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E M E V I D Ê N C I A S Vol. 1 • Número 1 • Fevereiro/2014
ENTREVISTA
DEPRESSÃO E ANSIEDADE:
Enfermidades do século xxi
e as suas consequências sociais
Dr.Teng Chei Tung
ARTIGO
tratamento DA DEPRESSÃO
COM SINTOMAS ANSIOSOS
Foco em isrs
Dr.Frederico Navas Demétrio
3. 3snc em evidências | vol.01•n 01•fevereiro/20152 snc em evidências | vol.01•n 01•fevereiro/2015
A
maioria das pessoas já se sentiu ansiosa ou de-
primida em algum momento. Um problema no
emprego, um momento de luto ou uma discussão
com alguém que lhe é próximo são situações que
desencadeiam sentimentos como tristeza, amargura, medo e,
consequentemente, ansiedade e até depressão. Isso é comum,
faz parte do curso da vida.
Entretanto, alguns indivíduos experimentam essas mesmas
sensações diariamente, sem motivo aparente. Isso dificulta seu
dia a dia, prejudicando suas relações familiares, profissionais e
pessoais. Nesses casos, tratam-se de doenças.
Cerca de metade dos pacientes diagnosticados com depressão
também é diagnosticado com transtorno de ansiedade.A própria
ansiedade pode ocorrer como um sintoma clínico da depressão,
e também é comum que a depressão seja desencadeada por
um transtorno de ansiedade, tal como transtorno de ansiedade
generalizada, síndrome do pânico ou ansiedade de separação.
As condições de vida atuais corroboram para o aumento de
tais enfermidades na população mundial. O Dr.Teng Chei Tung,
professor colaborador do Instituto de Psiquiatria do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (HCFMUSP),coordenador dos Serviços de Pronto Socorro
e Interconsultas do Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP,mem-
bro da Comissão Científica da Associação Brasileira de Fami-
liares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata),
comenta sobre essas doenças e seus impactos sociais.
a depressão e a ansiedade são transtornos distintos
oupodemocorreremummesmoindivíduo?
Os conceitos e as definições dos transtornos depressivos e an-
siosos são distintos, porém é muito comum aparecerem juntos,
uma vez que em quase todo quadro depressivo,os sintomas de
ansiedade estão presentes e às vezes são os mais proeminen-
tes. Além disso, é muito comum que pacientes com diversos
transtornos ansiosos, como o transtorno de ansiedade genera-
lizada (TAG), o transtorno de ansiedade social (ou fobia social)
e o transtorno do pânico evoluam com episódios depressivos,
até mesmo com risco de suicídio. Portanto, é muito frequente
que sintomas depressivos e ansiosos ocorram em um mesmo
paciente, apesar de serem entidades distintas.
o que leva um indivíduo a desenvolver depressão ou
ansiedade?
Como na maioria dos transtornos psiquiátricos, é preciso ter
uma predisposição genética aliada a fatores estressores do
ambiente,ou seja,é preciso que haja certa tendência estrutural
que muitas vezes é hereditária. Além disso, também é preciso
DEPRESSÃO
E ANSIEDADE
Enfermidades do século XXI
E AS SUAS consequências sociais
Dr. Teng Chei Tung
CRM-SP 65.297
Entrevista
que ocorram situações de estresse que
sejam suficientes para desencadear sin-
tomas intensos de ansiedade e, muitas
vezes, após um desgaste físico ou men-
tal grave e prolongado, é possível de-
senvolver um quadro depressivo.
quaissãoasdiferençasfundamen-
taisentreadepressãounipolarea
bipolar?
Os sintomas entre a depressão unipolar
e bipolar são indistinguíveis.Eles podem
ser iguais nos dois tipos, não é possível
separar pelos sintomas depressivos. O
que caracteriza a depressão bipolar é a
presença de uma história de sintomas
hipomaníacos no passado, que seriam
fases breves (que duram em geral mais
de um dia) e bem caracterizada de sin-
tomas como aumento nítido de energia,
acima de níveis habituais,com tendência
de fazer muitas coisas ao mesmo tempo,
além de apresentar mais frequentemen-
te irritabilidade ou mesmo euforia, na
forma de alegria excessiva. Essas fases
hipomaníacas podem também se apre-
sentar com sono reduzido, fala excessi-
va, pensamentos muito rápidos, tendên-
cia maior à distração e comportamentos
mais arriscados, como assumir compro-
missos de risco, gastos excessivos, se-
xualidade exacerbada. Essas fases mui-
tas vezes passam despercebidas, como
se fossem fases de empolgação normais
de qualquer pessoa. Contudo, são um si-
nal nítido da tendência de instabilidade
de humor e de outras funções que ca-
racterizam os pacientes bipolares. Se o
paciente tiver muitas fases depressivas,
sem fases hipomaníacas, esse padrão
de alta recorrência também pode ser
um indício de instabilidade de humor,
aumentando a chance de o episódio de-
pressivo ser do tipo bipolar. O diagnós-
tico não é fácil.É necessária uma avalia-
ção cuidadosa de um médico psiquiatra
experiente no assunto.
é comum haver confusão nos diag-
nósticosdedepressão,transtorno
bipolar e quadros de ansiedade?
Na realidade esta é a situação mais re-
corrente. Muitos pacientes depressivos
sofrem demais com os sintomas an-
siosos, e os sintomas depressivos (tris-
teza, desânimo, fadiga, pensamentos
negativos, problemas de concentração,
problemas de sono e apetite) parecem
Os conceitos e as
definições dos transtornos
depressivos e ansiosos são
distintos, porém é muito
comumapareceremjuntos,
uma vez que em quase
todo quadro depressivo,
os sintomas de ansiedade
estão presentes e às vezes
são os mais proeminentes.
4. 4 5snc em evidências | vol.01•n 01•fevereiro/2015 snc em evidências | vol.01•n 01•fevereiro/2015
A psicoterapia é muito importante, tan-
to na fase aguda quanto na mais grave,
para dar suporte e apoio ao paciente,
além de ajudar a orientar a família para
lidar com o indivíduo depressivo. Após
a recuperação clínica, a psicoterapia é
fundamental para preparar o paciente
para resolver todos os problemas decor-
rentes das perdas causadas pela depres-
são, como os atritos familiares, a perda
da confiança pelos familiares e pelos co-
legas de trabalho, e perdas de prestígio
profissional e social. A recuperação de
uma crise depressiva é muito complicada
e sofrida, pois o paciente parte de uma
situação muito ruim, de estar sem tra-
balhar e ser dependente da família, e ao
mesmo tempo precisa do apoio de todos
à sua volta, que muitas vezes estão des-
gastados e incrédulos em relação a ele.
existem doenças clínicas que po-
demcausaradepressão?
A maioria das doenças clínicas tem al-
guma associação com depressão, prin-
cipalmente as crônicas que tenham al-
gum nível de inflamação crônica, como
as doenças cardiovasculares, arterios-
clerose, diabetes mellitus e especialmen-
te as doenças dolorosas crônicas, como
a fibromialgia e a enxaqueca. Doenças
neurológicas crônicas, como doença
de Parkinson ou a esclerose múltipla,
também estão muito associados à de-
pressão. Algumas doenças possuem um
caráter estigmatizante, como a Aids ou
o câncer, cujos diagnósticos são sempre
perturbadores e angustiantes. No mo-
mento do diagnóstico existe um risco
maior de ocorrer depressão ou de piorar
um quadro depressivo leve prévio. Ou-
tras doenças que são muito incapacitan-
tes, como o acidente vascular cerebral
ou traumas vertebrais após acidentes
de trânsito, também estão francamente
associados à depressão.
ousodedrogasilícitaspodedesen-
cadear quadros de depressão ou
ansiedade?
É muito comum que drogas como cocaí-
na ou cannabis desencadeiem ataques
de pânico. O uso crônico de cannabis
está associado a quadros ansiosos. A
dependência de álcool está muito li-
gada à depressão e ao suicídio. Drogas
ilícitas são fatores muito importantes
para desencadear quadros depressivos
e ansiosos,e também pioram a evolução
desses quadros, dificultando a resposta
ao tratamento.
o dr. thomas insel (diretor do
nimh), mencionou no fórum eco-
nômico mundial, em davos, que as
doenças mentais terão, em breve,
um impacto econômico maior que
o câncer, o diabetes e as doenças
respiratórias juntos. sendo a de-
pressão um dos transtornos men-
tais mais frequentes, qual é sua
opinião sobre esse fato? as políti-
casdesaúdepúblicaestãodandoa
devidaatençãoàsdoençaspsiquiá-
tricas?comodiminuiresseimpacto?
Essa afirmação também está em conso-
nância com outra afirmação, feita pelo-
Dr. Drauzio Varella, em artigo publicado
no jornal Folha de S.Paulo,que comenta
com maestria que a saúde está prepa-
rada para prevenir doenças do século
XIX, como infecções, está aprendendo a
lidar com doenças clínicas da meia-ida-
de, como as doenças cardiovasculares, e
metabólicas, como o diabetes mellitus,
mas não está preparada para lidar com
as doenças neuropsiquiátricas, que vão
prevalecer neste século. A saúde públi-
ca não tem um foco prioritário para os
transtornos neuropsiquiátricos, o que se
reflete na ausência de grandes progra-
mas de prevenção de depressão e de an-
siedade, com programas de prevenção
de suicídio nacionais, sendo instituídos
apenas recentemente nos últimos cinco
anos na maioria dos países desenvolvi-
dos. Os transtornos neuropsiquiátricos
deveriam ser apresentados e discutidos
na sociedade de forma ampla e estrutu-
rada,para que todos possam saber como
diminuir seu surgimento e minimizar as
consequências.Isso passa por uma cons-
cientização dos governos para se insti-
tuírem esses programas tão necessários.
A maioria das doenças
clínicas tem alguma
associação com depressão,
principalmente as crônicas
que tenham algum nível de
inflamação crônica, como as
doenças cardiovasculares,
arteriosclerose, diabetes
mellitus e especialmente as
doenças dolorosas crônicas,
como a fibromialgia e a
enxaqueca.
Fontes consultadas
Anxiety and Depression Association of
America. Depression. Disponível em:
<www. adaa. org/understanding-anxiety/
depression>.Acesso em: 5 fev. 2015.
Mayo Clinic. Depression (Major Depression
Disorder). Disponível em: http://www.
mayoclinic. org/diseases-conditions/
depression/expert-answers/depression-
and-anxiety/faq-20057989.
Acesso em: 05/02/2015.
Beyond Blue. Depression. Disponível em:
<www. beyondblue. org. au/the-facts/
depression>.Acesso em: 5 fev. 2015.
Beyond Blue.Anxiety. Disponível em:
<www. beyondblue. org. au/the-facts/
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Mayo Clinic. Depression (Major Depression
Disorder). Disponível em: <www.
mayoclinic. org/diseases-conditions/
depression/expert-answers/depression-
and-anxiety/faq-20057989>.
Acesso em: 5 fev. 2015.
ser apenas consequências esperadas de
uma ansiedade muito intensa. E muitos
pacientes com transtorno bipolar apre-
sentam sintomas, queixas depressivas
e ansiosas, sem perceber que eles são
instáveis (de altos e baixos) e que ti-
veram fases hipomaníacas no passado.
Os pacientes raramente comentam so-
bre essas fases hipomaníacas. Portanto,
muitos pacientes deprimidos chegam às
consultas médicas com queixas de an-
siedade e estresse, e muitos indivíduos
bipolares só se queixam dos sintomas
depressivos e ansiosos, dificultando o
diagnóstico correto.
a incidência dessas doenças está
aumentando?
Existem alguns estudos indicando que
podem estar aumentando sim, mas a
verdade é que essas doenças sempre fo-
ram muito comuns,as pessoas é que não
as reconheciam, nem mesmo os pacien-
tes, os familiares ou os amigos. Elas ge-
ralmente eram atribuídas à personalida-
de, às características da própria pessoa,
sem desconfiar que todo esse sofrimen-
to ocorria em função de um problema
de saúde que poderia ser tratado.
ainda existem preconceitos dos
indivíduos deprimidos buscarem
ajuda?
Apesar de muitas pessoas já aceitarem
sem problemas o fato de terem depres-
são e ansiedade e que necessitam de
tratamento, ainda existem muitos que
associam esses problemas a questões
de doença mental, remetendo à ideia
de loucura, de descontrole, de vir a ser
perigoso, de ser excluído da sociedade
e do convívio social. Esse medo de ser
taxado de “louco” faz com que eles ne-
guem que o sofrimento associado aos
sintomas depressivos e ansiosos sejam
vistos como problemas de saúde, se-
riam apenas consequências das mazelas
da vida. Isso atrasa demais a busca por
tratamento, o que aumenta o risco de se
terem quadros depressivos e ansiosos
mais graves, crônicos e com maior difi-
culdade de tratamento.
épossívelpreveniradepressão?
Sim, é possível prevenir a depressão
adotando-se um estilo de vida saudá-
vel desde a infância, com uma educação
que garanta o desenvolvimento de uma
autoestima elevada, sem se cometerem
excessos. Um ponto muito importante é
saberquesejáhouvecasosdedepressão
e ansiedade na família, sempre existe o
risco de o próprio indivíduo desenvolver
esses problemas. Portanto, quanto mais
as pessoas tiverem conhecimento sobre
os sintomas de depressão e ansiedade,
mais fácil vai ser detectar precocemente
um quadro depressivo/ansioso, e mais
tranquilo será tratar e se recuperar. Des-
sa forma, a psicoeducação, que engloba
todos os procedimentos para fornecer
informações relevantes e de qualidade
sobre os transtornos mentais, deve ser
prioritária em qualquer programa de
prevenção de depressão e de ansiedade.
qual é o papel da psicoterapia e
dosmedicamentosantidepressivos
notratamentodadepressão?
Os medicamentos antidepressivos são
muito importantes, principalmente nos
quadros mais graves e intensos, quando
o cérebro não consegue funcionar cor-
retamente e o organismo não consegue
reagir. Eles promovem uma melhora
mais rápida (apesar de poder demorar
semanas para se conseguir uma respos-
ta adequada) do que a psicoterapia,e nos
quadros graves de depressão, os prejuí-
zos cognitivos (que envolvem raciocínio,
memória, capacidade de executar tare-
fas) são intensos e dificultam demais o
processo de psicoterapia. Além disso, na
depressão existe uma falta de energia e
de vontade de fazer qualquer coisa, que
paralisa e impede a pessoa de tentar so-
lucionar seus problemas,impedindo que
o paciente faça o que ele porventura te-
nha decidido realizar após uma sessão
de psicoterapia. Os medicamentos tam-
bém são uma das formas mais eficientes
de prevenir novos episódios depressi-
vos, e devem ser tomados continuamen-
te pelos pacientes que tiveram mais
que dois episódios depressivos na vida.
Apesar de muitas pessoas já
aceitarem sem problemas
o fato de terem depressão
e ansiedade e que
necessitam de tratamento,
ainda existem muitos que
associam estes problemas
a questões de doença
mental, remetendo à ideia
de loucura, de descontrole,
de vir a ser perigoso, de ser
excluído da sociedade e do
convívio social.
6. 8 9snc em evidências | vol.01•n 01•fevereiro/2015 snc em evidências | vol.01•n 01•fevereiro/2015
O
s pacientes com transtorno depressivo frequentemente apresentam sintomas
de ansiedade e queixas somáticas. A associação da depressão com elevados
níveis de ansiedade confere um quadro de maior gravidade e incapacidade
funcional, maior propensão à cronicidade e um aumento do risco de suicídio1
. Os
portadores de depressão ansiosa são significativamente mais propensos a estar
desempregados, ter menor nível educacional, ser mais gravemente deprimidos, ter
outros transtornos de ansiedade em comorbidade e apresentar uma depressão com
características mais melancólicas/endógenas1
.
No estudo chamado STAR*D (Sequenced Treatment Alternatives to Relieve Depression),a
prevalência de indivíduos com depressão ansiosa (pontuação no fator de ansiedade/
somatização da Escala de Hamilton para Depressão–17itens [HAM-D] ≥7) foi de 44%
a 46%2
. O fator ansiedade/somatização compreende os seguintes itens: ansiedade
psíquica, ansiedade somática, sintomas gastrointestinais, sintomas somáticos gerais,
hipocondria e insight sobre a doença.
tratamento
DA DEPRESSÃO
COM SINTOMAS ANSIOSOS: foco em isrs
Dr. Frederico Navas Demetrio
CRM-SP 65.362
Artigo
Doutor em Medicina pela FMUSP.
Coordenador do Ambulatório do GRUDA
- Grupo de Estudos de Doenças Afetivas
do Instituto de Psiquiatria do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo
serotoninérgicas dos núcleos da rafe
mesencefálicos para o sistema límbico
é outro conjunto de neurocircuitos que
tem sido proposto para modular o medo
e a ansiedade. Assim, o mau funciona-
mento dessas projeções, especialmente
aquelas para a amídala, pode ser a base
dos sintomas de ansiedade na depres-
são e estar sob a influência de estímulos
monoaminérgicos no circuito do medo3
.
Por isso, o estímulo da neurotransmis-
são serotoninérgica ou noradrenérgica
em um circuito pode reduzir a tristeza
e, em outro circuito, aliviar os sintomas
de ansiedade4
. Isso explica por que os
agentes não serotoninérgicos, como a
bupropiona, são menos vantajosos para
tratar pacientes com depressão ansiosa5
.
Com o objetivo de avaliar o tratamento
dos transtornos de humor em comor-
bidade com transtornos de ansiedade,
uma força-tarefa do CANMAT analisou
o tratamento da depressão em associa-
ção com o transtorno do estresse pós-
traumático6
. Estudos que avaliaram os
inibidores da recaptação de serotonina
e noradrenalina (IRSN) apresentaram
resultados promissores. No entanto, em-
bora as taxas de resposta e de remissão
tenham sido tão boas ou melhores do
que aquelas de estudos com inibidores
seletivos de recaptação de serotonina
(ISRS), a venlafaxina não promoveu me-
lhora significativa em relação ao sinto-
ma de hipervigilância6
.
Portanto, bases fisiopatológicas e im-
portantes estudos clínicos convergem
para a hipótese de que a depressão
associada a sintomas de ansiedade ne-
cessite de uma abordagem terapêutica
específica.
Em concordância, alguns estudos mos-
traram que os portadores de um trans-
torno depressivo com altos níveis de
ansiedade apresentaram uma resposta
mais lenta ao tratamento7
e, em alguns
estudos a curto prazo8
, mas não em to-
„„ Embora não seja um critério formal para o diagnóstico de um
episódio depressivo, a ocorrência de sintomas de ansiedade é muito
frequente, tanto que a quinta edição do Manual de Diagnóstico e
Estatística dos Transtornos Mentais (DSM-5) incluiu o especificador
“com sintomas ansiosos” para destacar essa apresentação clínica da
depressão.
„„ A depressão com sintomas ansiosos associa-se a um maior
comprometimento psicossocial e especificidades no tratamento
antidepressivo.
„„ Diretrizes de tratamento (Canadian Network for Mood and
Anxiety Treatments [CANMAT] e American Psychiatric Association
[APA]) apontam para o uso dos inibidores seletivos da recaptação da
serotonina (ISRS) como opção de primeira linha para pacientes com
depressão e comorbidade com ansiedade.
„„ Em relação ao manejo da dose do antidepressivo, aconselha-se
“começar com doses baixas, aumentar devagar, mas atingir sempre as
doses terapêuticas”, o que pode levar mais do que 12 semanas6
.
dos9
, os pacientes foram menos propen-
sos do que aqueles sem altos níveis de
ansiedade a responder ao tratamento
antidepressivo.
No mesmo sentido, para avaliar a hipó-
tese de que os pacientes com depressão
ansiosa são menos propensos a atingir
a resposta e a emissão em compara-
ção com os portadores de depressão
não ansiosa, Fava et al.1
realizaram uma
subanálise com pacientes do STAR*D.
Consistentemente com a maior parte da
literatura, esse estudo encontrou que os
pacientes com depressão ansiosa foram
menos propensos a responder ou remi-
tir ao tratamento com citalopram em
comparação com aqueles com depres-
são não ansiosa. Eles também levaram
mais tempo para remitir1
.
Além disso, os pacientes com depressão
ansiosa foram menos propensos do que
aqueles com depressão não ansiosa a
atingir a remissão, mesmo após a troca
ou a potencialização do tratamento,seja
com bupropiona, seja com sertralina ou
venlafaxina1
.
Tais resultados reiteram a visão de que
a depressão ansiosa associa-se à res-
posta a um tratamento específico,já que
os portadores desse subtipo são menos
suscetíveis a atingir a remissão com as
opções de tratamento comumente em-
pregadas para aqueles com depressão
não ansiosa. Isso fortalece a necessida-
de de se considerar a depressão ansiosa
como um subtipo diagnóstico do trans-
torno depressivo1
.
Essas observações e os resultados ob-
tidos pelos estudos mencionados são
coerentes com o histórico do conceito
da depressão com sintomas de ansie-
dade. A Classificação Internacional de
Doenças e Problemas Relacionados à
Saúde (CID-10) foi o primeiro sistema
classificatório a introduzir o diagnóstico
de “transtorno misto ansioso e depressi-
vo”, em 1992, em resposta a evidências
de que a comorbidade de ansiedade e
depressão era prevalente em pacientes
que não preenchiam todos os critérios
para um ou outro distúrbio. Entretanto,
a CID-10 reconhece a imprecisão dessa
definição para fins de pesquisa10
.
Em concordância, o comitê organizador
do DSM-5 decidiu omitir o diagnóstico
de transtorno misto ansioso e depres-
sivo10
. Em um estudo de confiabilidade
a depressão com sintomas ansio-
soseaespecificidadenotratamen-
tomedicamentoso
Recentemente, o neurocircuito do medo
foi elucidado e se constatou que as
anormalidades concentram-se na amí-
dala.Alterações no circuito do medo es-
tão implicadas na fisiopatologia dos sin-
tomas de ansiedade na depressão e nos
transtornos de ansiedade propriamente
ditos. Sabe-se que projeções noradre-
nérgicas do locus coeruleus para a amí-
dala regulam a ansiedade, pois existem
evidências de que a estimulação eletro-
fisiológica ou farmacológica do locus
coeruleus em modelos animais resulta
em comportamentos semelhantes aos
de pessoas com ansiedade. Projeções
7. 10 11snc em evidências | vol.01•n 01•fevereiro/2015 snc em evidências | vol.01•n 01•fevereiro/2015
teste-reteste, verificou-se que o trans-
torno misto ansioso e depressivo não
podia ser separado de forma confiável
do transtorno depressivo maior e do
transtorno de ansiedade generalizada10
.
Para resolver essa questão,o DSM-5 adi-
cionou um especificador “com sintomas
ansiosos” para o episódio depressivo11
.
O uso do especificador permite que se
descreva a gravidade de sintomas, e
pode ser aplicado tanto em quadros de
depressão quanto em episódios depres-
sivos no transtorno bipolar (Tabela 1).
isrs no tratamento da depressão
comsintomasansiosos
De modo geral, importantes diretrizes
internacionais de tratamento12,13
não en
contraram evidências que modifiquem
substancialmente o que se pratica em
relação ao tratamento da depressão
com comorbidade com sintomas de
ansiedade. A principal conclusão é que
tanto os sintomas depressivos quanto
os sintomas ansiosos respondem bem
aos antidepressivos6
.
Uma recomendação valiosa é introduzir
uma dose baixa de antidepressivo para
evitar a exacerbação inicial da ansieda-
de e, em seguida, aumentar lentamente
a dose conforme a tolerabilidade até se
atingirem as doses-alvo6
.
Embora os antidepressivos tricíclicos
(ADT) eram considerados por alguns
como superiores aos ISRS no tratamento
da depressão ansiosa, três grandes me-
tanálises mostraram que a fluoxetina14,15
e a paroxetina16
são tão eficazes quanto
os ADTna redução de sintomas de ansie-
dade e agitação na depressão, com me-
nos efeitos colaterais.O tratamento com
ISRS promove resposta terapêutica em
torno de 60% dos casos,com 20% a 30%
dos pacientes atingindo a remissão6
.
Vários estudos duplo-cegos e controla-
dos por placebo demonstraram a eficá-
na HSCL em uma única visita (semana
um). A HSCL, além de mostrar melhora
significativamente superior nos pacien-
tes tratados com fluoxetina, também
mostrou que os pacientes tratados com
fluoxetina apresentaram melhor pon-
tuação em aspectos como somatização,
sensibilidade interpessoal e ansiedade
em comparação com pacientes tratados
com paroxetina.
Já outro estudo24
encontrou que os pa-
cientes tratados com paroxetina tiveram
uma pontuação significativamente me-
nor no fator distúrbios do sono da HAM
-D em uma únicavisita (visita quatro),em
comparação com doentes tratados com
fluoxetina. Os resultados desses cinco
ensaios21-25
sugerem que a fluoxetina
e a paroxetina são igualmente eficazes
no tratamento da depressão maior, bem
como na ansiedade associada. De Wilde
et al.23
sugerem que o início de ação pa-
rece ser mais rápido com a paroxetina.
Uma metanálise comparou a eficácia da
bupropiona e dos ISRS (escitalopram,
fluoxetina, sertralina e paroxetina) para
o tratamento da depressão ansiosa
(n=1275). As taxas de resposta foram
maiores para os ISRS em comparação
com o tratamento com bupropiona se-
gundo a HDRS (65,4% versus 59,4%, res-
pectivamente, p=0,03) e HARS (61,5%
versus 54,5%,respectivamente,p=0,03)26
.
Em concordância, um estudo demons-
trou que os pacientes com depressão e
ansiedade apresentavam maior proba-
bilidade de ser tratados com paroxeti-
na e menor probabilidade para receber
bupropiona27
. Entretanto, uma revisão
sistemática não encontrou diferenças
significativas entre os antidepressivos
de segunda geração28
.
Considerando a dificuldade em se tratar
pacientes com depressão ansiosa com
antidepressivos monoaminérgicos, a hi-
pótese do uso de agentes glutamatérgi-
cos como a quetamina tem-se mostrado
Tabela 1. Critérios do DSM-5 para o especificador de episódio
depressivo “com sintomas ansiosos”11
.
¢ Exige a presença de pelo menos dois dos seguintes sintomas, durante
a maioria dos dias, da depressão maior ou do transtorno depressivo
persistente (distimia):
1. Sentir-se tenso.
2. Sentir-se inquieto.
3. Dificuldade de concentração devido a preocupações.
4. Medo que algo terrível aconteça.
5. Sensação de que pode perder o controle sobre si mesmo.
¢ Especificadores de gravidade:
• Leve: dois sintomas.
• Moderado: três sintomas.
• Moderado a grave: quatro ou cinco sintomas.
• Grave: quatro ou cinco sintomas com agitação psicomotora.
cia da fluoxetina para o tratamento da
depressão, bem como para o tratamento
de transtornos de ansiedade. Assim, não
é surpreendente que a fluoxetina seja
eficaz na depressão ansiosa17
.
Spalletta et al.18
realizaram um estudo
aberto sobre a monoterapia com fluoxe-
tina para o primeiro episódio de depres-
são ansiosa (n=22). Houve uma melhora
significativa verificada pelas pontuações
em escalas de avaliação (Escala de De-
pressão de Hamilton e Escala de Ansie-
dade de Hamilton) a partir de dez dias
de uso da medicação.
Fava et al.19
compararam a eficácia e a
tolerabilidade de três ISRS diferentes
(fluoxetina, n=35; sertralina, n=43; pa-
roxetina, n=30) para o tratamento am-
bulatorial de pacientes com depressão
ansiosa.As taxas de resposta e remissão
foram ≥50% para todos os três tratamen-
tos com uma baixa frequência de even-
tos adversos, sendo que o grupo tratado
com fluoxetina obteve melhora na pon-
tuação do fator ansiedade/somatização
da HAM-D logo na primeira semana.
Outro estudo agrupou resultados de
cinco ensaios que examinaram a eficá-
cia da sertralina (n=334) e da fluoxetina
(n=320) em pacientes ambulatoriais com
depressão ansiosa20
. Ambos os antide-
pressivos promoveram uma melhora clí-
nica semelhante conforme resultados de
escalas de avaliação (pontuação total da
HAM-D e Impressão Clínica Global [CGI]),
mais de 70% dos pacientes obtiveram
resposta (redução ≥50% da pontuação
inicial da HAM-D, fator de ansiedade/
somatização) e 47% atingiram remissão.
Cinco estudos compararam a paroxe-
tina com a fluoxetina21-25
durante o
tratamento agudo (6 a 12 semanas de
duração). As medidas de eficácia nesses
ensaios incluíram a HAM-D, a Escala de
Hamilton para Ansiedade (HAM-A), a
pontuação nos fatores da HAM-D (an-
siedade/somatização, lentificação, dis-
túrbios do sono e melancolia), a Escala
de Avaliação da Depressão Montgomery
-Asberg (MADRS), a Impressão Clínica
Global de Melhora (CGI-Improvement)
e Gravidade (CGI-Severity), a Lista de
Sintomas de Hopkins (HSCL) e a Escala
Analógica Visual para a ansiedade.
Apenas dois dos cinco ensaios relata-
ram que houve diferença estatistica-
mente significativa em alguma medida
de eficácia.Um deles23
encontrou que os
pacientes tratados com paroxetina tive-
ram uma pontuação significativamente
menor na HAM-A em uma única visita
(semana três) e doentes tratados com
fluoxetina tiveram uma resposta maior
oportuna para o manejo de pacientes re-
fratários.De fato,um estudo mostrou que
pacientes com depressão ansiosa obti-
veram melhor resposta e apresentaram
maior intervalo de tempo para recaída
em comparação com portadores de de-
pressão não ansiosa29
.Cabe ressaltar que
o estudo incluiu uma pequena amostra
(n=23),impossibilitando conclusões mais
amplas a respeito do papel da cetamina
no tratamento da depressão ansiosa.
Além da especificidade em relação à
apresentação clínica de um quadro de-
pressivo com sintomas ansiosos, aspec-
tos individuais do paciente devem ser
considerados na escolha do tratamento.
Por exemplo, as meia-vidas longas da
fluoxetina e de seu metabólito norfluo-
xetina são úteis em pacientes para os
quais se prevê uma má adesão e “esque-
cimento” de doses30
.
Também se sabe que a fluoxetina é um
dos antidepressivos mais comumente
utilizados em mulheres grávidas. Em
grandes estudos de coorte, não houve
efeito da fluoxetina sobre a ocorrência
de má-formações31
. Já a paroxetina tem
sua segurança na gestação questionada
em alguns estudos. Uma metanálise es-
timou um aumento de 50% na prevalên-
cia de má-formações cardíacas devido
ao uso da paroxetina durante o primeiro
trimestre de gestação32
. Entretanto, um
amplo estudo de coorte que incluiu
949.504 mulheres grávidas, das quais
11.126 usaram paroxetina, não encon-
trou associação entre o uso desse ISRS
e má-formações cardíacas33
.
Além disso, um estudo populacional (n=
25.180)comparoualgunsdosISRScomu-
mente utilizados (citalopram, fluoxetina,
paroxetina e sertralina) e suas associa-
ções com a prematuridade34
. Não hou-
ve diferença significativa entre os ISRS.
A maioria dos estudos com metodologia
mais robusta não encontra uma associa-
çãoentreousodeISRSduranteagravidez
e anormalidades de crescimento fetal31
.
conclusão
Os pacientes com depressão ansiosa melhoram com os antidepressivos atualmente
disponíveis, principalmente os ISRS e os IRSN. Entretanto, a melhora não é sustentada
durante muito tempo, em contraposição com os portadores de depressão não ansiosa.
A principal hipótese é que os pacientes com depressão ansiosa mantêm uma ansiedade
residual após o tratamento e podem ter mais sensibilidade para sensações somáticas35
.
A prescrição do ISRS deve se basear não só na eficácia, mas em características indi-
viduais dos pacientes; pacientes com tendência à má adesão podem se beneficiar da
meia-vida mais longa da fluoxetina30
, assim como mulheres em idade fértil com risco
de engravidar (base de dados de segurança muito grande para o uso da fluoxetina)31
.Já
a paroxetina tem uma ação maior sobre os parâmetros de sono, sendo útil em pacien-
tes com insônia associada24
,além de reduzir mais rapidamente os sintomas específicos
de ansiedade23
.
Por isso, é fundamental avaliar a presença e a gravidade de sintomas de ansieda-
de quando se diagnostica um episódio depressivo; os critérios do DSM-5 devem ser
checados rotineiramente para confirmar o diagnóstico de depressão “com sintomas
ansiosos” e sua intensidade. Durante o tratamento agudo desses pacientes, deve-se
monitorar a melhora dos sintomas depressivos e também dos ansiosos, particular-
mente naqueles pacientes cujos sintomas melhoram de forma mais lenta e naqueles
que continuam a exibir sintomas residuais (especialmente ansiedade) após um ensaio
adequado com um antidepressivo. Esses cuidados contribuem para que o tratamento
seja bem-sucedido.