Professores Investigando Suas PróPrias PráTicas:um panorama
Vygotsky 1
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Índice da edição 139 - jan/2001
Reportagem de capa
Vygotsky
O teórico social da inteligência
A obra do psicólogo russo que ressaltou o papel da sociedade no
processo de aprendizado ganha destaque com as comemorações do
centenário de seu nascimento e a expansão do socioconstrutivismo
divulgação
No interior da Rússia pós- revolucionária, nos anos 20, um professor de ginásio que amava as
artes se fazia uma pergunta fundamental: como o homem cria cultura? Dono de uma
inteligência brilhante, ele buscou a resposta na Psicologia e acabou por elaborar uma teoria
do desenvolvimento intelectual, sustentando que todo conhecimento é construído
socialmente, no âmbito das relações humanas. O nome do professor era Lev Vygotsky e sua
obra é hoje a fonte de inspiração do sócioconstrutivismo, uma tendência cada vez mais
presente no debate educacional. A repercussão que o pensamento de Vygotsky vem obtendo
possui a força de uma redescoberta. Nascido há um século, morreu em 1934, aos 37 anos.
Sua obra enfrentou décadas de silêncio imposto pelo regime stalinista. Apenas em meados
dos anos 60 seus livros chegaram ao Ocidente. Só então o psicólogo suíço Jean Piaget
(1896-1980), lamentando que os dois não tivessem se conhecido, leu e comentou os elogios e
as críticas que Vygotsky lhe fizera em 1932.
Natureza social
No Brasil, Vygotsky é estudado há pouco mais de uma década. Segundo a pedagoga Maria
Teresa Freitas, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que pesquisou a difusão do
trabalho dele por aqui, suas idéias chegaram no fim dos anos 70, trazidas por estudiosos que
as conheceram no exterior. Mas sua obra só começou a ser divulgada, de fato, nos anos 80,
ao mesmo tempo em que a linha educacional construtivista se expandia, impulsionada pela
psicóloga argentina Emilia Ferreiro, discípula de Piaget. Embora não tenha elaborado uma
pedagogia, Vygotsky deixou idéias sugestivas para a educação. Atento à quot;natureza socialquot; do
ser humano, que desde o berço vive rodeado por seus pares em um ambiente impregnado
pela cultura, defendeu que o próprio desenvolvimento da inteligência é produto dessa
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convivência. Para ele, quot;na ausência do outro, o homem não se constrói homemquot;.
Conhecimento e sempre intermediado
Para Vygotsky, a vivência em sociedade é essencial para a transformação do homem de ser
biológico em ser humano. É pela APRENDIZAGEM nas relações com os outros que
construímos os conhecimentos que permitem nosso desenvolvimento mental. Segundo o
psicólogo, a criança nasce dotada apenas de FUNÇÕES PSICOLÓGICAS ELEMENTARES,
como os reflexos e a atenção involuntária, presentes em todos os animais mais
desenvolvidos. Com o aprendizado cultural, no entanto, parte dessas funções básicas
transforma-se em FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES, como a consciência, o
planejamento e a deliberação, características exclusivas do homem. Essa evolução acontece
pela elaboração das informações recebidas do meio. Com um detalhe importantíssimo,
ressaltado pela psicóloga Cláudia Davis, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP): quot;As informações nunca são absorvidas diretamente do meio. São sempre
intermediadas, explícita ou implicitamente, pelas pessoas que rodeiam a criança, carregando
significados sociais e históricosquot;. Isso não significa que o indivíduo seja como um espelho,
apenas refletindo o que aprende. quot;As informações intermediadas são reelaboradas numa
espécie de linguagem internaquot;, explica o pedagogo João Carlos Martins, diretor pedagógico
do Colégio São Domingos, de São Paulo. quot;É isso que caracterizará a individualidadequot;. Por
isso a linguagem é duplamente importante para Vygotsky. Além de ser o principal instrumento
de intermediação do conhecimento entre os seres humanos, ela tem relação direta com o
próprio desenvolvimento psicológico. Maria Teresa Freitas resume: quot;Nenhum conhecimento é
construído pela pessoa sozinha, mas sim em parceria com as outras, que são os
mediadoresquot;.
Aprendizado é contínuo
Segundo Vygotsky, a evolução intelectual é caracterizada por saltos qualitativos de um nível
de conhecimento para outro. A fim de explicar esse processo, ele desenvolveu o conceito
de ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL, que definiu como a quot;distância entre o nível
de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de
problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de
problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais
capazesquot;. Trocando em miúdos, Cláudia Davis diz: quot;A zona proximal é a que separa a
pessoa de um desenvolvimento que está próximo, mas ainda não foi alcançado'.
DESENVOLVIMENTO REAL
É determinado por aquilo que a criança é capaz de fazer sozinha porque já tem um
conhecimento consolidado. Se domina a adição, por exemplo, esse é um nível de
desenvolvimento real
ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL
É a distância entre o desenvolvimento real e o potencial, que está próximo mas ainda não
foi atingido
O MEDIADOR
É quem ajuda a criança concretizar um desenvolvimento que ela ainda não atinge sozinha.
Na escola, o professor e os colegas mais experientes são os principais mediadores
DESENVOLVIMENTO POTENCIAL
É determinado por aquilo que a criança ainda não domina, mas é capaz de realizar com
auxílio de alguém mais experiente. Por exemplo, uma multiplicação simples, quando ela já
sabe somar
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POR QUE O NOME SOCIOCONSTRUTIVISMO?
Esse termo (ou, como prferem alguns especialistas, sociointeracionismo) é usado para fazer
distinção entre a corrente teórica de Vygotsky e o construtivismo Jean Piaget. Segundo Maria,
ambos são construtivistas em suas concepções do desenvolvimento intelectual. Ou seja,
sustentam que a inteligência é construída a partir das relações recíprocas do homem com o
meio. Os dois se opõem tanto à teoria empirista (para a qual a evolução da inteligência é
produto apenas da ação do meio sobre o indivíduo) quanto à concepção racionalista (que
parte do princípio de que já nascemos com a inteligência pré-formada). Para o ser humano,
segundo Vygotsky, o meio é sempre revestido de significados culturais.
Por exemplo, o objeto armário (meio) não tem sentido em si. Só tem o sentido cultural) que
lhe damos, como serr útil ou inútil, valioso ou não, rústico ou sofisticado e assim por diante. E
os significados culturais só são aprendidos com a participação dos mediadores. O fator
cultural, básico para Vygotsky, e pouco enfatizado por Piaget, é a diferença central entre os
dois teóricos construtivistas. Ambos divergem também quanto à seqüência dos processos de
APRENIDIZAGEM e de DESENVOLVIMENTO MENTAL. Para Vygotsky, é o primeiro que
gera o segundo. Em suas palavras, quot;o aprendizado adequadamente organizado resulta em
desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de
outra forma, seriam impossíveisquot;. Piaget, ao contrário, defende que é o desenvolvimento
progressivo das estruturas intelectuais que nos torna capazes de aprender (fases pré-
operatóra ou lógico-formal).
A escola é inútil se fica só no que a criança sabe
Além do fato de ser professor, a preocupação de Vygotsky com a educação tinha também
motivos políticos, pois era um de seus compromissos revolucionários. quot;Ele queria acelerar,
pela educação, o desenvolvimento da Rússia, então atrasada e iletrada!quot;, comenta Cláudia
Davis. Coerentemente, sua teoria explica a evolução intelectual como um processo constante
que pode ser impulsionado também com à ajuda externa.
quot;Nessa perspectiva, a educação não fica à espera do desenvolvimento intelectual da criançaquot;,
diz João Carlos. quot;Ao contrário, sua função é levar o aluno adiante, pois quanto mais ele
aprende, mais se desenvolve mentalmente. quot;Segundo Vygotsky, essa demanda por
desenvolvimento é característica das crianças. Se elas próprias fazem da brincadeira um
exercício de ser o que ainda não são, a escola que se limita ao que elas já sabem é inútil.
Priorizando as interações entre os próprios alunos e deles com o professor, o objetivo da
escola, então, é fazer com que os CONCEITOS ESPONTÂNEOS, que as crianças
desenvolvem na convivência social, evoluam para o nível dos CONCEITOS CIENTÍRICOS.
quot;Nesse sentido, o educador assume o papel de mediador privilegiado na formação do
conhecimentoquot;, explica Cláudia.
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