O documento trata de um processo de cassação de mandato de vereador. O resumo é:
1. O vereador Marcos Aurélio Espíndola entrou com mandado de segurança contra o processo disciplinar aberto contra ele no Conselho de Ética da Câmara Municipal.
2. A denúncia que originou o processo não cumpre os requisitos legais, pois se limita a fazer referência a uma operação policial sem descrever os fatos imputados.
3. Isso viola o direito de defesa do acusado, que precisa saber com precisão
Processo disciplinar contra vereador da Câmara Municipal de Florianópolis
1. ESTADO DE SANTA CATARINA
PODER JUDICIÁRIO
Comarca da Capital
3ª Vara da Fazenda Pública
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Autos n° 0321141-65.2015.8.24.0023
Ação: Mandado de Segurança/PROC
Impetrante: Marcos Aurélio Espíndola
Impetrado: Eradio Manoel Goncalves e outros
Vistos, etc.
1. Marcos Aurélio Espíndola ajuizou o presente mandado de
segurança contra ato reputado ilegal e abusivo atribuído ao Presidente da Câmara
de Vereadores de Florianópolis, Vereador Erádio Manoel Gonçalves, ao Presidente
do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Municipal, Vereador
Guilherme Botelho da Silveira, e os Vereadores Waldyvio da Costa Paixão Júnior,
Célio João, Jerônimo Alves Ferreira e Vanderlei Farias, membros do Conselho de
Ética e Decoro Parlamentar, requerendo liminarmente a extinção do processo a que
responde perante aquele Conselho ou, alternativamente, sua suspensão.
Como fundamentos fáticos para os pedidos liminares
formulados alega, em suma:
- , em 19/11/2014 os Vereadores Afrânio Boppré, Jerônimo
Alves Ferreira e Guilherme Botelho da Silveira apresentaram denúncia à Mesa
Diretora da Câmara contra o ora impetrante e um segundo Vereador;
- a Presidência da Câmara constituiu nova Comissão de Ética e
Decoro Parlamentar, composta segundo indicações dos líderes das bancadas, e
não por meio de sorteio de três vereadores dentre os desimpedidos;
- sustenta que os vereadores signatários da denúncia estão
impedidos de participar do Conselho, tendo não obstante sido indicados pelas
liderenças para esse fim;
- alega que a denúncia formulada é ilegal por não atender a
exigência feita pelo inciso I do art. 5º do Decreto-Lei 201/67 e por comprometer os
princípios do contraditório e da ampla defesa, pois seria necessário adivinhar os
fatos de que estaria sendo acusado;
- invoca, transcrevendo, os fundamentos de decisão proferida
por este juízo em ação de mandado de segurança ajuizada por César Luiz Belloni
Farias, em que houve o deferimento liminar do pedido de suspensão do respectivo
processo disciplinar.
A petição inicial veio acompanhada de documentos, quais sejam
a cópia da denúncia que originou o processo disciplinar (fl. 12), cópia do ato n.
048/2015 da Presidência da Câmara Municipal de Florianópolis, que constituiu o
Conselho de Ética e Decoro Parlamentar (fl. 14), cópia do Relatório Final produzido
pelo Conselho no processo em se apuram as faltas imputadas ao Vereador César
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Luiz Belloni Faria (fls 16/34), cópia do Relatório Final do Conselho de Ética e Decoro
Parlamentar relativo à apuração da denúncia oferecida contra Marcos Aurélio
Espíndola (fls. 36/53), e cópia da decisão liminar proferida em mandado de
segurança impetrado pelo Vereador César Faria (fls 55/64).
2. As alegações de nulidade procedimental formuladas pelo
impetrante buscam fundamento no Decreto-Lei n. 201/67, cujas disposições teria o
próprio Plenário da Câmara Municipal entendido que devem reger o processo
administrativo disciplinar em questão.
Lê-se no Relatório Final produzido no processo instaurado
contra o impetrante que a alegação de deficiência da denúncia diante das
exigências do Decreto-Lei n. 201/67 foi enfrentada pelo Conselho de Ética e Decoro
Parlamentar.
Concluiu-se, não obstante, que "claramente consta na inicial
acusatória tratar-se da 'operação ave de rapina'. Dito isso, entendemos que
encontram-se sob análise as condutas evidenciadas na operação supra e seus
desdobramentos" (fls 37).
E mais adiante, acrescenta o Relatório (fls 38):
No tocante a possível fragilidade da denúncia, em que pese
tenha sido apresentada de forma sucinta, foram anexados a esta,
documentos com informações a respeito dos fatos, deixando bem claro
de que fato se tratava a denuncia.
Oportuno ressaltar que ética e decoro, não se restringe a letra
fria da lei, sendo o artigo 7º do Decreto Lei, bastante abrangente. Com
efeito, mencionada na denuncia que se trata da "Operação ave de
rapina", todas as alegações constantes dessa operação, bem como dos
processos derivados dela fazem-se presentes intrinsecamente. (sic)
Observa-se inicialmente que não há aparente controvérsia entre
as partes quanto à legislação que deva ser aplicada para reger o processo de
cassação.
O procedimento foi inicialmente pautado pelas disposições da
Resolução n. 4.175/2010, invocado pela própria denúncia subscrita pelos
Vereadores Afrânio Boppré, Guilherme Botelho da Silveira e Jerônimo Alves Ferreira
(fls 12).
Porém, conforme indicado no Relatório Final juntado a fls.
36/53, entendeu-se no curso do processo que deveriam ser aplicadas à espécie
disposições do Decreto-Lei Federal n. 201, de 27 de fevereiro de 1967.
O Decreto-Lei n. 201/67 "dispõe sobre a responsabilidade de
prefeitos e vereadores, e dá outras providências", e em seu art. 7º estabelece quais
são as hipóteses de cassação do mandato de Vereador. O § 1º desse artiigo de seu
turno dispõe que "o processo de cassação de mandato de Vereador é, no que
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couber, o estabelecido no art. 5º deste decreto-lei".
A respeito do que estabelece o mencionado art. 5º do Decreto-
Lei n. 201/67, cumpre inicialmente abordar as disposições de seu inciso I:
I - A denúncia escrita da infração poderá ser feita por qualquer
eleitor, com a exposição dos fatos e a indicação das provas. Se o
denunciante for Vereador, ficará impedido de votar sobre a denúncia e de
integrar a Comissão processante, podendo, todavia, praticar todos os
atos de acusação. Se o denunciante for o Presidente da Câmara, passará
a Presidência ao substituto legal, para os atos do processo, e só votará
se necessário para completar o quorum de julgamento. Será convocado o
suplente do Vereador impedido de votar, o qual não poderá integrar a
Comissão processante.
Destaca-se, em primeiro lugar, a exigência de que a denúncia
da infração imputada deva ser feita por escrito, com a exposição dos fatos e
indicação das provas da sua ocorrência.
Não é difícil ver que a exigência serve à necessidade de
assegurar a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, com os
meios e recursos a esta inerentes, garantia constitucionalmente assegurada a todos
os litigantes, em processos de qualquer espécie, judiciais ou administrativos.
Implica essa garantia que ao acusado seja assegurado o
conhecimento de todo o teor da acusação, da imputação que lhe é feita e das
provas produzidas contra si, bem como a oportunidade de defender-se de forma
efetiva.
Na lição de Maria Sylvia Zanella di Pietro, "o princípio do
contraditório, que é inerente ao direito de defesa, é decorrente da bilateralidade do
processo: quando uma das partes alega alguma coisa, há de ser ouvida também a
outra, dando-se-lhe oportunidade de resposta" (in Direito Administrativo, 19 ed.,
Atlas, 2006, p.608).
Evidencia-se que a primeira e a principal alegação que pode
haver no processo administrativo disciplinar, como é o de que ora se trata, é a que,
nos termos do inciso I do art. 5º do Decreto-Lei n. 201/67, deve estar contida no
instrumento escrito de denúncia: a exposição dos fatos imputados ao acusado.
A exigência da indicação das provas também é indispensável,
para garantia dos princípios mencionados.
Mas ressalta a importância e a indispensabilidade da descrição
fática da imputação, sem a qual fica o acusado impossibilitado de defender-se,
enredado num processo de feições kafkianas, em que lhe é negado sequer o
conhecimento dos motivos de sua condenação.
Não se pretende aqui qualquer referência à procedência ou não
da denúncia, à existência de responsabilidade do imputado, à configuração ou não
da quebra do decoro parlamentar.
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Apenas se aborda, neste momento processual, a conformação
formal da denúncia oferecida, e nesse aspecto, deve-se concluir que a denúncia
ofertada no caso analisado está longe de atender à exigência legal.
Diz a denúncia, a fls 12 destes autos:
O vereador que esta subscreve, considerando os fatos
amplamente publicizados (cópias em anexo) a respeito da operação da
Polícia Federal denominada Ave de Rapina, oferece DENÚNCIA por
suposta quebra de decoro parlamentar pelos vereadores César Belloni
Faria e Marcos Aurélio Espíndola (Badeko), ambos do Partido Social
Democrático.
Desta feita, solicita instaurar processo disciplinar e proceder a
todos os atos necessários à sua instrução, nos cados e termos do Código
de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Municipal de Florianópolis
(Resolução nº 1457/2010, oportunizando aos denunciados a ampla
defesa e apresentação de provas.
Ou seja, pretende-se que o acusado defenda-se do conteúdo
das notícias veiculadas pela imprensa escrita, quando isso claramente não é
suficiente para atender a exigência do Decreto-Lei n. 201/67.
É necessário que a denúncia exponha os fatos que possam
configurar alguma das hipóteses de cassação de mandado de Vereador, nos termos
do art. 7º daquele diploma:
Art. 7º A Câmara poderá cassar o mandato de Vereador,
quando:
I - Utilizar-se do mandato para a prática de atos de corrupção
ou de improbidade administrativa;
II - Fixar residência fora do Município;
III - Proceder de modo incompatível com a dignidade, da
Câmara ou faltar com o decoro na sua conduta pública.
De fato, é notória a repercussão política e social dos fatos, a
ampla cobertura a eles dedicada pela imprensa e a abrangência das operações de
investigação.
Contudo, essas circunstâncias laterais não respondem à
exigência legal de exposição dos fatos na denúncia.
Como se vê pelo excerto transcrito do Relatório Final do
Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, busca-se justificar a ausência de
descrição dos fatos imputados na denúncia invocando a abrangência da
investigação policial e à noção aberta do que possa configurar quebra de decoro ou
ofensa ética.
Essa abertura, porém, e bem assim a abrangência do caso,
apenas reforçam a necessidade de especificação dos fatos que lastreiam a
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acusação, e não o contrário. Afinal, dispensar a especificação fática implica que o
acusado responde por tudo, e pode ser tanto condenado como absolvido por nada.
De outro lado, não se trata propriamente de denúncia sucinta de
fatos que possam configurar quebra de decoro parlamentar. Trata-se antes de
denúncia sem exposição fática alguma. Aquilo de que carece a denúncia em tela
não são pormenores dos fatos, mas os fatos mesmo, visto que a denúncia não os
expõem sequer sinteticamente.
De fato, a lei não exige que a exposição fática seja detalhada ou
pormenorizada. Exige, porém, que os fatos imputados, que impliquem a
configuração de alguma das hipóteses legais de cassação, sejam expostos, ainda
que sucintamente, desde que isso permita o conhecimento do teor da imputação.
Não se cuida, repise-se de exigir o detalhamento dos fatos. Mas
a absoluta ausência de descrição dos fatos em que a acusação busca suporte vicia
de forma irremediável a denúncia, cuja nulidade, diante da exigência expressa
contida no inciso I do art. 5º do Decreto-Lei n. 201/67, deve ser reconhecida.
3. Logo após exigir que a denúncia contenha a exposição dos
fatos em que se baseia e a indicação das provas com que se pretende demonstrar
os fatos alegados, o inciso I do art. 5º do Decreto-Lei n. 201/67 estabelece que "Se
o denunciante for Vereador, ficará impedido de votar sobre a denúncia e de integrar
a Comissão processante, podendo, todavia, praticar todos os atos de acusação."
No caso em tela, conforme se verifica no documento de fls 12,
são três os Vereadores que subscrevem a denúncia contra o impetrante: Jerônimo
Alves Ferreira, Afrânio Boppré e Guilherme Botelho da Silveira.
Nessa condição, de co-autores da denúncia, nenhum dos três
poderia participar da decisão colegiada a respeito da denúncia (votar) ou mesmo
integrar a comissão processante.
Não obstante, verifica-se no Ato da Presidência n. 048, de 09 de
junho de 2015 (fls 14) que constituiu o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar,
que o Vereador Guilherme Botelho da Silveira participou de sua composição, na
condição de membro titular, desde a sua constituição.
Também o Vereador Jerônimo Alves Ferreira e Afrânio Boppré
foram indicados para compor referido Conselho, contudo na condição de suplentes,
o que não seria vedado pela norma de regência.
Entretanto, os documentos juntados aos autos indicam que,
durante o trâmite do procedimento, o Vereador Jerônimo Alvez Ferreira tornou-se
membro titular do Conselho de Ética. Além disso, há evidências de que o Vereador
Guilherme Botelho da Silveira não apenas integrou o Conselho como também o
presidiu, segundo consta do Relatório Final de fls. 36/53.
Ora, é flagrante a violação ao texto legal e quase inacreditável
que mesmo após ter-se concluído que o processo deveria observar as disposições
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do Decreto-Lei n. 201/67 – conclusão que se presume tenha sido o resultado de
alguma discussão e análise do texto legal –, não se tenha tido o cuidado de não
desrespeitar essas mesmas disposições.
4. De qualquer modo, as alegações de irregularidade
procedimental levantadas pela defesa, restam prejudicadas pela constatação de que
o processo encontra-se viciado desde sua origem, pela ausência de especificação
na denúncia dos fatos de que o impetrante está sendo acusado.
Apenas a superação de vício tornaria relevante a análise da
regularidade da participação dos Vereadores Jerônimo e Guilherme no Conselho de
Ética e Decoro Parlamentar, na medida em que, conforme consta do documento de
fls 12, suas firmas foram lançadas no documento ao lado da do Vereador Afrânio
Boppré.
Mais uma vez registre-se que não se ignora a gravidade e a
repercussão social e política dos fatos, a abrangência da investigação social, ou
mesmo os malefícios que a corrupção acarreta para a sociedade e o Estado.
Este não é o foro porém para a apreciação do mérito de tais
acusações ou mesmo da imputação ao impetrante de conduta incompatível com a
ética e o decoro parlamentar. Essa é matéria que se insere na competência da
Câmara de Vereadores.
Cuida-se aqui apenas do controle da legalidade dos atos
administrativos desenvolvidos com essa finalidade naquela Casa, e nesse sentido é
que se aponta a existência, em princípio, de desrespeito à lei que rege o
procedimento a ser percorrido com vistas ao julgamento político.
5. Diante de todo o exposto, DEFIRO o pedido liminar para
determinar a SUSPENSÃO do processo disciplinar instaurado para apuração de
quebra de decoro parlamentar pelo impetrante.
Intime-se com urgência, em regime de plantão.
Requisitem-se informações no prazo legal.
Cumpra-se o disposto no inciso II do art. 7º da Lei 12.016/09.
Após, ao Ministério Público, independente de novo despacho.
Florianópolis (SC), 12 de agosto de 2015.
Laudenir Fernando Petroncini
Juiz de Direito
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