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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
         INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
                   CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
               DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA




               Onde se mora não é onde se trabalha
Estudo etnográfico de itinerários urbanos, formas de sociabilidade e
 trabalho de moradores de Alvorada/RS que trabalham em Porto
                              Alegre/RS




           Trabalho de Conclusão de Curso em Ciências Sociais




                      Luciana Tubello Caldas




                              Porto Alegre
                                 2012
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        UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
         INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
                   CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
               DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA




               Onde se mora não é onde se trabalha
Estudo etnográfico de itinerários urbanos, formas de sociabilidade e
 trabalho de moradores de Alvorada/RS que trabalham em Porto
                            Alegre/RS




                                     Autor: Luciana Tubello Caldas
                                Profa. Orientadora: Cornelia Eckert



                      Monografia apresentada como requisito
                      à obtenção do grau de Bacharel em
                      Ciências Sociais




                            Porto Alegre
                               2012
3

                          FOLHA DE APROVAÇÃO




      Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de
Bacharel no curso de Ciências Sociais, do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

      Porto Alegre,




      BANCA EXAMINADORA:




                      ________________________________
                      Professora Doutora Viviane Vedana



                      ________________________________
                 Professora Doutora Denise Fagundes Jardim



                      ________________________________
                 Professora Doutora Cornelia Eckert (UFRGS)
                                 Orientadora
4

                              AGRADECIMENTOS


      Após tantas madrugadas em claro ao longo do curso, estes agradecimentos não
poderiam ser escritos em momento diferente. Agradeço a todos amigos e colegas de
curso que partilharam destas madrugadas incansáveis e intermináveis, seja em
conversas via mundo virtual ou com um café no dia seguinte para nos mantermos
acordados, após a longa noite de estudos. Sem esta prática social, tipicamente
acadêmica, não estaria socialmente apta para dar forma a estas linhas.
      Agradeço à Secretaria de Assuntos Estudantis – SAE, pela bolsa trabalho
concedida em meu ano de ingresso no curso. À todos os professores do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas – IFCH, pela formação que recebi. Ao Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelas bolsas de Iniciação
Científica concedidas entre 2009 e 2011, no âmbito do Banco de Imagens e Efeitos
Visuais – BIEV, local onde aprendi muito sobre antropologia e sobre a vida.
      À Dra Ana Luiza Carvalho da Rocha, coordenadora do BIEV que me ensinou a
importância, o valor e a grandiosidade da escrita etnográfica. À Dra Cornelia Eckert
pela orientação, dedicação e paciência. Por não desistir e seguir acreditando neste
trabalho.
      Ao professor de história Nei Nordin, por ser o profissional dedicado e apaixonado
em que me inspiro desde o ensino médio. Ao Dr. Rafael Devos por me “iniciar” na
Antropologia Visual fazendo com que ela se tornasse minha grande paixão.
      Aos amigos Mariana Petersen, Karin Bauken e Wagner Wingert: foi muito bom
conhecer vocês. À Priscila Farfan por todas as discussões antropológicas, sonoras,
afetivas e profissionais: aprendi muito com elas! Ao Diogo Schmidt por todas sessões
cinematográficas, conversas e principalmente, pela amizade que nasceu ainda no
primeiro semestre e que certamente irá durar pelo resto de nossas vidas. À Stéphanie
Bexiga por nascer, ter cruzado o meu caminho e ensinado o significado da palavra
“amizade”. À Dra e amiga Viviane Vedana por me ensinar a “escutar”, por apoiar as
ideias absurdas que estão “esquematizadas na minha cabeça” e principalmente: por
amar a antropologia (e todos deveriam te agradecer por isso).
5

      À Neca, Heloisa, Vera e Marion e os demais interlocutores desta pesquisa, por
compartilharem comigo suas vidas e seus cotidianos. Sem o acolhimento e engajamento
de vocês este trabalho não existiria.
      E por fim, agradeço à Carlos Valdir, meu pai, pelo empenho e coragem em suprir
os anos de ausência permanecendo ao meu lado neste caminho acadêmico de forma
amiga, apoiando minhas escolhas e decisões. À minha mãe, amiga e interlocutora de
pesquisa Vera Tubello, pelo exemplo de “mulher guerreira”, pelo amor e dedicação.
Muito obrigada!
6

                                      RESUMO

Parte-se de uma etnografia das trajetórias e narrativas de um grupo de empregadas
domésticas que residem em Alvorada e que trabalham em Porto Alegre e de suas formas
de interação e sociabilidades a bordo da linha de ônibus que utilizam diariamente para ir
trabalhar. Metodologicamente desenvolvo observações participantes, construção de
redes sociais, etnografia audiovisual e descrições densas junto a esse grupo de
trabalhadoras. Neste estudo seguem-se referenciais teóricos pertinentes ao estudo de
antropologia urbana e da imagem, orientada pelos conceitos de formas de sociabilidade
(Simmel, 2006), de trajetória (Velho, 1994) e a reflexão sobre memória, imagem e
tempo no contexto citadino proposta por Eckert e Rocha, 2005.


Palavras-Chave: Alvorada, empregadas domésticas, formas de sociabilidade, trajetória.




                                    ABSTRACT

This is based on ethnography of the trajectories and narrative of a group of housekeeper
who live in Alvorada and work in Porto Alegre and their forms of interaction and
sociability on board of the bus line they use every day to go to work. Methodologically I
develop participant observation, building social networks, audiovisual and ethnographic
deep descriptions next to that group of workers. In this study the following are relevant
to the theoretical references of urban anthropology studies and image, guided by the
concepts of sociability ways (Simmel, 2006), trajectory (Velho, 1994) and reflection on
memory, image and time in the context of city proposed by Eckert and Rocha, 2005.


Key-words: Alvorada, housekeeper, forms of sociability, trajectory




Where you lives is not where you work: Ethnographic study of urban routes, forms of
  sociability and work of Alvorada residents in RS who working in Porto Alegre /RS
7

                  LISTA DE FIGURAS E ILUSTRAÇÕES


Rede de sociação “amigas do ônibus”. Autora: Luciana Tubello Caldas. Ano: 2010     22
Conjunto de fotos do trabalho doméstico de Vera e Marion. Autora: Luciana Tubello
Caldas. Ano: 2010.                                                                  40
Gráfico dos direitos trabalhistas incorporados à categoria de trabalhadores domésticos.
Autora: Luciana Tubello Caldas. Ano: 2011                                           56
Cartaz da campanha “Legalize sua doméstica”. Autoria: Doméstica Lega. Fonte:
www.domesticalegal.or.br/vote                                                       57
8

                                  SUMÁRIO


INTRODUÇÃO                                                                       9

CAPÍTULO I – ANTROPOLOGIA URBANA: IMAGENS NAS E DAS
SOCIEDADES COMPLEXAS                                                        12
1.1 – Primeiros passos: o projeto Banco de Imagens e Efeitos Visuais – BIEV 12
1.2 – Percurso de campo: partindo de uma cultura do trânsito                14
1.2.1 – Olhos e ouvidos: uma etnografia sonora e visual                     19

CAPÍTULO II – DE PASSAGEIRAS A TRABALHADORAS: “AS AMIGAS DO
ÔNIBUS” E AS “EMPREGADAS DOMÉSTICAS”                                             21
2.1 – As “amigas do ônibus” e o cotidiano de ir e vir de uma cultura do trânsito 21
2.2 – No tempo da viagem                                                         23
2.3 – O tempo de espera                                                          27
2.4 – Desembarque: Bairro Menino Deus                                            33
2.5 – “A gente já chega pra trabalhar cansada da viagem”                         36
2.6 – O “uso das mãos” no trabalho doméstico                                     37
2.7 – “Tenho a minha carteira assinada ali, assinada como empregada doméstica”: A
trajetória de Marion                                                             40
2.8 – “A gente não assinou carteira, mas ele dava tudo”: A trajetória de Vera    43

CAPÍTULO III – AS PASSAGEIRAS, AS TRABALHADORAS: SEUS CAMPOS
DE POSSIBILIDADE E PROJETOS                                       46
3.1 – Casar, trabalhar: campos de possibilidade e projetos        46
3.2 – Desvalorização e discriminação do trabalho doméstico        51
3.3 – A produção acadêmica acerca do tema 'empregadas domésticas' 57

CAPÍTULO IV – COLEÇÕES ETNOGRÁFICAS NA FEITURA DE UM
DOCUMENTÁRIO ETNOGRÁFICO                            60
4.1 – Coleções e suas narrativas                   60
4.2 – O documentário (DVD)                         61

CONSIDERAÇÕES FINAIS                                                            62

REFERÊNCIAS                                                                     63
9

                                         INTRODUÇÃO

       Este trabalho consiste em um estudo antropológico da e na vida cotidiana de
trabalhadores urbanos pertencentes a grupos populares residentes na cidade de
Alvorada, que dista 01h10min da capital (Porto Alegre/RS). Nessa cidade reside uma
grande maioria de trabalhadores dos mais diversos ramos; empregadas domésticas,
diaristas, manicures, auxiliares de serviço, balconistas, garçons, etc. Marcada pela
horizontalidade de suas residências, a grande maioria dos trabalhadores são
proprietários ou locatários de pequenos terrenos com casas simples, pátios, jardins ou
hortas. Seus cotidianos são marcados pelo ritmo de deslocar-se à capital para o trabalho
diário. Para esse deslocamento contam, sobretudo com o serviço rodoviário oferecido
por uma empresa privada de transportes que detém o monopólio.
       O tema da cultura do trânsito a partir das narrativas desses usuários sobre suas
condições de vida e de transporte e de como configuram essas condições em formas de
interação, sociabilidade tanto quanto experiências de risco e insegurança, se colocavam
como universo potencial para reconhecer “trajetórias”, “projetos” e “campos de
possibilidade”1. Metodologicamente desenvolvi observações participantes, entrevistas
não diretivas (THIOLENT, 1980) construção de redes sociais, etnografia audiovisual e
descrições densas a partir de um compartilhamento de situações diversas vividas pelos
usuários interpretando suas interações cotidianas (DE CERTEAU, 1994), formas de
sociabilidade e conflitos (SIMMEL, 1983) referentes às condições de transporte e a
análise de suas representações sobre a cultura do trânsito (CAIAFA, 2007), assim como
a adoção de uma perspectiva temporal acerca dos estudos dos “jogos da memória”2
(ECKERT; ROCHA, 2005) e do “imaginário” (BACHELARD, 1993), que são
fundamentais para se compreender os re-arranjos sociais estabelecidos neste ir e vir
cotidiano.
       Com pesquisa de campo iniciada em janeiro de 2009, priorizei o uso da linha
Passo da Figueira via Ipiranga – com um tempo de viagem de aproximadamente
1
  Pretendo abordar este tema seguindo a tradição de uma antropologia urbana que analisa a cidade em
suas transformações de formas de vida e na complexidade de universos simbólicos. Tendo como
referência teórica os estudos de Gilberto Velho (1989, 1994, 1999) acerca da trajetória social, campos de
possibilidade e projetos para interpretação das identidades sociais que vivem e narram essa cidade.
2
  Do ponto de vista da investigação das trajetórias sociais e biográficas dos interlocutores desta pesquisa,
é a elaboração de entrevistas não diretivas (THIOLENT, 1980), que orientem estes trabalhadores a tecer
suas lembranças, o instrumento adequado para produzir os “jogos da memória” que irão compor suas
narrativas e apresentar suas histórias e reflexões sobre a vida, o trabalho e a cidade.
10

01h10min. A referida linha parte na Estrada Cândido Pinheiro de Barcelos (Bairro Passo
da Figueira – Alvorada) e tem o seu final de linha na Avenida Padre Cacique (Bairro
Menino Deus – Porto Alegre), transpassando grandes Avenidas como: Avenida Protásio
Alves (POA), Avenida Antonio de Carvalho (POA) e Avenida Ipiranga (POA), sendo
assim uma linha que traz grande oportunidade de acesso para aqueles que trabalham em
Porto Alegre. A partir da “observação participante” (MALINOWSKI, 1978) realizada a
bordo da linha Passo da Figueira via Ipiranga, desenhou-se uma rede de trabalhadoras
domésticas, iniciada pela minha mãe Vera (empregada doméstica e usuária da referida
linha) e estendendo-se até Marion, Neca, Heloísa, etc. Desta rede de trabalhadoras me
dediquei a compreender a questão do trabalho doméstico a partir da trajetória social de
Vera e Marion.
     Tendo em vista que esta pesquisa se insere no campo de estudos sobre
antropologia das sociedades complexas que, segundo Gilberto Velho (1981, p.17), “está
fundamentalmente ligada a uma acentuada divisão social do trabalho, a um espantoso
aumento da produção e do consumo, à articulação de um mercado mundial e a um
rápido e violento processo de crescimento urbano”, abordo o tema do trabalho
doméstico a partir dos conceitos de “práticas cotidianas” (DE CERTEAU, 1994) e de
“campo de possibilidades” (VELHO, 1981) das trabalhadoras deste setor, tendo em
vista a interpretação das “formas da vida social” (SIMMEL, 1983) que esta prática de
trabalho conforma.
     Convergindo na análise dos campos de possibilidade e da construção de trajetórias
sociais irei me valer da perspectiva dos estudos de gênero “como um sistema simbólico
que organiza relações de poder, igualdades e desigualdades no mundo do trabalho”
(HEILBORN, 1999, p. 20), assim como, a problematização da categoria empregada
doméstica tensionada com a de identidade social – precedida por Suely Kofes (1990).
     No capítulo inicial trago meu aprendizado como bolsista de iniciação científica no
âmbito do Banco de Imagens e Efeitos Visuais – BIEV, assim como minha inserção na
linhagem teórica acerca dos “estudos antropológicos na cidade” (OLIVEN, 1987) com
adesão à Antropologia visual e sonora, apresentando a metodologia, o contexto
etnográfico e de imersão em campo.
11

     O segundo capítulo é resultado do esforço em apresentar e analisar
antropologicamente o cotidiano destas moradoras de Alvorada que trabalham como
empregadas domésticas e diaristas em Porto Alegre.
     No terceiro capítulo atento para a análise das trajetórias sociais de Vera e Marion.
Refletindo sobre a questão da desvalorização e discriminação do trabalho doméstico,
finalizando com uma breve revisão bibliográfica sobre o tema.
     Por último, trago no quarto capítulo uma discussão acerca do método de “coleções
etnográficas” (ROCHA, 2008) relacionando-o com a realização do documentário
etnográfico “Onde se mora não é onde se trabalha”, assim como o DVD contendo esta
produção.
12

                                           Capítulo I
      Antropologia urbana: imagens nas e das sociedades complexas

1.1 – Primeiros passos: o projeto Banco de Imagens e Efeitos Visuais – BIEV

      Em 2008 fui selecionada para a bolsa de iniciação científica CNPq no projeto
cidade e memória: a cultura do trânsito, da circulação do transporte e dos
deslocamentos dos transeuntes em Porto Alegre, RS3 – no âmbito do Banco de Imagens
e Efeitos (BIEV) – que propunha o estudo das trajetórias sociais e narrativas biográficas
de representantes de classes trabalhadoras urbanas.
      Iniciei meu aprendizado no grupo de trabalho em fotografia – um dos GTs que
constituem o BIEV4 – através da atividade de nomeação e identificação das fotografias
produzidas e acervadas por seus pesquisadores e bolsistas e que migrarão do Sistema
BIEV-DATA para uma nova interface de sistema de dados. O objetivo desses
recadastramentos era o de identificar as fotografias a partir dos campos: assunto, autor,
fonte, data e logradouro, com a preocupação de que essas imagens circulem
preservando uma “identidade” de origem para novas consultas. A partir deste contato
com um vasto acervo fotográfico e etnográfico no interior do BIEV e incentivada pelas
coordenadoras dei início a minha etnografia mergulhando nas imagens que
circunscrevem uma cultura do trânsito, dos itinerários e dos deslocamentos. Também
procurei tomar ciência das narrativas midiáticas acerca da questão do trânsito,
acompanhando as reformas urbanas que buscam revitalizar o trânsito de Porto Alegre
com as diversas facetas temporais do fenômeno urbano que o trânsito representa no
viver da cidade. Assim, realizei pesquisa e classificação de jornais como Zero Hora,
Correio do Povo e Diário Gaúcho de novembro de 2007 a julho de 2010. Esse material
de acervo me ajudou a perceber, em uma dimensão temporal, a potência que as imagens
tem de se ligarem para além das contradições em uma perspectiva histórica. Assim, ao
realizar uma etnografia a partir de um acervo fotográfico para posteriormente produzir

3
  Projeto financiado pelo CNPq e Coordenado pela Professora Dra. Cornelia Eckert. Desenvolvido no
âmbito do Banco de Imagens e Efeitos Visuais, (LAS, PPGAS, ILEA, UFRGS) coordenado pelas
professoras Dra. Cornelia Eckert e Dra. Ana Luiza Carvalho da Rocha.
4
  BIEV constitui-se de Grupos de Trabalho (GTs) nos quais se pesquisa: etnografia sonora, fotografia,
escrita etnográfica e narrativas etnográficas em vídeo, através de reuniões semanais realizadas pelas
equipes de pesquisadores e bolsistas. Mais informações sobre o Banco de Imagens e Efeitos Visuais,
acesse www.biev.ufrgs.br .
13

imagens homólogas em campo, visava reconhecer os ritmos temporais presentes no
fenômeno estudado, que ao passar por um processo de reflexão e acomodação são
estruturados como representações subjetivas, produto do pensamento antropológico
provocado a partir do uso destas fotografias, que narram o processo de urbanização da
cidade.
     No interior do projeto Banco de Imagens e Efeitos Visuais e do projeto Cidade e
memória: a cultura do trânsito, da circulação do transporte e dos deslocamentos dos
transeuntes em Porto Alegre, RS, imbuída das imagens e narrativas que permeiam o
processo de urbanização da cidade de Porto Alegre e Alvorada me insiro no contexto
das cidades moderno-contemporâneas e no “estudo antropológico na cidade” (OLIVEN,
1987) que é motivado por conceitos como identidade, sociabilidade, interação, redes
sociais; conceitos que seguem uma linhagem teórica clássica, como Simmel que propõe
como conceitos chaves para tratar do fenômeno urbano, sociação e interação; Weber
que junto a outros clássicos da antropologia como Durkheim trata de identidade social e
das complexas estruturas de poder na cidade industrial; e por fim a Escola de Chicago
com os estudos da distribuição espacial entre o centro e periferia das cidades que
consolida as pesquisas sobre e nas cidades como universo de estudo primordial.
     Das imagens de acervos, dos recortes de jornais e de todo esse apanhado teórico e
conceitual que do qual fui tomando conhecimento acabei por (re)conhecer Alvorada,
não mais a Alvorada do meu cotidiano e de minhas lembranças, mas de uma Alvorada
que se localiza na Região Metropolitana de Porto Alegre, RS e que obteve a sua
emancipação política do Passo do Feijó em 17 de setembro de 1965, passando a
chamar-se Alvorada. Nome que referencia a população constituída em sua maioria por
trabalhadores que acordam nas primeiras horas da manhã para trabalhar em Porto
Alegre. Uma cidade que apesar de sua emancipação política ainda é dependente de
Porto Alegre, já que seus moradores (e a própria pesquisadora) necessitam deslocar-se
até a capital para poder trabalhar, estabelecendo assim, uma relação entre cidade do
trabalho e cidade dormitório. Alvorada se mostra uma cidade com as características
deste mundo urbano industrial, com a vocação do trabalho em todos os setores, do
industrial, do comercial e de serviços. Uma cidade que se constrói na proporção das
14

demandas da capital, sendo uma espécie de satélite5 da cidade de Porto Alegre6 apesar
do forte crescimento de outras cidades como Canoas e Novo Hamburgo.


1.2 – Percurso de campo: partindo de uma cultura do trânsito


      Mais do que dar inicio ao processo de inserção em campo, dei início à um
processo de relativização das noções de proximidade e familiaridade – sendo eu
moradora de Alvorada há mais de 15 anos e usuária do transporte coletivo da cidade.
Como propõe Gilberto Velho (1980, p.15), o ponto básico é que distância assim como
proximidade e familiaridade são noções que devem ser relativizadas e colocadas no
contexto adequado de discussão. Familiaridade e proximidade física não são sinônimos
de conhecimento...”. Assim, começo a me defrontar com o desconhecido, que até então
era minha morada e o meu cotidiano.
      Com o foco na questão dos itinerários urbanos e do deslocamento dos moradores
de Alvorada que trabalham em Porto Alegre, iniciei minha inserção em campo no dia 16
de dezembro de 2008, indo ao setor de compras de passagem da empresa de ônibus
Sociedade de Ônibus União Ldta – SOUL e, ao comprar alguns créditos (a empresa
trabalha com bilhete eletrônico), aproveitei para perguntar para o atendente quem era a
pessoa responsável pelas informações acerca da história da empresa. O atendente
indicou que eu me informasse, a esse respeito no setor administrativo, localizado em um
prédio ao lado do setor de compra de passagens. Me dirigi ao setor administrativo,
apertei a campainha e após alguns minutos de espera um rapaz – muito simpático e
solícito – que se chamava Pablo veio me atender, e me informou que Fernanda Cardoso
era quem ficava a frente da parte histórica e do acervo fotográfico, ela era a responsável
pela Central de Relacionamento da empresa. Peguei com Pablo o contato da Fernanda,
para assim poder marcar uma conversa com ela e conhecer um pouco da história da
empresa. Após ter realizado algumas trocas de e-mails com Fernanda e realizado o
preenchimento de alguns formulários de intenção de pesquisa, Fernanda e eu marcamos

5
  Entendo por cidade satélite núcleos urbanos de caráter amplamente residencial e que contam, apenas,
com serviços básicos de educação, saúde e comércio. Estas cidades possuem uma forte relação com o
transporte coletivo, principal meio de locomoção que liga a população trabalhadora à capital.
6
  Segundo dados da FEE de 2010, Alvorada conta com uma população de mais de 195 mil habitantes.
Sua economia, é baseada no setor de serviços que corresponde a 82,56% de seu PIB, sendo outros 17,3%
gerado pela indústria. Apresenta o pior PIB per capita de todos os 496 municípios do RS (R$ 4.551,08).
15

um encontro para que ela me apresentasse o acervo de fotos e reportagens da empresa.
A ideia era a de me apropriar daquilo que considerava uma “história oficial” de
Alvorada, visto que, a história da SOUL se confundia com a história da própria cidade.
     No dia 26 de janeiro de 2009 fui ao encontro de Fernanda na empresa SOUL.
Fernanda me recebeu sorridente, perguntando como eu estava. Logo após aos
cumprimentos seguimos para a sala de reuniões. Era uma sala ampla com duas mesas
redondas cada uma posicionada em um extremo da sala, nos acomodamos na que estava
mais próxima da porta no extremo esquerdo da sala. Enquanto eu tirava o caderno e a
lapiseira da bolsa, Fernanda perguntou o que eu precisava para a pesquisa, respondi que
gostaria de ter acesso a jornais, revistas, documentos históricos e fotografias antigas que
ajudassem a contar a história da empresa, comentei da dificuldade que estava tendo em
ter acesso a história de Alvorada e que pretendia obter isso através da SOUL. Fernanda
me informou a respeito de um livro que havia sido lançado em 2006 pela Prefeitura de
Alvorada e que contava a história de Alvorada. O livro se chamava “Raízes de
Alvorada”, e podia ser encontrado Secretaria Municipal de Cultura. Fernanda
acrescentou que neste livro havia um capítulo que contava a história da SOUL –
Sociedade de Ônibus União Ltda, única empresa responsável pelo transporte coletivo da
cidade, fundada em julho de 1951 – quando Alvorada ainda se chamava Passo do Feijó
e suas vias ainda eram de chão batido – por José Antônio Ohlweiler, hoje com 84 anos:


                       Fernanda: Início dos anos 50 o Sr. José Antônio Ohlweiler trabalhava como
                       caixeiro viajante. Entre contatos e negócios acabou se tornando o credor de
                       uma pessoa que lhe pagou a dívida com um caminhão. Esse caminhão ele
                       trocou por um ônibus, e nessa mesma época viu um anúncio no jornal de uma
                       empresa de ônibus (SOUL) que procurava pessoas para entrar como sócio no
                       negócio. Diante da oportunidade o Sr. José Antônio Ohlweiler entrou, junto
                       com o seu ônibus, como o 18º sócio da empresa SOUL e hoje é o único que
                       mantém a empresa.


     Seguindo o percurso de minha inserção em campo, balizada pelo referencial
teórico do Banco de Imagens e Efeitos Visuais – BIEV e da técnica de pesquisa de
“etnografia de rua” (ECKERT; ROCHA, 2008) que consiste em caminhadas, sem um
destino fixo – mas com um roteiro prévio de intenções conceituais de produção de
imagens – que visam a exploração e investigação do espaço urbano. Assim, ao longo
das orientações e das reuniões semanais realizadas no âmbito do BIEV, me foi colocado
o desafio de realizar uma “etnografia de rua” e “observação participante” na situação
16

cotidiana de deslocamento em um transporte coletivo ao mesmo tempo que me
defrontava com um cotidiano familiar, que acabara de se tornar estranho.
      No dia 06 de janeiro de 2009, fui a campo com a intenção de realizar uma
“etnografia de rua” no interior de um ônibus e a partir dessa técnica experienciar um
novo olhar sobre essa situação de deslocamento. A empresa SOUL possuiu
aproximadamente 150 linhas diferentes, diante de tamanha diversidade de linhas, fiquei
reticente sobre por onde começar. Optei pela linha Passo da Figueira via Ipiranga das
07h40min. Esta linha também era utilizada pela minha mãe7 (Vera) para ir até o
trabalho. Pelo intermédio de Vera soube que esta linha é predominantemente utilizada
por mulheres, que em sua maioria são empregadas domésticas (como ela) e diaristas.
Embarquei no ônibus por volta das 08h00min da manhã, estava lotado, mas no fundo do
ônibus havia um banco vago. Comecei a observar as pessoas que embarcavam no
ônibus, a grande maioria dos que embarcavam cumprimentavam alguns passageiros,
que já eram conhecidos, dando bom dia e perguntando sobre os passageiros que
estavam ausentes. As respostas eram unânimes: “tá de férias!”. E esse foi o assunto que
permeou toda a viagem, pelo menos do que eu pude ouvir, já que existiam vários focos
de conversas o que impossibilitou a minha compreensão acerca das mesmas. O maior
fluxo de embarque foi na parada 48 de Alvorada, onde se localiza a Prefeitura e a Praça
Central. Nessa parada subiu uma moça loira, aparentando ter uns 20 anos, que
cumprimentou aproximadamente quatro pessoas no ônibus. Como havia um último
banco vago ela se sentou (era um banco atrás do que eu estava), logo após, um rapaz
que ocupava um banco próximo se levantou para desembarcar do ônibus e, nesse meio
tempo uma moça morena de aproximadamente 30 anos – que foi cumprimentada pela
moça loira – ocupou esse assento vago. Logo as duas começaram a conversar sobre o
feriadão e que estavam ansiosas pelas suas férias. Esse também era o assunto de duas
mulheres que estavam sentadas em um banco à frente do meu lado direito. Uma delas
comentou que o seu chefe nunca dava férias no verão e que por esse motivo iria pedir
suas férias em agosto, como não podia tirar férias no verão iria tirar no auge do inverno.

7
  Conforme Luis Fernando Dias Duarte (2008, p. 35): “Não chega a ser uma novidade a ativação dos
contatos pessoais para a abertura de redes que possibilitem a entrada em campo”. O contato pessoal para
dar início à “observação participante” no interior da linha Passo da Figueira via Ipiranga – se deu através
de Vera, minha mãe, com quem moro. No processo da negociação de papéis (intersubjetivas) entre mãe,
filha, pesquisadora e pesquisada é que se acirrou processo de “estranhamento do familiar” e de
relativização da imagem da cidade que ao mesmo tempo em que eu habitava, era também habitada por
mim.
17

Também, na parada 48, embarcou uma mulher possuindo em torno de 40 anos de idade
e que cumprimentou aproximadamente seis pessoas, entre elas essas duas mulheres que
se encontravam próximas do meu banco à minha direita. Essas três mulheres foram
protagonistas da cena que mais me chamou a atenção: a mulher que embarcou por
último, ficou um pouco afastada (em pé) das outras duas que já se encontravam no
ônibus (sentadas a minha direita); quando o ônibus se encontrava na Avenida Protásio
Alves, uma delas chamou a que estava em pé e, esta por sua vez se dirigiu até o banco,
enquanto a outra se levantava e lhe cedia o lugar. Ao lado dessas mulheres, que estavam
sentadas, havia outra senhora que estava em pé, mas como esta, aparentemente, não era
conhecida delas, foi privada de sentar-se, já a outra que se encontrava mais longe, mas
era conhecida das mesmas foi chamada a se sentar.
     A partir desta situação, que provavelmente deve ter ocorrido inúmeras vezes ao
longo de minhas idas e vindas como estudante e trabalhadora, usuária do transporte
coletivo, uma pergunta passou a orientar esse estudo etnográfico: “como se dá a
configuração destas formas de sociabilidade e interação no interior de um transporte
coletivo?”. Para responder a essa pergunta segui com as observações participantes no
interior da linha Passo da Figueira via Ipiranga das 07h40min e no trânsito entre a
cidade de Alvorada e a cidade Porto Alegre conheci e acompanhei um grupo de
empregadas domésticas que residem em diferentes bairros de Alvorada e que trabalham
no Bairro Menino Deus em Porto Alegre. Assim, começou a se configurar uma rede de
sociação e de laços sociais que se tecem a partir desta condição cotidiana de
deslocamento e de sua condição como trabalhadoras domésticas, se conformando em
um estudo a respeito destas moradoras de Alvorada, usuárias do transporte coletivo e
trabalhadoras do setor doméstico.
   Após algumas incursões em campo – a bordo da linha Passo da Figueira via Ipiranga
das 07h40min – observando e participando da sociabilidade existente entre “as amigas
do ônibus” (Vera, Neca, Heloísa e Marion) se fez necessário o aprofundamento deste
cotidiano não somente acompanhando o grupo em sua rotina de ida para o trabalho, mas
também em sua rotina de retorno para casa. Certamente, que algumas questões de ordem
prática corroboraram para que o itinerário de volta ao lar fosse incluído em um roteiro
de saída de campo, como por exemplo, o fato de que “as amigas do ônibus” embarcam
na linha Passo da Figueira via Ipiranga das 14h45min na segunda parada após o fim da
18

linha, logo a maioria dos assentos do ônibus estavam desocupados e as companheiras de
viagem podiam sentar-se próximas para poderem conversarem. É flagrante que neste
contexto de volta eu também teria a oportunidade de sentar próxima ao grupo e,
portanto – a partir dessa proximidade física – poderia estreitar os meus laços de
pesquisadora com o grupo.
   Voltando o meu olhar para aquilo que acontece após o desembarque em Porto
Alegre, ou melhor, para o cotidiano de trabalho de minhas interlocutoras de pesquisa
iniciei uma negociação com Vera e Marion para que eu pudesse acompanhar e
fotografar essa rotina de trabalho na casa de seus patões. Pelo laço de parentesco entre
Vera e seu patrão (Vicente, tio de Vera) e entre Vera e eu, tive pronto consentimento para
adentrar na casa em que Vera trabalha. Porém, a vigilância epistemológica e o esforço
em estranhar aquela morada que me era tão familiar se fizeram presentes. A negociação
com os patrões de Marion foi mediada pela própria, que também definiu a data em que
seria realizada essa saída de campo, optando pelo dia em que seus patões não estariam
presentes, já que – em suas palavras – ela “ficaria mais à vontade”. Coadunava-se a isso
o inicio do projeto Trabalho e cidade: antropologia da memória do trabalho na cidade
moderno-contemporânea”, desenvolvido no âmbito do BIEV, tendo por objeto a
etnografia da memória do trabalho na cidade moderno-contemporânea, suas redes e suas
práticas cotidianas no contexto metropolitano. No interior deste projeto foi desenvolvido
um sub-projeto de iniciação científica intitulado Memória e trabalho: estudo
antropológico de itinerários urbanos, trajetórias sociais e narrativas biográficas de
moradores da cidade Alvorada que trabalham em Porto Alegre. Este sub-projeto, além
de ter por objeto os itinerários urbanos de moradores da cidade de Alvorada que
trabalham em Porto Alegre, contemplava uma etnografia das trajetórias sociais,
narrativas biográficas e do cotidiano de trabalhadores urbanos pertencentes a grupos
populares; analisando de forma privilegiada a cidade de Alvorada/RS em contraposição
com a cidade de Porto Alegre/RS que absorve a maior parte da mão-de-obra da
primeira.
      Seguindo a linha teórica do “estudo de sociedades complexas” (VELHO, 1981) e
suas fronteiras simbólicas estabelecidas entre particularizações e universalizações, na
tensão entre experiências de vida e experiências sócio-históricas, este percurso
etnográfico culmina na investigação do trabalho doméstico a partir da trajetória social e
19

das experiências cotidianas de Vera e Marion analisando as relações sociais em que elas
estão imersas e deste modo estabelecer uma convergência entre a reflexividade que
emerge de suas narrativas e o processo histórico e social em que a questão do trabalho
doméstico está inserida. Neste ponto da etnografia, no qual realizei uma entrevista
valendo-se do uso do vídeo com Vera, foi necessário me manter vigilante para não
conduzir a entrevista a partir de minhas memórias como filha e sim a partir de sua
narrativa, relativizando as escolhas feitas ao longo de sua trajetória. Perceber o
agenciamento de papéis que existem nestas escolhas (ela não é simplesmente a minha
mãe!). Também foi preciso reforçar o meu papel nesta entrevista, criando uma
cumplicidade entre mulheres, entre pesquisadora e interlocutora em uma “relação
dialógica”. (OLIVEIRA, 2006). Com Marion, em que a entrevista também foi realizada
com o uso do vídeo, o desafio foi manter a cumplicidade conquistada entre
pesquisadora e interlocutora com a inserção daquele objeto (a câmera), que até então,
não havia se feito presente em nossos encontros e aventuras etnográficas.


1.2.1 – Olhar e ouvir: uma etnografia sonora e visual


      Realizar uma iniciação científica como bolsista do Banco de Imagens e Efeitos
Visuais proporcionou um aprendizado antropológico pelo viés da antropologia urbana 8
(e das sociedades complexas) e visual, em que a produção e manipulação de fotos, sons,
vídeos e textos está ligada a uma etnografia da duração (ECKERT; ROCHA, 2005), por
onde perpassa o tema da memória coletiva e do imaginário. Motivada pela teoria do
imaginário de Gilbert Durand (1997) foi possível provocar o pensamento antropológico
partindo das imagens visuais e sonoras que compõe o fenômeno investigado e que
evocam conceitos e sentidos.
      Um mundo de dados invade o pesquisador em campo, na descontinuidade do
instante etnográfico e na própria descontinuidade do fenômeno observado em seu
processo de “configuração” (RICOEUR, 1994) a aprendiz de antropóloga poderá contar
com os mais diferentes suportes: vídeo, som, foto na tentativa de apreender e
“refigurar” (RICOEUR, 1994) os acontecimentos vividos e observados em campo.

8
 A antropologia urbana foi proposta originalmente por Eunice Durham e por Ruth Cardoso na
Universidade de São Paulo – USP, sendo a sua segunda linha criada por Gilberto Velho no Museu
Nacional, UFRJ.
20

     Ao me inserir no grupo de trabalho narrativas etnográficas em vídeo – no âmbito
do BIEV – inicio o uso metodológico do suporte videográfico, buscando apreender o
cotidiano com seus deslocamentos, embarques, desembarques e trazer para o diálogo,
com estas imagens cotidianas, as imagens da memória de meus interlocutores de
pesquisa. Respectivamente me insiro no grupo de trabalho em “etnografia sonora”
(ROCHA; VEDANA, 2007), que me oportunizou – em um primeiro momento –
convergir as imagens fotográficas de acervo com relatos sonoros de interlocutores que
narram suas lembranças e percepções acerca do deslocamento cotidiano; e em um
segundo momento pude perceber quais imagens sonoras evocam a situação cotidiana de
deslocamento na cidade ou melhor, quais sons são produzidos nesse viver urbano e
narram uma história. Estas narrativas (sonoras e visuais) produzidas a partir destes
encontros etnográficos se pautam pelo ponto de vista do “Outro” em que o pesquisador
estabelece escolhas de captação em campo, balizado por conceitos antropológicos que
exigem do pesquisador uma constante interpretação do fenômeno pesquisado e
etnografado revelando as camadas de tempo que conformam o “fenômeno urbano”
(VELHO, 1967).
21

                                       Capítulo II
       De passageiras a trabalhadoras: “as amigas do ônibus” e as
                       “empregadas domésticas”

2.1 – As “amigas do ônibus” e o cotidiano de ir e vir de uma cultura do trânsito

     O grupo do qual tive a oportunidade de vivenciar e compartilhar seu itinerário e
cotidiano, é formado por Vera, 60 anos, usuária da linha Passo da Figueira/Ipiranga há
aproximadamente dois anos, utilizando-a de segunda a sábado. Ela embarca com o
ônibus já lotado todos os dias na Parada 51, Bairro Formosa, em Alvorada. Neca Maria,
42 anos, diarista. Utiliza a linha Passo da Figueira/Ipiranga nas terças, quintas e sextas-
feiras. Normalmente, ao embarque de Vera, Neca encontra-se sentada, pois é moradora
do Bairro Passo da Figueira e embarca no fim da linha. Marion, 57 anos, empregada
doméstica/diarista há 34 anos. Utiliza a linha Passo da Figueira via Ipiranga nas terças e
quintas-feiras, segundas, quartas e sextas-feiras é usuária da linha Alvorada via Assis
Brasil, onde reside a mãe da sua patroa no Bairro Menino Deus. Seu embarque ocorre
na parada 52, Bairro Bela Vista, em Alvorada. Heloisa, mais de 40 anos, é empregada
doméstica no Bairro Menino Deus há seis anos. Utiliza a linha Passo da Figueira de
segunda a sexta-feira, seu embarque ocorre na parada 52 em Alvorada, assim como
Vera, é moradora do Bairro Formosa.
     Segundo relato das próprias informantes a sociação entre elas partiu de Heloisa e
Marion, nas palavras de Heloisa:


                        As “amigas” começaram eu e a Marion... Eu já via a Vera há horas, mas a
                        Vera não conversava... A Vera sempre séria... E eu dizia para a Marion:
                        “aquela senhora vem sempre no ônibus, mas ela não fala nada... Ela não ri,
                        não conversa com ninguém”... Daí um dia a Marion disse bem assim: “Deixa
                        que eu vou falar com ela!”.


     Assim, Marion “puxou” conversa com Vera, na parada de ônibus no Bairro
Menino Deus, perguntando se Vera também iria para Alvorada. Vera respondeu que
sim. Insistindo na aproximação, Marion perguntou onde Vera morava. Vera respondeu
que na Rua Hermes da Fonseca. Partindo desta informação Marion comentou que o seu
pai também morava na Hermes da Fonseca e que era irmã da Daiane que também
morava na mesma rua. Quem nos fala da chegada de Neca ao grupo é Vera:
22

                       A Neca no começo, bem no começo que eu comecei a trabalhar, eu só via as
                       outras mulheres falando da Neca... Falando de bem, comentando a Neca não
                       veio hoje... Essas coisas... Mas não lembro como a gente começou a se falar...


     É possível representar a “sociação” (SIMMEL, 1983) entre Heloísa, Marion, Vera
e Neca a partir da rede que se segue:




     A partir do estudo de redes sociais (LOMNITZ, 1994; BOTH,1976; FOOTE-
WHYTE, 2005), torna-se possível ordenar os dados obtidos através das observações
participantes, dos relatos de como essas mulheres se conheceram e se sociaram, isto é, a
ordem de adesão de cada uma no grupo. Assim, como refletir sobre o quanto as
dinâmicas de transporte (e a fluidez de seus usuários e trabalhadores), a mobilidade
urbana e o seu ordenamento no espaço aludem a interações e a criação de laços afetivos,
ao mesmo tempo em que revelam redes de solidariedade, de vizinhança, de parentesco,
etc. Esta rede contempla os bairros em que cada uma das “amigas de ônibus” reside,
dando dimensão da abrangência de bairros que fazem parte do itinerário da linha Passo
23

da Figueira – Ipiranga. Também é feita uma distinção entre diaristas e empregadas
domésticas, diferença que está ligada ao cotidiano destas mulheres, já que as que são
diaristas não pegam a mesma linha todos os dias, diferentemente das que são
empregadas domésticas que tem uma rotina e itinerário fixo. A rede também procura
evidenciar o local de observação da pesquisadora, tendo como ponto de origem o
parentesco com Vera, possibilitando a entrada da pesquisadora no grupo.


2.2 – No tempo da viagem


     No dia 16 de junho de 2009, Vera, Marion e eu desembarcamos da linha Passo da
Figueira via Ipiranga por volta das 09h30min da manhã, na Avenida Borges de
Medeiros, atravessamos a rua para chegarmos à Rua José de Alencar, por onde
seguiríamos caminhando. Vera me apresentou para Marion dizendo que eu era a sua
filha. Marion me deu oi e perguntou-me se eu estava trabalhando ali perto. Vera tomou a
frente, e disse que eu estava fazendo uma pesquisa para a faculdade, completou a sua
fala com a constatação de que naquele dia “o ônibus estava calmo”. Marion assentiu
com a constatação de Vera dizendo: “É... Tu viu que a crente não me olha mais, né? Ela
não é nem louca”. Interpelei-a sobre qual o motivo. Marion contou-me que na semana
anterior a “crente” havia lhe chutado as canelas para poder sentar-se em um banco que
havia ficado vago e em tom indignado completou: “Mas que ela faça isso de novo que
eu vou ter o prazer de desmanchar aquele “coquinho” na unha... Dentro do ônibus
mesmo”. Vera e Marion deram risada. Marion seguiu o seu relato dizendo: “Sabe... Tem
que ver que o ônibus é um lugar coletivo, tu tem que saber respeitar as pessoas, o
limite... Sabe?”.
      Partindo de uma análise simmeliana, podemos observar que esse exemplo de
conflito existente no interior do transporte coletivo ao mesmo tempo em que segmenta,
surge como “força de coesão no grupo” (SIMMEL, 1983), isso se evidencia no relato
etnográfico descrito acima, em que o conflito de Marion com uma passageira acabou
tornando-se um elo unificador entre ela e Vera. Pude perceber no decorrer da pesquisa
que essas formas de “sociação” ocorridas no interior do ônibus operam em uma mesma
“província de significado” (SCHUTZ, 1979) e interagem através de uma “rede de
significados” (VELHO, 1994) comum a esse grupo de trabalhadores que utilizam o
24

transporte coletivo. Esse relato etnográfico exemplifica o “sistema de valores”
(VELHO, 1994) compartilhado por Vera e Marion, ou seja, um entendimento ético a
cerca da “situação social” (VELHO, 1994) vivida por Marion, que percebendo a postura
da “crente”, como fora de seus padrões éticos e morais de se portar em um ônibus,
promove a sociação com Vera que, assim como Marion, vê a prática da “crente” em
“chutar as canelas de Marion”, como uma prática desviante desse entendimento ético
acerca da situação de deslocamento em um transporte coletivo.
     No dia 24 de novembro de 2009, abordo da linha Passo da Figueira via Ipiranga,
por volta das 08h30min da manhã os desembarques se iniciaram, estava em pé ao lado
de Vera, próxima à articulação do ônibus – local esse que Vera chamava de “redondo”,
fazendo clara alusão ao seu formato. Ali, igualmente em pé, estava Marion e na sua
frente estava o seu neto. Marion perguntou      quando eu iria terminar a pesquisa.
Respondi que tinha muito tempo de pesquisa ainda, que era provável que iria até o
término da faculdade. Pouco tempo depois Vera virou-se para mim e disse: Cuida se um
banco desocupar para a Marion poder se sentar com o gurizinho dela. Prontamente
concordei com o pedido. Uma mulher que estava sentada ao lado da janela num banco
em frente ao banco em que eu me segurava levantou-se para desembarcar. Vera fez sinal
para que eu me sentasse para guardar o lugar para Marion, mas a outra mulher que
estava sentada no banco, no lado do corredor, chamou uma senhora – de cabelos
grisalhos e aparência cansada – que estava em pé, do meu lado esquerdo. Vera viu que a
senhora estava indo sentar-se no lugar que havia ficado vago e me cutucou, disse a ela
que a moça que ainda ocupava o banco havia dado o lugar para a senhora que estava em
pé ao meu lado. Marion já havia se aproximado de Vera, quando esta lhe avisou que o
banco já havia sido ocupado.
     No decorrer da aproximada 1h10min de deslocamento diário esse espaço do
ônibus torna-se um “espaço vivido” (BACHELARD, 1993), um espaço que concentra
“o jogo do exterior e da intimidade” (BACHELARD, 1993), ainda que público, de
passagem, proporciona a construção de laços por troca de olhares, de palavras ou de
bancos. Chamo de “espaço vivido” não apenas por ser um espaço em que brotam laços
de cumplicidade, mas também por ser um espaço habitado por histórias, espaço que
evoca lembranças de experiências vividas e apreendidas. “Espaço vivido” que se
apresenta repleto de imagens, que se configuram a partir da experiência diária desse
25

deslocamento, das interações, conflitos e reciprocidades vividas no interior da linha
Passo da Figueira/Ipiranga; culminando em narrativas construídas no âmbito dessa
perspectiva urbana de deslocamento. Faço essa reflexão a partir de um trecho de
entrevista realizada com Marion, em sua casa, no dia 24 de abril de 2010:


                       Luciana: Mas aí, tu começou a ferver no Romeu e Julieta? Como assim? A
                       ferver como?
                       Marion: Brincando, bagunçando... Nós tinha uma turma que naquela época
                       seria quase que nem a nossa turma de agora. Só que naquela época era
                       gurizada, tudo da idade tua da Jú, assim... Quando nós dizia: “Hoje ninguém
                       vai pagar a passagem!”, nós pulava a roleta (erguendo as mãos para cima).
                       Todo mundo pulava a roleta, era uma... A anarquia era grande. Teve muita
                       época... Que logo no começo, assim... Teve roleta, teve o talãozinho, depois
                       teve roleta... Tudo assim, né? Era uma coisa de tudo assim, sabe? Mas era
                       bom trabalha... Anda assim prá lá e prá cá... Sempre foi, né? Sabe... Eu me
                       conheço por gente assim... Trabalhando! (...) O que eu posso te dizer é
                       assim... Me dou bem com todo mundo, dentro do ônibus, como tu vê, todo
                       mundo vê... Os dia que eu não vou prá lá parece que falta uma coisa, porque
                       essa turma do Alvorada o pessoal já é mais calmo que tem “menas” hora
                       dentro do ônibus, né? Se eu tô quieta dentro do ônibus tá todo mundo quieto,
                       então... Mas é bom...


     Na tentativa de ampliar essa reflexão, acerca dessas imagens que habitam o
espaço do ônibus, trago a imagem de uma situação conflituosa, objeto de análise na
pesquisa de campo realizada no dia 16 de junho de 2009, em que Vera relata a respeito
de um dia em que ela estava em pé em frente a um banco, um senhor que estava sentado
levantou-se para descer, no momento em que Vera se preparava para ocupar o lugar do
passageiro que desembarcava, ela foi empurrada por uma senhora, que segundo ela nem
estava próxima ao banco (estava mais ou menos umas duas pessoas depois do banco), e
lhe deu um “cotovelaço” para poder sentar-se naquele lugar. Essa situação que me foi
narrada me deixou intrigada: qual teria sido a “ofensa” nessa situação? A agressão
física, ou a transgressão da norma implícita de que, quem está mais próximo ao banco
que foi desocupado tem direito ao lugar? Nas observações feitas nessa linha durante o
trajeto foi possível perceber a importância corporal e gestual nas situações recorrentes
de superlotação, situações essas que acabam configurando-se em uma “luta
competitiva” (SIMMEL, 1983) pelo espaço. Nessa concepção temos a construção do
espaço a partir da demarcação de uma fronteira, como pude observar em minhas saídas
de campo, ela começa a ser estabelecida já no momento de embarque, através de
disputas veladas para poder sentar-se na janela, no lado da sombra ou próximo da porta
26

de desembarque. No interior do ônibus, em uma situação de superlotação essa fronteira
se estabelece simbólica e moralmente.
     Outra imagem que se apresenta com força nesse espaço vivido que é o ônibus são
os “pretextos para diálogo” (GOMES, 2005), que examinarei pela perspectiva da
sociologia formal de Simmel (1983). Conforme o relato de campo do dia 21 de maio de
2009:


                        Abordo da linha Passo da Figueira via Ipiranga das 16h45min (no sentido
                        Porto Alegre – Alvorada), sentei-me no primeiro banco após passar a roleta, o
                        lado do banco que dava para a janela estava ocupado por uma mulher, que
                        devia ter em torno de 40 anos. Acomodei-me no banco, percebi que a mulher
                        ao meu lado havia me olhado com espanto, já que muitos bancos estavam
                        vagos e eu havia sentado justamente ao seu lado. Nesse momento alguns
                        passageiros ainda embarcavam e Samuel (o cobrador) cumprimentava a
                        todos. Sentada em um banco do lado oposto do banco em que eu estava
                        sentada havia uma mulher, morena de cabelos encaracolados. Ela reclamou
                        para o cobrador que já não aguentava mais a “lerdeza” do motorista,
                        acrescentou que desde que o Rogério havia saído de férias (deduzi que era o
                        antigo motorista) ela não conseguia mais assistir a novela “Paraíso”. Samuel
                        na tentativa de contornar a situação disse para a passageira que ela chegava a
                        tempo da novela “Caras e Bocas” que era muito boa. A passageira afirmou
                        que assistia a “Caras e Bocas”, mas que gostava mesmo da novela “Paraíso”.


        A partir dessa observação pude perceber que esses pretextos para diálogo são
“símbolos compartilhados” (VELHO, 1994) em um processo de interação e
“negociação da realidade” (VELHO, 1994). Também foi possível verificar que alguns
dos temas que surgem significantemente no decorrer de uma viagem de ônibus são:
novela, futebol, violência e as próprias condições da viagem. Podemos pensar, a partir
da ideia de “conversação” de Simmel (1983, p.176), esses pretextos para diálogo como
uma prática “puramente sociável, em que o assunto é simplesmente o meio
indispensável para que a viva troca de palavras revele seus encantos” , isto é, esses
diferentes temas são compartilhados e utilizados como códigos sociais de aproximação
e reciprocidade pertencentes a um jogo de relações em que o conteúdo é o que menos
importa, já que esses pretextos para diálogo são um meio para a reciprocidade, para
troca e interação durante o tempo de viagem. É com estes pretextos para diálogo e seus
diferentes temas e conteúdos que em uma situação de conversação se estabelece uma
relação, que constrói laços dando vida ao espaço do ônibus.
27

                       As amigas começaram eu e a Marion... Marion completou a fala de Heloísa
                       dizendo: É mesmo, né? A Heloísa tímida na parada e eu também... Heloísa
                       tomou a palavra novamente dizendo: Eu já via a Vera há horas, mas a Vera
                       não conversava... A Vera sempre séria... E eu dizia para a Marion: “aquela
                       senhora vem sempre no ônibus, mas ela não fala nada... Ela não ri, não
                       conversa com ninguém...” Daí um, dia a Marion disse bem assim: “Deixa que
                       eu vou falar com ela!” Um dia a Marion veio e eu não vim. Depois no outro
                       dia a Marion disse: “Mas ela fala até demais”. Marion tomou a palavra para
                       contar em detalhes o início da primeira conversa entre ela e Vera: Na parada
                       do ônibus eu dizia: “tu vai pra Alvorada também?”. E ela: “Eu também vou”.
                       Daí depois: “Onde é que tu mora?”. “Eu moro ali na Hermes da Fonseca”. E
                       eu respondi: o meu pai também, eu sou irmã da Daiane que também mora
                       ali... Assim a gente começou a se falar...


     Conforme o relato de campo acima, do dia 03 de janeiro de 2010, a conversa entre
Vera e Marion é reveladora dos elementos de sociabilidade que não visam nenhum
conteúdo em particular e ainda assim, são elementos fundadores dos laços que as unem.
É interessante ressaltar que este relato de campo foi produzido durante uma
confraternização de final de ano (amigo secreto) na casa de Vera e organizado por Neca,
Marion, Heloísa e pela própria Vera. Este fato corrobora a análise da conversação e seus
pretextos para diálogo como fundadores dos laços estabelecidos entre “as amigas de
ônibus”, já que é possível inferir essa confraternização como sendo um subterfúgio para
manutenção e consolidação dos laços estabelecidos através de conversações ao longo
das viagens de ônibus e durante a espera pelo mesmo.


2.3 – O tempo de espera


     Nas situações de espera, que oscilaram entre 15 e 40 minutos, confrontei-me com
narrativas e “retóricas de práticas e táticas” (DE CERTEAU, 1994) densas. Também
pude observar as formas de se posicionar e de interação daqueles que esperam. Para
análise, trago três situações etnográficas vividas em campo. Inicio com um relato
etnográfico referente à pesquisa de campo realizada no dia 12 de agosto de 2009 que
mostra a ambiência e a sociabilidade existente no Terminal Conceição em Porto Alegre,
terminal que abriga mais de 15 linhas de ônibus da empresa SOUL – Sociedade de
Ônibus União Ltda.
28

                        Segui caminhando pela Rua Voluntários da Pátria, quanto mais me
                        aproximava do Terminal Conceição mais forte eram os sons dos motores e
                        das freadas dos ônibus. O sol já não se fazia mais presente, a noite já estava
                        caindo. Na esquina da Rua Voluntários da Pátria com a Rua da Conceição se
                        encontrava o Terminal Conceição, não vi pessoas esperando o ônibus, vi uma
                        enorme fila de aproximadamente cinco ônibus esperando o sinal abrir para
                        que eles pudessem seguir caminho pela Avenida Farrapos. Aproveitando que
                        o sinal encontrava-se fechado para os ônibus, atravessei a rua em direção a
                        parada de ônibus da linha Alvorada que ficava próxima a Rua Voluntários da
                        Pátria e era uma das primeiras paradas, assim, podia observar as outras
                        paradas que ficavam logo atrás desta. Havia poucas pessoas esperando, era
                        provável que um ônibus havia acabado de partir. O espaço entre as paradas
                        (que era uma em frente à outra) era pequeno, fazendo com que, as filas de
                        pessoas que esperavam o ônibus acabassem se misturando, gerando uma
                        pequena confusão e a pergunta frequente: “Essa é a fila de qual ônibus?”.
                        Havia também no meio do terminal alguns pequenos comércios, como: banca
                        de frutas, lojas de doces, carrocinha de cachorro quente, etc... O que acabava
                        ocupando um espaço considerável para o deslocamento dos transeuntes em
                        direção as suas respectivas paradas. Olhei no relógio: 18h20min. Já estava
                        totalmente noite. O movimento no terminal continuava intenso. O som dos
                        ônibus era ensurdecedor. As pessoas que estavam na fila e queriam manter
                        um diálogo tinham que praticamente gritar. Uma mulher (mais ou menos 40
                        anos) loira, de cabelos curtos, maquiada e bem vestida, cheia de sacolas
                        começou a gritar: “Fiscal! Fiscal!” para um rapaz negro, que passava ao seu
                        lado, usando o uniforme da SOUL e que carregava uma prancheta.
                        Prontamente o fiscal perguntou para a mulher o que ela queria. Rapidamente
                        ela perguntou para ele que horas havia um Taimbé. O fiscal sem muitos
                        rodeios respondeu: “É para ter um às 18h15min... Mas ele sempre atrasa, pois
                        ele saí da Salomé 17h15min, pra tá aqui às 18h15min... Nunca que isso vai
                        acontecer... Não tem como... Mas eles não querem nem saber”. A mulher loira
                        quase que sem reação diante da sinceridade do fiscal apenas se limitou a
                        perguntar: “Será que vai demorar muito?”. Um pouco mais otimista, o fiscal
                        respondeu: “Acho que não! Deve tá chagando em 5 ou 10 minutos!”.


     Neste relato etnográfico percebe-se que os pretextos para diálogo e para as
conversações além de se fazerem presentes no decorrer de uma viagem de ônibus são
comuns também nas situações de espera. Na maioria das vezes consistem em perguntar
se determinado ônibus já passou ou simplesmente comentários a respeito do tempo. As
situações de espera em paradas de ônibus também propiciam o encontro entre
conhecidos e vizinhos, como é possível observar neste segundo relato etnográfico
referente à pesquisa de campo realizada no dia 24 de novembro de 2009 que retrata,
além das formas de sociabilidade, os laços de vizinhança que se atualizam em conversas
fugidias e interações rápidas.
29

                       Eu e Vera Tubello saímos de casa (Rua Hermes da Fonseca, Alvorada, Bairro
                       Formosa) às 7h45min. Era uma manhã quente, o sol brilhava no céu. Fizemos
                       o nosso trajeto costumeiro de ida até a parada de ônibus – Rua Hermes da
                       Fonseca, dobrando a esquerda na Péricles Simões Ferreira até a Av.
                       Presidente Getúlio Vargas. Durante o percurso fomos falando amenidades,
                       assuntos cotidianos. Chegando na parada, observei que a mesma se
                       encontrava com muitas pessoas dispersas, não estavam aglomeradas entorno
                       do abrigo. Aproximamo-nos do abrigo, abri a minha mochila e peguei o
                       dinheiro da passagem: R$ 2,85. Vera perguntou-me que horas eram, peguei o
                       celular e disse: 7h55min. Vera disse que o ônibus estava atrasado. Nesse
                       momento se aproximou de nós uma vizinha, a Beth – que sentou-se no banco
                       que fica embaixo do abrigo, que estava em nossa frente – Vera comentou que
                       fazia bastante tempo que não a via. Beth respondeu: “É... Um dia eu venho
                       mais tarde, no outro eu vou mais cedo... Ontem eu nem vim, ah... Já vou me
                       aposentar mesmo”. Vera e eu começamos a ficar apreensivas, já eram 8hs e
                       nem sinal do ônibus, nesse momento se aproximava um ônibus da linha
                       Alvorada/Assis Brasil, Beth levantou-se do banco e se dirigiu para embarcar,
                       despedindo-se de nós.


     Este contexto de tensão por um ônibus que demora a chegar pode ser mediado por
esta situação de conversa rápida, ao mesmo tempo em que atualiza um laço de
vizinhança é um pretexto para diálogo no sentido de facilitar a passagem desse tempo
de espera.
      A segunda situação etnográfica que será tratada pode ser intitulada de o homem
ordinário que se torna narrador, em clara referência a Michel de Certeau em “A
invenção do Cotidiano”. O homem ordinário a quem me refiro chama-se Júlio, um
antigo morador de Alvorada e usuário do transporte coletivo da cidade que conheci em
uma saída de campo no dia 9 de fevereiro de 2010, cujo objetivo era o de se aventurar
em situações de espera em paradas de ônibus visando aplicar um pequeno roteiro de
entrevista especifico para essa situação. Essa situação etnográfica, mais do que tratar de
interações possíveis em paradas de ônibus, dimensiona um tempo de espera que
proporcionou a construção de uma narrativa, fazendo com que Júlio – o homem
ordinário – deixasse de ser um usuário do transporte coletivo para tornar-se narrador de
sua condição. O encontro com Júlio ocorreu na parada 53 de Alvorada, localizada na
Avenida Presidente Getúlio Vargas, principal avenida da cidade e com um grande fluxo
de veículos. Era uma manhã quente e ensolarada, há alguns metros de distância avistei a
parada de ônibus, apenas duas pessoas esperavam o ônibus: uma senhora baixinha, de
cabelos curtos e que aparentava ter mais ou menos de 60 anos e um senhor negro
aparentando mais de 70 anos (Júlio). Ambos vestiam roupas simples e confortáveis
(bermuda e camiseta). As condições da parada não eram as melhores. Avaliei que
30

estavam reformando a calçada, muitas pedras estavam reviradas pelo chão, no entorno
da parada, o que dificultava a locomoção e limitava ainda mais o espaço de espera do
ônibus. Desviando-me das pedras soltas da calçada me aproximei do senhor que ali
esperava o ônibus – Júlio – desejando-lhe bom dia. Falei da pesquisa e lhe perguntei se
eu poderia conversar com ele a respeito da condição de espera e de transporte em
Alvorada. Prontamente ele respondeu que sim. Tirei o MP3 da bolsa e comecei a gravar,
direcionando o gravador próximo aos seus lábios, pois tinha o receio de que o som do
trânsito “abafasse” a voz do entrevistado, que com tranquilidade e sem
constrangimentos diante do aparelho que eu lhe apontava iniciou a sua fala, ou melhor,
“o homem ordinário se tornava narrador”9.
      Júlio narra sobre a formação de Alvorada – um município que nasceu sob o
estigma de ser uma cidade dormitório – sob a perspectiva da fundação da empresa
SOUL. Seguindo a premissa da descontinuidade bachelardiana pode-se inferir que Júlio
tece a memória a partir da própria situação cotidiana de deslocamento. Júlio começa sua
narrativa falando da antiga Alvorada, no tempo que a empresa SOUL tinha apenas 90
carros, segue falando de Carlos – um dos fundadores da empresa – fazendo menção ao
monopólio da empresa e a interferência que isso tem na vida dos moradores usuários do
transporte coletivo. O narrar de seu Júlio vem carregado de suas lembranças, não apenas
como um morador antigo de Alvorada, mas também como usuário da já referida
empresa de transporte e das suas percepções acerca do deslocamento cotidiano:


                          Luciana: Ahhhh... E como é essa espera?
                          Júlio: Ah, é isso que a senhora tá vendo aí, né? Agora... Ficar aí meia hora,
                          40 minutos é... Não dá pra admirar, né? Uma hora ou mais é de costume. Isso
                          que na minha época que eu vim pra cá mudou, né? Quando eu vim pra cá,
                          essa empresa tinha 90 carros só... Tudo era barro aqui. Ela já vendeu umas
                          três ou quatro frota e é uma das maiores empresa de ônibus que tem por aí...
                          Apesar de que Alvorada, aqui é só ela... Era uma sociedade... Tinha, quando
                          eu vim pra cá, diz... Tinha... Cinco ou sete dono... É o que me contaram quem
                          já morava aqui. Hoje, os donos são um só, daí fazem o que querem. Tem que
                          ser sardinha sempre.
                          Luciana: Como é ser sardinha?
                          Júlio: Sardinha se ela não tá cheia é porque já mexeram nela. Prolonga os
                          horário... Os horário eles controlam pelo movimento. Sábado, feriados e
                          domingo... Se precisa de pegar o ônibus 10 horas então saí ali pelas 9 pelo
                          menos pra vê se pega até as 10... Domingo pior... Passou das 8 horas da noite
                          é uma tristeza.


9
 Este encontro etnográfico resultou em uma crônica etnográfica intitulada “Do barro ao asfalto” que
pode ser assistida em: http://www.youtube.com/user/tubellocaldas/videos .
31

     A narrativa de Júlio sobre uma antiga Alvorada e a situação cotidiana de
deslocamento de seus moradores em conjunto com o som do trânsito que se faz presente
durante toda a sua narrativa evoca imagens de uma cultura do trânsito relacionada aos
itinerários urbanos cotidianos de trabalhadores em perspectiva com a formação de um
município que nasceu sob o estigma de ser uma cidade dormitório. Sendo esse o caráter
etnográfico da narrativa de seu Júlio, infere-se que a história que pode ser contada é
dessa Alvorada antiga – sua formação a partir da empresa de ônibus SOUL –
confrontada com problemas cotidianos ligados a política de sua empresa de transporte
que acaba interferindo indiretamente no “campo de possibilidades” (VELHO, 1994) dos
moradores de Alvorada – a falta de emprego em sua cidade de morada que os obriga a
buscar trabalho longe da cidade de morada ou o escasso rendimento do trabalho que os
obriga a buscar moradia longe da cidade em que trabalham (capital metropolitana). Ou
seja, conforme apontado por Katzman (2008): a distribuição espacial da população nas
grandes cidades é caracterizada por uma configuração onde os trabalhadores de baixa
qualificação ocupam as áreas periféricas, ou seja, um desencaixe entre as estruturas de
oferta de moradia e de emprego.


                       Júlio: As empresas grandes compram os prefeitos, pra certas coisas... Porque
                       o velho [refere-se ao patronato] molhava a mão dos prefeitos... Claro, ele vai
                       deixar... Se não vai abri a mão para os prefeitos, entra outras empresas...
                       Entra firma. Por que quase não tem firma na Alvorada? Porque o prefeito não
                       deixa. O que entra uma porção de firma pra Alvorada... O que eles perdem de
                       passageiro pra ir trabalhar? Por dia. Eu trabalhei quase sempre lá pra dentro
                       de Porto Alegre, Novo Hamburgo, essas coisas, assim... São Leopoldo...
                       Então já sabendo... Sempre saio adiantado, daí nos horário de serviço eu
                       pegava os horário de ônibus, pra mim os horário de pico... Sempre larguei na
                       frente pra não atrasar lá atrás... Mas agora, aí... Assim... Quem tiver um
                       horário: “em tal hora tenho que tá em tal lugar”, se adiante porque não
                       chega...


     Para ampliar essa questão do tempo de espera em uma parada de ônibus trago
elementos da crônica etnográfica – realizada no Terminal Conceição , Centro de Porto
Alegre em 14 de janeiro de 2010 –                      “Cidade viajante”, disponível em
http://bievufrgs.blogspot.com , que trata do cotidiano e da condição de espera dos
moradores de Alvorada que trabalham no Centro de Porto Alegre.
32

                       Aline: Eu acho que eles como uma empresa grande tinha que botar ônibus
                       em mais horários, entendeu? Não botar de 40 em 40...
                       Luciana: É de 40 em 40?
                       Aline: É! De 40 em 40, entendeu? Aí fica complicado... Como é que vai
                       caber todo mundo? Toda uma população inteira? Não sei se tu já reparou
                       nesse Jardim Aparecida? Olha, vêm uns três ônibus seguidos, um atrás do
                       outro... Tudo lotado!


     Nesta terceira situação etnográfica, também se apresentaram homens ordinários
que tornam-se narradores de suas práticas e táticas implícitas no deslocamento diário.
Foi possível perceber que o tempo de espera corresponde a uma atualização de táticas e
práticas que se projetam na estratégia do outro, daquele que estabelece intervalos de 40
minutos entre um ônibus e outro. Táticas que se coadunam com maneiras de fazer – de
se locomover, de se deslocar – em um ônibus lotado por conta do longo intervalo de 40
minutos. Falo de atualização de táticas e práticas valendo-se da afirmação que Michel
de Certeau faz em “A invenção do Cotidiano”:


                       [...] o caminhante transforma em outra coisa cada significante espacial. E se,
                       de um lado, ele torna efetivas algumas somente das possibilidades fixadas
                       pela ordem construída (vai somente por aqui, mas não por lá), do outro
                       aumenta o número dos possíveis (por exemplo, criando atalhos ou desvios) e
                       o dos interditos (por exemplo, ele se proíbe de ir por caminhos considerados
                       lícitos ou obrigatórios). Seleciona, portanto. O usuário da cidade extrai
                       fragmentos do enunciado para atualizá-los em segredo.” (DE CERTEAU,
                       1994, p. 178)


     Assim, percebe-se que o tempo de espera além de proporcionar a conversação
entre aqueles que esperam o ônibus, provoca atualização de suas táticas e práticas
(pegar uma linha via Freeway na tentativa de escapar do congestionamento da Avenida
Assis Brasil é um bom exemplo de decisão que pode ser tomada durante a espera na
parada de ônibus); mas não em segredo, esta atualização é verbalizada, compartilhada e
trocada timidamente através de informações sobre que linha pegar para se chegar mais
rápido ou exaltada diante das condições de transporte:


                       Entrevistado: Às vezes a gente saí de manhã com o ônibus lotado e às vezes
                       volta com o ônibus cheio...
                       Luciana: Mas qual é a linha que tu usa?
                       Entrevistado: SOUL, Jardim Aparecida ou Stella... Às vezes de manhã eu
                       vou sentado no chão... Na escadaria para poder ir sentado... Tem dia que o
                       ônibus solta gente pelo latrão.
33

     Atentando o olhar para essas falas, veremos que no pano de fundo desses relatos
permeia a questão do trabalho. “Assim como a gente tem que ir a gente tem que vir do
trabalho”, dessa afirmação feita por Aline, desvenda-se que a condição do transporte
enquanto cultura do trânsito é lhes é uma situação passiva ou alienada, ao contrário, as
formas de deslocamentos estão repletas de múltiplas experiências e eivadas de formas
plurais de sociabilidade e interações sociais. O estudo aqui se detém sobremaneira na
mobilidade dinamizada pela condição do trabalho (profissional ou empregatício) e
configura as determinações sociais as quais essa população residente na cognominada
“cidade dormitório” de Alvorada, vivencia em suas rotinas diárias. O trajeto, as
condições de transporte, as sociabilidades no espaço do deslocamento são assim
arranjos sociais que identificam uma condição de vida de trabalhadores. E como diz
uma entrevistada Aline, “toda uma população” Alvoradense, tem que ir trabalhar em
Porto Alegre.


2.4 – Desembarque: Bairro Menino Deus


     O bairro Menino Deus se localiza na região centro-sul de Porto Alegre, pode ser
encarada como uma região de transição entre o Centro e a Zona Sul. O nome do bairro
se deu por conta da devoção ao Menino Deus, introduzida pelos açorianos no século
XIX. Ele é considerado um bairro de classe média. Conforme dados da Associação
Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) de 2006 ele possuí o 17º melhor
IDH dos bairros de Porto Alegre/RS – oficialmente Porto Alegre possuí 79 bairros. A
renda média fica no entorno de R$ 1600,00, R$ 2400,00 a menos que o bairro Três
Figueiras que possuí a maior média.
     No século XIX, o bairro Menino Deus caracterizava-se pela presença de casas
bem arranjadas e hortas, ligadas a uma camada da população de maior poder aquisitivo,
que desfilava por suas ruas em finas carruagens. Destacava-se como o mais
movimentado de Porto Alegre, em função de suas festas paroquiais e pela instalação, em
1888, do hipódromo Rio-Grandense, que funcionava entre as ruas Botafogo e Saldanha
Marinho.
     Nos anos de 1940, o bairro sofreu sua primeira grande modificação urbana, em
decorrência da canalização do Arroio Dilúvio, que produzia graves enchentes. A
34

realização do aterro (onde hoje se situa o Parque Marinha do Brasil), no final dos anos
50 e início dos anos 60, possibilitou o prolongamento da Av. Borges de Medeiros que,
por sua vez, providenciou melhor acesso e consequente expansão do bairro. Uma nova
configuração aconteceu com o “Projeto Renascença”, que abriu a Av. Erico Verissimo e
criou o Centro Municipal de Cultura, na área onde antigamente situava-se a Vila
conhecida como “Ilhota10”.
      A partir desta descrição do bairro Menino Deus e retomando os apontamentos
feitos no capítulo anterior acerca da cidade de Alvorada podemos pensar em termos de
uma segregação urbana, ou como apontado por Guattari (1992), observar que as
“engrenagens urbanas” modelam subjetividades e valores onde a questão da cidade de
morada e a cidade de trabalho passam a ser entendidas como uma questão político-
ideológica, que procura através da segregação, garantir a hegemonia burguesa nos
centros da cidade, ou seja, os trabalhadores habitam as periferias e as regiões
metropolitanas das grandes cidades com o propósito de priorizar a valorização dos
espaços centrais da cidade, reafirmando o compromisso burguês com o progresso e a
modernidade11. É neste tradicional bairro de Porto Alegre que o grupo formado por Vera,
Neca, Marion e Heloísa desembarcam e trabalham, consequentemente, é neste mesmo
bairro que ocorre o embarque do grupo na linha Passo da Figueira via Ipiranga das
14h45min.
      No dia 24 de novembro de 2011, após acompanhar o grupo na linha Passo da
Figueira via Ipiranga das 07h40min, em seu trajeto de ida para o trabalho, combinei
com Vera de lhe buscar na casa em que trabalha às 14h30min e de lá iríamos direto para
a parada de ônibus onde pegaríamos a Linha Passo da Figueira/Ipiranga das 14h45min.
A parada de ônibus ficava na Avenida Padre Cacique, em frente a um prédio comercial,
ali havia três mulheres: uma negra com os cabelos compridos e todo trançado que devia
em torno de 40 anos, uma jovem de cabelos lisos e claros que devia ter mais ou menos
20 anos e uma senhora de cabelos curtos e loiros, baixinha e acima do peso, que
também devia estar na casa dos 40 anos. Era um dia muito quente e todas elas trajavam
roupas justas, decotadas e confortáveis, como calça no estilo legging e regata ou baby


10
   Cabe salientar que a maioria dos moradores desta vila eram negros e foram removidos e realocados na
Restinga a 22 quilômetros do Centro de Porto Alegre. Para este assunto ver Pesavento (1999).
11
   Sobre esta questão ver Caldeira (2000), em que a autora analisa a questão da segregação social e
espacial nas cidades, a partir da organização do espaço urbano.
35

look. Cinco minutos após a nossa chegada, Neca também chegou. Fazia muito calor,
Neca estava pingando suor, segundo ela:


                       Desci aquela lomba da Silvério a mil... Tava lavando o chão quando a “véia”
                       disse para eu ir embora se não eu iria perder o ônibus das 14h30min, Não
                       pensei duas vezes... Terminei de passar o pano no chão e me mandei!



     Aproveitei para perguntar como havia sido a faxina e se a patroa era “boa”. Neca
disse que havia sido ótima, que ela não era daquelas patroas chatas que ficavam em
cima, cheia de exigências. Neca comentou que a casa estava imunda, que a dona da casa
era uma senhora bem velhinha, que já não tava dando conta do serviço, então, como ela
mesmo disse, “teve que pegar duro para limpar a casa”. Neca acrescentou que os
armários da cozinha, que eram de um verde claro, estavam marrons de tanta poeira.
Entre risadas, comenta que esfregou tanto os armários que chegou até a descascar,
acrescentou que para a sua sorte havia um vidro de lustra móveis, o que ajudou a
disfarçar o descascado. Neca finaliza a sua fala dizendo que a velhinha havia adorado a
faxina e nem havia reconhecido o seu armário, de tão limpo que havia ficado. Neca
aproveitou para contar que aquele era o dia de fazer faxina em outra casa, mas que ela
resolveu não ir e nem ligou para avisar que não iria, pois na semana passada a dona da
casa havia exigido que Neca limpasse o chão da casa de joelhos – nesse momento Neca
ergueu a sua calça para mostrar os seus joelhos que havia ficado roxo. Neca completou a
sua fala dizendo que havia achado isso um absurdo e que a mulher era louca.
     Nesse contexto de espera pelo ônibus fui me aproximando de um mundo que ia
para além das passageiras, comecei a me deparar com mulheres trabalhadoras,
empregadas domésticas. Ainda neste momento do campo o meu olhar não estivesse
voltado para a questão do trabalho, mas sim, para a questão das formas de sociabilidade
existentes no contexto dos itinerários urbanos. Porém, um dos pretextos para diálogo
que eram recorrentes ao longo destes itinerários era o cotidiano de trabalho destas
mulheres. Quanto mais me imergia nos deslocamentos diários destas trabalhadoras, mais
tomava conhecimento de suas práticas de trabalho.
36

2.5 – “A gente já chega pra trabalhar cansada da viagem”


      No dia 10 de março de 2010 cruzei o território dos itinerários urbanos, seguindo a
caminhada após o desembarque. Descemos na Avenida Padre Cacique, atravessamos a
rua, chegamos na José de Alencar. Heloisa comentou que estava com muita preguiça.
Concordei com Heloisa dizendo que estava me sentindo cansada e Marion acrescentou:
“É essa viagem de ônibus que deixa a gente assim!”. Heloisa respondeu ao comentário
dizendo: “É... A gente já chega pra trabalhar cansada da viagem”. Heloisa despediu-se
do grupo dizendo: “Até as 15hs!” – que é o horário do ônibus que elas pegam para
voltar para casa – dobrou a direita seguindo pela Rua Silvério. Demos mais alguns
passos e também nos despedimos: Marion seguira em frente pela Rua José de Alencar
enquanto Vera e eu atravessamos a rua e dobramos a esquerda – Rua Itororó,
caminhamos mais uma quadra e dobramos a direita – Rua Costa, onde se localiza a casa
em que Vera trabalha. Era uma casa antiga – acredito que da década de 50/60 – de dois
andares. De cor bege e com grades e telhados da cor marrom. Entramos. Não havia
ninguém em casa. A casa era muito espaçosa, o chão era de parquet coberto por um
grande tapete. Entrando vemos disposto, do lado esquerdo da sala, um grande sofá, no
centro da sala há uma mesinha de mármore, no canto direito há uma mesa para TV e no
lado direito, em perspectiva com o sofá uma estante de madeira escura coberta por porta
retratos dos netos, bisnetos e filhos de Vicente (o tio e patrão de Vera). Vera dobrou a
direita, em uma porta que ficava ao lado, mas um pouco mais afastada, da porta de
entrada. Era a entrada para o corredor que dava para o banheiro e para os quartos. Na
primeira porta a esquerda ficava o banheiro, na primeira porta a direita ficava o quarto
de Vicente e na segunda porta a esquerda ficava uma espécie de quarto para hospedes,
mas que também, acolhia diversos outros objetos e utensílios da casa. Foi para este
quarto que Vera se dirigiu para despir-se de sua blusa e calça social e vestir uma calça
com um tecido mais leve e uma blusa mais folgada, para assim, poder dar início as
atividades de limpeza da casa.
37

2.6 – O “uso das mãos” no trabalho doméstico


     A saída de campo realizada no dia 10 de março de 2010 tinha como objetivo
construir uma narrativa fotográfica acerca da rotina de trabalho de Vera, trazendo a
dimensão da prática cotidiana de limpeza e de cuidados com a casa. A primeira tarefa de
Vera era arrumar a cama de Vicente. Vera era ágil e enquanto eu batia as fotografias (em
plano aberto) precisei pedir para que ela arrumasse a cama mais devagar, pois as fotos
estavam saindo desfocadas. Com a cama arrumada Vera seguiu em direção a cozinha –
localizada em uma porta a direita de quem sai do corredor. A cozinha era ampla como a
sala. Possuía uma grande mesa, próxima a porta, dois armários, uma geladeira e um
fogão (em perspectiva com a porta de entrada da cozinha). No lado esquerdo de quem
entra na cozinha localizava-se a pia que estava com algumas louças sujas, como: xícara,
faca, copo, prato, etc. E era essa a segunda tarefa cotidiano de Vera: lavar a louça do
café da manhã. Procurei captar essa tarefa doméstica utilizando dois enquadramentos
diferentes: um plano aberto abrangendo assim, a postura corporal de Vera exercendo a
tarefa doméstica e um plano fechado nas mãos de Vera (infelizmente esses plano
fechados ficaram muito escuros), enquadrando o gesto de limpeza de um copo. Após a
louça ser lavada Vera começou a varrer a cozinha, novamente recorri ao enquadramento
em plano aberto. Vera, em todas as suas tarefas, era muito rápida, tanto, que enquanto
ela varria a cozinha eu precisava pedir para que ela fosse mais devagar, para que as
fotos não saíssem tremidas. Novamente recorri ao plano aberto para capturar a limpeza
do banheiro e ao plano fechado nas mãos/gestos de Vera. Perguntei para Vera o que ela
ainda tinha para fazer. Vera respondeu que ainda teria que varrer a sala e o pátio.
     No dia 24 de agosto de 2010 realizei com Marion uma saída de campo com o
mesmo objetivo – de construir uma narrativa fotográfica acerca do trabalho doméstico.
Marion iniciou suas atividades recolhendo o lixo da cozinha, procurei fotografa-la em
seus gestos (plano fechado) e em seu contexto (plano aberto) sem sucesso, pois os
movimentos de Marion eram rápidos e as fotos em close acabaram ficando desfocadas e
as em que deveriam ser em plano aberto acabaram ficando em plano médio por conta do
pequeno espaço na cozinha. Após recolher o lixo, Marion seguiu para o quarto, para
arrumar a cama. Novamente a agilidade de Marion não permitiu que eu tirasse
fotografias com um bom foco. Para poder evocar a ideia de movimento e agilidade
38

presentes no cotidiano do trabalho doméstico foi preciso utilizar o dispositivo de
captação contínua em três quadros, tendo assim, um encadeamento de três planos, que
juntos evocam essa ideia do movimento e da agilidade do trabalho doméstico. Ainda
que as fotos saíssem desfocadas, poderia explorar a ideia de movimento que aquele
“desfoque” trazia tirando as fotos em sequencia. Do quarto seguimos para a área de
serviço onde Marion pôs as roupas sujas de molho. Marion explicou que como ela vai à
casa de Ana as terças e quintas-feiras ela sempre procura lavar as roupas na terça-feira e
passá-las na quinta-feira. Após colocar as roupas de molho Marion seguiu para o
banheiro, onde iria iniciar a limpeza. No banheiro observei que Marion limpava o chão
de joelhos com um pano. Perguntei se não era melhor utilizar um esfregão do tipo
bruxa. Marion respondeu que Ana havia comprado uma bruxa, mas que ela não gostava
de usar, pois parecia que não deixa o chão limpo. Acrescentou que também não gostava
de usar luvas, tinha a sensação de que atrapalhavam o movimento das mãos na hora de
limpar. Terminada a limpeza no banheiro seguimos para a cozinha para lavar a louça!
Em tom de confissão Marion disse: “Sabe, ela não faz nada! Se cair um papel no chão,
fica! Fica tudo pro dia que eu venho!”.
     Destas descrições é possível inferir o quanto a câmera fotográfica participou como
mediadora deste processo de interação, realizando um recorte do espaço em que se dá a
situação etnográfica e um recorte da duração temporal deste “estar-lá” (GEERTZ,
2002). A partir do encadeamento destas imagens realizadas no processo denominado de
pós-campo, processo este que se refere ao tratamento das imagens produzidas (escrita
do formulário de avaliação, análise, conceituação e nomeação das fotografias) e a partir
das discussões semanais realizadas no âmbito GT Fotografia, que me foi possível pensar
os gestos, movimentos e as práticas que circunscrevem o trabalho doméstico.
39
40

     Algumas fotos foram tiradas valendo-se do plano aberto, para assim trazer a ideia
de todo contexto em que aquela prática está inserida. Já a opção para a maioria das fotos
foi o do plano fechado nas mãos e gestos de Vera e Marion, enquanto realizam suas
tarefas domésticas. Conforme nos aponta François Soulages em Esthétique de la
Photographie (1998), para vários pontos de vistas, temos várias fotografias que
engendram universos diferentes. Nesta análise estética da fotografia o autor concluiu
que a fotografia não é somente material ou ferramenta, mas ela é o principal vetor
estrutural da criação. Sensível a esta potência criadora da fotografia e privilegiando o
ponto de vista do plano fechado nos gestos e práticas destas trabalhadoras atento o meu
olhar para o “uso das mãos” (FRANCO, 1997) o que nos faz perceber o quanto este
trabalho manual é significativo para a conformação simbólica do trabalho doméstico.
Oriundo de um sistema econômico escravista, o trabalho doméstico, carrega os valores
negativos que circunscreveram esse sistema, dentre eles a degradação do trabalho
manual. Logo, o menosprezo pelo “uso das mãos” – atrelado a escravidão – arraigou-se
culturalmente no imaginário brasileiro, corroborando para a desvalorização e
discriminação do trabalho doméstico.


2.7 – “Tenho a minha carteira assinada ali, assinada como empregada doméstica”:
A trajetória de Marion


     No dia 24 de abril de 2010 às 15h30min da tarde saí de minha casa na Rua
Hermes da Fonseca rumo à casa de Marion. Dobrando a direita na Péricles Simões
Ferreira, atravessando a Av. Presidente Getúlio Vargas, segui em frente na Avenida
Wenceslau Fontoura. Era uma Avenida, com muitos prédios públicos: secretaria da
educação, secretaria da cultura, secretaria da habitação, entre outras. O movimento de
pedestres e de ciclistas era intenso, já que era uma tarde de sábado ensolarada, o que
convidava as pessoas a saírem à rua. Após uns cinco minutos de caminhada pela
Avenida Wenceslau Fontoura avistei a Rua Natal que conforme orientação da Marion
era a rua que eu devia entrar. Dobrei a primeira à direita (Rua Natal). Esta, já não era
uma rua asfaltada, era uma rua de chão batido. Na esquina ficava a Secretaria de
Educação, ao longo de todo o lado esquerdo da rua havia um descampado terreno baldio
e do lado direito algumas casas pequenas e de madeira se faziam presentes. Após alguns
41

minutos de caminhada dobrei à esquerda, esta era a Rua em que Marion morava (Pp
Três). Era uma rua bem estreita, cheia de casinhas grudadas umas nas outras, algumas
de madeira, mas a grande maioria era de material. Seguindo em frente fiquei atenta a
numeração das casas, o fluxo de pessoas era intenso, algumas pessoas caminhavam,
outras varriam suas calçadas ou simplesmente estavam sentados em frente as suas casas
conversando e/ou tomando chimarrão. Olhei para a minha direita e havia uma casa de
material sem reboco e com uma janela de cor verde. Olhei atentamente para a casa em
busca do seu número. Rapidamente segui para frente da casa e bati palmas. Havia dois
cães que estavam presos e começaram a latir assim que eu me aproximei. Alguns
segundos depois Marion saiu de sua casa por uma porta localizada no lado esquerdo.
        Entramos, conversamos um pouco sobre sua família e sobre a sua rotina de
trabalho aos sábados (temas que seriam retomados no momento da entrevista com a
câmera ligada) enquanto ela preparava o café. Enquanto tomávamos o café Marion
demonstrava-se nervosa com a entrevista que seria registrada em vídeo, procurei
tranquiliza-la dizendo que não passaria de uma conversa. Terminado o café seguimos
conversando sobre a sua rotina de trabalho, percebi que Marion estava mais relaxada e
menos apreensiva. Marion seguiu falando até que determinado momento ela disse:
“Sabe Luciana... Eu pego ônibus desde os meus 17 anos...”. Rapidamente interrompi
Marion e disse: “Ahhh, mas essa história eu vou ter que gravar...”. Comecei a tirar a
câmera da bolsa e Marion comentou que estava nervosa. Liguei a câmera enquadrando
Marion, em plano fechado dizendo-lhe que não havia porque ela ficar nervosa, que ela
só precisava continuar contando a história de quando ela pegava ônibus aos dezessete
anos:


                       Marion: Então foi assim... É que eu me acostumei... Me criei assim, né?
                       Trabalhando prá lá e prá cá... Andando de ônibus prá lá, prá cá... Eu sempre
                       trabalhei fora.


        Marion nasceu em Porto Alegre e com um mês de vida veio morar em Alvorada
com sua família. Era o ano de 1953, tempo em que Alvorada ainda se chamava Passo do
Feijó. Morou até os 11 anos de idade na Parada 45, depois se mudou para o Bairro Passo
da Figueira, onde se criou e se casou. Em 1970, já com 17 anos, foi surpreendida com a
visita de uma prima que acabara de dar a luz e que estava com a mãe acometida por uma
trombose no braço. Essa prima foi até a sua casa para falar com o seu pai e perguntar se
42

ele conhecia alguém que tivesse o interesse em trabalhar como doméstica ajudando-a no
serviço da casa, prontamente seu pai lhe indicou dizendo: “Tem a Marion aqui que quer
trabalhar”. Buscando sua independência, aos 17 anos, ela começa a trabalhar como
empregada doméstica. Mais do que se ater ao serviço doméstico Marion acabou
agregando a função de babá ao ajudar sua prima – agora patroa – na criação de Ana
Lúcia. Após, aproximadamente, 12 anos de trabalho, Marion casa-se e para de trabalhar,
ficando aproximadamente nove anos afastada do trabalho junto à família de Ana Lúcia.
Nesse período ela exerceu alguns trabalhos como auxiliar de serviços gerais em lojas e
como diarista em “faxinas avulsas”, época de grande instabilidade, já que, nos finais de
ano, grande parte dos empregadores viajava de férias.
     Durante seu primeiro casamento Marion morou em Porto Alegre, no bairro Parque
dos Maias, não se adaptando a nova morada ela retorna para Alvorada. Vai morar com
seu irmão no bairro Passo da Figueira. Após determinado período de tempo, ele pede a
casa em que ela estava morando. Assim, ela acaba comprando uma casa no Bairro
Formosa. Lá ela morou por 14 anos, até o dia em que a Prefeitura, devido ao
planejamento urbano pelo qual a cidade estava passando, solicitou o terreno em que
Marion morava, pois ali seria construída a abertura de uma rua. Este terreno pertencia a
prefeitura e Marion possuía um contrato comodato com a mesma, sendo realocada para
o antigo Bairro “Mutirão”, hoje chamado de Bela Vista.
     O Bairro “Mutirão” começou a ser construído a partir de um programa da
Prefeitura para realocar moradores da Vila “Beira do Valão”, composta, em sua maioria,
por uma população que saiu do interior do Rio Grande do Sul em busca de emprego em
Porto Alegre. Marion estava inscrita nesse programa, mas como na época ela não sabia
como construir uma casa e nem o seu marido, decidiu permanecer no Bairro Formosa.
Ainda morando no Bairro Formosa, Marion se separa. Seu filho do meio (Diego), fruto
do primeiro casamento, já estava com nove meses de vida. Marion casa-se novamente,
deste segundo casamento nasce Juliana. A prefeitura entra em contato com Marion,
comunicando-a que ela tinha direito a quatro terrenos no “Mutirão” devido à realocação
por conta da abertura da Rua Almirante Barroso, no Bairro Formosa. Com a ajuda de
seu pai iniciou a desconstrução de sua casa no Bairro Formosa com a intenção de
reaproveitar o material para a construção de sua nova casa no Bairro “Mutirão” que,
com dificuldades foi adquirida pelo valor de 10% sobre o salário mínimo ao longo de
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Onde se mora não é onde se trabalha

  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA Onde se mora não é onde se trabalha Estudo etnográfico de itinerários urbanos, formas de sociabilidade e trabalho de moradores de Alvorada/RS que trabalham em Porto Alegre/RS Trabalho de Conclusão de Curso em Ciências Sociais Luciana Tubello Caldas Porto Alegre 2012
  • 2. 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA Onde se mora não é onde se trabalha Estudo etnográfico de itinerários urbanos, formas de sociabilidade e trabalho de moradores de Alvorada/RS que trabalham em Porto Alegre/RS Autor: Luciana Tubello Caldas Profa. Orientadora: Cornelia Eckert Monografia apresentada como requisito à obtenção do grau de Bacharel em Ciências Sociais Porto Alegre 2012
  • 3. 3 FOLHA DE APROVAÇÃO Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel no curso de Ciências Sociais, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, BANCA EXAMINADORA: ________________________________ Professora Doutora Viviane Vedana ________________________________ Professora Doutora Denise Fagundes Jardim ________________________________ Professora Doutora Cornelia Eckert (UFRGS) Orientadora
  • 4. 4 AGRADECIMENTOS Após tantas madrugadas em claro ao longo do curso, estes agradecimentos não poderiam ser escritos em momento diferente. Agradeço a todos amigos e colegas de curso que partilharam destas madrugadas incansáveis e intermináveis, seja em conversas via mundo virtual ou com um café no dia seguinte para nos mantermos acordados, após a longa noite de estudos. Sem esta prática social, tipicamente acadêmica, não estaria socialmente apta para dar forma a estas linhas. Agradeço à Secretaria de Assuntos Estudantis – SAE, pela bolsa trabalho concedida em meu ano de ingresso no curso. À todos os professores do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – IFCH, pela formação que recebi. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelas bolsas de Iniciação Científica concedidas entre 2009 e 2011, no âmbito do Banco de Imagens e Efeitos Visuais – BIEV, local onde aprendi muito sobre antropologia e sobre a vida. À Dra Ana Luiza Carvalho da Rocha, coordenadora do BIEV que me ensinou a importância, o valor e a grandiosidade da escrita etnográfica. À Dra Cornelia Eckert pela orientação, dedicação e paciência. Por não desistir e seguir acreditando neste trabalho. Ao professor de história Nei Nordin, por ser o profissional dedicado e apaixonado em que me inspiro desde o ensino médio. Ao Dr. Rafael Devos por me “iniciar” na Antropologia Visual fazendo com que ela se tornasse minha grande paixão. Aos amigos Mariana Petersen, Karin Bauken e Wagner Wingert: foi muito bom conhecer vocês. À Priscila Farfan por todas as discussões antropológicas, sonoras, afetivas e profissionais: aprendi muito com elas! Ao Diogo Schmidt por todas sessões cinematográficas, conversas e principalmente, pela amizade que nasceu ainda no primeiro semestre e que certamente irá durar pelo resto de nossas vidas. À Stéphanie Bexiga por nascer, ter cruzado o meu caminho e ensinado o significado da palavra “amizade”. À Dra e amiga Viviane Vedana por me ensinar a “escutar”, por apoiar as ideias absurdas que estão “esquematizadas na minha cabeça” e principalmente: por amar a antropologia (e todos deveriam te agradecer por isso).
  • 5. 5 À Neca, Heloisa, Vera e Marion e os demais interlocutores desta pesquisa, por compartilharem comigo suas vidas e seus cotidianos. Sem o acolhimento e engajamento de vocês este trabalho não existiria. E por fim, agradeço à Carlos Valdir, meu pai, pelo empenho e coragem em suprir os anos de ausência permanecendo ao meu lado neste caminho acadêmico de forma amiga, apoiando minhas escolhas e decisões. À minha mãe, amiga e interlocutora de pesquisa Vera Tubello, pelo exemplo de “mulher guerreira”, pelo amor e dedicação. Muito obrigada!
  • 6. 6 RESUMO Parte-se de uma etnografia das trajetórias e narrativas de um grupo de empregadas domésticas que residem em Alvorada e que trabalham em Porto Alegre e de suas formas de interação e sociabilidades a bordo da linha de ônibus que utilizam diariamente para ir trabalhar. Metodologicamente desenvolvo observações participantes, construção de redes sociais, etnografia audiovisual e descrições densas junto a esse grupo de trabalhadoras. Neste estudo seguem-se referenciais teóricos pertinentes ao estudo de antropologia urbana e da imagem, orientada pelos conceitos de formas de sociabilidade (Simmel, 2006), de trajetória (Velho, 1994) e a reflexão sobre memória, imagem e tempo no contexto citadino proposta por Eckert e Rocha, 2005. Palavras-Chave: Alvorada, empregadas domésticas, formas de sociabilidade, trajetória. ABSTRACT This is based on ethnography of the trajectories and narrative of a group of housekeeper who live in Alvorada and work in Porto Alegre and their forms of interaction and sociability on board of the bus line they use every day to go to work. Methodologically I develop participant observation, building social networks, audiovisual and ethnographic deep descriptions next to that group of workers. In this study the following are relevant to the theoretical references of urban anthropology studies and image, guided by the concepts of sociability ways (Simmel, 2006), trajectory (Velho, 1994) and reflection on memory, image and time in the context of city proposed by Eckert and Rocha, 2005. Key-words: Alvorada, housekeeper, forms of sociability, trajectory Where you lives is not where you work: Ethnographic study of urban routes, forms of sociability and work of Alvorada residents in RS who working in Porto Alegre /RS
  • 7. 7 LISTA DE FIGURAS E ILUSTRAÇÕES Rede de sociação “amigas do ônibus”. Autora: Luciana Tubello Caldas. Ano: 2010 22 Conjunto de fotos do trabalho doméstico de Vera e Marion. Autora: Luciana Tubello Caldas. Ano: 2010. 40 Gráfico dos direitos trabalhistas incorporados à categoria de trabalhadores domésticos. Autora: Luciana Tubello Caldas. Ano: 2011 56 Cartaz da campanha “Legalize sua doméstica”. Autoria: Doméstica Lega. Fonte: www.domesticalegal.or.br/vote 57
  • 8. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 9 CAPÍTULO I – ANTROPOLOGIA URBANA: IMAGENS NAS E DAS SOCIEDADES COMPLEXAS 12 1.1 – Primeiros passos: o projeto Banco de Imagens e Efeitos Visuais – BIEV 12 1.2 – Percurso de campo: partindo de uma cultura do trânsito 14 1.2.1 – Olhos e ouvidos: uma etnografia sonora e visual 19 CAPÍTULO II – DE PASSAGEIRAS A TRABALHADORAS: “AS AMIGAS DO ÔNIBUS” E AS “EMPREGADAS DOMÉSTICAS” 21 2.1 – As “amigas do ônibus” e o cotidiano de ir e vir de uma cultura do trânsito 21 2.2 – No tempo da viagem 23 2.3 – O tempo de espera 27 2.4 – Desembarque: Bairro Menino Deus 33 2.5 – “A gente já chega pra trabalhar cansada da viagem” 36 2.6 – O “uso das mãos” no trabalho doméstico 37 2.7 – “Tenho a minha carteira assinada ali, assinada como empregada doméstica”: A trajetória de Marion 40 2.8 – “A gente não assinou carteira, mas ele dava tudo”: A trajetória de Vera 43 CAPÍTULO III – AS PASSAGEIRAS, AS TRABALHADORAS: SEUS CAMPOS DE POSSIBILIDADE E PROJETOS 46 3.1 – Casar, trabalhar: campos de possibilidade e projetos 46 3.2 – Desvalorização e discriminação do trabalho doméstico 51 3.3 – A produção acadêmica acerca do tema 'empregadas domésticas' 57 CAPÍTULO IV – COLEÇÕES ETNOGRÁFICAS NA FEITURA DE UM DOCUMENTÁRIO ETNOGRÁFICO 60 4.1 – Coleções e suas narrativas 60 4.2 – O documentário (DVD) 61 CONSIDERAÇÕES FINAIS 62 REFERÊNCIAS 63
  • 9. 9 INTRODUÇÃO Este trabalho consiste em um estudo antropológico da e na vida cotidiana de trabalhadores urbanos pertencentes a grupos populares residentes na cidade de Alvorada, que dista 01h10min da capital (Porto Alegre/RS). Nessa cidade reside uma grande maioria de trabalhadores dos mais diversos ramos; empregadas domésticas, diaristas, manicures, auxiliares de serviço, balconistas, garçons, etc. Marcada pela horizontalidade de suas residências, a grande maioria dos trabalhadores são proprietários ou locatários de pequenos terrenos com casas simples, pátios, jardins ou hortas. Seus cotidianos são marcados pelo ritmo de deslocar-se à capital para o trabalho diário. Para esse deslocamento contam, sobretudo com o serviço rodoviário oferecido por uma empresa privada de transportes que detém o monopólio. O tema da cultura do trânsito a partir das narrativas desses usuários sobre suas condições de vida e de transporte e de como configuram essas condições em formas de interação, sociabilidade tanto quanto experiências de risco e insegurança, se colocavam como universo potencial para reconhecer “trajetórias”, “projetos” e “campos de possibilidade”1. Metodologicamente desenvolvi observações participantes, entrevistas não diretivas (THIOLENT, 1980) construção de redes sociais, etnografia audiovisual e descrições densas a partir de um compartilhamento de situações diversas vividas pelos usuários interpretando suas interações cotidianas (DE CERTEAU, 1994), formas de sociabilidade e conflitos (SIMMEL, 1983) referentes às condições de transporte e a análise de suas representações sobre a cultura do trânsito (CAIAFA, 2007), assim como a adoção de uma perspectiva temporal acerca dos estudos dos “jogos da memória”2 (ECKERT; ROCHA, 2005) e do “imaginário” (BACHELARD, 1993), que são fundamentais para se compreender os re-arranjos sociais estabelecidos neste ir e vir cotidiano. Com pesquisa de campo iniciada em janeiro de 2009, priorizei o uso da linha Passo da Figueira via Ipiranga – com um tempo de viagem de aproximadamente 1 Pretendo abordar este tema seguindo a tradição de uma antropologia urbana que analisa a cidade em suas transformações de formas de vida e na complexidade de universos simbólicos. Tendo como referência teórica os estudos de Gilberto Velho (1989, 1994, 1999) acerca da trajetória social, campos de possibilidade e projetos para interpretação das identidades sociais que vivem e narram essa cidade. 2 Do ponto de vista da investigação das trajetórias sociais e biográficas dos interlocutores desta pesquisa, é a elaboração de entrevistas não diretivas (THIOLENT, 1980), que orientem estes trabalhadores a tecer suas lembranças, o instrumento adequado para produzir os “jogos da memória” que irão compor suas narrativas e apresentar suas histórias e reflexões sobre a vida, o trabalho e a cidade.
  • 10. 10 01h10min. A referida linha parte na Estrada Cândido Pinheiro de Barcelos (Bairro Passo da Figueira – Alvorada) e tem o seu final de linha na Avenida Padre Cacique (Bairro Menino Deus – Porto Alegre), transpassando grandes Avenidas como: Avenida Protásio Alves (POA), Avenida Antonio de Carvalho (POA) e Avenida Ipiranga (POA), sendo assim uma linha que traz grande oportunidade de acesso para aqueles que trabalham em Porto Alegre. A partir da “observação participante” (MALINOWSKI, 1978) realizada a bordo da linha Passo da Figueira via Ipiranga, desenhou-se uma rede de trabalhadoras domésticas, iniciada pela minha mãe Vera (empregada doméstica e usuária da referida linha) e estendendo-se até Marion, Neca, Heloísa, etc. Desta rede de trabalhadoras me dediquei a compreender a questão do trabalho doméstico a partir da trajetória social de Vera e Marion. Tendo em vista que esta pesquisa se insere no campo de estudos sobre antropologia das sociedades complexas que, segundo Gilberto Velho (1981, p.17), “está fundamentalmente ligada a uma acentuada divisão social do trabalho, a um espantoso aumento da produção e do consumo, à articulação de um mercado mundial e a um rápido e violento processo de crescimento urbano”, abordo o tema do trabalho doméstico a partir dos conceitos de “práticas cotidianas” (DE CERTEAU, 1994) e de “campo de possibilidades” (VELHO, 1981) das trabalhadoras deste setor, tendo em vista a interpretação das “formas da vida social” (SIMMEL, 1983) que esta prática de trabalho conforma. Convergindo na análise dos campos de possibilidade e da construção de trajetórias sociais irei me valer da perspectiva dos estudos de gênero “como um sistema simbólico que organiza relações de poder, igualdades e desigualdades no mundo do trabalho” (HEILBORN, 1999, p. 20), assim como, a problematização da categoria empregada doméstica tensionada com a de identidade social – precedida por Suely Kofes (1990). No capítulo inicial trago meu aprendizado como bolsista de iniciação científica no âmbito do Banco de Imagens e Efeitos Visuais – BIEV, assim como minha inserção na linhagem teórica acerca dos “estudos antropológicos na cidade” (OLIVEN, 1987) com adesão à Antropologia visual e sonora, apresentando a metodologia, o contexto etnográfico e de imersão em campo.
  • 11. 11 O segundo capítulo é resultado do esforço em apresentar e analisar antropologicamente o cotidiano destas moradoras de Alvorada que trabalham como empregadas domésticas e diaristas em Porto Alegre. No terceiro capítulo atento para a análise das trajetórias sociais de Vera e Marion. Refletindo sobre a questão da desvalorização e discriminação do trabalho doméstico, finalizando com uma breve revisão bibliográfica sobre o tema. Por último, trago no quarto capítulo uma discussão acerca do método de “coleções etnográficas” (ROCHA, 2008) relacionando-o com a realização do documentário etnográfico “Onde se mora não é onde se trabalha”, assim como o DVD contendo esta produção.
  • 12. 12 Capítulo I Antropologia urbana: imagens nas e das sociedades complexas 1.1 – Primeiros passos: o projeto Banco de Imagens e Efeitos Visuais – BIEV Em 2008 fui selecionada para a bolsa de iniciação científica CNPq no projeto cidade e memória: a cultura do trânsito, da circulação do transporte e dos deslocamentos dos transeuntes em Porto Alegre, RS3 – no âmbito do Banco de Imagens e Efeitos (BIEV) – que propunha o estudo das trajetórias sociais e narrativas biográficas de representantes de classes trabalhadoras urbanas. Iniciei meu aprendizado no grupo de trabalho em fotografia – um dos GTs que constituem o BIEV4 – através da atividade de nomeação e identificação das fotografias produzidas e acervadas por seus pesquisadores e bolsistas e que migrarão do Sistema BIEV-DATA para uma nova interface de sistema de dados. O objetivo desses recadastramentos era o de identificar as fotografias a partir dos campos: assunto, autor, fonte, data e logradouro, com a preocupação de que essas imagens circulem preservando uma “identidade” de origem para novas consultas. A partir deste contato com um vasto acervo fotográfico e etnográfico no interior do BIEV e incentivada pelas coordenadoras dei início a minha etnografia mergulhando nas imagens que circunscrevem uma cultura do trânsito, dos itinerários e dos deslocamentos. Também procurei tomar ciência das narrativas midiáticas acerca da questão do trânsito, acompanhando as reformas urbanas que buscam revitalizar o trânsito de Porto Alegre com as diversas facetas temporais do fenômeno urbano que o trânsito representa no viver da cidade. Assim, realizei pesquisa e classificação de jornais como Zero Hora, Correio do Povo e Diário Gaúcho de novembro de 2007 a julho de 2010. Esse material de acervo me ajudou a perceber, em uma dimensão temporal, a potência que as imagens tem de se ligarem para além das contradições em uma perspectiva histórica. Assim, ao realizar uma etnografia a partir de um acervo fotográfico para posteriormente produzir 3 Projeto financiado pelo CNPq e Coordenado pela Professora Dra. Cornelia Eckert. Desenvolvido no âmbito do Banco de Imagens e Efeitos Visuais, (LAS, PPGAS, ILEA, UFRGS) coordenado pelas professoras Dra. Cornelia Eckert e Dra. Ana Luiza Carvalho da Rocha. 4 BIEV constitui-se de Grupos de Trabalho (GTs) nos quais se pesquisa: etnografia sonora, fotografia, escrita etnográfica e narrativas etnográficas em vídeo, através de reuniões semanais realizadas pelas equipes de pesquisadores e bolsistas. Mais informações sobre o Banco de Imagens e Efeitos Visuais, acesse www.biev.ufrgs.br .
  • 13. 13 imagens homólogas em campo, visava reconhecer os ritmos temporais presentes no fenômeno estudado, que ao passar por um processo de reflexão e acomodação são estruturados como representações subjetivas, produto do pensamento antropológico provocado a partir do uso destas fotografias, que narram o processo de urbanização da cidade. No interior do projeto Banco de Imagens e Efeitos Visuais e do projeto Cidade e memória: a cultura do trânsito, da circulação do transporte e dos deslocamentos dos transeuntes em Porto Alegre, RS, imbuída das imagens e narrativas que permeiam o processo de urbanização da cidade de Porto Alegre e Alvorada me insiro no contexto das cidades moderno-contemporâneas e no “estudo antropológico na cidade” (OLIVEN, 1987) que é motivado por conceitos como identidade, sociabilidade, interação, redes sociais; conceitos que seguem uma linhagem teórica clássica, como Simmel que propõe como conceitos chaves para tratar do fenômeno urbano, sociação e interação; Weber que junto a outros clássicos da antropologia como Durkheim trata de identidade social e das complexas estruturas de poder na cidade industrial; e por fim a Escola de Chicago com os estudos da distribuição espacial entre o centro e periferia das cidades que consolida as pesquisas sobre e nas cidades como universo de estudo primordial. Das imagens de acervos, dos recortes de jornais e de todo esse apanhado teórico e conceitual que do qual fui tomando conhecimento acabei por (re)conhecer Alvorada, não mais a Alvorada do meu cotidiano e de minhas lembranças, mas de uma Alvorada que se localiza na Região Metropolitana de Porto Alegre, RS e que obteve a sua emancipação política do Passo do Feijó em 17 de setembro de 1965, passando a chamar-se Alvorada. Nome que referencia a população constituída em sua maioria por trabalhadores que acordam nas primeiras horas da manhã para trabalhar em Porto Alegre. Uma cidade que apesar de sua emancipação política ainda é dependente de Porto Alegre, já que seus moradores (e a própria pesquisadora) necessitam deslocar-se até a capital para poder trabalhar, estabelecendo assim, uma relação entre cidade do trabalho e cidade dormitório. Alvorada se mostra uma cidade com as características deste mundo urbano industrial, com a vocação do trabalho em todos os setores, do industrial, do comercial e de serviços. Uma cidade que se constrói na proporção das
  • 14. 14 demandas da capital, sendo uma espécie de satélite5 da cidade de Porto Alegre6 apesar do forte crescimento de outras cidades como Canoas e Novo Hamburgo. 1.2 – Percurso de campo: partindo de uma cultura do trânsito Mais do que dar inicio ao processo de inserção em campo, dei início à um processo de relativização das noções de proximidade e familiaridade – sendo eu moradora de Alvorada há mais de 15 anos e usuária do transporte coletivo da cidade. Como propõe Gilberto Velho (1980, p.15), o ponto básico é que distância assim como proximidade e familiaridade são noções que devem ser relativizadas e colocadas no contexto adequado de discussão. Familiaridade e proximidade física não são sinônimos de conhecimento...”. Assim, começo a me defrontar com o desconhecido, que até então era minha morada e o meu cotidiano. Com o foco na questão dos itinerários urbanos e do deslocamento dos moradores de Alvorada que trabalham em Porto Alegre, iniciei minha inserção em campo no dia 16 de dezembro de 2008, indo ao setor de compras de passagem da empresa de ônibus Sociedade de Ônibus União Ldta – SOUL e, ao comprar alguns créditos (a empresa trabalha com bilhete eletrônico), aproveitei para perguntar para o atendente quem era a pessoa responsável pelas informações acerca da história da empresa. O atendente indicou que eu me informasse, a esse respeito no setor administrativo, localizado em um prédio ao lado do setor de compra de passagens. Me dirigi ao setor administrativo, apertei a campainha e após alguns minutos de espera um rapaz – muito simpático e solícito – que se chamava Pablo veio me atender, e me informou que Fernanda Cardoso era quem ficava a frente da parte histórica e do acervo fotográfico, ela era a responsável pela Central de Relacionamento da empresa. Peguei com Pablo o contato da Fernanda, para assim poder marcar uma conversa com ela e conhecer um pouco da história da empresa. Após ter realizado algumas trocas de e-mails com Fernanda e realizado o preenchimento de alguns formulários de intenção de pesquisa, Fernanda e eu marcamos 5 Entendo por cidade satélite núcleos urbanos de caráter amplamente residencial e que contam, apenas, com serviços básicos de educação, saúde e comércio. Estas cidades possuem uma forte relação com o transporte coletivo, principal meio de locomoção que liga a população trabalhadora à capital. 6 Segundo dados da FEE de 2010, Alvorada conta com uma população de mais de 195 mil habitantes. Sua economia, é baseada no setor de serviços que corresponde a 82,56% de seu PIB, sendo outros 17,3% gerado pela indústria. Apresenta o pior PIB per capita de todos os 496 municípios do RS (R$ 4.551,08).
  • 15. 15 um encontro para que ela me apresentasse o acervo de fotos e reportagens da empresa. A ideia era a de me apropriar daquilo que considerava uma “história oficial” de Alvorada, visto que, a história da SOUL se confundia com a história da própria cidade. No dia 26 de janeiro de 2009 fui ao encontro de Fernanda na empresa SOUL. Fernanda me recebeu sorridente, perguntando como eu estava. Logo após aos cumprimentos seguimos para a sala de reuniões. Era uma sala ampla com duas mesas redondas cada uma posicionada em um extremo da sala, nos acomodamos na que estava mais próxima da porta no extremo esquerdo da sala. Enquanto eu tirava o caderno e a lapiseira da bolsa, Fernanda perguntou o que eu precisava para a pesquisa, respondi que gostaria de ter acesso a jornais, revistas, documentos históricos e fotografias antigas que ajudassem a contar a história da empresa, comentei da dificuldade que estava tendo em ter acesso a história de Alvorada e que pretendia obter isso através da SOUL. Fernanda me informou a respeito de um livro que havia sido lançado em 2006 pela Prefeitura de Alvorada e que contava a história de Alvorada. O livro se chamava “Raízes de Alvorada”, e podia ser encontrado Secretaria Municipal de Cultura. Fernanda acrescentou que neste livro havia um capítulo que contava a história da SOUL – Sociedade de Ônibus União Ltda, única empresa responsável pelo transporte coletivo da cidade, fundada em julho de 1951 – quando Alvorada ainda se chamava Passo do Feijó e suas vias ainda eram de chão batido – por José Antônio Ohlweiler, hoje com 84 anos: Fernanda: Início dos anos 50 o Sr. José Antônio Ohlweiler trabalhava como caixeiro viajante. Entre contatos e negócios acabou se tornando o credor de uma pessoa que lhe pagou a dívida com um caminhão. Esse caminhão ele trocou por um ônibus, e nessa mesma época viu um anúncio no jornal de uma empresa de ônibus (SOUL) que procurava pessoas para entrar como sócio no negócio. Diante da oportunidade o Sr. José Antônio Ohlweiler entrou, junto com o seu ônibus, como o 18º sócio da empresa SOUL e hoje é o único que mantém a empresa. Seguindo o percurso de minha inserção em campo, balizada pelo referencial teórico do Banco de Imagens e Efeitos Visuais – BIEV e da técnica de pesquisa de “etnografia de rua” (ECKERT; ROCHA, 2008) que consiste em caminhadas, sem um destino fixo – mas com um roteiro prévio de intenções conceituais de produção de imagens – que visam a exploração e investigação do espaço urbano. Assim, ao longo das orientações e das reuniões semanais realizadas no âmbito do BIEV, me foi colocado o desafio de realizar uma “etnografia de rua” e “observação participante” na situação
  • 16. 16 cotidiana de deslocamento em um transporte coletivo ao mesmo tempo que me defrontava com um cotidiano familiar, que acabara de se tornar estranho. No dia 06 de janeiro de 2009, fui a campo com a intenção de realizar uma “etnografia de rua” no interior de um ônibus e a partir dessa técnica experienciar um novo olhar sobre essa situação de deslocamento. A empresa SOUL possuiu aproximadamente 150 linhas diferentes, diante de tamanha diversidade de linhas, fiquei reticente sobre por onde começar. Optei pela linha Passo da Figueira via Ipiranga das 07h40min. Esta linha também era utilizada pela minha mãe7 (Vera) para ir até o trabalho. Pelo intermédio de Vera soube que esta linha é predominantemente utilizada por mulheres, que em sua maioria são empregadas domésticas (como ela) e diaristas. Embarquei no ônibus por volta das 08h00min da manhã, estava lotado, mas no fundo do ônibus havia um banco vago. Comecei a observar as pessoas que embarcavam no ônibus, a grande maioria dos que embarcavam cumprimentavam alguns passageiros, que já eram conhecidos, dando bom dia e perguntando sobre os passageiros que estavam ausentes. As respostas eram unânimes: “tá de férias!”. E esse foi o assunto que permeou toda a viagem, pelo menos do que eu pude ouvir, já que existiam vários focos de conversas o que impossibilitou a minha compreensão acerca das mesmas. O maior fluxo de embarque foi na parada 48 de Alvorada, onde se localiza a Prefeitura e a Praça Central. Nessa parada subiu uma moça loira, aparentando ter uns 20 anos, que cumprimentou aproximadamente quatro pessoas no ônibus. Como havia um último banco vago ela se sentou (era um banco atrás do que eu estava), logo após, um rapaz que ocupava um banco próximo se levantou para desembarcar do ônibus e, nesse meio tempo uma moça morena de aproximadamente 30 anos – que foi cumprimentada pela moça loira – ocupou esse assento vago. Logo as duas começaram a conversar sobre o feriadão e que estavam ansiosas pelas suas férias. Esse também era o assunto de duas mulheres que estavam sentadas em um banco à frente do meu lado direito. Uma delas comentou que o seu chefe nunca dava férias no verão e que por esse motivo iria pedir suas férias em agosto, como não podia tirar férias no verão iria tirar no auge do inverno. 7 Conforme Luis Fernando Dias Duarte (2008, p. 35): “Não chega a ser uma novidade a ativação dos contatos pessoais para a abertura de redes que possibilitem a entrada em campo”. O contato pessoal para dar início à “observação participante” no interior da linha Passo da Figueira via Ipiranga – se deu através de Vera, minha mãe, com quem moro. No processo da negociação de papéis (intersubjetivas) entre mãe, filha, pesquisadora e pesquisada é que se acirrou processo de “estranhamento do familiar” e de relativização da imagem da cidade que ao mesmo tempo em que eu habitava, era também habitada por mim.
  • 17. 17 Também, na parada 48, embarcou uma mulher possuindo em torno de 40 anos de idade e que cumprimentou aproximadamente seis pessoas, entre elas essas duas mulheres que se encontravam próximas do meu banco à minha direita. Essas três mulheres foram protagonistas da cena que mais me chamou a atenção: a mulher que embarcou por último, ficou um pouco afastada (em pé) das outras duas que já se encontravam no ônibus (sentadas a minha direita); quando o ônibus se encontrava na Avenida Protásio Alves, uma delas chamou a que estava em pé e, esta por sua vez se dirigiu até o banco, enquanto a outra se levantava e lhe cedia o lugar. Ao lado dessas mulheres, que estavam sentadas, havia outra senhora que estava em pé, mas como esta, aparentemente, não era conhecida delas, foi privada de sentar-se, já a outra que se encontrava mais longe, mas era conhecida das mesmas foi chamada a se sentar. A partir desta situação, que provavelmente deve ter ocorrido inúmeras vezes ao longo de minhas idas e vindas como estudante e trabalhadora, usuária do transporte coletivo, uma pergunta passou a orientar esse estudo etnográfico: “como se dá a configuração destas formas de sociabilidade e interação no interior de um transporte coletivo?”. Para responder a essa pergunta segui com as observações participantes no interior da linha Passo da Figueira via Ipiranga das 07h40min e no trânsito entre a cidade de Alvorada e a cidade Porto Alegre conheci e acompanhei um grupo de empregadas domésticas que residem em diferentes bairros de Alvorada e que trabalham no Bairro Menino Deus em Porto Alegre. Assim, começou a se configurar uma rede de sociação e de laços sociais que se tecem a partir desta condição cotidiana de deslocamento e de sua condição como trabalhadoras domésticas, se conformando em um estudo a respeito destas moradoras de Alvorada, usuárias do transporte coletivo e trabalhadoras do setor doméstico. Após algumas incursões em campo – a bordo da linha Passo da Figueira via Ipiranga das 07h40min – observando e participando da sociabilidade existente entre “as amigas do ônibus” (Vera, Neca, Heloísa e Marion) se fez necessário o aprofundamento deste cotidiano não somente acompanhando o grupo em sua rotina de ida para o trabalho, mas também em sua rotina de retorno para casa. Certamente, que algumas questões de ordem prática corroboraram para que o itinerário de volta ao lar fosse incluído em um roteiro de saída de campo, como por exemplo, o fato de que “as amigas do ônibus” embarcam na linha Passo da Figueira via Ipiranga das 14h45min na segunda parada após o fim da
  • 18. 18 linha, logo a maioria dos assentos do ônibus estavam desocupados e as companheiras de viagem podiam sentar-se próximas para poderem conversarem. É flagrante que neste contexto de volta eu também teria a oportunidade de sentar próxima ao grupo e, portanto – a partir dessa proximidade física – poderia estreitar os meus laços de pesquisadora com o grupo. Voltando o meu olhar para aquilo que acontece após o desembarque em Porto Alegre, ou melhor, para o cotidiano de trabalho de minhas interlocutoras de pesquisa iniciei uma negociação com Vera e Marion para que eu pudesse acompanhar e fotografar essa rotina de trabalho na casa de seus patões. Pelo laço de parentesco entre Vera e seu patrão (Vicente, tio de Vera) e entre Vera e eu, tive pronto consentimento para adentrar na casa em que Vera trabalha. Porém, a vigilância epistemológica e o esforço em estranhar aquela morada que me era tão familiar se fizeram presentes. A negociação com os patrões de Marion foi mediada pela própria, que também definiu a data em que seria realizada essa saída de campo, optando pelo dia em que seus patões não estariam presentes, já que – em suas palavras – ela “ficaria mais à vontade”. Coadunava-se a isso o inicio do projeto Trabalho e cidade: antropologia da memória do trabalho na cidade moderno-contemporânea”, desenvolvido no âmbito do BIEV, tendo por objeto a etnografia da memória do trabalho na cidade moderno-contemporânea, suas redes e suas práticas cotidianas no contexto metropolitano. No interior deste projeto foi desenvolvido um sub-projeto de iniciação científica intitulado Memória e trabalho: estudo antropológico de itinerários urbanos, trajetórias sociais e narrativas biográficas de moradores da cidade Alvorada que trabalham em Porto Alegre. Este sub-projeto, além de ter por objeto os itinerários urbanos de moradores da cidade de Alvorada que trabalham em Porto Alegre, contemplava uma etnografia das trajetórias sociais, narrativas biográficas e do cotidiano de trabalhadores urbanos pertencentes a grupos populares; analisando de forma privilegiada a cidade de Alvorada/RS em contraposição com a cidade de Porto Alegre/RS que absorve a maior parte da mão-de-obra da primeira. Seguindo a linha teórica do “estudo de sociedades complexas” (VELHO, 1981) e suas fronteiras simbólicas estabelecidas entre particularizações e universalizações, na tensão entre experiências de vida e experiências sócio-históricas, este percurso etnográfico culmina na investigação do trabalho doméstico a partir da trajetória social e
  • 19. 19 das experiências cotidianas de Vera e Marion analisando as relações sociais em que elas estão imersas e deste modo estabelecer uma convergência entre a reflexividade que emerge de suas narrativas e o processo histórico e social em que a questão do trabalho doméstico está inserida. Neste ponto da etnografia, no qual realizei uma entrevista valendo-se do uso do vídeo com Vera, foi necessário me manter vigilante para não conduzir a entrevista a partir de minhas memórias como filha e sim a partir de sua narrativa, relativizando as escolhas feitas ao longo de sua trajetória. Perceber o agenciamento de papéis que existem nestas escolhas (ela não é simplesmente a minha mãe!). Também foi preciso reforçar o meu papel nesta entrevista, criando uma cumplicidade entre mulheres, entre pesquisadora e interlocutora em uma “relação dialógica”. (OLIVEIRA, 2006). Com Marion, em que a entrevista também foi realizada com o uso do vídeo, o desafio foi manter a cumplicidade conquistada entre pesquisadora e interlocutora com a inserção daquele objeto (a câmera), que até então, não havia se feito presente em nossos encontros e aventuras etnográficas. 1.2.1 – Olhar e ouvir: uma etnografia sonora e visual Realizar uma iniciação científica como bolsista do Banco de Imagens e Efeitos Visuais proporcionou um aprendizado antropológico pelo viés da antropologia urbana 8 (e das sociedades complexas) e visual, em que a produção e manipulação de fotos, sons, vídeos e textos está ligada a uma etnografia da duração (ECKERT; ROCHA, 2005), por onde perpassa o tema da memória coletiva e do imaginário. Motivada pela teoria do imaginário de Gilbert Durand (1997) foi possível provocar o pensamento antropológico partindo das imagens visuais e sonoras que compõe o fenômeno investigado e que evocam conceitos e sentidos. Um mundo de dados invade o pesquisador em campo, na descontinuidade do instante etnográfico e na própria descontinuidade do fenômeno observado em seu processo de “configuração” (RICOEUR, 1994) a aprendiz de antropóloga poderá contar com os mais diferentes suportes: vídeo, som, foto na tentativa de apreender e “refigurar” (RICOEUR, 1994) os acontecimentos vividos e observados em campo. 8 A antropologia urbana foi proposta originalmente por Eunice Durham e por Ruth Cardoso na Universidade de São Paulo – USP, sendo a sua segunda linha criada por Gilberto Velho no Museu Nacional, UFRJ.
  • 20. 20 Ao me inserir no grupo de trabalho narrativas etnográficas em vídeo – no âmbito do BIEV – inicio o uso metodológico do suporte videográfico, buscando apreender o cotidiano com seus deslocamentos, embarques, desembarques e trazer para o diálogo, com estas imagens cotidianas, as imagens da memória de meus interlocutores de pesquisa. Respectivamente me insiro no grupo de trabalho em “etnografia sonora” (ROCHA; VEDANA, 2007), que me oportunizou – em um primeiro momento – convergir as imagens fotográficas de acervo com relatos sonoros de interlocutores que narram suas lembranças e percepções acerca do deslocamento cotidiano; e em um segundo momento pude perceber quais imagens sonoras evocam a situação cotidiana de deslocamento na cidade ou melhor, quais sons são produzidos nesse viver urbano e narram uma história. Estas narrativas (sonoras e visuais) produzidas a partir destes encontros etnográficos se pautam pelo ponto de vista do “Outro” em que o pesquisador estabelece escolhas de captação em campo, balizado por conceitos antropológicos que exigem do pesquisador uma constante interpretação do fenômeno pesquisado e etnografado revelando as camadas de tempo que conformam o “fenômeno urbano” (VELHO, 1967).
  • 21. 21 Capítulo II De passageiras a trabalhadoras: “as amigas do ônibus” e as “empregadas domésticas” 2.1 – As “amigas do ônibus” e o cotidiano de ir e vir de uma cultura do trânsito O grupo do qual tive a oportunidade de vivenciar e compartilhar seu itinerário e cotidiano, é formado por Vera, 60 anos, usuária da linha Passo da Figueira/Ipiranga há aproximadamente dois anos, utilizando-a de segunda a sábado. Ela embarca com o ônibus já lotado todos os dias na Parada 51, Bairro Formosa, em Alvorada. Neca Maria, 42 anos, diarista. Utiliza a linha Passo da Figueira/Ipiranga nas terças, quintas e sextas- feiras. Normalmente, ao embarque de Vera, Neca encontra-se sentada, pois é moradora do Bairro Passo da Figueira e embarca no fim da linha. Marion, 57 anos, empregada doméstica/diarista há 34 anos. Utiliza a linha Passo da Figueira via Ipiranga nas terças e quintas-feiras, segundas, quartas e sextas-feiras é usuária da linha Alvorada via Assis Brasil, onde reside a mãe da sua patroa no Bairro Menino Deus. Seu embarque ocorre na parada 52, Bairro Bela Vista, em Alvorada. Heloisa, mais de 40 anos, é empregada doméstica no Bairro Menino Deus há seis anos. Utiliza a linha Passo da Figueira de segunda a sexta-feira, seu embarque ocorre na parada 52 em Alvorada, assim como Vera, é moradora do Bairro Formosa. Segundo relato das próprias informantes a sociação entre elas partiu de Heloisa e Marion, nas palavras de Heloisa: As “amigas” começaram eu e a Marion... Eu já via a Vera há horas, mas a Vera não conversava... A Vera sempre séria... E eu dizia para a Marion: “aquela senhora vem sempre no ônibus, mas ela não fala nada... Ela não ri, não conversa com ninguém”... Daí um dia a Marion disse bem assim: “Deixa que eu vou falar com ela!”. Assim, Marion “puxou” conversa com Vera, na parada de ônibus no Bairro Menino Deus, perguntando se Vera também iria para Alvorada. Vera respondeu que sim. Insistindo na aproximação, Marion perguntou onde Vera morava. Vera respondeu que na Rua Hermes da Fonseca. Partindo desta informação Marion comentou que o seu pai também morava na Hermes da Fonseca e que era irmã da Daiane que também morava na mesma rua. Quem nos fala da chegada de Neca ao grupo é Vera:
  • 22. 22 A Neca no começo, bem no começo que eu comecei a trabalhar, eu só via as outras mulheres falando da Neca... Falando de bem, comentando a Neca não veio hoje... Essas coisas... Mas não lembro como a gente começou a se falar... É possível representar a “sociação” (SIMMEL, 1983) entre Heloísa, Marion, Vera e Neca a partir da rede que se segue: A partir do estudo de redes sociais (LOMNITZ, 1994; BOTH,1976; FOOTE- WHYTE, 2005), torna-se possível ordenar os dados obtidos através das observações participantes, dos relatos de como essas mulheres se conheceram e se sociaram, isto é, a ordem de adesão de cada uma no grupo. Assim, como refletir sobre o quanto as dinâmicas de transporte (e a fluidez de seus usuários e trabalhadores), a mobilidade urbana e o seu ordenamento no espaço aludem a interações e a criação de laços afetivos, ao mesmo tempo em que revelam redes de solidariedade, de vizinhança, de parentesco, etc. Esta rede contempla os bairros em que cada uma das “amigas de ônibus” reside, dando dimensão da abrangência de bairros que fazem parte do itinerário da linha Passo
  • 23. 23 da Figueira – Ipiranga. Também é feita uma distinção entre diaristas e empregadas domésticas, diferença que está ligada ao cotidiano destas mulheres, já que as que são diaristas não pegam a mesma linha todos os dias, diferentemente das que são empregadas domésticas que tem uma rotina e itinerário fixo. A rede também procura evidenciar o local de observação da pesquisadora, tendo como ponto de origem o parentesco com Vera, possibilitando a entrada da pesquisadora no grupo. 2.2 – No tempo da viagem No dia 16 de junho de 2009, Vera, Marion e eu desembarcamos da linha Passo da Figueira via Ipiranga por volta das 09h30min da manhã, na Avenida Borges de Medeiros, atravessamos a rua para chegarmos à Rua José de Alencar, por onde seguiríamos caminhando. Vera me apresentou para Marion dizendo que eu era a sua filha. Marion me deu oi e perguntou-me se eu estava trabalhando ali perto. Vera tomou a frente, e disse que eu estava fazendo uma pesquisa para a faculdade, completou a sua fala com a constatação de que naquele dia “o ônibus estava calmo”. Marion assentiu com a constatação de Vera dizendo: “É... Tu viu que a crente não me olha mais, né? Ela não é nem louca”. Interpelei-a sobre qual o motivo. Marion contou-me que na semana anterior a “crente” havia lhe chutado as canelas para poder sentar-se em um banco que havia ficado vago e em tom indignado completou: “Mas que ela faça isso de novo que eu vou ter o prazer de desmanchar aquele “coquinho” na unha... Dentro do ônibus mesmo”. Vera e Marion deram risada. Marion seguiu o seu relato dizendo: “Sabe... Tem que ver que o ônibus é um lugar coletivo, tu tem que saber respeitar as pessoas, o limite... Sabe?”. Partindo de uma análise simmeliana, podemos observar que esse exemplo de conflito existente no interior do transporte coletivo ao mesmo tempo em que segmenta, surge como “força de coesão no grupo” (SIMMEL, 1983), isso se evidencia no relato etnográfico descrito acima, em que o conflito de Marion com uma passageira acabou tornando-se um elo unificador entre ela e Vera. Pude perceber no decorrer da pesquisa que essas formas de “sociação” ocorridas no interior do ônibus operam em uma mesma “província de significado” (SCHUTZ, 1979) e interagem através de uma “rede de significados” (VELHO, 1994) comum a esse grupo de trabalhadores que utilizam o
  • 24. 24 transporte coletivo. Esse relato etnográfico exemplifica o “sistema de valores” (VELHO, 1994) compartilhado por Vera e Marion, ou seja, um entendimento ético a cerca da “situação social” (VELHO, 1994) vivida por Marion, que percebendo a postura da “crente”, como fora de seus padrões éticos e morais de se portar em um ônibus, promove a sociação com Vera que, assim como Marion, vê a prática da “crente” em “chutar as canelas de Marion”, como uma prática desviante desse entendimento ético acerca da situação de deslocamento em um transporte coletivo. No dia 24 de novembro de 2009, abordo da linha Passo da Figueira via Ipiranga, por volta das 08h30min da manhã os desembarques se iniciaram, estava em pé ao lado de Vera, próxima à articulação do ônibus – local esse que Vera chamava de “redondo”, fazendo clara alusão ao seu formato. Ali, igualmente em pé, estava Marion e na sua frente estava o seu neto. Marion perguntou quando eu iria terminar a pesquisa. Respondi que tinha muito tempo de pesquisa ainda, que era provável que iria até o término da faculdade. Pouco tempo depois Vera virou-se para mim e disse: Cuida se um banco desocupar para a Marion poder se sentar com o gurizinho dela. Prontamente concordei com o pedido. Uma mulher que estava sentada ao lado da janela num banco em frente ao banco em que eu me segurava levantou-se para desembarcar. Vera fez sinal para que eu me sentasse para guardar o lugar para Marion, mas a outra mulher que estava sentada no banco, no lado do corredor, chamou uma senhora – de cabelos grisalhos e aparência cansada – que estava em pé, do meu lado esquerdo. Vera viu que a senhora estava indo sentar-se no lugar que havia ficado vago e me cutucou, disse a ela que a moça que ainda ocupava o banco havia dado o lugar para a senhora que estava em pé ao meu lado. Marion já havia se aproximado de Vera, quando esta lhe avisou que o banco já havia sido ocupado. No decorrer da aproximada 1h10min de deslocamento diário esse espaço do ônibus torna-se um “espaço vivido” (BACHELARD, 1993), um espaço que concentra “o jogo do exterior e da intimidade” (BACHELARD, 1993), ainda que público, de passagem, proporciona a construção de laços por troca de olhares, de palavras ou de bancos. Chamo de “espaço vivido” não apenas por ser um espaço em que brotam laços de cumplicidade, mas também por ser um espaço habitado por histórias, espaço que evoca lembranças de experiências vividas e apreendidas. “Espaço vivido” que se apresenta repleto de imagens, que se configuram a partir da experiência diária desse
  • 25. 25 deslocamento, das interações, conflitos e reciprocidades vividas no interior da linha Passo da Figueira/Ipiranga; culminando em narrativas construídas no âmbito dessa perspectiva urbana de deslocamento. Faço essa reflexão a partir de um trecho de entrevista realizada com Marion, em sua casa, no dia 24 de abril de 2010: Luciana: Mas aí, tu começou a ferver no Romeu e Julieta? Como assim? A ferver como? Marion: Brincando, bagunçando... Nós tinha uma turma que naquela época seria quase que nem a nossa turma de agora. Só que naquela época era gurizada, tudo da idade tua da Jú, assim... Quando nós dizia: “Hoje ninguém vai pagar a passagem!”, nós pulava a roleta (erguendo as mãos para cima). Todo mundo pulava a roleta, era uma... A anarquia era grande. Teve muita época... Que logo no começo, assim... Teve roleta, teve o talãozinho, depois teve roleta... Tudo assim, né? Era uma coisa de tudo assim, sabe? Mas era bom trabalha... Anda assim prá lá e prá cá... Sempre foi, né? Sabe... Eu me conheço por gente assim... Trabalhando! (...) O que eu posso te dizer é assim... Me dou bem com todo mundo, dentro do ônibus, como tu vê, todo mundo vê... Os dia que eu não vou prá lá parece que falta uma coisa, porque essa turma do Alvorada o pessoal já é mais calmo que tem “menas” hora dentro do ônibus, né? Se eu tô quieta dentro do ônibus tá todo mundo quieto, então... Mas é bom... Na tentativa de ampliar essa reflexão, acerca dessas imagens que habitam o espaço do ônibus, trago a imagem de uma situação conflituosa, objeto de análise na pesquisa de campo realizada no dia 16 de junho de 2009, em que Vera relata a respeito de um dia em que ela estava em pé em frente a um banco, um senhor que estava sentado levantou-se para descer, no momento em que Vera se preparava para ocupar o lugar do passageiro que desembarcava, ela foi empurrada por uma senhora, que segundo ela nem estava próxima ao banco (estava mais ou menos umas duas pessoas depois do banco), e lhe deu um “cotovelaço” para poder sentar-se naquele lugar. Essa situação que me foi narrada me deixou intrigada: qual teria sido a “ofensa” nessa situação? A agressão física, ou a transgressão da norma implícita de que, quem está mais próximo ao banco que foi desocupado tem direito ao lugar? Nas observações feitas nessa linha durante o trajeto foi possível perceber a importância corporal e gestual nas situações recorrentes de superlotação, situações essas que acabam configurando-se em uma “luta competitiva” (SIMMEL, 1983) pelo espaço. Nessa concepção temos a construção do espaço a partir da demarcação de uma fronteira, como pude observar em minhas saídas de campo, ela começa a ser estabelecida já no momento de embarque, através de disputas veladas para poder sentar-se na janela, no lado da sombra ou próximo da porta
  • 26. 26 de desembarque. No interior do ônibus, em uma situação de superlotação essa fronteira se estabelece simbólica e moralmente. Outra imagem que se apresenta com força nesse espaço vivido que é o ônibus são os “pretextos para diálogo” (GOMES, 2005), que examinarei pela perspectiva da sociologia formal de Simmel (1983). Conforme o relato de campo do dia 21 de maio de 2009: Abordo da linha Passo da Figueira via Ipiranga das 16h45min (no sentido Porto Alegre – Alvorada), sentei-me no primeiro banco após passar a roleta, o lado do banco que dava para a janela estava ocupado por uma mulher, que devia ter em torno de 40 anos. Acomodei-me no banco, percebi que a mulher ao meu lado havia me olhado com espanto, já que muitos bancos estavam vagos e eu havia sentado justamente ao seu lado. Nesse momento alguns passageiros ainda embarcavam e Samuel (o cobrador) cumprimentava a todos. Sentada em um banco do lado oposto do banco em que eu estava sentada havia uma mulher, morena de cabelos encaracolados. Ela reclamou para o cobrador que já não aguentava mais a “lerdeza” do motorista, acrescentou que desde que o Rogério havia saído de férias (deduzi que era o antigo motorista) ela não conseguia mais assistir a novela “Paraíso”. Samuel na tentativa de contornar a situação disse para a passageira que ela chegava a tempo da novela “Caras e Bocas” que era muito boa. A passageira afirmou que assistia a “Caras e Bocas”, mas que gostava mesmo da novela “Paraíso”. A partir dessa observação pude perceber que esses pretextos para diálogo são “símbolos compartilhados” (VELHO, 1994) em um processo de interação e “negociação da realidade” (VELHO, 1994). Também foi possível verificar que alguns dos temas que surgem significantemente no decorrer de uma viagem de ônibus são: novela, futebol, violência e as próprias condições da viagem. Podemos pensar, a partir da ideia de “conversação” de Simmel (1983, p.176), esses pretextos para diálogo como uma prática “puramente sociável, em que o assunto é simplesmente o meio indispensável para que a viva troca de palavras revele seus encantos” , isto é, esses diferentes temas são compartilhados e utilizados como códigos sociais de aproximação e reciprocidade pertencentes a um jogo de relações em que o conteúdo é o que menos importa, já que esses pretextos para diálogo são um meio para a reciprocidade, para troca e interação durante o tempo de viagem. É com estes pretextos para diálogo e seus diferentes temas e conteúdos que em uma situação de conversação se estabelece uma relação, que constrói laços dando vida ao espaço do ônibus.
  • 27. 27 As amigas começaram eu e a Marion... Marion completou a fala de Heloísa dizendo: É mesmo, né? A Heloísa tímida na parada e eu também... Heloísa tomou a palavra novamente dizendo: Eu já via a Vera há horas, mas a Vera não conversava... A Vera sempre séria... E eu dizia para a Marion: “aquela senhora vem sempre no ônibus, mas ela não fala nada... Ela não ri, não conversa com ninguém...” Daí um, dia a Marion disse bem assim: “Deixa que eu vou falar com ela!” Um dia a Marion veio e eu não vim. Depois no outro dia a Marion disse: “Mas ela fala até demais”. Marion tomou a palavra para contar em detalhes o início da primeira conversa entre ela e Vera: Na parada do ônibus eu dizia: “tu vai pra Alvorada também?”. E ela: “Eu também vou”. Daí depois: “Onde é que tu mora?”. “Eu moro ali na Hermes da Fonseca”. E eu respondi: o meu pai também, eu sou irmã da Daiane que também mora ali... Assim a gente começou a se falar... Conforme o relato de campo acima, do dia 03 de janeiro de 2010, a conversa entre Vera e Marion é reveladora dos elementos de sociabilidade que não visam nenhum conteúdo em particular e ainda assim, são elementos fundadores dos laços que as unem. É interessante ressaltar que este relato de campo foi produzido durante uma confraternização de final de ano (amigo secreto) na casa de Vera e organizado por Neca, Marion, Heloísa e pela própria Vera. Este fato corrobora a análise da conversação e seus pretextos para diálogo como fundadores dos laços estabelecidos entre “as amigas de ônibus”, já que é possível inferir essa confraternização como sendo um subterfúgio para manutenção e consolidação dos laços estabelecidos através de conversações ao longo das viagens de ônibus e durante a espera pelo mesmo. 2.3 – O tempo de espera Nas situações de espera, que oscilaram entre 15 e 40 minutos, confrontei-me com narrativas e “retóricas de práticas e táticas” (DE CERTEAU, 1994) densas. Também pude observar as formas de se posicionar e de interação daqueles que esperam. Para análise, trago três situações etnográficas vividas em campo. Inicio com um relato etnográfico referente à pesquisa de campo realizada no dia 12 de agosto de 2009 que mostra a ambiência e a sociabilidade existente no Terminal Conceição em Porto Alegre, terminal que abriga mais de 15 linhas de ônibus da empresa SOUL – Sociedade de Ônibus União Ltda.
  • 28. 28 Segui caminhando pela Rua Voluntários da Pátria, quanto mais me aproximava do Terminal Conceição mais forte eram os sons dos motores e das freadas dos ônibus. O sol já não se fazia mais presente, a noite já estava caindo. Na esquina da Rua Voluntários da Pátria com a Rua da Conceição se encontrava o Terminal Conceição, não vi pessoas esperando o ônibus, vi uma enorme fila de aproximadamente cinco ônibus esperando o sinal abrir para que eles pudessem seguir caminho pela Avenida Farrapos. Aproveitando que o sinal encontrava-se fechado para os ônibus, atravessei a rua em direção a parada de ônibus da linha Alvorada que ficava próxima a Rua Voluntários da Pátria e era uma das primeiras paradas, assim, podia observar as outras paradas que ficavam logo atrás desta. Havia poucas pessoas esperando, era provável que um ônibus havia acabado de partir. O espaço entre as paradas (que era uma em frente à outra) era pequeno, fazendo com que, as filas de pessoas que esperavam o ônibus acabassem se misturando, gerando uma pequena confusão e a pergunta frequente: “Essa é a fila de qual ônibus?”. Havia também no meio do terminal alguns pequenos comércios, como: banca de frutas, lojas de doces, carrocinha de cachorro quente, etc... O que acabava ocupando um espaço considerável para o deslocamento dos transeuntes em direção as suas respectivas paradas. Olhei no relógio: 18h20min. Já estava totalmente noite. O movimento no terminal continuava intenso. O som dos ônibus era ensurdecedor. As pessoas que estavam na fila e queriam manter um diálogo tinham que praticamente gritar. Uma mulher (mais ou menos 40 anos) loira, de cabelos curtos, maquiada e bem vestida, cheia de sacolas começou a gritar: “Fiscal! Fiscal!” para um rapaz negro, que passava ao seu lado, usando o uniforme da SOUL e que carregava uma prancheta. Prontamente o fiscal perguntou para a mulher o que ela queria. Rapidamente ela perguntou para ele que horas havia um Taimbé. O fiscal sem muitos rodeios respondeu: “É para ter um às 18h15min... Mas ele sempre atrasa, pois ele saí da Salomé 17h15min, pra tá aqui às 18h15min... Nunca que isso vai acontecer... Não tem como... Mas eles não querem nem saber”. A mulher loira quase que sem reação diante da sinceridade do fiscal apenas se limitou a perguntar: “Será que vai demorar muito?”. Um pouco mais otimista, o fiscal respondeu: “Acho que não! Deve tá chagando em 5 ou 10 minutos!”. Neste relato etnográfico percebe-se que os pretextos para diálogo e para as conversações além de se fazerem presentes no decorrer de uma viagem de ônibus são comuns também nas situações de espera. Na maioria das vezes consistem em perguntar se determinado ônibus já passou ou simplesmente comentários a respeito do tempo. As situações de espera em paradas de ônibus também propiciam o encontro entre conhecidos e vizinhos, como é possível observar neste segundo relato etnográfico referente à pesquisa de campo realizada no dia 24 de novembro de 2009 que retrata, além das formas de sociabilidade, os laços de vizinhança que se atualizam em conversas fugidias e interações rápidas.
  • 29. 29 Eu e Vera Tubello saímos de casa (Rua Hermes da Fonseca, Alvorada, Bairro Formosa) às 7h45min. Era uma manhã quente, o sol brilhava no céu. Fizemos o nosso trajeto costumeiro de ida até a parada de ônibus – Rua Hermes da Fonseca, dobrando a esquerda na Péricles Simões Ferreira até a Av. Presidente Getúlio Vargas. Durante o percurso fomos falando amenidades, assuntos cotidianos. Chegando na parada, observei que a mesma se encontrava com muitas pessoas dispersas, não estavam aglomeradas entorno do abrigo. Aproximamo-nos do abrigo, abri a minha mochila e peguei o dinheiro da passagem: R$ 2,85. Vera perguntou-me que horas eram, peguei o celular e disse: 7h55min. Vera disse que o ônibus estava atrasado. Nesse momento se aproximou de nós uma vizinha, a Beth – que sentou-se no banco que fica embaixo do abrigo, que estava em nossa frente – Vera comentou que fazia bastante tempo que não a via. Beth respondeu: “É... Um dia eu venho mais tarde, no outro eu vou mais cedo... Ontem eu nem vim, ah... Já vou me aposentar mesmo”. Vera e eu começamos a ficar apreensivas, já eram 8hs e nem sinal do ônibus, nesse momento se aproximava um ônibus da linha Alvorada/Assis Brasil, Beth levantou-se do banco e se dirigiu para embarcar, despedindo-se de nós. Este contexto de tensão por um ônibus que demora a chegar pode ser mediado por esta situação de conversa rápida, ao mesmo tempo em que atualiza um laço de vizinhança é um pretexto para diálogo no sentido de facilitar a passagem desse tempo de espera. A segunda situação etnográfica que será tratada pode ser intitulada de o homem ordinário que se torna narrador, em clara referência a Michel de Certeau em “A invenção do Cotidiano”. O homem ordinário a quem me refiro chama-se Júlio, um antigo morador de Alvorada e usuário do transporte coletivo da cidade que conheci em uma saída de campo no dia 9 de fevereiro de 2010, cujo objetivo era o de se aventurar em situações de espera em paradas de ônibus visando aplicar um pequeno roteiro de entrevista especifico para essa situação. Essa situação etnográfica, mais do que tratar de interações possíveis em paradas de ônibus, dimensiona um tempo de espera que proporcionou a construção de uma narrativa, fazendo com que Júlio – o homem ordinário – deixasse de ser um usuário do transporte coletivo para tornar-se narrador de sua condição. O encontro com Júlio ocorreu na parada 53 de Alvorada, localizada na Avenida Presidente Getúlio Vargas, principal avenida da cidade e com um grande fluxo de veículos. Era uma manhã quente e ensolarada, há alguns metros de distância avistei a parada de ônibus, apenas duas pessoas esperavam o ônibus: uma senhora baixinha, de cabelos curtos e que aparentava ter mais ou menos de 60 anos e um senhor negro aparentando mais de 70 anos (Júlio). Ambos vestiam roupas simples e confortáveis (bermuda e camiseta). As condições da parada não eram as melhores. Avaliei que
  • 30. 30 estavam reformando a calçada, muitas pedras estavam reviradas pelo chão, no entorno da parada, o que dificultava a locomoção e limitava ainda mais o espaço de espera do ônibus. Desviando-me das pedras soltas da calçada me aproximei do senhor que ali esperava o ônibus – Júlio – desejando-lhe bom dia. Falei da pesquisa e lhe perguntei se eu poderia conversar com ele a respeito da condição de espera e de transporte em Alvorada. Prontamente ele respondeu que sim. Tirei o MP3 da bolsa e comecei a gravar, direcionando o gravador próximo aos seus lábios, pois tinha o receio de que o som do trânsito “abafasse” a voz do entrevistado, que com tranquilidade e sem constrangimentos diante do aparelho que eu lhe apontava iniciou a sua fala, ou melhor, “o homem ordinário se tornava narrador”9. Júlio narra sobre a formação de Alvorada – um município que nasceu sob o estigma de ser uma cidade dormitório – sob a perspectiva da fundação da empresa SOUL. Seguindo a premissa da descontinuidade bachelardiana pode-se inferir que Júlio tece a memória a partir da própria situação cotidiana de deslocamento. Júlio começa sua narrativa falando da antiga Alvorada, no tempo que a empresa SOUL tinha apenas 90 carros, segue falando de Carlos – um dos fundadores da empresa – fazendo menção ao monopólio da empresa e a interferência que isso tem na vida dos moradores usuários do transporte coletivo. O narrar de seu Júlio vem carregado de suas lembranças, não apenas como um morador antigo de Alvorada, mas também como usuário da já referida empresa de transporte e das suas percepções acerca do deslocamento cotidiano: Luciana: Ahhhh... E como é essa espera? Júlio: Ah, é isso que a senhora tá vendo aí, né? Agora... Ficar aí meia hora, 40 minutos é... Não dá pra admirar, né? Uma hora ou mais é de costume. Isso que na minha época que eu vim pra cá mudou, né? Quando eu vim pra cá, essa empresa tinha 90 carros só... Tudo era barro aqui. Ela já vendeu umas três ou quatro frota e é uma das maiores empresa de ônibus que tem por aí... Apesar de que Alvorada, aqui é só ela... Era uma sociedade... Tinha, quando eu vim pra cá, diz... Tinha... Cinco ou sete dono... É o que me contaram quem já morava aqui. Hoje, os donos são um só, daí fazem o que querem. Tem que ser sardinha sempre. Luciana: Como é ser sardinha? Júlio: Sardinha se ela não tá cheia é porque já mexeram nela. Prolonga os horário... Os horário eles controlam pelo movimento. Sábado, feriados e domingo... Se precisa de pegar o ônibus 10 horas então saí ali pelas 9 pelo menos pra vê se pega até as 10... Domingo pior... Passou das 8 horas da noite é uma tristeza. 9 Este encontro etnográfico resultou em uma crônica etnográfica intitulada “Do barro ao asfalto” que pode ser assistida em: http://www.youtube.com/user/tubellocaldas/videos .
  • 31. 31 A narrativa de Júlio sobre uma antiga Alvorada e a situação cotidiana de deslocamento de seus moradores em conjunto com o som do trânsito que se faz presente durante toda a sua narrativa evoca imagens de uma cultura do trânsito relacionada aos itinerários urbanos cotidianos de trabalhadores em perspectiva com a formação de um município que nasceu sob o estigma de ser uma cidade dormitório. Sendo esse o caráter etnográfico da narrativa de seu Júlio, infere-se que a história que pode ser contada é dessa Alvorada antiga – sua formação a partir da empresa de ônibus SOUL – confrontada com problemas cotidianos ligados a política de sua empresa de transporte que acaba interferindo indiretamente no “campo de possibilidades” (VELHO, 1994) dos moradores de Alvorada – a falta de emprego em sua cidade de morada que os obriga a buscar trabalho longe da cidade de morada ou o escasso rendimento do trabalho que os obriga a buscar moradia longe da cidade em que trabalham (capital metropolitana). Ou seja, conforme apontado por Katzman (2008): a distribuição espacial da população nas grandes cidades é caracterizada por uma configuração onde os trabalhadores de baixa qualificação ocupam as áreas periféricas, ou seja, um desencaixe entre as estruturas de oferta de moradia e de emprego. Júlio: As empresas grandes compram os prefeitos, pra certas coisas... Porque o velho [refere-se ao patronato] molhava a mão dos prefeitos... Claro, ele vai deixar... Se não vai abri a mão para os prefeitos, entra outras empresas... Entra firma. Por que quase não tem firma na Alvorada? Porque o prefeito não deixa. O que entra uma porção de firma pra Alvorada... O que eles perdem de passageiro pra ir trabalhar? Por dia. Eu trabalhei quase sempre lá pra dentro de Porto Alegre, Novo Hamburgo, essas coisas, assim... São Leopoldo... Então já sabendo... Sempre saio adiantado, daí nos horário de serviço eu pegava os horário de ônibus, pra mim os horário de pico... Sempre larguei na frente pra não atrasar lá atrás... Mas agora, aí... Assim... Quem tiver um horário: “em tal hora tenho que tá em tal lugar”, se adiante porque não chega... Para ampliar essa questão do tempo de espera em uma parada de ônibus trago elementos da crônica etnográfica – realizada no Terminal Conceição , Centro de Porto Alegre em 14 de janeiro de 2010 – “Cidade viajante”, disponível em http://bievufrgs.blogspot.com , que trata do cotidiano e da condição de espera dos moradores de Alvorada que trabalham no Centro de Porto Alegre.
  • 32. 32 Aline: Eu acho que eles como uma empresa grande tinha que botar ônibus em mais horários, entendeu? Não botar de 40 em 40... Luciana: É de 40 em 40? Aline: É! De 40 em 40, entendeu? Aí fica complicado... Como é que vai caber todo mundo? Toda uma população inteira? Não sei se tu já reparou nesse Jardim Aparecida? Olha, vêm uns três ônibus seguidos, um atrás do outro... Tudo lotado! Nesta terceira situação etnográfica, também se apresentaram homens ordinários que tornam-se narradores de suas práticas e táticas implícitas no deslocamento diário. Foi possível perceber que o tempo de espera corresponde a uma atualização de táticas e práticas que se projetam na estratégia do outro, daquele que estabelece intervalos de 40 minutos entre um ônibus e outro. Táticas que se coadunam com maneiras de fazer – de se locomover, de se deslocar – em um ônibus lotado por conta do longo intervalo de 40 minutos. Falo de atualização de táticas e práticas valendo-se da afirmação que Michel de Certeau faz em “A invenção do Cotidiano”: [...] o caminhante transforma em outra coisa cada significante espacial. E se, de um lado, ele torna efetivas algumas somente das possibilidades fixadas pela ordem construída (vai somente por aqui, mas não por lá), do outro aumenta o número dos possíveis (por exemplo, criando atalhos ou desvios) e o dos interditos (por exemplo, ele se proíbe de ir por caminhos considerados lícitos ou obrigatórios). Seleciona, portanto. O usuário da cidade extrai fragmentos do enunciado para atualizá-los em segredo.” (DE CERTEAU, 1994, p. 178) Assim, percebe-se que o tempo de espera além de proporcionar a conversação entre aqueles que esperam o ônibus, provoca atualização de suas táticas e práticas (pegar uma linha via Freeway na tentativa de escapar do congestionamento da Avenida Assis Brasil é um bom exemplo de decisão que pode ser tomada durante a espera na parada de ônibus); mas não em segredo, esta atualização é verbalizada, compartilhada e trocada timidamente através de informações sobre que linha pegar para se chegar mais rápido ou exaltada diante das condições de transporte: Entrevistado: Às vezes a gente saí de manhã com o ônibus lotado e às vezes volta com o ônibus cheio... Luciana: Mas qual é a linha que tu usa? Entrevistado: SOUL, Jardim Aparecida ou Stella... Às vezes de manhã eu vou sentado no chão... Na escadaria para poder ir sentado... Tem dia que o ônibus solta gente pelo latrão.
  • 33. 33 Atentando o olhar para essas falas, veremos que no pano de fundo desses relatos permeia a questão do trabalho. “Assim como a gente tem que ir a gente tem que vir do trabalho”, dessa afirmação feita por Aline, desvenda-se que a condição do transporte enquanto cultura do trânsito é lhes é uma situação passiva ou alienada, ao contrário, as formas de deslocamentos estão repletas de múltiplas experiências e eivadas de formas plurais de sociabilidade e interações sociais. O estudo aqui se detém sobremaneira na mobilidade dinamizada pela condição do trabalho (profissional ou empregatício) e configura as determinações sociais as quais essa população residente na cognominada “cidade dormitório” de Alvorada, vivencia em suas rotinas diárias. O trajeto, as condições de transporte, as sociabilidades no espaço do deslocamento são assim arranjos sociais que identificam uma condição de vida de trabalhadores. E como diz uma entrevistada Aline, “toda uma população” Alvoradense, tem que ir trabalhar em Porto Alegre. 2.4 – Desembarque: Bairro Menino Deus O bairro Menino Deus se localiza na região centro-sul de Porto Alegre, pode ser encarada como uma região de transição entre o Centro e a Zona Sul. O nome do bairro se deu por conta da devoção ao Menino Deus, introduzida pelos açorianos no século XIX. Ele é considerado um bairro de classe média. Conforme dados da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) de 2006 ele possuí o 17º melhor IDH dos bairros de Porto Alegre/RS – oficialmente Porto Alegre possuí 79 bairros. A renda média fica no entorno de R$ 1600,00, R$ 2400,00 a menos que o bairro Três Figueiras que possuí a maior média. No século XIX, o bairro Menino Deus caracterizava-se pela presença de casas bem arranjadas e hortas, ligadas a uma camada da população de maior poder aquisitivo, que desfilava por suas ruas em finas carruagens. Destacava-se como o mais movimentado de Porto Alegre, em função de suas festas paroquiais e pela instalação, em 1888, do hipódromo Rio-Grandense, que funcionava entre as ruas Botafogo e Saldanha Marinho. Nos anos de 1940, o bairro sofreu sua primeira grande modificação urbana, em decorrência da canalização do Arroio Dilúvio, que produzia graves enchentes. A
  • 34. 34 realização do aterro (onde hoje se situa o Parque Marinha do Brasil), no final dos anos 50 e início dos anos 60, possibilitou o prolongamento da Av. Borges de Medeiros que, por sua vez, providenciou melhor acesso e consequente expansão do bairro. Uma nova configuração aconteceu com o “Projeto Renascença”, que abriu a Av. Erico Verissimo e criou o Centro Municipal de Cultura, na área onde antigamente situava-se a Vila conhecida como “Ilhota10”. A partir desta descrição do bairro Menino Deus e retomando os apontamentos feitos no capítulo anterior acerca da cidade de Alvorada podemos pensar em termos de uma segregação urbana, ou como apontado por Guattari (1992), observar que as “engrenagens urbanas” modelam subjetividades e valores onde a questão da cidade de morada e a cidade de trabalho passam a ser entendidas como uma questão político- ideológica, que procura através da segregação, garantir a hegemonia burguesa nos centros da cidade, ou seja, os trabalhadores habitam as periferias e as regiões metropolitanas das grandes cidades com o propósito de priorizar a valorização dos espaços centrais da cidade, reafirmando o compromisso burguês com o progresso e a modernidade11. É neste tradicional bairro de Porto Alegre que o grupo formado por Vera, Neca, Marion e Heloísa desembarcam e trabalham, consequentemente, é neste mesmo bairro que ocorre o embarque do grupo na linha Passo da Figueira via Ipiranga das 14h45min. No dia 24 de novembro de 2011, após acompanhar o grupo na linha Passo da Figueira via Ipiranga das 07h40min, em seu trajeto de ida para o trabalho, combinei com Vera de lhe buscar na casa em que trabalha às 14h30min e de lá iríamos direto para a parada de ônibus onde pegaríamos a Linha Passo da Figueira/Ipiranga das 14h45min. A parada de ônibus ficava na Avenida Padre Cacique, em frente a um prédio comercial, ali havia três mulheres: uma negra com os cabelos compridos e todo trançado que devia em torno de 40 anos, uma jovem de cabelos lisos e claros que devia ter mais ou menos 20 anos e uma senhora de cabelos curtos e loiros, baixinha e acima do peso, que também devia estar na casa dos 40 anos. Era um dia muito quente e todas elas trajavam roupas justas, decotadas e confortáveis, como calça no estilo legging e regata ou baby 10 Cabe salientar que a maioria dos moradores desta vila eram negros e foram removidos e realocados na Restinga a 22 quilômetros do Centro de Porto Alegre. Para este assunto ver Pesavento (1999). 11 Sobre esta questão ver Caldeira (2000), em que a autora analisa a questão da segregação social e espacial nas cidades, a partir da organização do espaço urbano.
  • 35. 35 look. Cinco minutos após a nossa chegada, Neca também chegou. Fazia muito calor, Neca estava pingando suor, segundo ela: Desci aquela lomba da Silvério a mil... Tava lavando o chão quando a “véia” disse para eu ir embora se não eu iria perder o ônibus das 14h30min, Não pensei duas vezes... Terminei de passar o pano no chão e me mandei! Aproveitei para perguntar como havia sido a faxina e se a patroa era “boa”. Neca disse que havia sido ótima, que ela não era daquelas patroas chatas que ficavam em cima, cheia de exigências. Neca comentou que a casa estava imunda, que a dona da casa era uma senhora bem velhinha, que já não tava dando conta do serviço, então, como ela mesmo disse, “teve que pegar duro para limpar a casa”. Neca acrescentou que os armários da cozinha, que eram de um verde claro, estavam marrons de tanta poeira. Entre risadas, comenta que esfregou tanto os armários que chegou até a descascar, acrescentou que para a sua sorte havia um vidro de lustra móveis, o que ajudou a disfarçar o descascado. Neca finaliza a sua fala dizendo que a velhinha havia adorado a faxina e nem havia reconhecido o seu armário, de tão limpo que havia ficado. Neca aproveitou para contar que aquele era o dia de fazer faxina em outra casa, mas que ela resolveu não ir e nem ligou para avisar que não iria, pois na semana passada a dona da casa havia exigido que Neca limpasse o chão da casa de joelhos – nesse momento Neca ergueu a sua calça para mostrar os seus joelhos que havia ficado roxo. Neca completou a sua fala dizendo que havia achado isso um absurdo e que a mulher era louca. Nesse contexto de espera pelo ônibus fui me aproximando de um mundo que ia para além das passageiras, comecei a me deparar com mulheres trabalhadoras, empregadas domésticas. Ainda neste momento do campo o meu olhar não estivesse voltado para a questão do trabalho, mas sim, para a questão das formas de sociabilidade existentes no contexto dos itinerários urbanos. Porém, um dos pretextos para diálogo que eram recorrentes ao longo destes itinerários era o cotidiano de trabalho destas mulheres. Quanto mais me imergia nos deslocamentos diários destas trabalhadoras, mais tomava conhecimento de suas práticas de trabalho.
  • 36. 36 2.5 – “A gente já chega pra trabalhar cansada da viagem” No dia 10 de março de 2010 cruzei o território dos itinerários urbanos, seguindo a caminhada após o desembarque. Descemos na Avenida Padre Cacique, atravessamos a rua, chegamos na José de Alencar. Heloisa comentou que estava com muita preguiça. Concordei com Heloisa dizendo que estava me sentindo cansada e Marion acrescentou: “É essa viagem de ônibus que deixa a gente assim!”. Heloisa respondeu ao comentário dizendo: “É... A gente já chega pra trabalhar cansada da viagem”. Heloisa despediu-se do grupo dizendo: “Até as 15hs!” – que é o horário do ônibus que elas pegam para voltar para casa – dobrou a direita seguindo pela Rua Silvério. Demos mais alguns passos e também nos despedimos: Marion seguira em frente pela Rua José de Alencar enquanto Vera e eu atravessamos a rua e dobramos a esquerda – Rua Itororó, caminhamos mais uma quadra e dobramos a direita – Rua Costa, onde se localiza a casa em que Vera trabalha. Era uma casa antiga – acredito que da década de 50/60 – de dois andares. De cor bege e com grades e telhados da cor marrom. Entramos. Não havia ninguém em casa. A casa era muito espaçosa, o chão era de parquet coberto por um grande tapete. Entrando vemos disposto, do lado esquerdo da sala, um grande sofá, no centro da sala há uma mesinha de mármore, no canto direito há uma mesa para TV e no lado direito, em perspectiva com o sofá uma estante de madeira escura coberta por porta retratos dos netos, bisnetos e filhos de Vicente (o tio e patrão de Vera). Vera dobrou a direita, em uma porta que ficava ao lado, mas um pouco mais afastada, da porta de entrada. Era a entrada para o corredor que dava para o banheiro e para os quartos. Na primeira porta a esquerda ficava o banheiro, na primeira porta a direita ficava o quarto de Vicente e na segunda porta a esquerda ficava uma espécie de quarto para hospedes, mas que também, acolhia diversos outros objetos e utensílios da casa. Foi para este quarto que Vera se dirigiu para despir-se de sua blusa e calça social e vestir uma calça com um tecido mais leve e uma blusa mais folgada, para assim, poder dar início as atividades de limpeza da casa.
  • 37. 37 2.6 – O “uso das mãos” no trabalho doméstico A saída de campo realizada no dia 10 de março de 2010 tinha como objetivo construir uma narrativa fotográfica acerca da rotina de trabalho de Vera, trazendo a dimensão da prática cotidiana de limpeza e de cuidados com a casa. A primeira tarefa de Vera era arrumar a cama de Vicente. Vera era ágil e enquanto eu batia as fotografias (em plano aberto) precisei pedir para que ela arrumasse a cama mais devagar, pois as fotos estavam saindo desfocadas. Com a cama arrumada Vera seguiu em direção a cozinha – localizada em uma porta a direita de quem sai do corredor. A cozinha era ampla como a sala. Possuía uma grande mesa, próxima a porta, dois armários, uma geladeira e um fogão (em perspectiva com a porta de entrada da cozinha). No lado esquerdo de quem entra na cozinha localizava-se a pia que estava com algumas louças sujas, como: xícara, faca, copo, prato, etc. E era essa a segunda tarefa cotidiano de Vera: lavar a louça do café da manhã. Procurei captar essa tarefa doméstica utilizando dois enquadramentos diferentes: um plano aberto abrangendo assim, a postura corporal de Vera exercendo a tarefa doméstica e um plano fechado nas mãos de Vera (infelizmente esses plano fechados ficaram muito escuros), enquadrando o gesto de limpeza de um copo. Após a louça ser lavada Vera começou a varrer a cozinha, novamente recorri ao enquadramento em plano aberto. Vera, em todas as suas tarefas, era muito rápida, tanto, que enquanto ela varria a cozinha eu precisava pedir para que ela fosse mais devagar, para que as fotos não saíssem tremidas. Novamente recorri ao plano aberto para capturar a limpeza do banheiro e ao plano fechado nas mãos/gestos de Vera. Perguntei para Vera o que ela ainda tinha para fazer. Vera respondeu que ainda teria que varrer a sala e o pátio. No dia 24 de agosto de 2010 realizei com Marion uma saída de campo com o mesmo objetivo – de construir uma narrativa fotográfica acerca do trabalho doméstico. Marion iniciou suas atividades recolhendo o lixo da cozinha, procurei fotografa-la em seus gestos (plano fechado) e em seu contexto (plano aberto) sem sucesso, pois os movimentos de Marion eram rápidos e as fotos em close acabaram ficando desfocadas e as em que deveriam ser em plano aberto acabaram ficando em plano médio por conta do pequeno espaço na cozinha. Após recolher o lixo, Marion seguiu para o quarto, para arrumar a cama. Novamente a agilidade de Marion não permitiu que eu tirasse fotografias com um bom foco. Para poder evocar a ideia de movimento e agilidade
  • 38. 38 presentes no cotidiano do trabalho doméstico foi preciso utilizar o dispositivo de captação contínua em três quadros, tendo assim, um encadeamento de três planos, que juntos evocam essa ideia do movimento e da agilidade do trabalho doméstico. Ainda que as fotos saíssem desfocadas, poderia explorar a ideia de movimento que aquele “desfoque” trazia tirando as fotos em sequencia. Do quarto seguimos para a área de serviço onde Marion pôs as roupas sujas de molho. Marion explicou que como ela vai à casa de Ana as terças e quintas-feiras ela sempre procura lavar as roupas na terça-feira e passá-las na quinta-feira. Após colocar as roupas de molho Marion seguiu para o banheiro, onde iria iniciar a limpeza. No banheiro observei que Marion limpava o chão de joelhos com um pano. Perguntei se não era melhor utilizar um esfregão do tipo bruxa. Marion respondeu que Ana havia comprado uma bruxa, mas que ela não gostava de usar, pois parecia que não deixa o chão limpo. Acrescentou que também não gostava de usar luvas, tinha a sensação de que atrapalhavam o movimento das mãos na hora de limpar. Terminada a limpeza no banheiro seguimos para a cozinha para lavar a louça! Em tom de confissão Marion disse: “Sabe, ela não faz nada! Se cair um papel no chão, fica! Fica tudo pro dia que eu venho!”. Destas descrições é possível inferir o quanto a câmera fotográfica participou como mediadora deste processo de interação, realizando um recorte do espaço em que se dá a situação etnográfica e um recorte da duração temporal deste “estar-lá” (GEERTZ, 2002). A partir do encadeamento destas imagens realizadas no processo denominado de pós-campo, processo este que se refere ao tratamento das imagens produzidas (escrita do formulário de avaliação, análise, conceituação e nomeação das fotografias) e a partir das discussões semanais realizadas no âmbito GT Fotografia, que me foi possível pensar os gestos, movimentos e as práticas que circunscrevem o trabalho doméstico.
  • 39. 39
  • 40. 40 Algumas fotos foram tiradas valendo-se do plano aberto, para assim trazer a ideia de todo contexto em que aquela prática está inserida. Já a opção para a maioria das fotos foi o do plano fechado nas mãos e gestos de Vera e Marion, enquanto realizam suas tarefas domésticas. Conforme nos aponta François Soulages em Esthétique de la Photographie (1998), para vários pontos de vistas, temos várias fotografias que engendram universos diferentes. Nesta análise estética da fotografia o autor concluiu que a fotografia não é somente material ou ferramenta, mas ela é o principal vetor estrutural da criação. Sensível a esta potência criadora da fotografia e privilegiando o ponto de vista do plano fechado nos gestos e práticas destas trabalhadoras atento o meu olhar para o “uso das mãos” (FRANCO, 1997) o que nos faz perceber o quanto este trabalho manual é significativo para a conformação simbólica do trabalho doméstico. Oriundo de um sistema econômico escravista, o trabalho doméstico, carrega os valores negativos que circunscreveram esse sistema, dentre eles a degradação do trabalho manual. Logo, o menosprezo pelo “uso das mãos” – atrelado a escravidão – arraigou-se culturalmente no imaginário brasileiro, corroborando para a desvalorização e discriminação do trabalho doméstico. 2.7 – “Tenho a minha carteira assinada ali, assinada como empregada doméstica”: A trajetória de Marion No dia 24 de abril de 2010 às 15h30min da tarde saí de minha casa na Rua Hermes da Fonseca rumo à casa de Marion. Dobrando a direita na Péricles Simões Ferreira, atravessando a Av. Presidente Getúlio Vargas, segui em frente na Avenida Wenceslau Fontoura. Era uma Avenida, com muitos prédios públicos: secretaria da educação, secretaria da cultura, secretaria da habitação, entre outras. O movimento de pedestres e de ciclistas era intenso, já que era uma tarde de sábado ensolarada, o que convidava as pessoas a saírem à rua. Após uns cinco minutos de caminhada pela Avenida Wenceslau Fontoura avistei a Rua Natal que conforme orientação da Marion era a rua que eu devia entrar. Dobrei a primeira à direita (Rua Natal). Esta, já não era uma rua asfaltada, era uma rua de chão batido. Na esquina ficava a Secretaria de Educação, ao longo de todo o lado esquerdo da rua havia um descampado terreno baldio e do lado direito algumas casas pequenas e de madeira se faziam presentes. Após alguns
  • 41. 41 minutos de caminhada dobrei à esquerda, esta era a Rua em que Marion morava (Pp Três). Era uma rua bem estreita, cheia de casinhas grudadas umas nas outras, algumas de madeira, mas a grande maioria era de material. Seguindo em frente fiquei atenta a numeração das casas, o fluxo de pessoas era intenso, algumas pessoas caminhavam, outras varriam suas calçadas ou simplesmente estavam sentados em frente as suas casas conversando e/ou tomando chimarrão. Olhei para a minha direita e havia uma casa de material sem reboco e com uma janela de cor verde. Olhei atentamente para a casa em busca do seu número. Rapidamente segui para frente da casa e bati palmas. Havia dois cães que estavam presos e começaram a latir assim que eu me aproximei. Alguns segundos depois Marion saiu de sua casa por uma porta localizada no lado esquerdo. Entramos, conversamos um pouco sobre sua família e sobre a sua rotina de trabalho aos sábados (temas que seriam retomados no momento da entrevista com a câmera ligada) enquanto ela preparava o café. Enquanto tomávamos o café Marion demonstrava-se nervosa com a entrevista que seria registrada em vídeo, procurei tranquiliza-la dizendo que não passaria de uma conversa. Terminado o café seguimos conversando sobre a sua rotina de trabalho, percebi que Marion estava mais relaxada e menos apreensiva. Marion seguiu falando até que determinado momento ela disse: “Sabe Luciana... Eu pego ônibus desde os meus 17 anos...”. Rapidamente interrompi Marion e disse: “Ahhh, mas essa história eu vou ter que gravar...”. Comecei a tirar a câmera da bolsa e Marion comentou que estava nervosa. Liguei a câmera enquadrando Marion, em plano fechado dizendo-lhe que não havia porque ela ficar nervosa, que ela só precisava continuar contando a história de quando ela pegava ônibus aos dezessete anos: Marion: Então foi assim... É que eu me acostumei... Me criei assim, né? Trabalhando prá lá e prá cá... Andando de ônibus prá lá, prá cá... Eu sempre trabalhei fora. Marion nasceu em Porto Alegre e com um mês de vida veio morar em Alvorada com sua família. Era o ano de 1953, tempo em que Alvorada ainda se chamava Passo do Feijó. Morou até os 11 anos de idade na Parada 45, depois se mudou para o Bairro Passo da Figueira, onde se criou e se casou. Em 1970, já com 17 anos, foi surpreendida com a visita de uma prima que acabara de dar a luz e que estava com a mãe acometida por uma trombose no braço. Essa prima foi até a sua casa para falar com o seu pai e perguntar se
  • 42. 42 ele conhecia alguém que tivesse o interesse em trabalhar como doméstica ajudando-a no serviço da casa, prontamente seu pai lhe indicou dizendo: “Tem a Marion aqui que quer trabalhar”. Buscando sua independência, aos 17 anos, ela começa a trabalhar como empregada doméstica. Mais do que se ater ao serviço doméstico Marion acabou agregando a função de babá ao ajudar sua prima – agora patroa – na criação de Ana Lúcia. Após, aproximadamente, 12 anos de trabalho, Marion casa-se e para de trabalhar, ficando aproximadamente nove anos afastada do trabalho junto à família de Ana Lúcia. Nesse período ela exerceu alguns trabalhos como auxiliar de serviços gerais em lojas e como diarista em “faxinas avulsas”, época de grande instabilidade, já que, nos finais de ano, grande parte dos empregadores viajava de férias. Durante seu primeiro casamento Marion morou em Porto Alegre, no bairro Parque dos Maias, não se adaptando a nova morada ela retorna para Alvorada. Vai morar com seu irmão no bairro Passo da Figueira. Após determinado período de tempo, ele pede a casa em que ela estava morando. Assim, ela acaba comprando uma casa no Bairro Formosa. Lá ela morou por 14 anos, até o dia em que a Prefeitura, devido ao planejamento urbano pelo qual a cidade estava passando, solicitou o terreno em que Marion morava, pois ali seria construída a abertura de uma rua. Este terreno pertencia a prefeitura e Marion possuía um contrato comodato com a mesma, sendo realocada para o antigo Bairro “Mutirão”, hoje chamado de Bela Vista. O Bairro “Mutirão” começou a ser construído a partir de um programa da Prefeitura para realocar moradores da Vila “Beira do Valão”, composta, em sua maioria, por uma população que saiu do interior do Rio Grande do Sul em busca de emprego em Porto Alegre. Marion estava inscrita nesse programa, mas como na época ela não sabia como construir uma casa e nem o seu marido, decidiu permanecer no Bairro Formosa. Ainda morando no Bairro Formosa, Marion se separa. Seu filho do meio (Diego), fruto do primeiro casamento, já estava com nove meses de vida. Marion casa-se novamente, deste segundo casamento nasce Juliana. A prefeitura entra em contato com Marion, comunicando-a que ela tinha direito a quatro terrenos no “Mutirão” devido à realocação por conta da abertura da Rua Almirante Barroso, no Bairro Formosa. Com a ajuda de seu pai iniciou a desconstrução de sua casa no Bairro Formosa com a intenção de reaproveitar o material para a construção de sua nova casa no Bairro “Mutirão” que, com dificuldades foi adquirida pelo valor de 10% sobre o salário mínimo ao longo de