O documento discute psicoses infantis, incluindo autismo, psicoses da primeira e segunda infância. Apresenta sintomas como isolamento, distúrbios da linguagem, afetivos e comportamentais. Discutem-se também hipóteses sobre origens genéticas e orgânicas das psicoses infantis.
2. Para Ajuriaguerra e Marcelli (1986) a psicose infantil é um
transtorno de personalidade dependente do
transtorno da organização do eu e da relação da
criança com o meio ambiente.
A psicose na criança ocupa, no contexto da psiquiatria
infantil, o lugar ocupado pela debilidade mental no começo
do século XX. Inicialmente ignoradas, depois negadas, as
psicoses infantis cresceram em frequência, sendo
consideradas para alguns psiquiatras a referência
diagnóstica mais comum
Não é possível comparar as psicoses infantis às psicoses
dos adultos (quadros semiológicos diferentes),
principalmente pela ausência de delírio crônico nas
crianças.
3. ESTUDO DAS PRINCIPAIS
CONDUTAS
ISOLAMENTO – AUTISMO
A história recente das psicoses infantis é
marcada pela introdução, em 1943, do autismo de
Kanner
L. Kanner e H. Asperger descreveram, quase
simultaneamente, estados de Autismo na
infância. A forma clínica descrita por Kanner foi
inicialmente considerada como entidade
nosológica à parte, posteriormente ele inclui no
capítulo geral das psicoses.
Tanto o autismo quanto a esquizofrenia envolvem
comprometimento no relacionamento
interpessoal e estereotipias.
4. O autismo consiste na impossibilidade da
criança conseguir estabelecer a relação e a
comunicação com o ambiente que o rodeia
No decorrer do 1o ano de vida: o isolamento já
pode ser observado; os bebês autistas são
descritas como calmos, “fáceis”, sem muitas
manifestações, felizes quando estão sós. Na
presença de adultos são indiferentes. Em relação
à mãe não apresentam as reações típicas como
mover a cabeça para olhar quando a mãe entra
em um quarto ou se agitarem quando são
pegadas no colo
São bebês com pouco tônus muscular que
não apresentam o sorriso característico do
3º mês nem a reação de angústia ao
estranho por volta do 8º mês.
5. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o
Distúrbio Autista é cerca de três vezes mais
comum em meninos que em meninas. Em relação
a população em geral, é de 5 em cada 10 mil
pessoas.
Hoje o Autismo é considerado, pelos parâmetros
dominantes psiquiátricos, como um Transtorno
Invasivo do Desenvolvimento. No DSM IV (1991),
o autismo se caracteriza por prejuízo severo e
invasivo em diversas áreas do desenvolvimento.
No CID-10 (1993), o autismo é considerado um
distúrbio global do desenvolvimento.
6. Segundo ou terceiro ano de vida: o autismo torna-se mais
evidente, não havendo nenhum tipo de contato e
reconhecimento em relação à mãe.
Tornam-se crianças com o olhar vazio e ausente, sem
contato físico normal.
Os objetos e as pessoas são concebidos de maneira
parcial e sem simbolismo, brincam de forma
estereotipada e repetitiva com objetos pouco usuais
para as crianças, podem ser objetos duros e
barulhentos ou simplesmente parte desses objetos.
Não se relacionam com as outras crianças e são
indiferentes aos jogos. Podem mesmo ser agressivas
em alguns momentos, podendo mesmo auto-agredir-
se.
7. CONDUTAS MOTORAS P. 202
Anomalia tônica: São crianças que apresentam uma
hipotonia generalizada, acentuando a ausência de contato e
relação corporal com a mãe.
Gestualidade inabitual: Podem apresentar gestos,
brincadeiras e comportamentos inadequados e repetitivos,
sendo que as estereotipias são freqüentes.
Comportamentos motores particulares: Os movimentos são
ritmados, recorrentes e parecem envolver a criança num
espaço só dela.
Instabilidade: batidas frequentes contra móveis e pessoas,
quedas sem movimentos de defesa nem choro
8. DISTÚRBIOS DA LINGUAGEM
No que respeito à linguagem, a criança psicótica é descrita
como silenciosa ou simplesmente emitindo sons
estereotipados, como o grito agudo ou o ranger dos dentes.
A aquisição da linguagem pode estar ausente no autismo
de Kanner ou ser geralmente tardia, situando-se nos 4 ou 5
anos de idade.
É comum a inversão pronominal: a criança refere a ela
mesma usando a terceira pessoa do singular ou o seu nome
próprio
Nestes casos, o cantarolar, a ecolalia, as estereotipias
verbais e o verbalismo solitário são freqüentes. Mesmo
depois de adquirida, a linguagem pode regredir, chegando
mesmo ao mutismo secundário (psicose de segunda
infância).
9. A linguagem não tem, para a criança
psicótica o valor da comunicação com o
outro. Isto é observável, também, nos
casos mais raros, em que as crianças
psicóticas apresentam um extenso
vocabulário, aprendendo páginas inteiras
de dicionários ou inventando novas
linguagens, mas nunca utilizando esta
linguagem para a comunicação com os
outros.
10. DISTÚRBIOS DAS FUNÇÕES
INTELECTUAIS –
Um déficit intelectual é freqüentemente constatado
A profundidade do déficit é variável, assim como a sua
evolução
Diversas funções específicas (organização temporal,
espacial) podem ser perturbadas
Apresenta-se dificuldade na compreensão do esquema
corporal e na qualidade da figura humana (homem girino,
homem sem fundilhos, corpo despedaçado, desrespeito às
proporções)
Articulação entre a deficiência mental e a psicose precoce –
problema essencial da psiquiatria infantil. Muitos
psiquiatras acreditavam que apenas as crianças
inteligentes poderiam ser psicóticas e as deficientes
somente serial débeis mentais
11. DISTÚRBIOS AFETIVOS
Oscilações ráoidas de humor: Os distúrbios afetivos são
também observáveis, nas crianças psicóticas não autistas.
Estas crianças podem apresentar diferenças de humor, em
períodos curtos de tempo, como passar do choro para um
riso exuberante.
Crises de angústia aguda: Sofrem também de recorrentes
crises de angústia aguda, quando expostos a conflitos como
a mudança de lugares, ou podem ser totalmente
espontâneas sem razão aparente.
Crises de riso: esta angústia aparece, ou pela forma de riso
discordante, ou por crises de cólera e auto – agressão.
12. DISTÚRBIOS DAS CONDUTAS
MENTALIZADAS
As condutas estereotipadas e os rituais invasivos, de
limpeza, ordenação ou verificação podem ser também
observados na verificação e podem ser também observados
na psicose, sendo mais freqüentes nas psicoses de segunda
infância.
O delírio, não é muito comum, podendo aparecer
excepcionalmente antes dos 10/11 anos, com a produção
imaginativa que distorce o reconhecimento de si, do outro,
e do mundo real.
Ao acontecerem, os delírios centra-se sobre o corpo
aparecendo preocupações hipocondríacas ou idéias
persecutórias. As alucinações não são de fácil
reconhecimento nas crianças mas podem eventualmente
acontecer alucinações auditivas e visuais.
13. DISTÚRBIOS PSICOSSOMÁTICOS E
ANTECEDENTES SOMÁTICOS
Alguns distúrbios psicossomáticos podem também aparecer nestas
crianças. O distúrbio do sono pode traduzir-se pela insônia calma
ou agitada que ocorrem desde o primeiro semestre de vida e,
podem alargar-se por meses ou anos. Este distúrbio é muito
freqüente na psicose infantil.
Os distúrbios alimentares são, também, muito freqüentes.
Apresenta-se de forma muito precoce, desde a ausência de
sucção ao mamar, até aos vômitos repetitivos.
A enurese e encoprese podem ser do tipo primário ou
secundário, bem como podem ser permanentes no tempo ou
dependerem de fases de ansiedade ou separação.
14. A existência de antecedentes patológicos marca,
nitidamente, as crianças com psicose infantil, sendo
freqüente a desidratação aguda, a gravidez difícil, a
prematuridade e a patologia neonatal, entre outras.
15. PSICOSES DA SEGUNDA
INFÂNCIA
São as psicoses que se manifestam entre 5-6 anos e
os 12-13 anos. São mais raras que as psicoses da 1a
infância. Um certo número delas são apenas o
prolongamento de uma psicose precoce
Outros estudos mostram que cerca de 0,1 a 1% dos casos de
esquizofrenia tenha iniciado antes dos 10 anos de idade e
aproximadamente 4% antes dos 15 anos de idade
Em alguns casos clínicos raros, as condutas psicóticas
sobrevêm após uma 1a infância “aparentemente” normal
A anamnese permite encontrar sinais de uma distorção
precoce em uma ou outra das linhagens maturativas
(condições de desenvolvimento): anorexia precoce e rebelde,
graves distúrbios do sono, angústia extrema pela entrada
na escola maternal, docilidade e submissão excessivas,
rituais obsessivos, persistentes e invasivos. Não é raro que
estes distúrbios tenham sido banalizados pela família e
pelo médico
16. As psicoses da 2a infância ocorrem em uma personalidade
muito melhor estruturada que atingiu um grau
nitidamente superior de maturação. Assim a linguagem já
está elaborada, os processos cognitivos foram investidos e
começam a se destacar do pensamento mágico – o real é
percebido como tal e diferenciado do imaginário
As manifestações psicóticas nessa idade surgem como
condutas regressivas, até mesmo desestruturantes em
relação às atitudes anteriores da criança
17. REAÇÃO DE RETRAIMENTO – P. 210
é a tradução do autismo secundário –
pouco a pouco a criança perde o interesse,
rompe as relações com os amigos, isola-se
cada vez mais em seu quarto, recusa-se a
sair, suspende as suas atividades
esportivas e culturais
19. DISTÚRBIOS DA LINGUAGEM
Podem se inscrever na continuidade das psicoses precoces ou
haver um desenvolvimento normal da linguagem até o
aparecimento da doença
Há possibilidade de mutismo secundário (agravamento do
retraimento autista) – paulatinamente a criança pára de falar,
inicialmente fora do círculo familiar até o mutismo se tornar total
Regressão formal da linguagem: traduz um episódio agudo,
com o surgimento de anomalias idênticas as que se observa nas
psicoses precoces, especialmente a inversão pronominal, podendo
regredir até o balbucio. Há também a criação de neologismos
Hiperinvestimento da linguagem: bem específico de certas
psicoses: busca de uma linguagem adultomorfa (semelhante a do
adulto) com controle e domínios absolutos – aprendizagem de
definições de dicionário ou de outra lingua
20. P. 211
Investimento cognitivo:
Há a possibilidade de bruscos
enfraquecimentos ou o desmoronamento
das capacidades intelectuais
21. DISTÚRBIOS DE FUNCIONAMENTO
NEURÓTICO
relacionados às fobias e obsessões. As
fobias podem ser invasivas, cambiantes
ou muito fixadas, racionalizadas pela
criança e por sua família (medo irracional
de cachorro por ter tido experiência ruim
com cachorro no passado). As obsessões
são frequentes e características e podem
incluir rituais para deitar, de ordem, de
limpeza, de lavagem, de verificação, de
toque e de evitação
22. ABORDAGEM GENÉTICA E
HIPÓTESES DA PREDOMINÂNCIA
ORGÂNICA – P. 214
Genética das psicoses precoces: a partir do estudo da
criança autista, o estudo do risco nos pais ou na irmandade
é variável.
Para Roubertoux, o risco de esquizofrenia nos antecedentes
(pais, avós) seria nulo
O estudo sobre gêmeos apontam uma concordância mais
elevada de autismo entre gêmeos monozigóticos ( 100%;
36%) do que nos gêmeos dizigóticos
23. GENÉTICA DAS PSICOSES DA 2A.
INFÂNCIA
P. 215
O risco nos ascendentes é muito variável – vai de 0% a
43,3%.
De modo geral os dados tendem a confirmar o caráter
familiar das psicoses infantis diferentes do autismo, sem
que seja possível dizer se esse caráter é atribuível a fatores
genéticos ou a fatores ambientais comuns
O estudo dos gêmeos mostra que a concordância de psicoses
infantis tardias é de 70% nos monozigóticos e de 17% nos
dizigóticos
Conclusão: a origem genética é uma hipótese
provável mas não única nem segura em suas
modalidades
24. HIPÓTESES ORGÂNICAS E
NEUROPSICOLÓGICAS
P. 216
Alguns autores situam preferencialmente a
anomalia das psicoses infantis no domínio
sensorial, especialmente no domínio dos
processos cognitivos – pode haver a ausência de
desenvolvimento de pensamento abstrato ou
uma desordem primária no desenvolvimento
da linguagem que implica a sua compreensão e
utilização. Este “defeito cognitivo” estaria na
origem das dificuldades/incapacidades das
crianças autistas, por exemplo, em perceber e
discriminar afetos e emoções, em melhorar
o conhecimento de outras pessoas (por
exemplo, a incapacidade de imitar condutas
sociais)
25. ABORDAGEM PSICOPATOLÓGICA E
HIPÓTESES DE PREDOMINÂNCIA
PSICOGENÉTICA
P. 217
Fatores psicogenéticos: são os fatores que estão claramente
associadas a um fator psicodinâmico desencadeante –
relacionados aos processos psicológicos, internos
Abordagem psicopatológica: esta abordagem descreve a
natureza do funcionamento mental (o “como”) sem
prejulgar o processo iniciador (o “porquê)
O conjunto de traços psicopatológicos constitui o “núcleo
estrutural psicótico” – conjunto das condutas
mentalizadas (aquilo que a pessoa pensa) ou realizadas
(aquilo que a pessoa faz)
26. O núcleo estrutural psicótico refere-se à:
Existência de angústia primária de aniquilamento, retaliamento,
engolimento – implica a dissolução ou a destruição completa do
indivíduo
Não distinção entre o eu e não – eu, o não reconhecimento de seus
limites e dos limites dos outros. Exemplo: ausência de sorriso, não
aparecimento de angústia frente a estranhos (estranheza do 8o
mês), manipulação do corpo de outrem como um objeto
Ruptura com a realidade devido a ausência de delimitação do
contorno de si mesmo, a realidade externa é incluída no eu e se
torna ameaçadora
Prevalência de processos primários (impulsos) sobre os
secundários (racionalidade), o que leva ao descarregar imediato de
todas as emoções
27. HIPÓTESE PSICOGENÉTICA
CENTRADA NO AMBIENTE: O PAPEL
DOS PAIS
P. 219
As proposições teóricas e/ou descrições clínicas nas quais o
ambiente tem um papel importante no surgimento e
manutenção das psicoses infantis – não se excluem os
outros fatores que podem estar associados
A literatura sobre o papel dos pais é rica mas voltada para
o estudo das crianças autistas. Kanner estudou o perfil
psicológico dos pais de 11 crianças autistas e identificou um
nível intelectual e sócio-cultural elevado, frieza e
mecanização: são pais polidos, dignos, porém frios; mais
observam os filhos do que os amam. Estas características
não são constantes
28. Estudos mais recentes demonstram:
Origem e nível sócio-econômico variável, repartido em dois
extremos: famílias de nível muito desfavorecido ou de nível
cultural superior
Atmosfera e organização familiar confusa – os papéis dos
pais são pouco diferenciados ou cambiantes
Modelos particulares de comunicação intrafamiliar –
“duplo vínculo” ou “duplo impasse” – modo de
comunicação imposto por um dos membros da família e do
qual a criança não pode escapar. O emissor dirige uma
dupla mensagem, contraditória em seu conteúdo, porém
emitida em níveis diferentes (exemplo: a expressão
demonstrada é oposta à mensagem contida na fala)
A reação de loucura ou “resposta louca” da criança é uma
tentativa de satisfazer este “duplo vínculo”
29. Em resumo, as características do psicótico infantil
frequentemente listadas são:
dificuldade para se afastar da mãe;
problemas para compreender o que vê;
alterações significativas na forma ou conteúdo do discurso,
repetindo de imediato palavras e/ou frases ouvidas (fala ecolálica),
ou empregando-se de forma idiossincrática estereotipias verbais
ou frases ouvidas anteriormente, sendo comum a inversão
pronominal, referindo-se a ela mesma usando a terceira pessoa do
singular ou o seu nome próprio;
alterações significantes na produção da fala com relação ao
volume, ritmo e modulação;
habilidades especiais;
conduta socialmente embaraçosa;
negação da transformação da alimentação líquida para sólida ou
bulimia não diferenciada incorporando qualquer objeto pela boca.
30. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Ajuriaguerra J.; Marcelli D. Manual de
Psicopatologia Infantil. 2ªed. Porto Alegre: Artes
Médicas; 1991.