2. Universidade das Quebradas
O mais interessante é o espaço democrático, exercício livre
crítico da fala.
Mônica Rocha
Um espaço fantástico para que de fato se tenha a construção do
conhecimento atrelado às realidades culturais da sociedade, e
isso não exclui a formalidade do conhecimento e que ele se
torne político.
Fernando Chagas
Linguagem e Expressão
3. Universidade das Quebradas
O QUE A MUSA ETERNA CANTA
Cesse de uma vez meu vão desejo
De que o poema sirva a todas as fomes.
Um jogador de futebol chegou mesmo a declarar:
“Tenho birra de que me chamem de intelectual,
sou um homem como todos os outros.”
Ah, que sabedoria, como todos os outros,
A quem bastou descobrir:
Letras eu quero é para pedir emprego,
Agradecer favores,
Escrever meu nome completo.
O mais são as mal-traçadas linhas.
Adélia Prado
Linguagem e Expressão
5. Balada do amor através das idades (Carlos Drummond de Andrade)
Hoje sou moço moderno,
remo, pulo, danço, boxo,
tenho dinheiro no banco.
Você é uma loura notável,
boxa, dança, pula, rema.
Seu pai é que não faz gosto.
Mas depois de mil peripécias,
eu, herói da Paramount,
te abraço, beijo e casamos.
Linguagem e Expressão
6. A opinião em palácio (Carlos Drummond de Andrade)
A Opinião, muda como entrara, muda se conservou. Perdera o uso da palavra
ou preferia não exercitá-lo. O Rei insistia, oferecendo-lhe sequilhos e
perguntando o que ela pensava disso e daquilo, se acreditava em discos
voadores, horóscopos, correção monetária, essas coisas. E outras. A Opinião
Pública abanava a cabeça: não tinha opinião.
― Vou te obrigar a ter opinião ― disse o Rei, zangado. ― Meus especialistas
te dirão o que deves pensar e manifestar. Não posso mais reinar sem o teu
concurso. Instruída devidamente sobre todas as matérias, e tendo assimilado
o que é preciso achar sobre cada uma em particular e sobre a problemática
geral, tu me serás indispensável.
E virando-se para os serviçais:
― Levem esta senhora para o Curso Intensivo de Conceitos Oficiais. E que ela
só volte aqui depois de decorar bem as apostilas.
Linguagem e Expressão
7. Vista cansada (Otto Lara Resende)
Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o
que é que você vê no seu caminho, você não sabe. De tanto ver, você não vê.
[...]
Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o
espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de fato,
ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a
própria mulher, isso existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia,
opacos. É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.
Linguagem e Expressão
8. Um minuto (Eliane Brum)
O carro parou no sinal em Higienópolis. O homem estava deitado sobre uma
esteira. Como um chefe de família fazendo uma sesta depois do trabalho.
Enquanto isso, a mulher se acocorava diante de uma espécie de armário de
cozinha. Era uma cena doméstica rotineira. Mas era uma esquina exposta de
São Paulo. Não havia proteção sobre eles, nem mesmo uma marquise, mas a
mulher se movia como se inexistisse um mundo para além dela e de seu
homem. Como se estivesse numa casa com paredes. Ela pegava restos de
alimentos e fazia um prato como se fosse uma dona de casa comum. E o que eu
pensei ser um armário era a sua geladeira. Era como espiar alguém que não
sabia que era espiada pelo buraco da fechadura. Mas era uma esquina de
cidade. E era chocante porque era uma esquina da cidade, mas ela não sabia.
Linguagem e Expressão