOTOGrÁFiCa
O reconhecimento dos softwares e hardwares de produção de imagem denota
a compreensão do ato fotográfico como uma caixa preta. A expressão caixa 12 A relevância da con-
sulta aos projetos originais
preta, denominada por Vilém Flusser, constitui no sistema complexo entre
dos edifícios projetados e/
o fotógrafo e o aparelho, em que o autor domina o input e o output a fim de ou construídos pelo Escri-
produzir imagens em função de sua intenção. A “escuridão” da caixa preta é tório Técnico Ramos de
o processo pelo qual o fotógrafo brinca, mas não domina, que ocorre dentro Azevedo se tornou eviden-
do aparelho durante a constituição da imagem. te ao preencher a proposta
O uso da palavra “aparelho” para se referir à câmera fotográfica deve- de ficha sobre a origem da
fotografia, presente no livro
-se à definição de que aparelhos seriam os objetos do mundo pós-industrial,
de Boris Kossoy, A Fotogra-
que se diferenciam das máquinas por não trabalharem, pois produzem fia como fonte histórica: introdu-
informação. A substituição do homem na produção de objetos que infor- ção à pesquisa e interpretação
mam, que não é o consumo como em outros bens industriais, seria pelos das imagens do passado.
13. 13
[1] Local onde se encon- aparelhos. Assim o “fotógrafo produz símbolos, manipula-os e os armazena”
tra: Setor Audiovisual da (Flusser, 1985: 14), contudo a partir de um aparelho, que por sua vez já vem
Biblioteca da Faculdade de programado para a realização de determinadas tarefas pré-determinadas,
Arquitetura e Urbanismo;
assim como fotografias já previstas.
[2] De quem foi adquiri-
da: Doação do Escritório Ciente do jogo de intenções entre fotógrafo e aparelho para a produção
Técnico Ramos de Aze- das fotografias, a interpretação das imagens do acervo Ramos de Azevedo
vedo, por meio de pedido partiu do entendimento do processo fotográfico. Segundo Flusser, o que
do professor da FAUUSP vemos ao observar imagens produzidas por aparelhos são conceitos relativos
Carlos Lemos; ao mundo e não ele próprio. Por isso, dividiu-se o trabalho nas seguintes
[3] Tipo de aquisição:
partes, além das aproximações feitas ao acervo explicadas nessa introdução:
Doação;
[4] Data: Aproximada- o objeto fotográfico, que inclui os fotógrafos, e a imagem fotográfica, na
mente das décadas de 1920 qual surge o recorte proposto das caixas de madeira.
a 1950; A divisão do estudo realizada concretizou-se a partir da proposta
[5] Número de referência do livro de Boris Kossoy, A Fotografia como fonte histórica: introdução à
e/ou tombo conforme se pesquisa e interpretação das imagens do passado. O primeiro passo para
acha catalogada: trabalho
Kossoy é “explicitar os elementos estruturais do processo que concorre-
realizado por pesquisas
dentro da FAUUSP; ram para a materialização de uma reprodução fotográfica”, em conjunto
[6] Foi adquirida junta- ao momento histórico de sua realização. O acervo Ramos de Azevedo é um
mente com outros docu- conjunto de fotografias, cujo “produto final é, pois, resultante da ação do
mentos: Sim, os projetos homem (fotógrafo), que optou por um determinado assunto e que, para
dos edifícios; seu devido registro, empregou os recursos físico-químicos oferecidos pela
[7] É peça avulsa: É um con-
tecnologia” (Kossoy, 1980: 15).
junto de imagens fotográfi-
cas, porém sem nenhuma Da base documental fotográfica atinge-se por fim o objetivo de en-
unidade, inclusive temática; tender as caixas de madeira, registradas em um momento histórico, e que
[8] Peças: Álbum, cópias ori- “traz indicações de uma parcela específica – por vezes significativa – deste
ginais, negativos de vidro e passado”(Kossoy, 1980: 18). Apesar de reconhecida a influência dos apare-
celulóide e cópia de contato; lhos na produção de imagens técnicas, o documento histórico-fotográfico é
[9] Estado atual de conser-
entendido como rastro do real.
vação: Bom;
[10] Informações adicio- “O caráter de reprodução literal e icônica de fragmentos da realidade
nais: Havia a catalogação inerente a essas fontes são indispensáveis enquanto meios de conhe-
de parte das imagens pelo cimento dos diferentes tipos de história”(Kossoy, 1980: 18). Assim se
próprio Escritório. permitiu que pudesse inferir sobre as caixas de madeira apenas pelas
fotografias em um primeiro momento, uma vez que parcela da realidade
daquele momento está presente como vestígio nas fotografias. Além disso,
o conjunto de imagens do Escritório Ramos de Azevedo é
fotogra a
entendido com o propósito documental.
Foi somente por meio das imagens que se identificou
tecnologia
o interessante recorte das caixas de madeira, pelo seu
fotógrafo registro icônico que pouco foi encontrado em palavras.
Demonstrou-se escassa a bibliografia sobre a técnica
construtiva, conformando um pequeno conjunto de do-
cumentos para a pesquisa, com o destaque principal aos
s
ass
nto
Códigos de Obras da cidade de São Paulo.
unt
u
ass
os
Dentre os documentos que apoiam o estudo, pou-
co se encontra de textos jornalísticos da época, pois a
consulta a periódicos necessitava ser sistemática e se
po
esp
mostrou pouco eficiente. Então a base documental se
tem
aço
assunto
selecionado constitui principalmente de imagens do próprio acervo
do Escritório Ramos de Azevedo, e em segundo plano de
Figura 5 Elementos estruturais da fotografia outros álbuns fotográficos da cidade de São Paulo, além
Desenho do autor dos desenhos dos projetos dos edifícios 12.
15. 15
OBJeTO
2.1 a FOTOGraFia
A presente pesquisa é história através de fotografia, mas também é um
pouco de história da fotografia, já que são importantes também “os próprios
fatos ligados a todo o processo que deu origem a estas imagens”(Kossoy,
1980: 32). De forma a unir esforços, estudou-se a história e a teoria da
fotografia, durante o segundo semestre de 2011, no curso ministrado por
Helouise Costa no Museu de Arte Contemporânea da USP, “Fotografia e Arte:
interações ao longo do século XX”.
2.1.1 Breve histórico da Fotografia
A história da fotografia mundial remonta da metade ao final do século XIX,
que logo chega ao Brasil. O acervo fotográfico Ramos de Azevedo, que é do
início do século XX, se insere em um período de transição entre momentos
da fotografia brasileira. Esquematiza-se três períodos no livro Fotografia Mo-
derna Brasileira, de Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva: fotografia
13 Esta definição baseia- documental no século XIX, fotopictorialismo e fotografia moderna13.
-se basicamente no fio con- No século XIX os usos da fotografia se consolidaram nos retratos, no re-
dutor de uma discussão: a gistro de acontecimentos públicos e na documentação urbana e da natureza.
fotografia como arte. E não
Logo no início do século XX, no Brasil, o caráter documental das fotografias
somente como suporte para
a produção de obras de meio foi utilizado para registrar as transformações nas cidades. No Rio de Janeiro,
tradicional, como pinturas, a prefeitura de Pereira Passos, entre 1902 e 1906, contrata fotógrafos para
mas ela em si sendo a obra. capturar em imagens as mudanças urbanas. Aliás, “é possível afirmar que
Já que a fotografia é produ- o auge da estética documental ocorreu no período em que se realizaram as
zida por um aparelho (meio maiores alterações no meio ambiente social” (Costa, 2004: 19).
técnico), a questão se volta à
Considerada apenas pelo seu caráter científico, a fotografia impedia a
participação do artista na pro-
dução da imagem fotográfi- percepção da “estruturação ideológica da imagem, negando a intervenção
ca, pois aí residiria o caráter humana no resultado final do processo fotográfico” (Costa, 2004: 17). O
artístico da imagem técnica. discurso sobre a fotografia adotado no trabalho se distancia, a partir do
momento que reconhece e retrabalha as estruturas do processo fotográ-
14 A atuação dos fotó- fico. As fotografias de caixas de madeira são registro de uma parcela da
grafos pictorialistas ocorria
realidade, porém a partir da escolha de um fotógrafo sujeito às capacida-
também na imprensa ilustra-
da, como o caso da revista O des da técnica de sua época.
Cruzeiro, entre os anos 1928 Em segundo momento da produção fotográfica, a fim de se superar
e 1932. Essa relação é traba- a estética documental do século XIX, surge o pictorialismo. Apesar de a
lhada no artigo “Pictorialis- tendência pictorialista se referir à afirmação da fotografia como arte, ela é
mo e Imprensa: o caso da interessante de ser mencionada na análise das imagens do acervo estudado,
revista “O Cruzeiro” (1928-
que notadamente eram para fins documentais.
1932)”, de Helouise Costa.
É importante ressaltar que o O Pictorialismo está atrelado ao movimento do fotoclubismo no Brasil,
período das primeiras foto- que, por fim, foi a base da produção fotográfica brasileira durante o século
grafias do acervo Ramos de XX. Os fotoclubes surgiram como uma reação à fotografia amadora decor-
Azevedo, caso do Edifício- rente da democratização dos meios de produção da imagem fotográfica.
-sede da empresa Light, é A afirmação da fotografia como arte passava pela criação de um caráter
exatamente esse, o que torna
elitista ao fazer a fotografia.
interessante a relação do uso
da fotografia na mídia im- Da experiência social das camadas médias urbanas adotou-se uma estética
pressa da época e o proposto fotográfica pictorialista, que não se restringia somente a essa produção14, em
no Escritório Técnico. que era permitida toda sorte de intervenções na cópia fotográfica, “tais como
16. 16
o uso de lápis e pincéis para a introdução ou supressão de elementos, retoques de
todo tipo, modificação de tons, etc” (Costa, 1991: 263). Ao final, a fotografia tinha
a “aparência de gravura, aquarela ou pintura” (Costa, 1991: 264).
A produção fotográfica do início do século XX, período em que as fotogra-
fias estudadas foram obtidas, realizava-se em estabelecimentos independentes
chamados de estúdios fotográficos, prática advinda do final do século XIX. E
por sua vez, fotógrafos se reuniam em fotoclubes, destacando-se, em São Paulo
no final da década de 1940, o Foto Cine Clube Bandeirante.
As imagens fotográficas presentes no acervo, apesar de inseridas no
panorama do pictorialismo fotográfico no Brasil, possuem uma finalidade
documental e não almejavam um status de obra de arte. Os usos identificados
das fotografias eram para a realização de catálogo de obras do escritório e
para comunicação entre os construtores, como no caso do Edifício da Light, a
ser melhor explicado adiante. No entanto, a tomada das fotografias dentro da
dinâmica do escritório de arquitetura, e se esta era uma atividade sistemática,
são questões ainda não esclarecidas.
A relação entre o pictorialismo e as fotografias estudadas se revela na
“aproximação entre o pictorialismo e uma certa tendência ao ecletismo que ca-
racterizou alguns campos da produção artística no final do século XIX”, sendo
possível “traçarmos paralelos entre o pictorialismo e a arquitetura eclética”
(Costa, 1991: 264). Segundo Helouise Costa (Costa, 1991: 264),
a retomada de modelos do passado e a reação à industrialização são características
comuns que demonstram que a fotografia vivenciava questões que não eram res-
tritas somente ao seu universo específico.
A arquitetura eclética do Escritório Ramos de Azevedo, registrada nas ima-
gens, possuía grandes vãos superados por estruturas de concreto e de metal,
porém todas essas estruturas realizadas pelo escritório do engenheiro-arquiteto
eram revestidas por uma fachada eclética, remetendo sempre ao estilo clássico. A
contradição entre técnica e estética, tanto na fotografia que buscava se asseme-
lhar a pinturas, quanto arquitetura de grandes estruturas moldadas a uma aparên-
cia neoclássica, é sinalizado por Argan, no livro Arte Moderna (Argan, 2006: 81):
As fotografias ‘artísticas’, tão em voga no final do século passado e no início do sé-
culo XX, são semelhantes às estruturas perfeitas em ferro ou cimento que os arqui-
tetos ‘estruturais’ revestiam com um medíocre aparato ornamental para dissimular
sua funcionalidade: e assim como só surgirá uma grande arquitetura estruturalista
quando os arquitetos se libertarem da vergonha pelo suposto caráter não-artístico
de sua técnica, só surgirá uma fotografia de alto nível estético quando os fotógra-
fos, deixando de se envergonhar por serem fotógrafos e não pintores, cessarem de
pedir à pintura que torne a fotografia artística e buscarem a fonte do valor estético
na estruturalidade intrínseca à sua própria técnica
De um aspecto puramente documental e científico do século XIX até uma
fotografia que não é devolução mecânica de uma realidade visual, como ela é
atualmente vista, há o período do fotopictorialismo, dos clubes fotográficos,
da arquitetura eclética de Ramos de Azevedo, e, por fim, dos registros das cai-
xas de madeira no acervo estudado. No momento posterior, entre as décadas de
1940 e 1950, constitui-se a fotografia moderna, em que a técnica fotográfica
se resolve em experimentos da própria linguagem.
17. 17
Figura 6 Clube Comercial e Palácio da
Justiça representavam grande avanço
técnico em suas estruturas e apresentavam
o gosto pelo clássico em suas fachadas
Fonte Coleção Ramos de Azevedo,
Biblioteca da FAUUSP
2.1.2 Teoria na Fotografia
A compreensão da história da fotografia não se encerra na evolução téc-
nica de seu aparelho, nem na sua relação com a arte. Os discursos sobre
a essência da fotografia se modificaram ao longo do tempo e fornecem
instrumentos para, em cada momento histórico, se analisar e pensar as
imagens. Como dito, o caráter documental do século XIX muito perdurou
na produção fotográfica brasileira, incluindo no acervo estudado. Já nes-
sa pesquisa, as fotos se apresentam mais como um documento estrutura-
do a partir de um fotógrafo e seu aparelho.
Porém, antes de se traçar uma linha dos teóricos lidos para o estudo,
cabe adentrar a parte da técnica da fotografia, considerando principal-
mente o acervo. As mudanças dos procedimentos fotográficos foram
enormes no período em questão, no entanto pouco se avançou nesse
sentido para a pesquisa, o que justifica esse ponto não haver sido levan-
tado até então no trabalho.
Não se obteve informações sobre os aparelhos fotográficos utilizados
pelo escritório para a tomada das fotografias. A única informação signi-
ficativa são que os negativos originais são de vidro, apesar de o negativo
flexível de celulóide ter sido inventado logo nos anos de 1880. O motivo
dessa escolha não está claro.
Na década de 1920, início das datas inscritas em carimbos nos negati-
vos, já se comercializava a câmera Leica, por exemplo, equipamento lança-
do em 1925. Naquele momento a câmera Leica rivalizava com Rolleifleix,
que possuía negativos quadrados de 6x6 centímetros. Ambas inauguravam
um novo relacionamento entre fotógrafo, máquina e realidade, devido a
sua facilidade no transporte. Contudo, somente pelo contato com os nega-
tivos, não foi possível determinar esse e outros aspectos técnicos.
Desse dado poderíamos inferir questões que influenciaram a compo-
sição da imagem e configuraram o imaginário da época, como o tempo
de exposição para a captura fotográfica. Em algumas fotografias, pessoas
em movimento surgem como borrões. A materialidade do negativo tam-
bém se apresenta em processos de intervenção no negativo, deterioração
e rachaduras.
18. 18
Figura 7 A influência da técnica nas imagens, como borrões em movimento; e
nos objetos, como o processo de deterioração e quebra dos negativos de vidro
Fonte Coleção Ramos de Azevedo, Biblioteca da FAUUSP
A fotografia, para além da questão do objeto, é imagem tomada a par-
tir de uma paralisação de tempo e recorte de espaço. Do percurso traçado
acima, as fotografias passam da científica transcrição da realidade em
imagem bidimensional para o processo de criação em que esta inaugura
uma realidade. Segundo Philippe Dubois, há três momentos do discurso da
ontologia da fotografia.
No século XIX, em seu momento inaugural, a fotografia é o espelho do
real, denominado o discurso da mimese. Em uma análise semiótica, ela seria
ícone por estabelecer uma relação de aparências; a fotografia se asseme-
lha àquilo que ela representa. O segundo discurso, presente no século XX,
diz respeito à fotografia como transformação do real, configurado como o
discurso do código. A imagem fotográfica será símbolo, pois então deve ser
culturalmente codificada, como se trabalhou em parte da pesquisa.
A fim de desmontar as convenções das fotografias analisadas, pensan-
do o discurso dos fotógrafos, dos aparelhos, dos processos de reprodução e
circulação das imagens, restam ainda as caixas de madeira ali representadas.
Entendeu-se que além da construção ideológica da imagem, há ainda o traço
do real na fotografia, que é o terceiro discurso da ontologia fotográfica.
Na visão semiótica, a fotografia é índice, por fim, em que há a conti- Figura 8 Diferentes
carimbos presentes
guidade física do signo com seu referente. Há uma pregnância do real na
nas fotografias
fotografia, chamado de “isso foi” por Roland Barthes, em A Câmara Clara, Fonte Coleção Ramos
expressão que serve para se opor ao segundo discurso que poderia ser indi- de Azevedo, Biblioteca
cado como “isso quer dizer”. A relação entre índice e objeto referencial se da FAUUSP
dá por conexão física, que gera singularidade, designação e atestação, isto
19. 19
é, a fotografia se remete apenas a um único referente determinado e esta é
testemunho de sua existência.
Denominar “isso foi” também denota a diferença entre a representação
e seu referente, o que não ocorria no entendimento inicial da fotografia em
que a cientificidade do processo de produção da imagem a colocava “acima
de qualquer suspeita”. Portanto, procurou-se entender o debate teórico
acerca das fotografias, de forma a sustentar a compreensão sugerida das cai-
15 A principal contribui- xas de madeira, que está presente apenas no imaginário fotográfico atual15.
ção de Roland Barthes, em
A Câmara Clara: nota sobre
a fotografia, é a definição de
2.2 Os FOTóGraFOs
uma dualidade entres as ima-
gens fotográficas, que carac-
terizava sua essência perante Entendida a fotografia em seu contexto histórico, o segundo fator impor-
as outras. A regra estrutural tante de se observar na estrutura das imagens de caixas de madeira foram
é que há o studium e opunctum, os fotógrafos. Em um primeiro momento do trabalho, foi feita apenas uma
em que o primeiro é o inte- importante observação do processo: a quantidade de imagens tiradas da
resse gerado no espectador
construção dos Escritórios Centrais da empresa S.P.T.L. & P. Co. Ltd., perten-
por um estudo, isto é, por
motivos culturais, como a centes ou não do acervo Ramos de Azevedo da Biblioteca da FAUUSP.
apreensão do que é retratado Segundo Sonia Gouveia (Gouveia, 2008: 218),
e o que aquilo significa em
seu contexto particular. Já o Empresas estrangeiras como a São Paulo Railway e The São Paulo Tramway, Light
punctum, que realmente inte- and Power Company contratavam o acompanhamento fotográfico das obras,
ressa a Barthes, não se busca,
para seu controle técnico e avaliação à distância
mas se é atingido. O punctum
“se encontra no campo da
coisa fotografada como Há uma nítida diferença de quantidade de imagens do Edifício da Light
um suplemento ao mesmo e de organização, pois todas as imagens possuem carimbo oficial do Escritó-
tempo inevitável e gracioso” rio e data do registro. Essa etiqueta, dentro dos negativos selecionados para
(p.76), em que depende da digitalização, possui seu primeiro registro em uma imagem desse prédio em
subjetividade de quem vê a
construção no dia 14 de Novembro de 1927. Há fotografias anteriores a essa,
fotografia. Essa atração do
punctum que faz por fim exis- porém sem uma documentação precisa, possuindo apenas a anotação da
tir a fotografia para quem data e a sigla R.A., de Ramos de Azevedo.
vê, pode ser associada ao Pelo registro do edifício da Light, Gouveia cita o fotógrafo Guilherme
surgimento dessa pesquisa. Gaensly que também trabalhou para o Escritório de Ramos de Azevedo. Suas
As caixas de madeira, que, fotografias, e sua relação com arquitetura e construção, apontam a maneira
no começo, não se soube
de se pensar o funcionamento dos registros para aquela época. Gaensly pos-
nomear, destacou-se dentro
de um conjunto de fotogra- suía um estúdio que se dedica “ao registro de paisagem urbana, produzindo
fias, não por ter sido cultu- importantes registros da cidade que eram vendidos como fotos em papel
ralmente identificadas como albuminado e colotipias impressas na Suíça, comercializadas em álbuns”16.
interessantes, mas por terem Sugere-se então que a preocupação com um registro sistemático das
saído em registros, talvez suas obras tenha sido provocada por iniciativa de se comunicar com outros
não intencionalmente, para
escritórios, proprietários da obra ou responsáveis pelo projeto de arquite-
atingir os olhos de quem vê
as fotografias hoje em dia. tura, uma vez que em muitas situações, como no próprio caso do Edifício da
Light, o Escritório Técnico Ramos de Azevedo era responsável pela constru-
16 Notas biográficas de ção. Das edificações com caixas de madeira a situação se repete no Prédio
Guilherme Gaensly (1843- Conde Matarazzo, cujo projeto é do arquiteto italiano Marcello Piacentini,
1928) pelo Instituto Mo- e, no contexto mais geral da produção arquitetônica de Ramos de Azevedo,
reira Salles, disponível no
no Teatro Municipal, cuja autoria do projeto é de Domiziano Rossi, sócio do
sítio: http://ims.uol.com.
br/Guilherme_Gaensly/ escritório paulistano, e Cláudio Rossi.
D91, acessado dia 01 de A produção das imagens que constituem o acervo Ramos de Azevedo
junho de 2011. talvez não tenham sido do próprio escritório, mas sim de outros estúdios
especializados em fotografia. No entanto, não está claro se Gaensly foi
20. 20
funcionário de Ramos de Azevedo, ou se havia fotógrafos que estivessem
inseridos na rotina de trabalho do escritório de arquitetura e construção.
Contudo não se identificou a autoria das imagens do acervo da Biblioteca
da FAUUSP por completo.
A atividade fotográfica era comum em estúdios e somente se sabe da
relação de alguns fotógrafos com trabalhos específicos. Além da relação de
Guilherme Gaensly com a construção do Edifício da Light, há a identificação
do fotógrafo Otto Rudolf Quaas, “responsável por uma parcela importante
da documentação do Escritório Técnico Ramos de Azevedo publicada nos
álbuns Views of Buildings designed and constructed by Ramos de Azevedo
(s.d.) e Album de construccões (s.d.)” (Mendes, 2004: 406-408)17. 17 Otto Rudolf Quaas
O Album de Construccões, disponível para consulta na Biblioteca da (1872-1929) era austríaco
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, corresponde a um portfólio e, assim como Gaensly, foi
responsável por documen-
do Escritório Técnico Ramos de Azevedo. Como ressalta Maria Cristina Wolf
tação de transformações ur-
de Carvalho em “Ramos de Azevedo” (Wolf, 2000: 382), banas de São Paulo. Ao invés
da Companhia Light, “foi
Trazem, devidamente identificados, os edifícios retratados em um total de cin- contratado da Companhia
qüenta pranchas. Realizadas pelo fotógrafo Otto Rudolph Quaas, que tinha na Paulista de Estrada de Ferro
ocasião seu estúdio de “Photographia Artística” na rua São Bento, nº 46, essas e registrou trechos do ramal
de Rincão a Martinho Prado
fotografias dão conta de 28 projetos e construções, dos quais quinze são de
por ocasião de sua inaugura-
edifícios públicos e institucionais e treze de residências ção” (Kossoy, 2002).
Figura 9 Álbum de fotografias de Otto Quaas sobre obras do Escritório Ramos de Azevedo, sem data
Fotos do autor
Identifica-se então apenas duas relações entre o Escritório Técnico
Ramos de Azevedo e a atividade fotográfica, sendo as duas externas à
própria atividade da arquitetura. Contudo, há, de fato, um grande número
de imagens que sugere que as fotografias foram tiradas sistematicamente
durante as construções.
Apesar desses dois casos de fotógrafos identificados, Guilherme 18 Provavelmente, Gui-
Gaensly e Otto Quaas, as fotografias do acervo não são de suas autorias, lherme Gaensly e Otto
Quaas tiveram contato di-
excetuando o caso específico do Edifício da Light obviamente. As imagens
reto com Ramos de Aze-
fotográficas das caixas de madeira são posteriores ao ano de 1927, com vedo para sua contratação,
uma concentração entre as décadas de 1930 e 1940, sendo que a Gaensly visto que o chefe falece no
falece no ano de 1928 e Quaas no ano de 192918. ano de 1928.
21. 21
Tanto Gaensly quanto Quaas são importantes na documentação fo-
tográfica das transformações urbanas de São Paulo no século XIX, o que
leva a primeira associação com a atividade de outro fotógrafo, Militão
Augusto de Azevedo (1837-1905). Da segunda metade do século XIX e
um pouco anterior aos outros dois, não foi contratado em seu mais co-
nhecido trabalho por empresas ou pelo governo para registrar a substi-
tuição do “casario colonial de barro pelas construções imperiais feitas de
tijolos” (Tirapeli, 2007: 109).
Seu Álbum Comparativo, no qual expõe 25 anos de trabalho na capital, de 1862
a 1887, com mais de duzentas imagens, quando tinha trinta mil habitantes, é
a salvação da memória da cidade. Na última década do século XIX, Marc Ferrez,
cujas fotografias foram publicadas em álbum pela Casa Laemmert, e Carlos
Hoenen, fotografaram a cidade imperial de tijolos que não resistiu trinta anos
e foi substituída pela cidade eclética e moderna, mais tarde fotografada pelo
19 Na questão moder- suíço Guilherme Gaensly
nidade e fotografia cabe
lembrarque “Em 1922, na
Enquanto Militão Augusto de Azevedo fotografou a cidade colonial
Semana de Arte Moderna,
realizada no Teatro Mu-
que fora substituída pela alvenaria de tijolos, Guilherme Gaensly regis-
nicipal de São Paulo, dife- trou o surgimento da cidade eclética e moderna que reside ainda nos
rentemente de todas as ma- principais edifícios do centro da cidade de São Paulo, em sua maioria
nifestações de vanguarda projetados por Ramos de Azevedo.
(...), não se contemplou a Ao primeiro olhar, as fotografias do acervo Ramos de Azevedo remetem
fotografia e o cinema como
às construções ecléticas do centro de São Paulo, porém a partir do recorte
linguagem e manifestação”
(Fernandes Jr, 211). Apenas
das caixas de madeira, abrangeu-se uma maior fração temporal. As caixas de
Mário de Andrade praticou madeira retratam também a mudança do estilo eclético da arquitetura para
a fotografia, a qual privile- o Art Déco, prenúncio de uma modernidade arquitetônica, assim como uma
giava radicalidade, novida- modernidade na composição das fotografias 19.
de e estranhamento. Então, a atividade dos fotógrafos que produziram o acervo do Escritório
Ramos de Azevedo se agrega à produção fotográfica dos anos 1930 e 1940.
20 Hildegard Rosenthal
(1913-1990) e Alice Brill
Em São Paulo, nesse momento se torna relevante a atuação de outros fotó-
(1920) vêm da Alemanha grafos imigrantes (Gaensly era suíço e Quaas era austríaco), que por sua vez
para o Brasil fugindo do- vieram fugidos de conflitos em seus países de origem.
nazismo em 1937 e 1934, Destacam-se para o trabalho aqueles fotógrafos que se voltaram
respectivamente. Hildegard para o registro da cena urbana de São Paulo, que são: Hildegard Rosen-
atua como fotojornalista e
thal, Alice Brill, Jean Manzon e Peter Scheier. Esses fotógrafos vêm ao
assim documenta a cidade
de São Paulo. Já Alice Brill Brasil no final dos anos 1930 e começo dos anos 1940 durante a Segunda
se dedica a registrar a cidade Guerra Mundial (1939-1945), trazendo outro conhecimento fotográfi-
por pedido de Pietro Maria co cultural. Portanto suas fotografias são posteriores temporalmente e
Bardi entre 1953 e 1954 diferem do acervo estudado.
para a comemoração do As imagens fotográficas situam-se na transição do movimento picto-
IVCentenário de São Paulo.
rialista da década de 1920 e a fotografia moderna brasileira que se inicia
Parte do acervo de ambas
se encontra no Instituto na década de 1940. Os fotógrafos estrangeiros constroem então o olhar “de
Moreira Salles, que disponi- fora” no Brasil, de suas cidades e transformações. A presença feminina se dá
biliza informações e acesso pelas fotógrafas alemãs Hildegard Rosenthal e Alice Brill que produzem uma
às imagens, pelos seguin- documentação de caráter humanista de São Paulo20.
tes sítios: Hildegard Ro- Já Jean Manzon e Peter Scheier estão ligados a dois projetos modernos
senthal - <http://ims.uol.
para o país. O primeiro, francês expoente do fotojornalismo moderno no
com.br/Hildegard_Ro-
senthal/D109>; Alice Brill Brasil, vincula-se à construção de uma identidade nacional, de acordo com
- <http://ims.uol.com.br/ a política do Estado Novo, regime autoritário de Getúlio Vargas de 1937 a
Alice_Brill/D89>. 1945. Já Scheier fotografa a cidade e participa do projeto de
22. 22
relações entre a arquitetura moderna e a fotografia [que] se fizeram tão imbri-
cadas que esta acabou por transformar-se em um paradigma da representação
da modernidade arquitetônica. Mais que uma simples documentação a serviço
da história da arquitetura e do ambiente construído, a fotografia tornou-se par-
te do discurso e o instrumento pelo qual os arquitetos modernos comunicaram
as suas idéias sobre a arquitetura e a cidade (Falbel, 2007: 2)
Visto que o álbum fotográfico do Escritório Técnico Ramos de Azevedo
se insere temporalmente na passagem da estética pictorialista para a foto-
grafia moderna, e na passagem de novos atores da fotografia das cenas da
cidade, do fotoclubistas para os fotógrafos estrangeiros modernos, surgem
as questões formais da imagem. A pesquisa se direciona então para as cai-
xas de madeira e a possibilidade de transição - de pictórica a moderna - na
visualidade dessas imagens, que por fim são a representação da arquitetu-
ra por fotografias.
Figura 10 Álbum comparativo da
cidade de São Paulo: 1862-1887
de Militão Augusto de Azevedo.
Fotos do autor
23. 23
Figura 11 Fotografias de Alice Brill que apresentam a visão da fotógrafa
estrangeira na cidade de São Paulo. Figuram na paisagem os edifícios
estudados Faculdade de Direito, Prédio Conde Matarazzo, Sede da
Companhia Paulista de Seguros, na Rua Líbero Badaró, e Edifício Britania.
Fonte Reproduções disponíveis no acervo do Itaú Cultural e IMS
24. Vista noturna a partir de onde atualmente é a Avenida Nove de Julho, caixa de madeira ao fundo
Fonte Coleção Ramos de Azevedo, Biblioteca da FAUUSP
25. 25
iMaGeM
A segunda parte da pesquisa se concentra na imagem fotográfica e não mais
em sua presença como objeto. O visível nas fotografias, como um traço da
realidade, indica edifícios em construção, simbolizados pelas caixas de ma-
deira. O norte para a análise visual das fotografias foi o livro Fotografia e Ci-
dade, que reúne as dissertações de mestrado de Solange Ferraz de Lima, São
Paulo na virada do século: as imagens da razão urbana - a cidade nos álbuns
fotográficos de 1887-1919, e de Vânia Carneiro de Carvalho, Do Indivíduo ao
tipo: as imagens da (des)igualdade nos álbuns fotográficos da cidade de São
Paulo na década de 1950.
Cada uma trabalha álbuns fotográficos da cidade de São Paulo de 1887
e 1954, definindo como balizas o Álbum Comparativo de Militão Augusto de
Azevedo e os álbuns produzidos nas comemorações do IV Centenário de São
Paulo. O período entre esses dois momentos foi considerado transitório na
produção na cidade de São Paulo, visto que há apenas três álbuns fotográfi-
cos das décadas de 1920, 1930 e 1940. Justamente é quando as fotografias
das caixas de madeira são produzidas no objeto de estudo.
A Coleção Ramos de Azevedo, além de não se encaixar em nenhum dos
tipos, não foi incluída nas dissertações de mestrado citadas por tratar de
um tema específico do contexto urbano, sendo a cidade de São Paulo apenas
tema secundário. Pensar as fotografias das caixas de madeira dentro do
contexto desses álbuns permite entrar no imaginário paulistano das duas
épocas e perceber permanências passadas e indícios futuros do tratamento
fotográfico do espaço urbano.
O estudo da imagem abarca as transformações urbanas, os edifícios e as
caixas de madeira, que são os elementos figurativos e espaciais registrados
no recorte proposto. Ao mesmo tempo, há a maneira como são apresentados
esses elementos nas imagens, isto é, o tratamento plástico escolhido. Essas
são as duas bases estruturais a serem identificadas e descritas na abordagem
desses documentos iconográficos: os descritores icônicos e os descritores
21 Entre os descritores formais, respectivamente21.
icônicos listados nas pes- As quatrocentas imagens da Coleção Ramos de Azevedo estavam avul-
quisas de Solange Lima e sas, com uma prévia identificação dos edifícios retratados, sem uma unidade
Vânia de Carvalho, têm-se:
temática e sem nunca terem sido reunidas a partir de um projeto editorial,
[1] Vista: panorâmica,
parcial e pontual; como os álbuns fotográficos da cidade de São Paulo. Dessa maneira foi neces-
[2] Infra-estrutura e trans- sária a seleção prévia para o início da pesquisa, que no caso foram os descri-
formação do tecido urbano; tores icônicos que apontaram o punctum das imagens: as caixas de madeira.
[3] Edificações: gabarito As fotografias possuem em comum, de pano de fundo, as transforma-
e função; ções urbanas da cidade, porém os descritores icônicos analisados são os
[4] Acidentes naturais
edifícios e, em menor escala, as propagandas que se destacaram posterior-
e paisagem;
[5] Luz: diurna, noturna mente dentre os elementos das imagens.
e interna.
3.1 Os ediFíCiOs
Logo, apenas a partir de uma visão geral do corpus fotográfico em estu-
do, definiu-se o interesse em cada imagem do acervo do Escritório Ramos
de Azevedo. Ao final, foram identificados os seguintes projetos com
caixas de madeira22:
26. 26
n The S.P.T.L. & P. Co. Ltd.: Escriptorios Centraes 22 Os nomes grafados
n Faculdade de Direito com itálico foram transcri-
n Club Commercial: Parque Anhangabahú tos das etiquetas de identi-
ficação do próprio escritó-
n Palacio da Justiça
rio presentes nos negativos
n Predio Conde Matarazzo: Praça do Patriarcha de vidro.
n Palacio do Commercio
n Edifício armazéns e escritórios: Rua Brigadeiro Tobias
n Edifício-sede Banco Nacional Imobiliário S.A.
n Soc. Im. Ramos Azevedo:Rua 15 de Novembro
n Escritórios: Praça João Mendes
n Nóbrega Hotel
Além dessas onze obras listadas, havia dois projetos que não foram
identificados em um primeiro momento. Esses foram adicionados poste-
riormente e são:
n Edifício Britania
n Edifício José Paulino Nogueira
As fotografias do Edifício Britania haviam sido localizadas e identifi-
cadas como caixas de madeira, porém este não foi adicionado à lista, pois,
como parecia secundário nas imagens, supôs-se que esse não fosse do
Escritório Técnico Ramos de Azevedo. A partir de estudos sobre as obras do
Escritório, percebeu-se que o edifício também se incluiria na proposta da
pesquisa por ser construída por esse.
No negativo em que o Edifício José Pau-
lino Nogueira aparece coberto por uma caixa
de madeira, a imagem era classificada “Sem
Identificação”. No decorrer da pesquisa, com o
cruzamento de dados dos possíveis edifícios do
Escritório e as referências urbanas ao Largo do
Paissandu na imagem, identificou-se a edifi-
cação, dado que foi confirmado com visita ao
local, onde há inscrito na parede externa “Pro-
jeto e Construção do Escritório Técnico Ramos
de Azevedo – Severo & Villares S.A.”
Havia duas fotografias, que foram classifica-
das como retratos da construção de uma residên-
cia a Rua Brigadeiro Luiz Antônio, na cidade de
São Paulo, em que se supôs um erro de identifi-
cação pelo gabarito do edifício de sete andares
que figura no negativo, incompatível com o uso
residencial unifamiliar. O edifício não foi identi-
ficado por falta de outras informações.
3.1.1 identificação dos edifícios
Durante a aproximação ao acervo pelos álbuns
de contato, verificou-se que havia, muito além
das grandes obras do Escritório Técnico Ramos Figura 12 Identificado como residência, sem data
de Azevedo, inúmeras edificações com caixas Fonte Coleção Ramos de Azevedo, Biblioteca da FAUUSP
27. 27
Figura 13 Recorte da reprodução do mapa de 1972 com anotações feitas durante a pesquisa
Fotos do autor
de madeira, e seria exigido um grande trabalho para nomeá-los e localizá-
-los na cidade de São Paulo. Assim, esse trabalho, que seria posterior,
tornou-se primordial para o início das reflexões.
Finalizadas as digitalizações, tinha-se a base para prosseguir a
pesquisa. O avanço se deu na espacialização dos edifícios com caixas de
madeira, que resultou no mapa em anexo. Esse indica, em um recorte
entre o Parque da Luz a norte, o Parque D. Pedro II a leste, a Praça da Sé a
sul e a Praça da República a oeste, a localização do fenômeno estudado e
as principais obras do Escritório Ramos de Azevedo.
Os edifícios sinalizados como importantes na trajetória do Escritório
23 Os nomes grafados definiram o recorte espacial, dentre os quais se encontram23:
com itálico foram repro-
duzidos da etiqueta original na norte, o Liceu de Artes e Ofícios, atual Pinacoteca do Estado no
dos negativos de vidro.
Parque da Luz;
na leste, o Palácio das Indústrias, atual organização social Catavento
Cultural e Educacional e o Mercado Municipal;
na oeste, a Escola Normal Caetano de Campos, atual Secretaria da Edu-
cação do Estado de São Paulo na Praça da República;
ncentrais a esse recorte, o Theatro Municipal na Praça Ramos de Azeve-
do, o edifício Correios e Telegraphos no Parque Anhangabaú e edifícios
das Secretarias da Agricultura e da Fazenda no Pátio do Colégio.
Esses oito edifícios, tão presentes no imaginário urbano de São Paulo,
não apresentaram dificuldades para serem identificados nas imagens e loca-
lizados no mapa. Serviram então como referências urbanas para se identi-
ficar as obras selecionadas com caixas de madeira, visto que, muitas vezes,
foram pelas grandes visuais da fotografia que se indicava sua localização.
A partir de mapa presente na Biblioteca da FAUUSP associado à volume-
tria dos prédios, tomou-se o primeiro passo para se chegar ao mapa final.
Ainda que dentre as onze obras identificadas com caixas de madeira havia
a sede da empresa The S.P.T.L. & P. Co. Ltda no Vale do Anhangabaú e o
edifício da Faculdade de Direito no Largo de São Francisco, que também são
obras conhecidas do escritório de arquitetura e construção, a grande maio-
ria da iconografia estudada não possuía referências tão claras.
28. 28
Mapa com a localização
dos edifícios com caixas de madeira
30. 30
Os próximos edifícios a serem identificados foram aqueles cujo nome
permaneceu o mesmo desde sua construção, que foram o Palácio da Justiça
e o Prédio Conde Matarazzo. Quanto ao Palácio da Justiça, na Praça Clóvis
Bevilácqua – Sé, foi fácil de achar referências fora do corpus fotográfico, no
entanto na imagem em si, havia poucas referências urbanas para sua correta
localização. O Prédio Conde Matarazzo teve primeiramente sua volumetria
identificada no mapa da década de 1970, porém somente com visita ao cen-
tro pode-se confirmar que as fotografias correspondiam a esses edifícios24. 24 O Edifício Conde Ma-
A visita ao centro foi essencial para juntar as diversas fontes de pes- tarazzo só se confirmou no
quisa. Os edifícios Palacio do Commercio, sede do Banco Nacional Imobi- mapa após a pesquisa sobre
a obra. Em todas as referên-
liário e Soc. Im. Ramos Azevedo: Rua 15 de Novembro foram previamente
cias imediatas constava o
referenciados por sua representação gráfica no mapa da década de 1970, nome do arquiteto-projetista
sendo guiado pelas referências urbanas nas vistas escolhidas na hora do Marcello Piacentini e não se
registro fotográfico, no entanto foram realmente identificados na visita citava o escritório de Ramos
ao centro de São Paulo. de Azevedo. As informações
A principal fotografia do Palácio do Comércio, hoje Tribunal de Justiça mais corretas, inclusive de
que o Escritório Técnico
do Estado de São Paulo, mostra que este se situa em uma esquina com um
Ramos de Azevedo fora en-
viaduto e, em outro ângulo completamente diferente, identificou-se que carregado da construção, fo-
esse viaduto também aparecia ao fundo de uma fotografia do edifício-sede ram encontradas na tese de
do Banco Nacional Imobiliário. Da mesma forma, por análise das fotografias mestrado Marcello Piacentini:
desse último edifício, conclui-se que sua localização era próxima do Pátio do arquitetura no Brasil, de autoria
Colégio e que o elemento urbano era o Viaduto Boa Vista. Na visita ao local, de Marcos Tonhão.
em posse das fachadas dos edifícios, esses dois edifícios foram procurados,
tendo em mente apenas as vistas das fotografias e as tentativas de como
elas poderiam ter sido registradas daquele lugar.
Por fim, esses prédios foram mapeados pela análise visual feita das
imagens registradas na época da construção e a vista atual da edificação. Já
o edifício Azevedo Villares foi mais fácil, pois, na chegada ao centro de São
Paulo pelo Viaduto do Chá, pode ser avistado, e confirmado ao ir a Rua 15 de
Novembro, endereço já informado na própria identificação do escritório. A
vista dessa obra pela Rua General Carneiro constitui uma das mais interes-
santes do acervo Ramos de Azevedo, e essa relação urbana entre o prédio e
o Viaduto Boa Vista, primordial para que se identificasse o edifício, ainda
pode ser reconstituída nos dias de hoje.
Figuras 14, 15 e 16
Palácio do Comércio,
Banco Nacional
Imobiliário e Edifício
Azevedo Villares
Fonte Coleção
Ramos de Azevedo,
Biblioteca da FAUUSP
31. 31
Figuras 17, 18 e 19 Escritórios na Praça
João Mendes e na Rua Brigadeiro Tobias,
ao lado, e Nóbrega Hotel, acima
Fonte Coleção Ramos de Azevedo,
Biblioteca da FAUUSP
O edifício de Escritórios na Praça João Mendes, que abriga atualmente
o Fórum João Mendes Junior, foi identificado não só pela praça, mas muito
mais pela foto em que aparece ao fundo o Palácio da Justiça, que permitiu
uma melhor localização no espaço durante a visita. Como no local não dá
para ter uma apreensão da forma do edifício, que é peculiar, sua confirma-
ção no mapa só se deu ao analisar o desenho de 1972 e sua vista aérea no
GoogleEarth.
Os dois edifícios com menos referências dentro da produção de arqui-
tetura e construção do Escritório Ramos de Azevedo foram os mais com-
plicados de se identificar fisicamente. O edifício de Armazéns e Escritórios
na Rua Brigadeiro Tobias, se por sua vez tinha o nome da rua, não possuía
alguma imagem que distinguisse sua fachada ou volumetria dos outros
edifícios. Somente pela visita a rua não se concluiu qual sua localização,
porém com os softwares Google Earth e Google StreetView, foi possível, já
que se uniu vista aérea e inúmeros pontos de vista da rua com as fotografias
tiradas no local.
O segundo edifício com poucas referências é o Nóbrega Hotel, que
possui no acervo de Ramos de Azevedo apenas três fotografias. A referência
25 “Ficava ao lado urbana marcante nas imagens é um viaduto, que está pouco caracterizado
dos pavilhões do Parque para ser definido de imediato, além de um desnível perceptível entre as ruas
Anhangabaú e seu autor
da esquina em que se encontra o hotel. No entanto essas informações não
foi o italiano Felisberto
Ranzini, principal projetis- levaram a localização do edifício, já que essas imagens não se relacionavam
ta do escritório Ramos de com outras da iconografia estudada. Assim, a partir da lista de projetos de
Azevedo. Foi inaugurado hotéis do Escritório Ramos de Azevedo presentes na Biblioteca da FAUUSP,
em 1930, e possuía diversos que indica também o endereço dessas obras, pesquisaram-se as possibili-
salões de baile, escritórios dades por fotos aéreas. Pelos ângulos das fotos e visita ao local, foi possível
e lojas, além de ter sediado
determinar que o Nóbrega Hotel se situa na esquina da Rua Florêncio de
por algum tempo a Bolsa
de Mercadorias. Também
Abreu com a Rua Mauá.
foi derrubado no final dos O Clube Comercial, no Parque Anhangabaú, constitui uma única exce-
anos 60, para a construção ção, pois sua localização não foi feita com base em análises visuais. O mapa
do Edifício Grande São de São Paulo, do ano de 1972, não apresentava nenhum prédio no Vale do
Paulo.” Texto de Edmun- Anhangabaú com volumetria semelhante à retratada nas fotografias, assim
do e Jorge Eduardo Rubies,
como não aparecia nas atuais fotografias aéreas do Google Earth vista supe-
disponível no sítio: http://
www.piratininga.org/pre-
rior correspondente. Dos edifícios identificados, apenas o Clube Comercial
dios-destruidos/predios- fora demolido para ceder terreno para construção do Edifício Grande São
-destruidos.htm Paulo no final dos anos 1960 25.
32. 32
Figura 20 Clube
Comercial em construção
Fonte Coleção Ramos
de Azevedo, Biblioteca
da FAUUSP
Figura 21 Vista do Vale
Anhangabaú a partir
do Edifício Grande São
Paulo, em 2011
Foto do autor
Portanto são treze edifícios projetados e/ou construídos pelo Escritório
Técnico Ramos de Azevedo que foram registrados durante sua construção,
em que a obra fora coberta por um tabuado de madeira, alimentando o
imaginário paulistano de sua época 26. Foi encontrada mais uma obra dentro 26 Em anexo há um
da coleção Ramos de Azevedo que possuiu uma caixa de madeira, porém ela conjunto de imagens foto-
não se localizava em São Paulo. Era o Banco da Província do Rio Grande do gráficas dos trezes edifícios
atualmente, que registram
Sul, portanto preferiu-se excluir o edifício da pesquisa.
a visão do autor em visitas
aos locais estudados
3.1.2 Os projetos
Para a identificação correta de todos os edifícios, inclusive confirmar a atua-
ção do escritório no projeto ou construção de cada obra, tentou-se utilizar os
projetos originais que foram doados à Biblioteca da FAUUSP. Ao pensar a his-
tória da Coleção Ramos de Azevedo, fica clara a relação entre os dois acervos,
o fotográfico e o de pranchas de desenhos técnicos. Ambos faziam parte do
arquivo do Escritório e são documentos daquele momento histórico27. 27 Ver em anexo o ofício
No entanto, não se teve acesso aos desenhos. Foram consultados uma de solicitação para consulta
vista do Palácio da Justiça e outra do Palácio do Comércio, ambas em forma- aos projetos pertencentes
ao acervo Ramos de Azeve-
to digital, e plantas esquemáticas do Edifício Conde Matarazzo, em papel.
do, guardado na Biblioteca
Todos os outros projetos originais, que serviriam de reforço iconográfico da FAUUSP.
para a construção do imaginário paulistano pelas caixas de madeira, haviam
sido reservados para a colocação de passe-partout, que é uma proteção de
cartão ao se por uma moldura em uma peça de papel ou tela.
3.2 as PrOPaGaNdas
Um elemento de destaque foi a presença marcante de anúncios comerciais
afixados nas caixas de madeira. Entre as fotografias selecionadas, as propa-
gandas estão recorrentemente atreladas à presença das caixas de madeira.
Edifícios cujos andaimes não foram ordenados com tabuado de madeira não
possuíam essas mensagens publicitárias.
33. 33
Figura 22 Edifício Conde Matarazzo
Figura 23 Edifício Companhia Paulista
de Seguros, Rua Barão de Itapetininga
Fonte Coleção Ramos de Azevedo,
Biblioteca da FAUUSP
Quando não há caixa de madeira, os anúncios, se existem, restringem-
-se aos tapumes do térreo como apoio. No edifício-sede dos Escritórios
Centrais da Light, na Faculdade de Direito, no Prédio Conde Matarazzo, no
Edifício Azevedo Villares e no Fórum João Mendes, estabeleceu-se uma situ-
Figura 24 ação temporária aproveitada para afixar propagandas de grandes dimensões
Montagem com closes em vistas privilegiadas da cidade de São Paulo.
de propagandas, Em primeira análise, o aproveitamento comercial do espaço criado pelas
inclusive políticas, superfícies altas de madeira foi considerado relevante, principalmente para
afixadas em caixas
se adentrar aos motivos de haver caixas de madeira em determinados edifí-
de madeira
Fonte Coleção cios e em outros não. Cabe levantar então as hipóteses surgidas no contato
Ramos de Azevedo, com o acervo fotográfico pesquisado, pois essas foram complementadas com
Biblioteca da FAUUSP aprofundamento do estudo e de documentos.
34. 34
Pranchas dos projetos disponíveis para consulta
Figuras 25, 26 e 27
Elevação do Palácio do Comércio;
Plantas esquemáticas do Edifício Conde Matarazzo;
Vista do Palácio da Justiça (página ao lado).
Fonte Coleção Ramos de Azevedo,
Biblioteca da FAUUSP
36. Edifício da Light, em construção, com andaimes protegidos pela caixa de madeira
Fonte Coleção Ramos de Azevedo, Biblioteca da FAUUSP
37. 37
Caixa de Madeira
4.1 deNTrO dO aCerVO raMOs de azeVedO
Como dito anteriormente, coube definir no início da pesquisa no que consis-
tia o fenômeno caixas de madeira. Essas destoavam do acervo iconográfico
por ocorrer em inúmeros canteiros de obras, mas não em todos. Além da
distinção visual, o conjunto de imagens permitiu, por inclusão e exclusão de
obras, pensar esses tabuados de madeira.
Para a digitalização dos negativos de segunda geração, selecionaram-se
as imagens dos edifícios citados que, como não só representavam as caixas
de madeira, também permitiam remontar a sequência de construção. Enten-
der o processo construtivo permite verificar em que ponto se torna interes-
sante velar a obra construída, se é no período inicial em que se erguem os
pavimentos ou no acabamento das ornamentações das fachadas, e por que
estas aparecem em apenas determinados edifícios.
Logo, saber em quais edifícios, dentre aqueles retratados na iconografia
estudada, não tiveram caixas de madeira também auxilia a compreensão
dos seus motivos e impactos urbanos. Assim das iniciais 60 imagens a serem
digitalizadas para a pesquisa por retratar caixas de madeira, que posterior-
mente se verificou totalizar 90 imagens, passou-se para o número de 142
fotografias, que incluía os edifícios da Faculdade de Medicina, do Mercado
Municipal Central e da sede dos Correios e Telégrafos.
A verticalidade está presente em todas as caixas de madeira, sendo a
Faculdade de Direito a construção de menor gabarito com quatro andares,
porém não são todas as edificações altas do escritório que tiveram seu
volume arquitetônico vedado durante a construção. A característica que
melhor define as caixas de madeira é sua unidade prismática que simplifica
o volume arquitetônico ao barrar a visão das pessoas.
Mesmo que o cuidadoso tapume de madeira se restrinja ao embasamen-
to ou coroamento, não encobrindo o edifício por completo, foi considera-
do caixa de madeira quando se evidencia o intuito de impedir a vista dos
transeuntes da obra sendo edificada. Nas imagens de 1938 da Faculdade de
Direito percebe-se que apenas parte do edifício é encoberta por ripas de ma-
deira, todavia esta parte modifica a relação das pessoas que passavam por
ela e a construção, constituindo uma nova e temporária fachada para a rua.
Apesar de não localizada espacialmente, nem certo de seu programa de
usos, o edifício “Residência na Avenida Brigadeiro Luis Antônio” exemplifi-
ca da melhor maneira possível como a face da edificação voltada para a rua é
a essencial para se ocultar a volumetria. Registra-se, então, como hipótese
dos motivos para se instalar uma vedação provisória, a relação do canteiro
de obras com a calçada.
É evidente a função dos tapumes de proteger as pessoas que transitam
na rua, principalmente quando obras atingem considerável gabarito; as
caixas de madeira também evitam que a queda de materiais da construção e
outros imprevistos possam se tornar acidentes para os transeuntes. Ressal-
ta-se mais uma vez o quesito altura para afirmar as caixas de madeira, no
entanto instiga a pesquisa as fotografias do Nóbrega Hotel, situado em uma
esquina, cuja apenas uma das fachadas, a voltada para a Rua Florêncio de
Abreu, vela sua face para as pessoas.
38. 38
Figuras 28 e 29 Faculdade de Direito e Nóbrega Hotel
Figura 30 Edifício identificado como Residência
Fonte Coleção Ramos de Azevedo,
Biblioteca da FAUUSP
Além das obras consideradas com caixas de madeira, foram utilizados
alguns critérios para selecionar imagens que pudessem inserir o contexto
de produção arquitetônica do escritório. Essas características percebidas na
sistematização do acervo, posterior ao inicial reconhecimento das fotogra-
fias, mostram o percurso do raciocínio seguido na pesquisa. As ruas movi-
mentadas do Centro da cidade denotam um aspecto das caixas de madeira,
muitas presentes no eixo Pátio do Colégio, Praça do Patriarca, Vale do
Anhangabaú e Praça da República.
Assim, do final dos anos 1920, foram selecionadas imagens do entorno
da Faculdade de Medicina, que se diferenciava enormemente do contato
das pessoas na rua com a construção, comparando as obras que se situavam
nas principais vistas da cidade do início do século XX, como a do Parque do
Anhangabaú. O conjunto de edifícios para a faculdade era distante e isolado
dos pedestres e dos carros da cidade.
Incluiu-se também no corpus fotográfico estudado edifícios altos que
necessitaram para sua execução a elaboração de andaimes externos, mas
que não formaram caixas de madeira, isto é, não se impedia o olhar das
pessoas. A sede dos Correios e Telégrafos, no Vale do Anhangabaú, com
28 Edifício Joaquim Mo-
cinco pavimentos e num local significativamente movimentado, elevou em reira é a identificação dada
sua construção uma estrutura de madeira de apoio, a qual não fora vedada pelo próprio escritório,
por tábuas de madeira. Da mesma maneira, o Mercado Municipal e o Edifício presente no negativo de vi-
Joaquim Moreira28 possuem andaimes que não foram vedados. dro original.
39. 39
Figuras 31 e 32 Entorno
da Faculdade de Medicina
e Hotel São Luiz
Figuras 33, 34 e 35 Andaimes
dos Prédios dos Correios e
Telégrafos, Mercado Municipal
e Joaquim Moreira
Fonte Coleção Ramos de
Azevedo, Biblioteca da FAUUSP
Considerando a caixa de madeira uma questão de zelo em elaborar
uma vedação que acompanhe o gabarito do edifício, depara-se com a
29 Segundo etiqueta no imagem do Hotel São Luiz29, que se encaixa na situação entre os andai-
negativo original, a ima- mes sem vedação e o invólucro de uma caixa de madeira. Nessa, não há o
gem refere-se a obra do dispêndio de tempo em se elaborar um ordenado tapume com tábuas de
Snr. Carvalho Leitão, r. Couto
madeira, porém já não há a visão completa da construção em trechos do
Magalhães, 27. A nomeação
Hotel São Luiz é dada a par- edifício, visto que ripas que aparentemente não servem de apoio para os
tir da catalogação feita pela trabalhadores são fixadas nos andaimes.
FAUUSP. Outra situação que se pode questionar na interação do canteiro de
obras com os cidadãos são os tapumes como suporte de anúncios. Como
visto no Prédio Conde Matarazzo, a caixa de madeira do Edifício Martinelli
era também uma grande empena para se fixar propagandas de produtos da
época, levando a considerar assim a seleção de imagens que instigam esse
uso. No edifício da Companhia Paulista de Seguros, na Rua Barão de Itapeti-
ninga, os tapumes no térreo são basicamente cartazes comerciais.
4.1.1 Motivos
Assim a primeira questão posta pelas caixas de madeira é o porquê de seu
uso em determinadas edificações e se essa prática era comum nas técnicas
construtivas da época, extrapolando ao universo de obras do Escritório Téc-
nico Ramos de Azevedo. A forma encontrada para entendê-las foi a análise
dentro da coleção de fotografias e em documentação adicional relacionada
às práticas de construção da primeira metade do século XX.
40. 40
Como posto, a verticalidade, a localida-
de movimentada e o uso para anúncios co-
merciais foram os três motivos resultantes
da análise do conjunto iconográfico. Todos
conformam uma relação da obra edificada
e os transeuntes da cidade, uma vez que as
caixas de madeira protegiam as pessoas na
calçada da queda de materiais, barrando
sua visão da arquitetura, porém promoven-
do produtos e serviços.
O volume simplificado da arquitetura
em construção era visível e oferecia possi-
bilidades rentáveis, no entanto, sua ocor-
rência pontual aponta a caixa de madeira,
com sua segurança fornecida a trabalha-
dores e cidadãos, como não obrigatória.
Tanto o Nóbrega Hotel, quanto a sede
do Banco Nacional Imobiliário possuíam
apenas uma face de sua construção vedada
por tábuas de madeira. Com a identifica-
ção dos respectivos edifícios e sua locali-
zação, percebeu-se que apenas as fachadas
mais altas recebiam essa proteção, uma
vez que os dois projetos possuem duas
partes distintas, uma de pequena altura e
outra elevada, com uma diferença maior
Figura 36 Fotografia moderna de Peter Scheier
que oito andares. Fonte São Paulo: the fastest growing city in the world
No álbum de fotografias de Peter
Scheier, São Paulo: the fastest growing city
in the world, há uma fotografia de composição geométrica em que apare-
ce em detalhe uma caixa de madeira, projetando sua sombra sobre uma
obra já construída. A legenda da imagem é: “As normas de segurança são
rigorosas e os andaimes devem ser totalmente fechados com tábuas para
proteger os transeuntes” (tradução do autor)30. 30 Legenda original em in-
A imagem desse álbum de 1954, com 167 fotografias, sugere que glês: “The safety regulations
havia, portanto, regulamentos quanto às caixas de madeira, apesar are stringent and scaffol-
ding must be fully boarded
de pouco se achar bibliografia sobre a questão técnica dos andaimes e
up to protect passers-by”.
tapumes. A documentação encontrada foi o Código de Obras da cidade
de São Paulo.
A primeira legislação municipal de São Paulo para regulamenta-
ção das construções é datada de 1917, que correspondia uma “simples
coletânea de vários decretos que já existiam de forma esparsa e definiam
padrões de licenciamento de construção e reforma” (Ono, 2011). O Códi-
go de Obras seguinte, Lei Nº 3.427 de 1929, é nomeado “Arthur Saboya”,
em homenagem ao principal responsável pela regulamentação urbana e
edilícia em São Paulo.
Para a pesquisa, foram consultados os Códigos de Obras de 1929 e o seu
posterior do ano de 1955. Toda a iconografia estudada, seus edifícios e cai-
xas de madeira, respondia à legislação edilícia de 1929, na qual há a “Secção
I: Tapumes e andaimes”, dentro do “Capítulo IV: Das Condições Particulares
da Construcção”, em que se estabelece no artigo 239° (p. 241):