Carta da Divisão de Ensino de Química da SBQ, encaminhada ao Ministro
da Educação, sobre a proposta de fusão das disciplinas de química, física
e biologia.
1. 8/11/2012
Carta da Divisão de Ensino de Química da SBQ, encaminhada ao Ministro
da Educação, sobre a proposta de fusão das disciplinas de química, física
e biologia
Excelentíssimo Senhor
Ministro de Estado da Educação
Dr. Aloizio Mercadante
Esplanada dos Ministérios, Bloco L - Ed. Sede e Anexos, 70.047-900
Brasília / DF
Senhor Ministro,
Nós professores ligados à Divisão de Ensino da Sociedade Brasileira de
Química atuamos diretamente na formação de professores para o Ensino
Médio e focamos grande parte de nosso esforço físico e intelectual em
pesquisas e trabalhos de extensão universitária nesse nível de ensino. Desta
forma, podemos afirmar que a grande razão de nosso trabalho é o ensino da
Química e suas implicações no Ensino Médio.
Nesse sentido, julgamos importante nos posicionarmos sobre a proposta em
discussão na Câmara de Ensino Básico – CEB – do Ministério da Educação
sobre a substituição, no Ensino Médio, das disciplinas Química, Física e
Biologia por uma disciplina de Ciências da Natureza.
Como formadores de professores estamos atentos às mudanças pelas quais o
ensino vem passando nas ultimas décadas. Além disso, também somos atores
nesse quadro de mudanças. Vários de nossos colegas participaram e
participam de comissões como, por exemplo, as que elaboram os
PARÂMETROS CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO, as
ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO – Ciências da
Natureza, Matemática e suas Tecnologias (Química), bem como as avaliações
relacionadas ao programa nacional do livro didático para o ensino médio.
Defendemos uma modernização no ensino por entendermos que, embora
menos cômodo para o que já está estabelecido, é preciso trabalharmos numa
perspectiva mais interdisciplinar e não com uma visão fragmentada em
disciplinas que não dialogam entre si. É preciso mudar o atual Ensino de
Química e temos atuado nesse sentido. Compartilhamos ideias de pensadores
da Educação na atualidade como Morin, Boaventura de Souza Santos e outros
que criticam a fragmentação do atual modelo educacional.
A importância de se ensinar Ciências no Ensino Básico é inquestionável.
Podemos e devemos discutir como e para quê ensinar ciências nesse nível. É
importante salientar que países como Estados Unidos da América e Inglaterra,
na época da Guerra Fria, investiram forte em projetos para o ensino das
diferentes áreas das Ciências na perspectiva de formarem cientistas e
ganharem a corrida espacial, armamentista e tecnológica. Porém, estudos
2. mostraram que esses projetos não foram bem sucedidos em seus propósitos.
Por isso, e por outros fatores, não é nisso que acreditamos. Entendemos que o
ensino de Ciências tem, ou deveria ter propósitos, mais amplos que vão, desde
a inserção crítica dos sujeitos no mundo do trabalho até o desenvolvimentos
intelectual dos mesmos.
Como pesquisadores da área de Ensino de Ciências, temos clareza das
dificuldades para que o ensino atinja esses objetivos. Sabemos que muito
precisa ser feito para melhorar o ensino de ciências no Brasil, assim como das
outras áreas de conhecimento, e trabalhamos nessa busca.
No entanto, causa-nos estranheza a proposta em discussão na CEB porque
não nos parece uma forma de melhorar o ensino. Compreendemos que, a
proposta apresentada possibilitaria reverter o problema da falta de professores
qualificados para ministrar as disciplinas citadas. É como derrubar uma escola
que tem problemas e não conseguimos resolver. Deixamos de ter 'a escola
com problema'. Acaba-se com o problema, mas, nesse caso, isso não é o
correto. No caso da fusão das disciplinas eliminaríamos o problema de falta de
professores dessas disciplinas, mas criamos outros.
Não temos professores para ministrarem essas aulas de "Ciências da
Natureza" no Ensino Médio. Não temos cursos de licenciaturas que formem
professores com essa competência e perfil. Os professores de Química não
veem estudam nada de biologia em sua graduação e vem só o básico da física
que precisam para entender melhor conceitos da Química. O mesmo acontece
com os professores de Física, que não estudam química nem Biologia, e com
os de Biologia que não aprendem Química e Física.
Pode-se pensar que essa é uma tendência como acontece em universidades
novas que criam Departamentos e Unidades multidisciplinares, além de
diversos cursos de pós-graduação multidisciplinares. No entanto, deve ficar
claro que tais instituições e cursos só são possíveis porque somam as
competências especificas de seus professores e pesquisadores. É a partir do
conhecimento das disciplinas que se torna possível o desenvolvimento de
trabalhos e projetos interdisciplinares.
Propostas de livros didáticos e projetos curriculares de secretarias de educação
que optam por essa vertente são pouco adotados pelos professores em
exercício no Ensino Médio. Isso acontece não porque os professores não
concordem com a necessidade de diálogo entre as disciplinas, mas porque não
se sentem preparados para tal abordagem. E isso não muda por decreto
governamental!
Outro exemplo são as questões do ENEM. Elas se propõem a ser
interdisciplinares, mas partem de disciplinas e muitas vezes assim ficam. As
próprias competências e habilidades do documento que norteia o ENEM
podem ser facilmente divididas em quais são da Química, quais são da Física e
quais são da Biologia.
Além das questões epistemológicas que apresentamos até aqui, é necessário
3. pensamos em outras questões de cunho pratico, apresentadas a seguir.
Quais as universidades que possuem atualmente cursos para formação de
professores de Ciências para atuar no Ensino Médio? Quanto tempo elas
necessitariam para formar uma nova leva de professores com esse perfil?
Existem professores que assumiriam o desafio de ensinar mais de uma das
disciplinas das Ciências? São poucos se comparados com o número total de
professores das três disciplinas. Desse pequeno grupo, quantos conseguem
fazê-lo com competência e quantos se esconderiam em práticas pedagógicas
obsoletas que exigem a memorização de informações em detrimento de um
aprendizado mais efetivo?
O que será feito dos atuais professores das disciplinas enquanto não forem
preparados para assumir a nova disciplina? Serão dispensados? Serão
requalificados? Serão colocados na nova sala de aula e terão que "se virar"
para atender a nova proposta ou simplesmente farão o que sempre fizeram?
O que essa proposta traz de avanço para a qualidade do ensino? Quais são os
argumentos que a justificam? Há algum exemplo internacional de tomada
dessa medida? Há trabalhos acadêmicos que estudam ou estudaram essa
alternativa? Há subsídios científicos que mostram a real eficácia da proposta?
Se afirmativo, quais os resultados obtidos? O que foi feito para preparar a
aplicação dessa mudança? Se essa ideia teve êxito em outro país, não seria
interessante começar por uma avaliação piloto isenta?
Reconhecendo as dificuldades praticas de se melhorar os índices do Ensino de
Ciências no Brasil, a não aprovação dessa proposta indica outras ações que
julgamos necessárias e com as quais já estamos comprometidos e buscamos
apoiar:
- Investir na valorização do magistério, visto que muitos dos licenciandos
formados atuam em outras áreas onde encontram melhores remunerações;
- Investir na formação inicial dos professores reforçando projetos como o Pibid,
que apresenta resultados muito importantes em relação a permanência do
graduando no curso de licenciatura e também em relação a valorização do
professor da rede pública que também é bolsista e acaba mudando de forma
bastante acentuada sua ação dentro da escola. Tal projeto está mudando o
status das licenciatura em relação ao bacharelado de uma mesma instituição;
- investir na formação continuada dos professores, por meio da liberação para
estudos e a concessão de bolsas, permitindo que possam se aperfeiçoar em
programas de pós-graduação que visem o aprimoramento em conteúdo e
metodologias de ensino.
Na certeza de que o Governo Federal, que no Brasil democratizou o ensino em
todos os níveis, está disposto a dialogar com a comunidade que faz parte
dessa ação tão importante para que nosso país continue a crescer,
subscrevemo-nos,
4. Atenciosamente,
Prof. Dr. Gerson de Souza Mól
Diretor da Divisão de Ensino - SBQ
Prof.a Dr.a Agustina Rosa Echeverría
Vice-Diretora da Divisão de Ensino - SBQ
Prof. Dr. Márlon Herbert F. B. Soares
Tesoureiro da Divisão de Ensino - SBQ