Este documento apresenta um resumo da evolução do design gráfico da era modernista para a pós-moderna. Discute como o design modernista buscava formas puras e racionais, enquanto o pós-moderno valoriza a subjetividade, heterogeneidade e pluralidade de significados através de sobreposição de elementos visuais. Também analisa como as novas tecnologias digitais contribuíram para a era pós-moderna de simulação e realidade virtual.
1. IMAGEM
Design gráfico &
pós-modernidade Introdução
RESUMO AS NOVAS TECNOLOGIAS DIGITAIS e de comunica-
Neste artigo é feita uma breve recapitulação das origens e ção estão cada vez mais nos habituando a
desdobramentos da estética modernista nas artes visuais e conviver com a pós-modernidade, essa era
no design para ser esboçado após um pequeno histórico do da pluralidade, da fragmentação, da hetero-
design pós-moderno. Observa-se então que um estilo muito geneidade, da complexidade, das contradi-
utilizado no design atual lembra a estética visual do palimpsesto, ções insolúveis, das incertezas e das indecidi-
pela sobreposição deliberada de várias camadas semi-trans- bilidades, das simulações, da transitorieda-
parentes de elementos visuais. A intenção dos designers pa- de, da globalidade. E a prática do design grá-
rece ser a de querer pluralizar cada vez mais a leitura de fico, assim como a das artes visuais, tem
suas peças, propondo a significação como um jogo de ilimi- apresentado importantes mudanças estéticas,
tadas possibilidades de realização. como conseqüência da relatividade e varie-
dade de estilos das manifestações visuais da
ABSTRACT nova era, que ironizam e rejeitam razões,
This article presents a brief summay on the origins of the prioridades e premissas supostamente uni-
modernist aesthetics in the visual arts and in graphic versais dos modernistas.
design in order to sketch, afterwards, a short historical Após pouco mais de um século de pro-
account of postmodern design. It is pointed out then that postas gráficas modernistas, começamos a
there is a recurrent postmodern design style which exploits perceber que o pós-modernismo no design
a visual aesthetic which resembles that of palimpsests, for não é resultado de decisões tão arbitrárias ou
it uses several overlapping, transparent layers of heteroge- anárquicas como possa parecer, pois também
neous signs in its layouts. The goal of that style seems to be apresenta algumas características estéticas re-
to draw the viewer into a hermeneutic game of unlimited correntes, que podem eventualmente nos
possibilities of interpretation which precludes the possibility ajudar a mais facilmente reconhecer e melhor
of “easy” readings. entender suas manifestações.
Como sabemos, o período que vai do
PALAVRAS-CHAVE (KEY WORDS) Renascimento ao século XIX caracterizou-se
- Design gráfico (graphic design) pela busca da estética realista nas artes em
- Pós-modernismo (postmodernism) geral. Com o advento e desenvolvimento da
- Estética visual (visual aesthetics) fotografia, as artes visuais entraram em crise,
crise esta que deu origem ao modernismo,
movimento constituído por uma série de
rupturas e inovações que procuraram libertar
as artes da retórica do ilusionismo realista. A
partir dos impressionistas, os artistas visuais
começam a procurar novas possibilidades de
representação que não sejam fundadas no na-
turalismo acadêmico.
A arte em geral rebela-se contra os câno-
nes clássicos, torna-se radicalmente moderna,
inventiva, estranha às tradições e ao senso co-
mum. Começa a trilhar um novo caminho,
Flávio Vinicius Cauduro que basicamente rejeita a história e as con-
PhD em Comunicação Gráfica, University of Reading, UK venções, procurando romper com as normas
Prof. do Programa de Pós-graduação da FAMECOS/PUCRS consolidadas para reinventar constantemente
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2. novas regras, tentando tornar-se uma prática gênio criador, o sujeito metafísico que vive
autônoma, individualista e redentora, que trágicamente sua extrema sensibilidade à
valoriza antes de tudo a singularuidade do questões de ordem política, social, sexual e
gênio artístico. O artista acredita no progres- moral, extravasando essa melancolia em
so, torna-se um incansável pesquisador de composições figurativas místicas e visionári-
possibilidades sempre inéditas de represen- as, de atmosfera densa e carregada, mas que
tação, cultivando uma constante insatisfação renunciam à toda ilusão tridimensional (sim-
com o presente e o status quo estético de sua bolismo e expressionismo).
época. A arte moderna passa a valorizar a Com o cubismo, o racionalismo geome-
percepção rápida, efêmera, fugaz, e a utilizar trizante finaliza a desconstrução da figuração
vastas manchas de cores, em detrimento da realista, fragmentando-a para depois remon-
perspectiva e dos volumes definidos (impres- tá-la através de uma lógica espaço-temporal
sionismo). Também começa a cultivar o gosto relativista. Temas simples e banais do cotidi-
pela assimetria, pela estilização, pela geome- ano são valorizados, para fácil identificação
trização das formas naturais, pelo decorativo dos vestígios que restam das formas. São
e pelo ritmado (art nouveau). Tendo desco- também exploradas colagens, que reintrodu-
berto o prazer da transgressâo estética, ao zem fragmentos da realidade material nas
flertar com impulsos subconscientes reprimi- representações artísticas, para mitigar a ari-
dos via manifestações cromáticas selvagens dez de suaus formas abstratas. Essa corrente
(fauvismo), as artes plásticas direcionam-se analítica continua a procurar formas e cores
gradualmente à abstração, a transgressão má- cada vez mais puras e não-objetivas, como
xima ao realismo. que tentando reconstruir a realidade segun-
Alguns de seus artistas embriagam-se do parâmetros mais científicos, mais mate-
com a potência e velocidade das novas tecno- máticos (suprematismo e construtivismo). O
logias mecânicas e elétricas, fruindo prazero- auge desse puritanismo visual é alcançado
samente a caótica mistura de seus ruídos, com as formas programadas e calculadas das
seus odores, seus movimentos (futurismo). As obras dos holandeses modernistas, calcadas
representações visuais tornam-se ilógicas e no dualismo intrínseco do ângulo reto, no
caóticas, fazendo do deboche ao racionalismo elementarismo da linha reta e na pureza das
e à ordem acadêmica sua estratégia criativa cores primárias (neo-plasticismo e De Stijl). Essa
máxima, chegando a contestar a própria no- arte torna-se dogmática, obcecada com o alinha-
ção de arte como criação excepcional única, mento visual, com a precisão geométrica das
quando promoverm objetos seriados do coti- suas representações, e com a pureza dos espa-
diano à condição de obras artísticas dignas ços em branco, como que procurando penitenci-
de exibição e admiração em museus (dadaís- ar-se das formas sensuais, luxuriantes e deca-
mo). Mais tarde as artes visuais tentarão sub- dentes do barroco de tempos passados.
verter a razão convencional apelando para a Na arquitetura, a ornamentação já havia
imprevisibilidade e produtividade do in- se tornado um crime (Adolf Loss) e a simplici-
consciente, procurando livres associações de dade das formas geométricas passara a ser a
formas, de caráter poético e onírico, e a trans- sua principal inspiração (Le Corbusier).
gressão deliberada de códigos convencionais O ascetismo formal predomina nas ar-
de representações ditas civilizadas (surrealismo). tes visuais, e na visão de certos idealistas
A nova arte ultrapassa todos os limites passa a ter como missão redimir os objetos
do senso comum, rompe com as molduras, industriais de seus excessos extravagantes,
desce dos pedestais e tira partido dos impre- reprimindo ímpetos decorativos e o paganis-
vistos e acasos do cotidiano fragmentado, mo das soluções espontâneas e intuitivas.
através de proposições cada vez mais cho- Sob o pontificado de um inspirado arquiteto
cantes para os conservadores. Os idealistas (Walter Gropius), surge uma nova religião, o
ainda procuram valorizar a razão do ser, seu design, a arte utilitária redentora, que se pro-
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3. põe a civilizar a indústria primitiva, educan- tico que requer a participação constante do
do-a para a apreciação e produção da boa público para tornarem-se significantes.
forma estética. O caráter lúdico nas artes é o que dá
Ao mesmo tempo, graças à influência início à fase pós-moderna e que,a partir dos
dos formalistas russos (Kandisnky, El Lissitsky, anos 60, abriga três principais temas, segun-
Malevitch, Rodchenko), as artes visuais atingem do Frederico Morais (1977): Objeto, Conceito
rapidamente seu nível mais ótico, mais abs- e Corpo. O Objeto de consumo de massa da
trato, sem referências externas. Os artistas sociedade industrial, o objet-trouvé, o ready-
modernos, da segunda década do século em made, é o ícone privilegiado pela Pop Art. O
diante, almejam tornar as artes visuais uma Conceito, por sua vez, privilegia a idéia como
ciência da percepção visual (Mondrian), de- arte, usando meios de comunicação de massa
senvolvendo trabalhos ora líricos e metafóri- como suporte e mediação, dando origem à
cos, como os realizados pela música, ora ob- arte conceitual (Sol Lewitt). O Corpo, por outro
jetivos e concretos, como os da arquitetura. A lado, torna-se meio de expressão e fundamento
arte moderna abstrata passa a valorizar o de toda expressão simbólica, amalgamando a
processo criador mais que as suas obras (arte arte com processos vitais, em performances des-
concreta, Theo van Doesburg), abrindo caminho tinadas à divulgação por impressos, filme e ví-
para o surgimento, da segunda metade do deos, revivendo práticas e rituais ancestrais,
século em diante, para a Arte Minimalista, a como a das tatuagens, maquilagens, travestis-
Op-Art e a Arte Cinética, precursoras da Arte mos e escarificações (Body-art).
Cibernética e da Arte Digital dos anos 60. Os museus e galerias tornam-se obsole-
Muitos tendem a ver as artes em geral tos, seu papel agora é limitado ao registro de
como sendo simplesmente a resultante da di- eventos e atividades considerados como ar-
alética científica entre o impulso formador e tísticos e que acontecem geralmente fora de
as leis da física, procurando resolver os con- suas sedes (happenings, performances).
flitos entre o contínuo e o descontínuo, o pre- As questões que a arte pós-moderna
ciso e o impreciso, o limitado e o ilimitado, o atual propõe estão focalizadas nos modos e
determinístico e o aleatório (Albers, Max Bill). meios de representação que constituem as
As novas correntes das artes visuais vão ad- nossas experiências de realidade e formam as
quirindo um caráter cada vez mais pragmáti- nossas identidades. As teorias pós-estrutura-
co, ao serem exportadas para o continente listas e desconstrucionistas desestabilizam
americano, e onde seus praticantes tentam li- toda e qualquer definição que ainda preten-
bertar novamente a visualidade de qualquer da caracterizar a essência do sujeito ou da
cálculo premeditado ou filiação histórica, arte, enquanto que as práticas de representa-
através do expressionismo intuitivo e sub- ção apoiadas nas novas tecnologias videoci-
consciente (action painting, tachismo). Tudo é nefotográfica e de simulação digital vão ga-
possível, a criação torna-se sinônimo de im- nhando cada vez mais espaço. A realidade se
provisação, o signo precede seu referente, o torna cada vez mais virtual, enquanto a iden-
ícone inventa seu objeto, e o índice gestual é tidade do sujeito é considerada agora imagi-
o que vale, pois é o que garante a autoria. nária, plural, contraditória e cambiante. A ge-
Foi-se toda e qualquer possibilidade de ometrização das formas e as grids urbanísticas e
figuração, a pintura torna-se finalmente uma tipográficas são agora símbolos abominados de
pura abstração. A produção do sentido da dominação ideológica e controle social.
obra artística é responsabilidade delegada O shopping center e a experiência do
agora ao espectador. O artista produz, en- consumo de massa tornam-se referentes pri-
quanto o público interpreta e dá sentido ao vilegiados da arte da simulação, do espaço
que sente e vê. Pluralizam-se os significados, fabricado da fantasia, seja ele físico ou digital
aumentam as incertezas e as dúvidas. As ar- (Disney, Las Vegas, Internet). Consumir é si-
tes visuais propõem-se como um jogo semió- nônimo agora de lazer, uma atividade esca-
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4. pista prazerosa. Somos todos voyeurs e turis- Bauhaus após a II Guerra, refinou e reprimiu
tas do contemporâneo, professando a religião mais ainda quaisquer subjetivismos, regiona-
do consumo incessante (nem que seja apenas lismos ou ‘estilismos kitsch’ que ameaçassem
pelos olhar). O desejo nos mantém em movi- contaminar as formas ascéticas do design
mento e sequiosos por novidades, mas, como propagadas pelos racionalistas alemães.
ele nunca é satisfeito, nos mantém reféns das O trabalho de muitos designers tipográ-
comodidades que instaladas em nossos ima- ficos europeus, por exemplo, é caracterizado
ginários. ainda hoje por manipulações mínimas de ta-
Não admira, portanto, que as estratégi- manho, cor, textura e posições espaciais nos
as retóricas assumidas pela arte de resistên- impressos. Porque, segundo a tradição mini-
cia sejam a pluralidade, a ironia, o pastiche, a malista, menos é sempre mais. Sendo modernis-
paródia, o plágio, a heterogeneidade, a frag- tas e suíços exemplares (precisos e dogmáti-
mentação, o excesso, o jogo, a interatividade cos) seus designers maiores (Emil Ruder, Ar-
e a participação, a intertextualidade, a brico- min Hoffman, Josef Müller-Brockman) prega-
lagem, o kitsch. vam a superioridade universal de suas solu-
Acabaram-se as metanarrativas, os câ- ções gráficas restritivas, rigidamente contro-
nones, as utopias compartilhadas, os valores ladas pelo grid system e vestidas uniforme-
tradicionais. Sobraram as realidades simula- mente pelas famílias Futura, Helvetica e Uni-
das do virtual digital, as fantasias alucinantes vers. Este estilo veio a ser conhecido nos
do imaginário, o mundo das representações anos 60 e 70 sob a denominação de Internatio-
segmentadas, onde tudo tende a ser persona- nal Style, sendo adotado por quase todas as
lizado, possível e reversível, e cada vez me- grandes empresas multinacionais, em seus
nos consensual, interditado ou linear. É claro programas de identidade visual corporativa,
que todas essas mudanças de perspectiva assim como por grandes editoras de livros
que experimentamos atualmente estão trans- científicos, técnicos e artísticos.
formando, os valores e as estéticas que infor- Essas soluções minimalistas dos funcio-
mam nossas vidas assim como a prática atual nalistas suíços eram repetidas incessante-
do design. mente, tornando-se em breve uma fórmula
facilmente copiada por qualquer designer,
independendo de seu talento, gosto ou prefe-
O design modernista rencias. Em breve, as ‘programações visuais’
que essas fórmulas mecanicistas geravam tor-
A Bauhaus, como sabemos, foi o movimento naram-se muito facilmente previsíveis, abor-
artístico que mais influência teve na socieda- recidas e desinteressantes, sendo praticamen-
de moderna, em termos de abrangência e du- te invisíveis após algum tempo. Isso era, na
ração, ao pregar a estetização calculada dos verdade, a conseqüência lógica e inevitável
objetos produzidos em escala industrial. A do seu princípio maior: form follows function.
Bauhaus se propôs a absolver o consumo de Se a função de um determinado gênero de im-
massa, consagrando-o como uma atividade presso é basicamente sempre a mesma, segue-
lógica de fruição artística e intrínseca à socia- se que não há porque fazer maiores alterações
bilidade moderna. Naquela escola, subsidia- nas formas já consagradas para aquele gênero -
da pelo Estado alemão, predominavam o como no caso de programas de sinalização visu-
cultivo à ordem e ao racionalismo, à clareza e al ambiental ou de programação visual de em-
à harmonia, como um contraponto à emoção, balagens farmacêuticas, por exemplo.
à anarquia, ao caos e à desestabilização do Embora um dia pudessem ter sido iné-
status quo, que eram estimulados pelos movi- ditas e não-redundantes, essas soluções pa-
mentos sociais revolucionários surgidos du- dronizadas e repetitivas eram camisas de for-
rante e após a I Guerra Mundial. ça para designers criativos. A hegemonia do
A escola suíça, que viria a suceder a estilo internacional, devida à sua divulgação
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5. programada em todas e quaisquer peças de cultura. Esse estilo poderia ser considerado
comunicação das grandes corporações, pro- como uma apropriação e radicalização da Op
pagadas incessantemente e em escala global, Art da época pelos jovens rebeldes. Ao mes-
desestimulava a emergencia de estilos alter- mo tempo, estilos antigos de vestimentas e
nativos. Era muito fácil, comoda e rentável a penteados são revividos, a história passa a
adoção desse estilo suíço, e os clientes senti- ser reciclada, e o progresso material e finan-
am-se muito seguros em seguí-lo. Qualquer ceiro é desprezado.
empresa, por menor que fosse, podia igualar- Esse clima de descontração e euforia
se a IBM ou a Bayer, em termos da aparência dos anos 60 acaba por solapar o ascetismo
visual de seus impressos ou embalagens. racionalista herdado dos funcionalistas Bau-
Para os modernos funcionalistas, por- hausianos, valorizando cada vez mais o in-
tanto, a tipografia continuava a ser uma mo- conformismo, a intuição e o subjetivismo.
dalidade de escrita, um processo de codifica- O Push Pin Studio, de Milton Glazer e
ção da fala, otimizado para a fácil produção e Seymour Chwast, em New York, marca épo-
difusão de impressos em larga escala de in- ca com o revivalismo dos estilos Vitoriano,
formações alfanuméricas. Para isso ela utili- Art Nouveau e Art Déco agregados a um es-
zava o alfabeto greco-romano simplificado, tilo psicodélico e eclético. Ao mesmo tempo,
seus símbolos sendo realizados no caracterís- o estilo tipográfico autoproclamado expressi-
tico estilo ‘sem serifa’ e ‘monolinear’. A tipo- onista de Herb Lubalin passa a fundir tipos
grafia idealizada por eles materializava os com pictogramas, em suas soluções metafóri-
critérios maiores de legibilidade, uniformi- cas inspiradas no vernacular norteamericano.
dade de traço, discrição e redundância de Philip Meggs, na 2a. edição de seu co-
forma. nhecido livro A History of Graphic Design
(1992), vê quatro principais vertentes alimen-
tando a corrente pós-modernista no design
As vertentes do design pós-moderno gráfico, a saber:
A monotonia e pasteurização do design oci- a) a rebeldia da New Wave Typography dos
dental só vai começar a ser contestada a par- novos designers suíços, liderados por Wolf-
tir da metade dos anos 60, quando alguns gang Weingart. Rosemarie Tissi e Siegfried
jovens designers suíços, como Odermatt & Odermatt, que procuravam reintroduzir mais
Tissi em Zurique, Wolfgang Weingart em conotações simbólicas, subjetividade e acaso
Basle, entre outros, começam a propor alter- nos trabalhos neutralistas da escola suíça, e
nativas não-dogmáticas, mais descontraídas que, através dos trabalhos de April Greiman
(retorno à ornamentação, ao simbolismo, ao e Dan Friedman, ex-alunos da Escola de De-
humor e à improvisação) para fugir da esteri- sign de Basel, teve rápida e ampla divulga-
lidade das formas modernistas. ção nos EUA, a partir dos anos 70;
O pós-modernismo no design é uma re-
ação intuitiva da nova geração de designers b) os maneirismos exuberantes e as idiosin-
aos excessos racionalistas e positivistas dos crasias exóticas dos designers do Grupo
programadores visuais dos pós-guerra. Influ- Memphis de Milão, de William Longhouser
enciados pelas novas e espontâneas formas na costa leste dos EUA, e dos designers da
de viver pregada pelos existencialistas e beat- costa oeste dos EUA, principalmente de San
niks dos anos 50, e pelos hippies dos anos 60, Francisco, a partir da década de 80;
que enfatizam costumes e modos de vida
ainda mais radicais, pregando a vida em co- c) o movimento Retro, que através de um esti-
munidades rurais, a prática do amor livre e o lo eclético e excêntrico, revive ou reinventa
consumo de drogas leves, surge o movimen- soluções vernaculares e modernistas euro-
to psicodélico no design americano de contra- péias e norteamericanas do período entre-
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6. guerras (baseadas em grande parte na Art mento Pop Art (Andy Warhol, Roy Lichtenstein
Décodaquele período), como se observa nos e Robert Rauschemberg, entre outros).
trabalhos de Neville Brody para as revistas O encontro do espírito de rebeldia da
The Face e Arena, também na década de 80; época com as teorias desconstrucionistas pro-
duziu então os primeiros teóricos do design
d) e a revolução digital, originada pelo apa- pós-moderno nos EUA, na Cranbrook Acade-
recimento do computador gráfico pessoal my of Art, em Michigan. A partir de 1978, sob
Mcintosh, a partir de 1984, que reviveu o a liderança de Katherine McCoy, os desig-
construtivismo no design e que passou a re- ners que lá estudam começaram a propagar
interpretar todos os outros estilos da época as novas tendências desconstrucionistas atra-
através dos bitmaps e das curvas vetoriais, vés de posters e catálogos que confundiam
tendo como figuras de destaque os próprios propositadamente a clássica distinção entre
designers da interface da Apple, Susan Kare texto e ilustração, procurando produzir, por
e Bill Adkins, a dupla da Émigré, Zuzana estratégias visuais sutís, uma leitura ambí-
Licko e Rudy VanderLans, e, novamente, gua dos traços impressos. Ao mesmo tempo,
April Greiman. a grid foi flexibilizada ou até ignorada, e o
uso de elementos gráficos ‘inúteis’ foi incenti-
Merece ainda menção a radicalização vado, visando o enriquecimento das possibi-
do design gráfico proposta pelos trabalhos lidades expressivas e interpretativas tanto
“irracionais” de David Carson, na década de dos designers como dos leitores (Lupton &
90, através de revistas de surf e de rock music, Miller 1996: 7-9).
e que parece querer fundamentar a prática do Então, a partir da década de 70, a comu-
design no fim do milênio em bases dadaístas nicação visual praticada nos EUA passou a
e anarquistas. ser encarada pelos designers cada vez menos
Essa corrente mais recente, que deriva como uma prática tecnicista de “transmissão
de Carson, parece ser ainda a tendência do- de sentido”, para ser cada vez mais concebi-
minante atual, pois se observa que uma das da como um jogo, como uma prática retórica,
características recorrentes do design de ponta probabilística e estimulante de formulação
produzido nas Américas e na Europa, é o res- de mensagens hipotéticamente eficazes (Cau-
surgimento de trabalhos mais “artísticos”, duro 1990). Com isso os projetos de design
isto é, mais ambíguos e paradoxais, com passaram a ser menos calculistas e mais ins-
mais ruídos e interferências, menos “neu- tintivos, muitas vezes irônicos, quase sempre
tros”, menos “funcionalistas”, em suma, me- provocantes e muito criativos. Essa tendên-
nos óbvios, o que é conseguido através da cia foi gradualmente se espalhando pelo
utilização de layouts mais complexos, hete- mundo ocidental, principalmente por permi-
rogêneos e espontâneos. tir um maior flexibilidade de estilo, um me-
Essa mudança ideológica no design nos lhor aproveitamento da cultura visual local e
últimos 25 anos (e que vai do racionalismo uma maior contribuição da improvisação do
mais extremado ao caos mais radical) parece designer, características estas que eram repri-
ter sido devido também, conforme relatam El- midas pelo estilo modernista até então domi-
len Lupton & J. Abott Miller (1996: 8), à gradual nante (Cauduro 1998).
popularização nas escolas de design america- Segundo o novo paradigma da semióti-
nas das teorias pós-estruturalistas de signifi- ca pós-estruturalista, a recepção de mensa-
cação (Derrida, Barthes, Lacan) em conjunto gens passa a ser um jogo hermenêutico, cujos
com as teorizações sobre a arquitetura verna- resultados poderão ser profetizados apenas
cular americana, de origem comercial, pro- com sofrível grau de acerto, pois os sentidos
postas por Robert Venturi e Denise Scott-Bro- produzidos sempre variam de acordo com as
wn, em Learning from Las Vegas (1972) assim idiosincrasias e particularidades do sujeito
como devida aos trabalhos visuais do movi- predicante.
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7. Caberia, pois, ao designer, descobrir es-
tratégias que permitissem suas audiências
participar desse constante jogo interpretativo
de uma maneira prazerosa e cativante, sem
que a abertura dessas leituras resultasse
numa anarquia semântica ou total relativis-
mo de sentido.
Investigando essa hipótese com mais
atenção, tenho observado que uma das estra-
tégias que o design pós-moderno utiliza
(conscientemente ou não) para induzir o su-
jeito a participar desse jogo interpretativo, é a
utilização do que tenho chamado de “estética
visual do palimpsesto” na articulação dos
significantes das mensagens visuais (Fig.1).
Esse recurso não permite que se esgotem as
possibilidades de geração de sentido, e as-
sim mantem prêsa a atenção dos sujeitos in-
terpretantes por muito tempo (mesmo que o
designer procure privilegiar a produção de
certos sentidos mais que de outros).
Fig 1: Detalhe de anúncio dos cigarros FREE (1995)
Palimpsestos chumbo, em algumas ocasiões excepcionais
ouro e prata, gravados por estiletes ou fundi-
Pela definição do dicionário Aurélio, palimp- dos). Esses suportes são utilizados ainda
sesto é um “antigo material de escrita ... usa- hoje, em aplicações desde as mais banais até
do, em razão de sua escassez ou alto preço, as mais nobres. Muitas vezes esses suportes
duas ou três vezes, mediante raspagem do apresentam sobreposição de mensagens, por
texto anterior”, ou ainda, manuscrito “sob estarem em locais privilegiados e muito dis-
cujo texto se descobre ... a escrita ou escritas putados, dando origem a palimpsestos que
anteriores” (Fig. 2). se apresentam como verdadeiros murais.
O American Heritage Dictionary acres- Lembremos aquí a prática tão atual dos
centa, na sua definição, que o palimpsesto é graffitti - escritas em muros, em paredes de
um documento sobre cuja superfície se escre- edifícios, em vagões de metrô e em outros
veu várias vezes, “muitas vezes deixando vi- veículos públicos, realizadas através de pin-
síveis traços imperfeitamente apagados de tura spray ou a pincel, ou mesmo riscadas ou
escritos anteriores, que se constituem em im- entalhadas, e que, ao compartilharem mensa-
portante fonte de recuperação de obras literá- gens diversas, dão origem a palimpsestos ver-
rias perdidas da antigüidade clássica”. naculares muito interessantes, já documenta-
Segundo o historiador Wilson Martins dos por várias publicações que enfatizam sua
(1996: 59-68), os primeiros suportes utiliza- rica plasticidade e originalidade.
dos pela escrita humana foram de origem mi-
neral: a pedra (desenhos pré-históricos em ca-
vernas, as tábuas dos10 Mandamentos, as
inscrições Maias), o mármore (inscrições tu-
mulares e cívicas Greco-Romanas), a argila
(tabuinhas gravadas e cozidas das bibliotecas Fig. 2: Detalhe de palimpsesto do século IV (Martins
da Mesopotâmia) e diversos metais (bronze e 1996: 67)
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8. Temos também as pinturas murais plane- Do reino vegetal, foram e ainda são uti-
jadas com muito cuidado, do tipo tromp l’oeil, lizadas madeiras, sob a forma de tabletas enta-
presentes notadamente em Los Angeles e Lon- lhadas, ou recobertas por fina camada de cêra
dres, e que geralmente se constituem em casos para serem riscadas por estiletes; também fo-
extremos de escrita palimpsestica, pois visam a ram utilizadas folhas de palmeiras, folhas de oli-
apresentação de mensagens deliberadamente veira, o papiro, assim como, até hoje, também
ambíguas e paradoxais aos espectadores, por são empregados panos, sedas e o familiar papel.
confudirem habilmente figura e fundo e pro- Um tipo de palimpsesto vegetal corri-
blematizarem a diferença entre representação queiro, gerado sobre papel diariamente nas
e suporte em suas imagens. gráficas, são as chamadas maculaturas, provas
Nesses casos, uma das escritas é gerada de várias impressões diferentes, sobrepostas,
pelas formas, aberturas e texturas originais do obtidas quando se efetuam ajustes de posi-
suporte utilizado (muro, fachada, parede), a ou- ção e de entintamento de chapas litográficas,
tra sendo uma pintura, geralmente hiper-realis- utilizando várias vezes as mesmas folhas de
ta, superposta ao suporte. Dependendo da dis- papel. Dependendo da sorte, das cores e das
tância entre o observador e o suporte, predomi- formas dos elementos gráficos presentes nas
nará a leitura da pintura ou do seu suporte artefinais, os resultados podem ser muio in-
(Fig. 3). teressantes (Fig. 4).
Fig. 4: Um exemplo de maculatura onde se sobrepõem ti-
pos e fotos (detalhe).
Vários designers já tiraram partido da
riqueza plástica gerada ao acaso por essas fo-
lhas de ajuste (que podem até justificar o esti-
Fig. 3: Steve McQueen, Kent Twitchell, Los Angeles, 1971, lo neo-dadaísta de muitos designers atuais).
(Levick & Young 1988: 113) Outro tipo interessante de palimpsesto
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9. que se pode observar em papel é aquele re- nômico, do reino animal, e que foi o suporte
sultante da sobreposição de vários cartazes mais empregado na escrita, tanto na Antigui-
rasgados, ou de seus resíduos, em muros e dade como na Idade Média. Era uma mem-
outdoors, efeito esse explorado nos anos 60 brana produzida a partir de peles de vitela, ca-
pelo artista pop italiano Mimmo Rotella, as- bra, carneiro ou ovelha. Essas peles eram amo-
sim como por muitos fotógrafos (Fig. 5). lecidas em cal, raspadas e polidas até apre-
Também poderíamos considerar certos bati- sentarem uma superfície fina, lisa e sem fa-
ks tingidos mais de uma vez, assim como lhas, resistente ao manuseio, que fosse ade-
moldes de costura com vários feitios super- quada para ser utilizada como suporte para
postos, outros tantos exemplos atuais de pa- manuscritos ou para encadernações. Mais tar-
limpsestos do tipo vegetal. de o pergaminho de pele animal passou a ser
substituído pelo pergaminho vegetal obtido
com a celulose pura (pergaminho-papel), bem
mais barato.
O pergaminho, até a invenção do papel,
era o suporte mais adequado para a escrita
de documentos filosóficos, legais ou religio-
sos, por ser muito durável, mas era um bem
que foi se tornando progressivamente escas-
so, com a proliferação das cópias de manus-
critos importantes pelos mosteiros. Essa cir-
cunstância deu origem ao aparecimento dos
palimpsestos propriamente ditos, como já ob-
servamos, e que resultavam da tentativa de
reaproveitamento de antigos pergaminhos
considerados de menor importância.
O palimpsesto, que significa “raspado de
novo” em grego, era portanto um pergami-
nho reciclado. O processo de apagamento, por
descoloramento e raspagem da escrita anteri-
or, geralmente não se dava perfeitamente e
ela reaparecia, ainda que mais fraca, sob a
nova escrita, como uma escrita fantasma. Es-
clarece ainda Martins que:
“Pensou-se durante muito tempo que
Fig. 5: Marilyn, décollage, Mimmo Rotella, 1963. esse hábito [de reciclar pergaminhos]
resultava das intenções piedosas dos
Na pintura também podemos ter o monges copistas, que apagavam tex-
“efeito palimpsesto”, chamado de velatura, e tos pagãos para inscrever em lugar
que é produzido de maneira intencional, re- deles orações e meditações religiosas.
cobrindo figuras ou manchas já pintadas com Mas, verificou-se posteriormente que
uma leve mão de tinta de outra cor, de ma- não só o palimpsesto existe desde a
neira a deixar transparecer o que está por bai- mais remota antiguidade, como ainda
xo – efeito de véu, onde formas e cores são inúmeras orações e trechos religiosos
mais sugeridas do que mostradas abertamen- tinham sido raspados em benefício da
te). literatura profana... . Em qualquer dos
Para substituir o papiro, raro e caro, foi casos, é possível ler, com o auxílio de
inventado o pergaminho, um pouco mais eco- recursos modernos, o texto primitivo
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10. [ou textos anteriores], que se desta- que recobre uma folha de papel não-
ca[m] com maior ou menor clareza absorvente que por sua vez recobre
sob a ação de reagentes químicos.” uma base encerada. Um estilete, ao
(Martins 1996: 67) pressionar o celulóide, pressiona o
papel contra a base encerada, e esse
Alguns palimpsestos foram reciclados último contato faz com que a cor escu-
mais de uma vez, acumulando vestígios de ra da base transpareça como uma es-
escritas de várias épocas, o que os tornam crita no papel levemente colorido de
ainda mais valiosos. Muitos manuscritos im- cima. Tal escrita não está realmente
portantes, como os dos Evangelhos, da Ilía- depositada no papel, e pode ser feita
da, e mesmo científicos, tem sido recupera- desaparecer simplesmente levantando
dos de palimpsestos mal apagados. Um pa- e separando o papel da base. Contu-
limpsesto que se tornou muito famoso foi do, como observou Freud, a base en-
aquele achado em Constantinopla em 1906, e cerada ainda retém a marca inscrita
que continha sob uma coleção de orações o pelo estilete, mesmo quando o escrito
texto completo em grego de diversos e im- já não é mais visível. Nesse aspecto, a
portantes escritos matemáticos de Arquime- base pode ser comparada ao inconsci-
des (Quinion 1998). ente da mente, que retém o que ele
não percebe, e o papel (com o celulói-
de) pode ser comparado ao sistema
A metáfora do palimpsesto na signi- de consciência-percepção, que por sua
ficação vez transmite [e conscientiza] aquilo
que não retém.”
Na semiótica pós-estruturalista, o conceito
do palimpsesto está presente na noção da es- Por sua vez, David Harvey (1989/1998:
crita mental (arche-écriture), desenvolvida por 53) nota que o pensamento pós-estruturalista
Derrida e inspirada em Freud – escrita essa de Derrida, ao contrário do consensualista/
que alimenta a produção de sentido através modernista de Saussure, considera instável a
da diferenciação espacial e temporal entre ligação entre o significante (ou meio) e o sig-
seus traços mnemônicos e cujo estudo Derri- nificado (ou mensagem), isto é, em contínua
da chamou de gramatologia (Derrida 1967/ différance ou scorregamento. Por isso, diz Har-
1976). vey, o movimento desconstrucionista é um
Harland (1987) nos oferece a seguinte poderoso estímulo para os modos de pensar
versão para a gramatologia de Derrida, e que pós-modernos: a vida cultural é vista como
poderá ser bastante útil para entender a me- uma série de textos em intersecção com ou-
táfora do palimpsesto implícita naquela teoria: tros textos, produzindo mais textos. Assim,
continua Harvey, não se pode dominar o sen-
“Derrida deriva sua teoria da ‘arque- tido de um texto, porque o perpétuo entrete-
escrita’ a partir de Freud, especial- cer de textos e sentidos está fora do nosso
mente do ensaio de Freud entitulado controle (porque produzida no inconsciente)
‘Nota sobre o Tablete de Escrita Mági- – a significação opera através de nós, em am-
co’ [“A note upon the ‘Mystic Writing bos os sentidos da palavra.
Pad’”, em Freud 1925/1984: 429-434]. Não admira portanto, continua Harvey
Neste ensaio, Freud compara o apara- (1989/1998: 55), que Derrida considere a cola-
to psíquico ao Tablete de Escrita Mís- gem/montagem a modalidade primária do
tico (ou Mágico), que ainda hoje é discurso pós-moderno. A heterogeneidade
vendido como um brinquedo novida- que caracteriza as produções pós-modernis-
de para crianças. O tablete é feito de tas estimula os receptores de um texto ou
uma folha transparente de celulóide imagem a produzir significações instáveis, o
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11. que faz com que a produção de sentidos sub- dentemente, ele é considerado por muitos
jetivos para os artefatos culturais seja atribui- críticos como sendo um dos principais expo-
ção tanto de autores/produtores como de lei- entes da pop art e um dos precursores mais
tores/consumidores: notáveis do pós-modernismo (Harland 1989/
1998: 58). Entre os seus primeiros trabalhos
“... o produtor cultural só cria matéri- seguindo essa linha estética, destacamos Es-
as primas (fragmentos e elementos), tate e Overdrive, ambos de 1963, em óleo e
deixando aberta aos consumidores a serigrafia fotográfica sobre tela, e os notórios
recombinação desses elementos da Persimon e Tracer, na mesma técnica, ambos
maneira que eles quiserem.” (Harvey de 1964, e com muitos elementos figurativos
1989/1998: 55) em comum.
Portanto, não é por acidente que a esté-
tica do palimpsesto é privilegiada pelas artes
e pelo design na era pós-moderna. Eles se
alimentam da anarquia, da fragmentação, da
instabilidade, da heterogeneidade, da recicla-
gem de memórias e textos descontextualiza-
dos, descontínuos – traços típicos da escrita
palimpsestica – procurando uma maior ri-
queza nas significações geradas nas interpre-
tações das audiências, que procuram fazer
sentido (signum facere) dessas combinações
“irracionais”. Esse tipo de visualidade pós-
moderna estaria como que procurando emu-
lar os modos primários de significação do in-
consciente, o deslocamento e a condensação,
identificados por Freud em sonhos e chistos.
O termo palimpsesto também aparece
atualmente para designar fragmentos ou ruínas
arquitetônicas que mostram traços de uma
configuração ou estrutura anterior (e que ain-
da pode ser detectada), por estar imersa em
um contexto visual mais recente e completa- Fig. 6: Estate, Robert Rauschenberg, 1963.
mente diverso. O termo se aplica ao modo
típico de estruturação do tecido urbano con- Para David Harvey, Rauschenberg,
temporâneo, porque aí encontramos com fre- “um dos pioneiros do movimento pós-mo-
qüência “formas passadas superpostas umas derno”, se destaca por reproduzir, em vez de
às outras” (Harvey 1989/1998: 69). produzir suas imagens através do “confisco,
citação, retirada, acumulação e repetição de
imagens já existentes”, o que faz com que “a
A estética do palimpsesto na visuali- aura modernista do artista como produtor é
dade recente dispensada” (Harvey 1998: 58). Ou seja, ele
inaugura a era das assemblages visuais, utili-
Podemos identificar a estética visual do palimp- zando elementos figurativos pré-existentes
sesto claramente cultivada nos trabalhos seri- (de maneira análoga às montagens dos ready-
gráficos de Robert Rauschenberg realizados a made de Duchamp). Significativamente, Raus-
partir de 1962, após sua fase tridimensional chenberg continua utilizando ainda hoje a
de combine painting (Lippard 1966:24). Coinci- mesma estética do palimpsesto em seus tra-
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12. balhos, agora aliando fotografia com proces- dio Dumbar, David Carson, só para citar os
samento digital de imagens, como na série de nomes dos pioneiros mais conhecidos.
trabalhos de 1996 entitulada Anagram. Também vamos encontrar essa estétic
A estética visual do palimpsesto tam- presente em sites de designers, de artistas e
bém é encontrada na arquitetura pós-moder- de empresas de comunicação visual, como
na. Segundo Harvey, “o desconstrutivismo ... podemos constatar pelas ilustrações do livro
concebe o prédio não como um todo unifica- Web Design: The Next Generation (1998).
do, mas como ‘textos’ e partes disparatados Poderíamos alongar ainda mais o pre-
que permanecem distintos e não alinhados, sente estudo, mostrando a presença da estéti-
sem adquirir sentido de unidade, e que são, ca visual pós-moderna do palimpsesto em
portanto, suscetíveis de várias leituras ‘assi- outras práticas visuais, tais como fotografia,
métricas e irreconciliáveis’ ” (p. 95), o que re- história em quadrinhos, videoclips e filmes,
força a idéia de que “a ... [nossa] situação para confirmar que essa é uma estética típica
Pós-Moderna permite... [nossa] sensibilidade e onipresente da visualidade pós-moderna.
ser uma composição de sensibilidades pré- Mas o importante, nos parece, é termos podi-
vias, um palimpsesto ...” como poderíamos do identificar essa nova estética, que está en-
acrescentar, citando Jenks (1987: 56). riquecendo nossa percepção visual e, tomara,
Margot Lovejoy, por sua vez, afirma valorizando cada vez mais nosso imaginário,
que o pós-modernismo levou os artistas a co- por estimular significativamente nossa parti-
meçarem a ver o mundo como “uma experi- cipação na construção da realidade s
ência de seqüências continuamente cambian-
tes, juxtaposições e deposições em camadas,
como parte de uma estrutura decentrada
[sem lógica] de associações”(Lovejoy 1997:
69), o que também é uma outra maneira, per-
feitamente adequada, de caracterizar a pre-
sença da estética visual do palimpsesto nas artes
visuais.
Fig. 8: Página de Jonathan Leong para seu portfolio, em
http://www.the-eclectica.com/.
Fig. 7: Página da Razorfish Subnetwork, por Thomas Referências
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No design gráfico, propriamente dito, ment of Typography & Graphic Communication,
também podemos encontrar esta estética visual University of Reading.
do palimpsesto sendo empregada, desde há al-
gum tempo, nos trabalhos de Wolfgang Cauduro, F V (1998) ‘Desconstrução e Tipografia digital’, in
Weingart, April Greiman, Neville Brody, Stu- Revista Arcos, vol.1, nº1, Rio de Janeiro: ESDI, 23-31.
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