O documento discute a noção de imagens no catolicismo. Em três frases:
1) Deus se comunica com os humanos através de linguagem analógica para ser compreendido.
2) Os seres humanos são imagens de Deus na medida em que refletem características divinas através da graça.
3) As imagens no catolicismo representam aspectos da fé e ajudam os fiéis a se conectarem com Deus e a tradição.
1. Sou católico, e não adoro imagens! i
Preparação: ............................................................................................................. 2
A linguagem utilizada por Deus para se comunicar com o homem .......................... 2
O “conceito” de Imagem ......................................................................................... 4
Imagem de Deus ..................................................................................................... 5
A concepção de “imagem” na Sagrada Escritura ..................................................... 6
A crítica que nos advém da “Babilônia Discursiva” .............................................. 13
“As imagens” no ambiente católico: Por quê? ....................................................... 15
O desafio da Igreja: Ensinar seus fiéis ................................................................... 17
Considerações finais ............................................................................................. 19
1
2. Preparação: orientados para que a prática errônea
seja corrigida e os erros esclarecidos.
Começamos transcrevendo estas Sabemos que a questão não é tão
palavras para alertar a multidão dos simples e que a perplexidade do
“alunos”, no sentido etimológico assunto necessitaria muito mais do
daqueles que “não possuem luz”, ou que algumas “palavras escritas”, pois
ainda, os que correm em direção ás muitos já o fizeram, por isso nós
trevas. Falo àqueles que insistem em apenas traremos algumas
ficar longe da verdade e mais, que se “lembranças” que insistem em serem
utilizam do discurso religioso para esquecidas, ou até abandonadas.
deturpar e persuadir a Verdade em
nome de uma ilusão emotiva e um Por tais aspectos iremos nos
benefício plácido da comodidade que fundamentar na Doutrina sacra da
não os permitem buscar os ramos Igreja, vigiada e guardada pelo
donde vertem os líquidos sapienciais Colégio Episcopal, se utilizando de
do divino. alguns documentos da Sagrada
Tradição, e inconfundivelmente das
Buscar respostas exige-nos “Sagradas Escrituras”, pois esta
muito mais do que esforços, temos distorcidamente interpretada é o
que ter a virtude de sermos sinceros e arsenal da “babilônia discursiva” para
não temer o que poderemos encontrar nos criticar.
pela frente. O que muito se escuta na
“babilônia dos discursos”1 são as Assim desejamos na
acusações infantis e infundadas, em autenticidade desses escritos e na
todos os sentidos, a respeito do uso de medida da limitação deste trabalho
imagens no ambiente católico. que o leitor possa se questionar e
procurar sua verdade para além das
O que queremos é de maneira limitações aqui expostas; tanto que
singela esclarecer o nosso ponto de acreditamos fielmente que quem
vista doutrinal a respeito da situação, e busca com sinceridade a verdade
para além das críticas, fazer com que encontrará o próprio Deus. Com as
os nossos fiéis, que muitas vezes são palavras de Edith Stein: “Quem
infiéis no conhecimento de sua fé e procura a verdade, mesmo sem tomar
doutrina, possam se sentir seguros e consciência disto, procura Deus,
porque ele é exatamente a Verdade”.
1
Termo que utilizamos para descrever A linguagem utilizada por Deus
as “doxas”, ou se preferirem, as meras
opiniões levantadas no âmbito externo
para se comunicar com o homem
a Igreja, e que se esforçam em criticar Deus em si não se utiliza de
a Doutrina, sem antes conhecê-la, e linguagem, tendo em vista que a
consequencialmente sem entendê-la.
2
3. própria linguagem é fruto do homem e imagem e gestos que expressam de
em sua imanência está inserida. Deus diversas maneiras a nossa relação com
em suas propriedades transcendentais, o divino, e maneira pela qual
levando em conta a Onisciência entendemos tal relação.
divina, daquele que tudo conhece, e
A linguagem que Deus se utiliza
tudo percebe, e que subjaz tudo sob
é essencialmente analógica3 onde a
seu domínio, podemos nos perguntar:
maneira de apreender alguma coisa de
Deus precisa de linguagem para
Deus é realizada a “nossa” maneira,
comunicar a si? Obviamente que não!
ou seja, Deus se “transporta” até o
Mas se Deus se comunica, ele se
humano para que ele possa
comunica a algo, ou alguém, e este
compreendê-lo. Por isso tem-se que
alguém, o homem é necessariamente
admitir que Deus só seja conhecido e
um ser lingüístico e
expressado, ora pela Sagrada
fundamentalmente necessitado de uma
Escritura, ora pela Tradição, que se
“pedagogia” que seja acessível a ele.
faz acessível pela linguagem universal
Deus para atingir nossa condição
da relação comunicada.
humana se faz linguagem acessível
para ser entendido por este mesmo Com a certeza da lógica exposta
homem. nesses argumentos acima,
compreendemos que o homem não
Assim a Igreja no CIC2 é clara
tem intelecção direta do divino
em afirmar: “Sendo o homem um ser
(intuição), muito pelo contrário, não
ao mesmo tempo corporal e espiritual,
somos capazes de penetrar nos
exprime e percebe as realidades
mistérios de Deus se não for pela
espirituais por meio de sinais e de
graça revelada, ou seja, expressa de
símbolos materiais. Como ser social,
maneira compreensiva ao nosso
o homem precisa de sinais e de
entendimento.
símbolos para comunicar-se com os
outros, pela linguagem, por gestos,
por ações. Vale o mesmo para sua 3
Entendemos o conceito de analogia
relação com Deus”. (CIC. 1998, par. como: “extensão provável do
1146). conhecimento mediante a passagem de
uma proposição que exprime certa
Se o homem é um ser que situação para uma outra proposição
que exprime uma situação
fundamentalmente se utiliza de sinais, genericamente semelhante”.
entendemos, no que diz respeito ao (Dicionário de Filosofia Abbagnano,
2007. p. 59). Percebemos que a
conhecimento que se pode ter de linguagem analógica é a acessibilidade
Deus, que este é transformado em de compreensão que se dá na
passagem de uma expressão (língua)
linguagem analógica, ou seja, em incompreensível, ou neste caso,
inconfundivelmente superior, a uma
linguagem que nos permite apreender
2
Catecismo da Igreja Católica. tal língua.
3
4. O “conceito” de Imagem a aliança funciona como um Símbolo
(Palavra do Grego “Symballéin” que
significa reunir), ou seja, temos a
Imagem é a tradução da palavra
união da pessoa e de tudo o que ela
latina Imago que indica semelhança
nos significa representada, mas ao
ou signo das coisas, que pode
mesmo tempo ausente no símbolo
conservar-se independentemente das
(anel), por isso o anel não é passivo de
coisas. Imagem e a representação
amor, mas representa uma aliança
daquilo que está ausente, ou seja, é a
estabelecida no amor e na fidelidade
presença ausente em nosso meio,
com o outro.
daquilo que não temos acesso no
momento. Este ato de usar um anel no dedo
para representar um momento é tão
Quando temos a imagem de algo
verídico na igreja que o próprio rito do
em nossa mente sofremos o processo
matrimônio sugera a seguinte fórmula
de trazer alguma coisa da realidade
de benção do sacerdote sobre as
que nos causou a imagem, por isso
alianças: “Ó Deus, abençoai estes
quando nos lembramos do rosto de
vossos filhos e santificai-os no seu
uma pessoa que gostamos muito e que
amor: que estas alianças, sinal de
há muito tempo não vemos, logo nos
fidelidade recordem a N. e N. a sua
vêm uma série de recordações a
promessa. Por Cristo, nosso Senhor.”
respeito da pessoa, ou ainda, um
Ritual do Matrimônio, Paulus. par.
amontoado de sentimentos que nos
229. p. 113). E ainda, o ritual,
levam a ter saudades e a desejar
colocando na boca dos noivos tal
reviver tais momentos com aquela
oração que diz o seguinte: “recebe
pessoa.
esta aliança em sinal do meu amor e
Outro aspecto intrigante da da minha fidelidade. Em nome do Pai,
imagem é o fato de que toda imagem do Filho, e do Espírito Santo”. (Ritual
está carregada de sentidos, como, por do Matrimônio, Paulus. par. 67. p.
exemplo, um anel de aliança, ele em si 34). Verifica-se então, o ato de
não é a pessoa que amamos, não tem comprometimento e o arsenal de
seu cheiro, não é capaz de se declarar significados que pode estar por detrás
para nós, não expressa essencialmente de um símbolo, ou uma imagem.
à presença real da pessoa que
É por isso que quando um cristão
amamos, e se assim ocorre, então por
utiliza o símbolo de uma cruz no peito
que um casal se utiliza de uma
ele traz subjacente tudo o que ela
aliança?
significou e significa para ele.
A resposta é tão simples quanto
A imagem pode nos transportar
profunda. A aliança representa, ou re-
para além de nós mesmos e nos faz
apresenta algo que nos leva a pessoa,
4
5. mergulhar no passado com as semelhança” (Gn 2; 26)4 Entendemos
recordações que ela suscita, nos este trecho bíblico a luz da
remete ao presente na medida em que interpretação de Santo Tomás de
nós nos utilizamos dela, e nos projeta Aquino que distingue a imagem da
ao futuro quando este por sua vez é semelhança, assim, segundo o doutor
uma imagem que ainda não se angélico: “Qualquer semelhança,
realizou. mesmo que seja a expressão de outra
coisa, não basta para realizar e
essência da imagem. (Suma
Imagem de Deus
Teológica. Questão XCIII. Art. II,
p.829). Se assemelhar é parecer-se
É com base no conceito de com algo, o homem é semelhante a
imagem, e mais, em sua capacidade de Deus na medida em que é através da
representar algo que se lhe indica, é graça, capaz de refletir em si a
que percebemos toda a apologia para a imagem fiel de Deus. Ser semelhante
defesa da dignidade humana e sua é estar e permanecer atuante nas
ontológica representação da imagem características que se lhe indicam
de Deus (Imago Dei). Ser imagem de aquilo ao qual nós vamos tornando-
Deus é ser também capaz de re- nos imagem, assim o homem é
apresentar a Deus, de refletir algo que semelhante a Deus quando em sua
indique para o divino. natureza está resplandecendo algo do
próprio Deus.
Ser imagem de Deus nos coloca
numa situação encantadora, pois Assemelhar-se a Deus é fruto da
quando dizemos que somos imagem comunhão com ele tanto que Santo
de algo logo estamos dizendo que Tomás afirma que “pelo pecado o
desejamos ser algo que não está ao homem torna-se dessemelhante a
nosso alcance, quando nos propomos Deus,” (Idem. Art. IV, p. 832), por
a sermos a imagem de Deus nós isso nossa fidelidade demarca a linha
reconhecemos que desejamos seguir de semelhança do humano para com o
seus passos e se assemelhar a ele, mas divino. Quando o homem desobedece
que jamais seremos Deus mesmo, pois a Deus no paraíso ele junto com a
a imagem por mais fiel que seja não é Graça Original perde a semelhança
jamais o objeto que é representado. (no sentido de natureza primeira e in-
corrompida do estado original).
A problemática bíblica a respeito
da situação do homem como imagem
de Deus está explicita desde o livro do
Gênesis quando Deus diz: “Façamos 4
Sagrada Escritura; Tradução: A
o homem à nossa imagem, como nossa BÍBLIA DE JERUSALÉM. Paulus, 7° Ed.
Revisada, 1973, reimpressão 1995.
5
6. O que então permanece na queda No conceito imagem vemos
é justamente a imagem de Deus que se “escondido” a verdadeira
manifesta em tudo o que existe e por representação do termo e mais a sua
excelência se manifesta na imagem do aplicabilidade na realidade do
homem na medida em que representa cristianismo. Assim estamos muito
(re-apresenta: no sentido de atualizar além da generalização da
continuamente) perfeita ou compreensão medíocre de imagem
imperfeitamente a imagem de Deus. quando se compreende a imagem
como algo pejorativo e até profano.
O conceito de imagem abrange
uma intimidade entre o Criador e a Convém-nos ressaltar que se
criatura-homem, em defesa disso o existe no humano algo capaz de elevá-
Doutor Angélico escreve na Suma lo a uma dignificação é a capacidade
Teológica: “Por onde a imagem de de tentar ser uma imagem do divino e
Deus pode ser considerada, no repetir ao longo da história o exemplo,
homem, a tríplice luz. Primeiro, ou aquilo que denominamos como
enquanto o homem tem aptidão testemunho de santidade que na
natural para inteligir e amar a Deus; verdade é a tentativa (embora de
e essa aptidão natural para inteligir maneira imperfeita) à realização da
(conhecer) e amar a Deus; e essa vontade do coração de Deus Pai:
aptidão consiste em a natureza mesma “Sede santos como eu sou santo” (Lv
da mente, comum a todos os homens. 11; 44).
Depois enquanto o homem, atual ou
habitualmente, conhece e ama a Deus,
A concepção de “imagem” na
embora imperfeitamente; e essa é a
Sagrada Escritura
imagem por conformidade da graça.
Terceiro, enquanto o homem conhece
e ama a Deus atualmente e Como já dissemos
perfeitamente o ama; e assim essa é a anteriormente, há uma sacralidade no
imagem por semelhança da Glória”. homem que foi criado a “imagem e
(Questão XCIII. Art. IV. p. 832).5 semelhança de Deus” (Gn 2; 26).
Onde está impregnado na alma deste
5 mesmo homem propriedades que
Chamamos a atenção para a
profundidade da colocação tomista
onde num primeiro momento o homem
mais do que tornar-se imagem de
Deus, tem em si a aptidão para refletir
a Deus, ou seja, no homem à imagem moldado. Esta compreensão vem de
de Deus impressa indelevelmente no encontro com o significado profundo do
homem, em todos os homens, que nome “cristão” que indica
permite com que a criatura ame o essencialmente: “ser outro cristo”) em
Criador. Em um segundo momento o Deus. No último estado, a semelhança
homem se “conforma” (no sentido de para com o divino é resgatada e a
formar-se, entrar na forma, de ser imagem restaurada.
6
7. pertencem em suma ao Criador 6, tanto pela atitude do ato de criação, sermos
que nos será possível perceber o zelo e então e por excelência “ícones” de
o empenho de Deus em preservar sua Deus. Aqui está à dignidade e a
imagem em si, dada que a imagem do reverência de todo ser humano em
próprio Deus essencialmente não é meio ao universo. Foi admirando à
submetida à corrupção, e no homem divindade refletida no homem, que o
este processo ocorre pela ação da salmista se elevou a um nível de
Graça. espanto para com tamanha
benignidade, diz ainda o salmista:
Expressamos de maneira sincera
“fizeste pouco menos que um Deus,
e confessamos desde já que não temos
coroando-o de glória e beleza”. Somos
a intenção de fazer uma exegese
belos à medida que nos percebemos e
bíblica no conceito e na compreensão
agimos como imagem viva de Deus.
de imagem, pois o tema é abrangente e
perpassa toda a Sagrada Escritura, Faz-se, portanto, necessário
porém, pretendemos nos ater no cerne esclarecermos primeiramente um texto
da questão que envolve a imagem bíblico que se tornou grande motivo
enquanto espécie sacramental da vida de discussão e interpretação, quando
humana. se atém em comentar tal concepção de
imagem na Bíblia. Eis o texto: “Não
Queremos começar este esboço
farás imagem alguma para ti!” (Ex
com o salmista que louva a Deus da
20; 4s).
seguinte forma: “Quando vejo o céu,
obra dos teus dedos, a lua e as Apressadamente nós devemos
estrelas que fixaste, que é um mortal, perceber que a compreensão de
para dele te lembrares, e um filho de imagem tem na Sagrada Escritura um
Adão, que venhas visitá-lo? E o fizeste duplo sentido. Primeiramente
pouco menos que um deus, coroando- percebemos a colocação do livro do
o de glória e beleza”.(Sl 8; 4-5). Êxodo. “Eu sou o Senhor teu Deus,
que te fez sair do Egito, da casa da
O louvor do salmista vai de
escravidão!” (Ex 20; 2). Israel foi um
encontro com uma exigência
povo escravizado por que se
desencadeada do Criador que nos faz
distanciou do Deus Altíssimo, sua
vida se tornou amarga pelo jugo da
6 escravidão, e pelo labor forçoso que
As propriedades podem ser
observadas em um número grande, lhe foi imposto, isso é inegável, o
mas destacamos a bondade, a verdade,
a beleza, e a unidade que estão povo eleito foi e por muito tempo,
reunidas no homem em certo grau que massacrado e condicionado a uma
permitem identificar nele os traços do
divino e nos faz compreender que é em
vida desumana e sofrida em meio aos
Deus que todas essas propriedades se egípcios.
encontram em grau infinitamente
manifestado.
7
8. Porém o cerne da questão vai humano é incapaz de atingir a
além, sabemos que o povo egípcio era transcendência divina. Contudo o que
um povo politeísta e a Idolatria era se pretende salvaguardar é na verdade
constante. Assim, não foi somente o a imagem de Deus, não enquanto
número dos hebreus que cresceram no Deus, pois, se ele tem uma imagem,
Egito, mas também houve uma ela o é inatingível; a questão é
interpenetração mútua nos costumes justamente a imagem que os homens
de ambos os povos, na forma de viver, (os escolhidos do altíssimo-hebreus)
e também na vida religiosa, onde honram em si e que reflete Deus, é a
muitos dos filhos de Israel se intimidade e a fidelidade que se tem
profanaram; se prostituíram, em relação a Deus, esta participação
7
prostrando-se a deuses que não o seu axiológica que advém do próprio
Deus. Deus, e deve ser acolhido no coração
e nos costumes dos homens.
Há uma ordem subjacente no
primeiro mandamento do Decálogo A proibição de “não fazer para si
que explicita toda a contextualização imagem alguma”, a princípio não
acima apontada, segundo o autor do pode ser entendida corretamente se
Êxodo, Deus deu uma ordem ao seu não levarmos em consideração o
povo: “Não terás outros deuses além caráter analógico da questão, ou seja,
de mim. Não farás para ti imagem “não crie para ti uma imagem que o
esculpida, nem figura alguma do que faça esquecer a imagem do Senhor
existe em cima nos céus, ou embaixo Deus de Israel, o conceito em questão
na terra, ou nas águas debaixo da é a idolatria.8
terra. Não te prostrarás diante dos
ídolos, nem lhes prestarás culto, pois
8
eu sou o Senhor teu Deus, um Deus Idolatria não consiste em manter uma
imagem num ambiente, e muito menos
ciumento”. (Ex 20; 3-5). na materialidade de um signo que
representa alguma coisa. A idolatria
O que está estabelecido nas consiste num sentido de colocar outra
“entre linhas” do texto acima não é coisa que não Deus, no lugar de Deus.
Reparemo-nos que o verbo “colocar” é
somente o comportamento humano a expressão que utilizamos
em si, e particularmente do povo limitadamente e por uma dificuldade de
hebreu, pois um comportamento limites da própria linguagem, tanto que
Deus não é literalmente, “colocado”
como um objeto que pode ser movido
7
Este, “se prostrar” não se reduz a um de um lado para o outro. O sentido de
ato de reverência no que diz respeito “colocar” que utilizamos é no sentido
ação de ajoelhar-se diante de; mas, é existencial, que nos leva a pergunta:
muito mais do que isso, é a atitude Qual é o lugar de Deus em nossa vida?
própria de se submeter livremente e O que está em questão não é o
conscientemente a algo, ou a alguém, movimento de Deus, mas o nosso
de tal maneira que a vida tornar-se-á movimento para Deus, em Deus, e com
um serviço pleno que caminha em Deus. Quem pode tornar-se idólatra
função de tal submissão. somos nós os humanos e não Deus,
8
9. Se ainda insistíssemos em somente o que é humano para se
interpretar esta passagem do Êxodo saciar, ou seja, é deixar-se preencher
sem compreender as questões de coisas mundanas desviando-se do
históricas e religiosas da época, e para Altíssimo. Eis a verdade impressa
além destas, a mensagem salvífica neste texto do Êxodo. O povo foi
expressada aquele povo, vamos sem idólatra na medida em que se desviou
dúvida nos esbarrarmos outra vez na do caminho de Deus.
ausência da compreensão do trecho
As imagens sejam elas de barro
bíblico que diz: “Não farás para ti
ou de ouro, de gesso ou de qualquer
imagem esculpida, nem figura alguma
outro material, são indiferentes para
do que existe em cima nos céus, ou
alcançar a Deus, pois este é
embaixo na terra, ou nas águas
infinitamente superior. Como diz o
debaixo da terra” (Ex 20; 4). Afinal,
salmista: “Aos ídolos das nações são
como poderiam os hebreus fazer
prata e ouro, feitos por mãos
imagens nas águas debaixo da terra?
humanas: têm boca e não falam, têm
Tal aspecto torna-se redutível no
olhos e não vêem, têm ouvidos e não
contexto.
ouvem, e boca deles não respira.
Advertimos ao leitor que a Sejam como eles os que fabricam e
concepção de imagem na Sagrada todos os que neles confiam”. (SL 135;
Escritura não pode indicar apenas o 15-18) Aqui não se discute a
ato de criar imagens de deuses com ás fabricação de imagens como tal, mas
próprias mãos como ocorreu com sim a intencionalidade do ato para o
Aarão. 9 Este ato de criar deuses para qual as imagens estão destinadas, eles
si não corresponde, ou ainda, carece faziam imagens para adorá-las, e mais,
de sentido, quando especificado na o ato de esculpir imagens era a
aparente “limitada compreensão” maneira que Israel tinha de “dominar”
literária desses versículos, não é o ato a divindade, de tentar se prevalecer
de criar imagens para si, mas voltar-se diante do transcendente.
ao limitado se fechando ao
Outro aspecto que ainda merece
transcendente, e ainda, buscar
ser destacado é a aparente contradição
como também as vítimas de tal da parte dos mandamentos de Deus a
idolatria são os humanos e não Deus. respeito da criação (ato de esculpir)
9
“Vendo que Moisés demorava a
descer do monte, o povo reuniu-se em das imagens, se assim o for entendido
torno de Aarão e lhe disse: Vem, faze- de maneira obscura. Comparemos
nos deuses que caminhem à nossa
frente” (Ex 32; 2), e ainda: [Aarão] agora dois trechos da Sagrada
“Recebendo o ouro, preparou um molde Escritura.
com o cinzel e fez um bezerro fundido.
Então disseram: Aí tens, Israel, os teus O primeiro se encontra no livro
deuses que te fizeram sair do Egito! Ao
ver isto Aarão construiu um altar diante do Deuteronômio, onde o Senhor
do bezerro”. (Ex 32; 4-5b).
9
10. Deus de Israel através de Moisés que se veja e que se perceba diante da
exorta outra vez o povo: “Tomai imagem de uma Serpente, obra de
cuidado com grande zelo! No dia em homens que agem de acordo com a
que o Senhor vos falou do meio do vontade divina.
fogo do Horeb, não viste figura
Perguntamo-nos qual a diferença
alguma. Guardai-vos bem de
entre o primeiro texto e o segundo?
corromper-vos, fazendo figuras de
Ambas as imagens são frutos do labor
ídolos de qualquer tipo, imagens de
humano, ambas são imagens, ou
homem ou de mulher, imagens de
figuras, e os homens se reverenciam
animais que vivem na terra ou de aves
nas duas situações; reparemos que se
que voam no céu, de bichos que se
no primeiro caso os homens se
movem pelo chão ou de qualquer
aproximam da imagem para torná-la
espécie de peixes que vivem na água,
parte de seus cultos, no sentido de
debaixo da terra”. (Dt 4; 15-18) Aqui
latria (amor excessivo, e culto
a ordem divina é clara e imperativa,
supremo), onde Deus o acusa de terem
“não farás imagem alguma para ti!”.
se corrompido (Ex 32; 7-8).
No outro texto, cujo desejamos
No segundo texto, nos parece um
fazer uma comparação está no livro do
caso oposto, percebe-se que há uma
Gênesis, onde: “O povo dirigiu-se a
atuação direta de Deus através do uso
Moisés e disse: Pecamos, falando
que ele mesmo faz na imagem da
contra o Senhor e contra ti. Roga ao
Serpente, assim sendo, a condição de
Senhor que afaste de nós as serpentes.
sobrevivência para os homens em
Moisés intercedeu pelo povo, e o
relação à picada que sofreram das
Senhor lhe respondeu: Faze uma
serpentes é olhar para aquela imagem,
serpente venenosa e coloca-a sobre
e diante dela perceber e reverenciar a
uma haste. Aquele que for mordido,
ação de Deus ali, estendida sob um
mas olhar para ela ficará com vida.
poste e significada, ou ainda
Moisés fez, pois, uma serpente de
simbolizada numa imagem.
bronze e colocou-a sobre um poste.
Quando alguém era mordido por uma Se assim ocorreu, podemos nos
serpente de bronze, ficava curado”. perguntar se é a imagem que deu a
(Nm 21; 7-9) sacralidade ou a profanação para os
homens? A força de atuação e
Neste episódio, Deus se utiliza
transmutação se encontra na imagem
da imagem da Serpente de bronze para
esculpida? Pode então, uma imagem
curar e salvaguardar a vida dos que
feita por mãos humanas ser tão
haviam sido picados. Reparemos que
efetivamente direcionadora e
a ordem também é clara e imperativa,
condicionadora, a tal ponto de confluir
os que querem ser curados devem:
“olhar para a imagem”. É necessário
10
11. o destino humano diante do mundo, coletivo, com foi com o povo de
dos homens, e de Deus? Israel.
A chave para a interpretação não Por isso afirmamos que não é o
está na imagem, e muito menos na fato de estar na presença de uma
ordem divina, pois é fato que de todo imagem, ou ainda, constituí-la, que
mal Deus pode tirar um bem maior. nos tornará necessariamente pessoas
Por isso percebe-se facilmente, depois idólatras. E o contrário também é
de ter apontado os fatos, que tudo verdadeiro, ou seja, é possível que
decorre da intenção que nasce do uma pessoa seja uma profunda
coração do homem em relação ao adoradora de “imagens” (idólatra) sem
mundo externo. nunca ter tido contato com um
protótipo de gesso.
A importância e o grau de
intencionalidade que o homem coloca Quando Deus impõe ao homem:
em seus atos o fazem declinar-se em “não farás imagem alguma!” ele nos
direção a Deus ou ao mundo. Pois o diz para não criarmos coisas externas
próprio Deus disse a Moisés: “Vai, para fugirmos do nosso interior, a
desce, pois corrompeu-se o teu povo ordem implícita é: “seja a minha
que tiraste do Egito. Bem depressa imagem, e também a minha
desviaram-se do caminho que os semelhança!”
prescrevi.” (Ex 32; 7-8) E ainda,
Subentende-se ainda a
quando Moisés pergunta a Aarão o
necessidade de esclarecer dois termos
motivo pelo qual ele permitiu tal
que perpassam a complexidade do
atitude do povo, Aarão respondeu:
nosso assunto.
“Não se indigne o meu senhor. Tu
bem sabes que este povo é inclinado Com João Damasceno queremos
ao mal”. (Ex 32; 21). se aperceber numa distinção essencial
para a compreensão diferenciada das
A intenção que brota do coração
diversas maneiras de culto: Segundo o
humano é fator essencial do ato de
Papa Bento XVI: “João Damasceno
adoração, no sentido de depender da
foi também um dos primeiros em
intenção íntima de cada um ser livre e
distinguir entre o culto público e
escolher adorar o que bem desejar,
privado dos cristãos, entre a
pois tudo nos pode ser tido como
adoração (latreia) e a veneração
obrigação, mas a adesão a Deus, a
(proskynesis): a primeira só pode
intimidade com Ele, e ainda, a decisão
dirigir-se a Deus, sumamente
de adorá-lo ou adorar o mundo é uma
espiritual; a segunda, ao contrário,
decisão subjetiva, livre, e pessoal, que
pode utilizar uma imagem para
não obstante causará um efeito
dirigir-se àquele que é representado
nela”. (Catequese pronunciada pelo
11
12. Papa Bento XVI aos peregrinos participamos de maneira antecipada
reunidos na Praça de São Pedro para da comunhão celeste, mesmo ainda
a audiência geral, na qual apresentou estando na terra. Por isso no livro do
a figura de São João Damasceno, no Levítico encontramos a ordem de
dia 6 de maio de 2009). 10 Subjaz, Deus: “Sede santos por que Eu sou
portanto, uma distinção clara do ponto santo” (Lv 11; 44). E como não
de vista doutrinal no que diz respeito admirar estes que são companheiros
ao culto dado a Deus no ato de se nossos e testemunhas fiéis que ao
prostrar com a vida oferecendo tudo o longo da história vieram firmando a
que somos e temos elevando assim, ao primazia do seguimento a Deus?
Altíssimo as nossas oferendas Exemplos tão reais e tão pertos de
ofertadas em Espírito e Verdade. nós. Sim! Admiramos e pedimos
sempre a intercessão daqueles que
No sentido contrário (e não
estão mais perto do Cordeiro, e
contraditório) do ato de adoração
através do poder da oração que não
agimos quando veneramos pela
conhece barreiras, nos confiamos
comunhão dos Santos, todos os eleitos
também às orações de tantos irmãos e
de Deus que formam o povo eleito,
irmãs que já venceram o caminho que
assim como nos fala o livro do
estamos percorrendo. Assim venerar a
Apocalipse: “Então, um dos Anciãos
vida de um santo é ter a certeza de que
falou comigo, perguntando: Estes que
como ele conseguiu vencer em Cristo,
estão vestidos com túnicas brancas,
nós também somos capazes e se ainda
quem são e de onde vieram? Eu
assim duvidamos de nossas
respondi: Tu é que sabes meu senhor.
capacidades, temos a vida deles para
Ele então me disse: Estes são os que
nos ensinar e constantemente nos
vieram da grande tribulação.
relembrar de que é possível “vencer
Lavaram e branquearam as suas
no sangue do Cordeiro”!
vestes no sangue do Cordeiro. Por
isso estão diante do trono de Deus e Assim permanece e
lhe prestam culto dia e noite, no seu reforçamos a distinção entre o culto á
santuário.” (Ap 7; 13-15) Deus e o culto aos santos
representados nas imagens sacras.
Veneramos (proskynesis) toda a
Conforme nos relembra o Papa João
milícia celeste, desde os santos, os
Paulo II: “O Concílio Niceno II,
mártires, e até as miríades de miríades
portanto, reafirmou solenemente a
de anjos que servem e louvam a Deus
distinção tradicional entre "a
incessantemente, e com eles
verdadeira adoração (latria)" que,
10
Texto acessado em "segundo a nossa fé, é devida somente
http://www.zenit.org/article- à natureza divina" e "a prosternação
21509?l=portuguese
> no dia 02/12/2010.
de honra" (timetiké proskynesis), que
12
13. é prestada aos icones, porque "aquele medida com que medis sereis
que se prostra diante do icone, medidos”. (Mt 7; 1-2).
prostra-se diante da pessoa (a
Quando Jesus diz aos seus
hipóstase) daquele que na figuração é
discípulos que se “a justiça deles não
representado". (Carta
fossem mais verdadeira do que as dos
apostólica Duodecimum Saeculum.
fariseus, eles não entrariam no céu.”
Sobre a veneração das imagens por
(Mt 5; 20), ele justamente nos indica a
ocasião do XII centenário do II
interioridade com que o homem deve
concílio de Nicéia).11
se ater em relação ás coisas internas e
Torna-se, portanto expressivo e externas. O grande pesar de Jesus para
fundamental a distinção que fizemos com os Escribas e Fariseus era o
do culto de adoração a Deus e a abismo que havia entre aquilo que
veneração que temos na comunhão falavam e aquilo que viviam, ou seja,
dos santos. Aqui subjaz o cuidado que o ato de hipocrisia, (pregar uma
as pessoas deveriam ter quando doutrina sem a preocupação de vivê-
afirmam “ex-cátedra” que os católicos la), medir os outros a partir de
adoram imagem. Será que ao menos medidas que não são aplicáveis nem a
elas sabem fazer tão singela distinção nós mesmos.
entre adoração e veneração? Pedimos
O que os “doutores da Lei” não
licença para um pensador chamado
compreendiam é que as Letras fazem
Wittgeinstein, e nos permitimos
parte da Lei escrita, mas o fundamento
adaptar sua famosa frase em nosso
da Lei não se reduz ao cumprimento
contexto para dizer: “Daquilo que não
cego e determinista de preceitos, e sim
se sabe é melhor que se cale!”
na caridade e eficácia em nível de
transformação interior refletida no
A crítica que nos advém da exterior de cada um que se põe sob os
“Babilônia Discursiva” moldes dessa mesma Lei. Em suma
seguir a Lei é na verdade seguir
- Os católicos adoram imagens... aquele que nos deu os caminhos
indicados na Lei, a Lei não é o fim,
“Não julgueis para não serdes
mas o meio pelo qual se é indicado o
julgados. Pois com o julgamento com
Fim, que é o próprio Deus.
que julgais sereis julgados, e com a
O aspecto de Lei, no sentido de
normas redigidas nos ajudam a
11
Texto acessado em:<
percebermos um caráter fundamental
http://www.vatican.va/holy_father/joh para esta parte de nosso trabalho, a
n_paul_ii/apost_letters/documents/hf_j Lei, tem fundamento em nós na
p-ii_apl_19871204_duodecim-
saeculum_po.html> no dia medida em que nós tomamos
02/12/2010.
13
14. conhecimento dela, pois, quem pode acalentos da “Babilônia Discursiva” a
transgredir aquilo que não se conhece? respeito de tal assunto para além da
Para ter peso de julgamento, toda ignorância que se tem de tais
sentença pressupõe que o sentenciado fundamentos, suplicamos na
tenha clareza, ou, ao menos a intuição autoridade do Evangelho que deixem
de seu delito. o juízo para o Sumo Juiz, que nos
julgue àquele que é digno, o resto
A grande questão que colocamos
torna-se fútil e desnecessário, por isso
é o peso das palavras do Evangelho
recomendamos a vós irmãos
que nos diz: “não julgueis para não
separados, (não a todos, mas àqueles
serdes julgados,” e se assim nos
que se comportam erroneamente ao
apercebemos como então seguirmos,
nosso respeito) que não os
como se fossemos juízes da Lei
condenamos, pois não somos o Juiz,
divina? E, nos atermos em atos
apenas os recomendamos à
críticos para com a maneira e o
misericórdia divina e vos
sentido dos cultos alheios?
compreendemos na caridade, mas nem
Como podemos então dizer “aos a própria caridade tem o direito de
ventos” que os católicos são faltar ao respeito, este é destinado a
adoradores de imagens, e se todos, e todos são todos.
possivelmente o fossem? Afirmamos e
É fácil do ponto de vista
ao mesmo tempo nos perguntamos
daqueles que não se preocupam em
junto com Thiago, em sua epístola:
buscar a verdade das coisas e um
“Não faleis mal uns dos outros,
profundo sentido para tudo o que está
irmãos. Aquele que fala mal de um
lançado no universo, àqueles que,
irmão ou julga o seu irmão fala mal
como dissemos no início, não se
da Lei e julga a Lei. Ora, se julgas a
permite serem atingidos pelo próximo,
Lei, já não estás praticando a Lei,
pois têm tanta certeza de suas certezas
mas te fazes juiz da Lei. Só há um
que se aprisionam num dogmatismo
legislador e juiz, a saber, aquele que
muitas vezes fideísta e egoísta.
pode salvar e destruir. Tu, porém,
quem és para julgares teu próximo?” A nós é caro à verdade em si, e
(Tg 4; 11-12). sabemos que ela emana do próprio
Deus e por isso pode e deve ser
Além do erro patético da
submetida a tudo e a todos, pois seu
generalização da sentença acima (os
caráter de estado não depende de
católicos adoram imagens), temos o
“nossos bisturis, pelo contrário a
desconhecimento da doutrina em que
Verdade é exposta não para ser
está embasada a sustentação do culto
desacreditada e reprovada, pois se
de imagens dos católicos, devemos
assim o fosse não seria a verdade, ela
então gritar em nome da justiça que os
14
15. é exposta para iluminar e nos fazer melhor, a profunda realidade de Deus
assentir a ela.” expressa na vida dos homens.
Outro aspecto em relação as
“As imagens” no ambiente católico: imagens é o seu uso nos âmbitos
Por quê? sacros que a partir de um conjunto de
atos, reverências, interferências de
Primeiramente deixamos claro relações, ordem de culto e rito,
que as imagens cristãs quando intenção objetiva comum... Que em
inseridas naquilo que denominamos suma formam o que chamamos de
como espaço litúrgico se diferem das liturgia.
imagens expostas para a devoção Segundo o Concílio do
“particular”, onde a relação entre a Vaticano II: “A liturgia, com efeito,
imagem e o devoto recebe uma mediante a qual, especialmente no
conotação de lembrança, de carinho, divino sacrifício da eucaristia, se atua
de re-apresentação da ausência de uma a obra de nossa redenção, contribui
presença, da presença de tudo aquilo sumamente para que os fiéis
que Deus foi através da vida daquele exprimam em suas vidas e manifestem
santo, ou santa e de tudo o que aos outros o mistério de Cristo e a
significam para Deus, para a Igreja, e genuína da verdade da Igreja, que tem
para cada um dos fiéis em sua a característica de ser ao mesmo
devoção particular. tempo humana e divina, visível, mas
A imagem pode também dotada de realidades invisíveis,
ganhar a característica de representar operosa na ação e devotada à
uma pessoa que significou para o contemplação, presente no mundo e
devoto, em sua subjetividade, um contudo peregrina; de tal modo que
exemplo para ser seguido e uma vida a nela o humano é orientado e
ser admirada, onde se percebeu subordinado ao divino, o visível ao
literalmente a força da expressão invisível, a ação à contemplação, a
Imago Dei impregnada na vida de tal realidade presente à futura cidade
santo. Mas para além desse, a imagem para a qual estamos encaminhados”.
dos santos, ou de Maria (seja qual (Sacrosanctum Concilium, 2007, p.
forem os aspectos sob ela admirados e 34, par. 02). A liturgia é a maneira
os títulos invocados) trazem uma com a qual nós nos relacionamos com
identificação da realidade particular o divino, onde ás realidades visíveis
da vida do fiel, ou até uma marca de estão em comunicação com as
experiência de relação pessoal que ele realidades celestes.
teve e identificou através de sua Entendendo, portanto, o
devoção para com aquilo que a fundamento da liturgia como aquela
imagem representa, assim, o santo, ou
15
16. que realiza não em si mesma, mas em fazer uma imagem daquilo que vi de
nós e conosco a ligação do humano Deus. (...) Com o rosto descoberto,
com o divino, e do divino com o contemplamos a glória do Senhor”.
humano, expressado no ato do culto. (CIC. 1998, par. 1159). Se existe uma
Essa realidade é expressa na totalidade Imagem Sacra esta é justamente a
do ato litúrgico, por excelência a nós figura impressa na realidade humana
católicos na fôrma do sublime culto pelo mistério da Encarnação, pois o
eucarístico dado como expressão próprio Jesus é a Imagem viva do Pai.
última da liturgia.
Quando uma imagem ocupa um
Todo este relevo até aqui lugar no âmbito litúrgico ela deve nos
apresentado, nos ajuda na apontar para a imagem de Cristo na
contextualização da imagem no realidade humana, assim quando
âmbito sacro, e mais especificamente temos, por exemplo, a imagem de São
obtendo um lugar próprio no culto Paulo pintada num painel, no fundo de
litúrgico. uma igreja, onde se aprecia uma
grande espada em uma de suas mãos e
Não pretendemos elencar e
noutra um grande livro. Não temos a
aprofundar cada item do Culto
intenção de remeter Paulo no lugar do
litúrgico sacrifical do catolicismo,
Cristo, mas pelo contrário, vemos em
pois tudo o que se detém no âmbito da
Paulo o grande e incansável
extensão da Santa Missa, tem um
evangelizador dos gentios, expressado
“porque” próprio de ser e estar ali.
por seu rosto cansado e em sua espada
Desde a Palavra proclamada, das
vemos a realidade de luta daquele que
respostas e da participação da
disse: “Combati o bom combate,
assembléia, da materialidade ofertada
terminei a minha carreira, guardei a
(pão e vinho), do rito entendido e
fé.” (2Tm 4; 7). E o livro em sua mão
participado por todos... Reparemo-
nos recorda a fiel doutrina na qual ele
nos, portanto que a imagem está
fez valer a sua vida, orientador das
estruturada neste todo litúrgico, e é
almas, profundo conhecedor das
está imagem que denominamos como
Escrituras, letrado e fervoroso no que
ícone, ou imagem sacra.
diz respeito ao zelo pelas coisas de
Tratemos mais especificamente Deus... Assim, fica expresso em uma
da função das imagens dentro da imagem todo um significado que
liturgia. Tendo em vista que remete a Cristo.
“Antigamente que Deus não tem
Por dizemos que tal imagem é
corpo nem aparência, não podia em
cultuada no sentido de veneração e
absoluto ser representado por uma
não de idolatria, pois ela nos indica a
imagem. Mas agora que se mostrou
quem devemos adorar
na carne e viveu com os homens posso
verdadeiramente, olhando para a
16
17. imagem de Paulo lembramo-nos de instrumentos que apontam para Deus,
sua conversão e de toda a sua vida que que ilustram a realidade da relação
não é outra coisa se não o seguimento entre Deus e os seres humanos. Neste
apaixonado á Cristo. Tente pensar o sentido a Tradição da Igreja sempre
apóstolo Paulo sem se referir a Jesus soube preservar e incentivar o aspecto
Cristo, perde-se profundamente o estético de seus ambientes, e também
sentido, pois Paulo é Paulo na medida nos é demonstrado na no decorrer da
em que está referido á Cristo e Cristo história que foram incontáveis às
é Cristo em Paulo, com Paulo e por vezes em que a Igreja serviu-se do
Paulo. grande potencial humano chamado
arte, para trazer à vida o espírito belo
É neste segundo aspecto, o do
da Revelação.
uso de imagem no ambiente litúrgico
e toda a função de apontar para a
realidade divina onde o visível O desafio da Igreja: Ensinar seus
(imagens, textos, gestos, posturas, ou fiéis
seja, sinais humanos) demonstra e
aponta para o invisível, nos é não Não é impossível expor uma
somente permitido, mas indicado. doutrina que forme um sistema sem
Assim: “O culto cristão das imagens lacunas, o difícil de uma doutrina não
não é contrário ao primeiro está na exposição da mesma, mas no
mandamento, que proíbe os ídolos. De ensino correto de seus princípios e de
fato, a honra prestada a uma imagem sua prática. Se a Igreja católica, no
se dirige ao modelo original, e quem que diz respeito ao culto de imagens,
venera uma imagem venera a pessoa traz parcelas de culpa pelos atos de
que nela está pintada. A honra idolatria que muito se encontra em sua
prestada às santas imagens é uma realidade, esta se deve não a sua
veneração respeitosa, e não uma doutrina, mas a fraqueza que se tem
adoração, que só compete a Deus: O na transmissão de seu ensinamento,
culto da religião não se dirige às assim se tem uma doutrina coerente,
imagens em si como realidades, mas mas do que adianta uma teoria de cuja
as considera em seu aspecto próprio prática é quase inexistente? Eis à
de imagens que nos conduzem ao grande chaga e à crítica que cabe a
Deus encarnado. Ora, o movimento nós reconhecermos e na graça da
que se dirige à imagem enquanto tal humildade, lutarmos para superar.
não determina nela, mas tende para a
realidade da qual é imagem.” (CIC. Como nos diz o apóstolo: “Mas
1998, par. 2132). como poderiam invocar aquele em
quem não creram? E como poderiam
Percebemos que todas as crer naquele que não ouviram? E
imagens devem servir-nos como como poderiam ouvir sem pregador?
17
18. E como podem pregar se não forem “mito”, pois muito se exige de um
enviados?” (Rm 10; 14-15a). É verdadeiro fiel, e, além disso, a
obrigação por excelência da Igreja de praticidade dos interesses mundanos é
Cristo e a ela pertence o múnus de egoísta, predominando totalmente a
ensinar e salvaguardar a Verdade, não irrelevância, no que diz respeito à
para si, mas para a humanidade. posição de assumir a Imagem de Deus
para si e ser essa imagem, por que há
Torna-se então uma obrigação
um grande slogam que se sobrepõem à
de toda a Igreja para com o aspecto
maioria: “não precisamos mais de
formativo de seus fiéis e introduzi-los,
Deus”.
pois se não ensinamos nossos fiéis
estamos cometendo o grave pecado da Assim, para além de atos
omissão. ritualísticos nos deparamos com a
tragédia a nível estrutural de nossa
Hoje nossos fiéis sofrem de um
sociedade, onde não se constroem
mal que denominamos “indiferença”,
mais imagens materializadas para
ou seja, há uma secularização
cultuar um ou outro deus, nós estamos
profunda e uma espécie de “perca do
no século da idolatria, mas onde a
senso” das coisas sagradas. Trocamos
própria matéria esculpida nas vaidades
a mística da vida e o sentido profundo
dos corações é fundamentalmente
da vivência do cristianismo pela
adorada, ou seja, hoje troca-se o
ordinariedade compulsiva de nossos
Criador pela criatura.
dias e o nosso ativismo mortífero. Se
por um lado temos uma grande falha Se no Antigo testamento se
em nível de estrutura no que diz constatava a idolatria a imagens feitas
respeito ao ensinamento para com os por mãos humanas, hoje as próprias
fiéis, temos também um caminho mãos humanas são motivos de
contrário, que se soma a uma série de idolatria, em nosso século há um
fatores, como por exemplo, o exacerbado culto do corpo e do status
desinteresse intrínseco da sociedade do homem ideal, onde Deus para além
atual no que diz respeito à moral, à de uma imagem transcendente tornou-
religião, ao meio ambiente, ao se um ideal próprio da criação humana
próximo, que parte do fiel para com a e nada mais. Há uma inversão dos
sociedade... valores, para não dizer uma perda,
onde Deus tornou-se o próprio motivo
Segue-se uma época onde a
de um ato idólatra, ou ainda, quem crê
profundidade exigida no compromisso
em Deus é tão ilusório quanto os
autêntico para com o relacionamento
cultuados de imagens de gesso.
entre Deus e o individuo, e
conseqüentemente o compromisso Por isso o papel da Igreja
para com o próximo tornou-se um tornou-se mais do que em todos os
18
19. tempos, uma necessidade de revolver coração dos homens e de os levar a
os homens de suas “anestesias” em conhecer, a partir de dentro, Aquele
relação à imagem do sagrado. Um que ousamos representar nas
desafio constante, como fazer com imagens, Jesus Cristo, o Filho de
que os fiéis coloquem Deus no centro Deus feito homem, o mesmo, ontem e
de suas vidas, tendo em vista todo o hoje e por todos os séculos" (Hb
contexto atual e cultural, onde não há 13,8).” (Carta apostólica Duodecimum
espaço para esse mesmo Deus. Saeculum. Sobre a veneração das
imagens por ocasião do XII centenário
Temos então um ponto
do II concílio de Nicéia).12
delicado que deve ser discutido, como
penetrar no coração dos homens Trata-se de explorar a
modernos? Sabe-se concretamente que espiritualidade que a arte infunde e
com a evolução tecnológica e o desperta no ser humano para colocá-lo
desenvolvimento global da cultura, os ao encontro com Deus. Assim se
homens de hoje tem um caráter utilizado corretamente o culto as
mediático, onde se difundem imagens torna-se um instrumento útil
expansivamente tudo o que lhe é na evangelização e não um motivo de
oferecido de maneira atrativa. incentivo para a idolatria.
Por isso a Igreja vê na arte
sacra uma maneira unia de perpassar o Considerações finais
coração do homem moderno e fazê-lo
meditar os mistérios da fé. Assim Nós católicos adoramos a Deus
escreveu João Paulo II: “Amadíssimos e nele colocamos a nossa confiança,
Irmãos: Ao recordar a atualidade da pois é Ele quem subjaz em tudo o que
doutrina do VII Concílio Ecumênico, é. Deus em sua infinita bondade se
parece-me que estamos perante um comunica ao homem e se faz acessível
chamamento à nossa tarefa aos limites do homem. Assim, Ele, o
primordial de evangelização. A inefável torna-se imanente sem perder
secularização crescente da sociedade sua transcendência, e faz-se a própria
mostra que ela está se tornando, em Imagem do Sagrado, personificado e
larga escala, alheia aos valores encarnado em seu filho, Jesus Cristo.
espirituais, ao mistério da nossa
Salvação em Jesus Cristo e à Ele que de si mesmo nos disse:
realidade do mundo futuro. A nossa “Se a mim mesmo glorifico minha
tradição mais autêntica, que
12
compartilhamos plenamente com os Texto acessado em:<
http://www.vatican.va/holy_father/joh
nossos irmãos ortodoxos, ensina-nos n_paul_ii/apost_letters/documents/hf_j
que a linguagem da beleza, posta a p-ii_apl_19871204_duodecim-
serviço da fé, é capaz de atingir o saeculum_po.html> no dia
02/12/2010.
19
20. glória nada é; quem me glorifica é em clamar ao modo da uma “babilônia
meu Pai”. (Jo 8; 53b). Sendo assim, discursiva”, de que nós católicos
entendemos que o próprio Cristo é a adoramos imagem, que a respeito
Imagem Perfeita do Pai, esta imagem deles, ou da postura medíocre que a
que encarnada é motivo de nosso culto maioria assume ao nos “criticar sem
de adoração, adoramos a imagem do conhecer”, eis o lema da ignorância!
Pai, logo, adoramos o Filho. A estes Santo Agostinho já havia a
milhares de anos atrás os advertido, e
Se há a possibilidade de existir
com Santo Agostinho elevamos a
uma Imagem de Deus, e acreditamos
Deus nossas preces por estes, e por
piamente que há, essa é a própria face
todos aqueles que não conhecem a sã
de Jesus Cristo, assim pelo mistério da
doutrina da Esposa de Cristo, que
Encarnação e todo o seu efeito
fielmente salvaguarda o Tesouro
cosmológico, nós entendemos que a
Máximo, o próprio Deus em seu seio,
matéria corrompida inicialmente pelo
até que Ele volte.
pecado foi dignificada e reinstituída
pelo ato da Encarnação, onde Deus em Assim pedimos a Deus pelos
sua “Kénosis” do grego que significa desertores e por todos os que com o
“esvaziamento” de si mesmo (Fl 2; 6- coração sincero, buscam a verdade
11), não se apegando a sua condição para suas vidas, a eles entendemos que
divina, se fez homem, submetendo-se ainda “Não conhecem o caminho, que
a um corpo e à sofrer uma imagem, ou é a tua Palavra, por meio da qual
seja, tornar-se humano. criaste, não só o que eles medem, mas
também a eles mesmos que medem,
Sabemos que ás imagens são
até os sentidos pelos quais vêem o que
símbolos pedagógicos, que revestidos
calculam e a inteligência com a qual
de um sentido único nos levam a
calculam, ilimitada! O próprio
contemplar ás realidades invisíveis da
Unigênito se fez para nós sabedoria,
fé. Temos plena convicção que há
justiça e santificação, foi considerado
uma severa distinção entre o signo e
um de nós e pagou tributo a César.
aquilo que está sendo re-apresentado
Não conhecem o caminho pelo qual,
com imagens, com palavras, e com
deixando o orgulho, iriam a te o
gestos, e também com toda a realidade
salvador, e, por ele, subiriam
material que nos faz prender a atenção
novamente a ele, ignoram este
e nos impulsiona ao sagrado, tamanho
caminho e se consideram tão elevados
acontecimento é expresso e facilmente
e cintilantes quanto os astros; e
percebido em todos os atos litúrgicos
tombaram por terra, com o coração
celebrados.
coberto pelas trevas da ignorância.
Ainda resta-nos a intenção de Dizem muitas verdades sobre as
advertir a todos àqueles que insistem criaturas, e não buscam devotamente
20
21. a verdade, artífice da criação; assim, fundamentando o mundo em
não a encontram, ou, se a encontram, princípios éticos cristãos a favor da
embora conhecendo a Deus, nem lhe vida, e da vida no céu.
rendem graças. Proclamam-se
Enfim cremos firmemente que
sábios, atribuindo a si dons que são
quem busca a Verdade de coração
teus; e se empenham, cegos e
sincero, cedo ou tarde, a encontrará.
perversos, em atribuir-te o que
Nós buscamos, e temo a esperança de
propriamente pertence a eles:
nela permanecer e escatologicamente,
transferem suas falsidades a ti, que és
já dela participar.
a Verdade, e assim trocam a glória de
Deus incorruptível por imagens do
homem corruptível, de aves,
quadrúpedes e répteis; trocam a
verdade de Deus pela mentira, e
adoram e servem a criatura em lugar
do Criador”. (AGOSTINHO,
Confissões. 2006, P. 120-121).
Tem-se em nós a Verdade?
Está é a Igreja de Cristo? Isso é
possível e historicamente muito
provável, mas se a Verdade como
cremos é o próprio Deus, ele está para
além dos limites da instituição embora
queira nela permanecer, e por isso
acreditamos que se a perfeição está
muito longe de se realizar em nossa
humanidade, pois a Igreja mesmo
guiada fielmente e continuamente pelo
Espírito Santo, ela também é
constituída de homens pecadores
limitados. Assim temos a “Virgem
Prostituta” como diziam os santos
padres, o Céu em meio a terra, o
Divino penetrado no humano.
Não somos perfeitos e nem
temos a pretensão de o ser, mas é
inegável e a história tem estado ao
nosso favor, de que estamos mais do
que nunca buscando a verdade e
21
22. REFERENCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. SP. Martins Fontes, 2007.
AGOSTINHO, Santo. Confissões. livro III. SP. Paulus: 1997.
AQUINO, Tomás. Suma teológica. Primeira parte. Questões 1- 49. 2° ed. RS.
Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, Universidade de Caxias do
Sul. Grafosul – Indústria Gráfica Editora Ltda. Co – Edição, 1980.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Edição revisada de acordo com o texto
oficial em latim. SP. Loyola: 1999.
RITUAL DO MATRIMÔNIO, SP. Paulus, 1993.
SAGRADA ESCRITURA. A Bíblia de Jerusalém. SP. Paulus, 1973.
VATICANO II, Sacrosanctum Concilium, SP. Paulus, 2007.
i
José Fernando Vieira – Graduando em filosofia. 6° período. (Faculdade Arquidiocesana de Curitiba) FAF -
02/2011.
22