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           UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ




               Sandy Rodrigues Faidherb




   REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE ÁREAS RURAIS NA

AMAZÔNIA: UMA ANÁLISE DA LEI 11.952 DE 25 DE JUNHO DE

                        2009




                       BELÉM

                        2009
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               Sandy Rodrigues Faidherb




   REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE ÁREAS RURAIS NA

AMAZÔNIA: UMA ANÁLISE DA LEI 11.952 DE 25 DE JUNHO DE

                         2009




                 Monografia de Conclusão de Curso apresentada à
                 Universidade Federal do Pará como requisito para
                 obtenção de grau em Bacharel em Direito.

                 Orientador: Girolamo Domenico Trecanni




                        BELÉM

                         2009
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   Faidherb, Sandy Rodrigues



   Regularização fundiária de terras na Amazônia:
uma análise da Lei 11.952/ Sandy Rodrigues
Faidherb, Belém 2009.



   Trabalho de Conclusão de Curso.
(Graduação)- Universidade Federal do Pará. 2009.

   Curso: Bacharelado em Direito

   Orientador: Girolamo Treccani Domenico.
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                             Sandy Rodrigues Faidherb




               REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE ÁREAS RURAIS NA

            AMAZÔNIA: UMA ANÁLISE DA LEI 11.952 DE 25 DE JUNHO DE

                                         2009




                              Monografia de Conclusão de Curso apresentada à
                              Universidade Federal do Pará como requisito para
                              obtenção de grau em Bacharel em Direito.




                                Banca examinadora

                     ___________________________________

                     Prof. Msc. Dr. Girolamo Domenico Treccani

                     ___________________________________

                         Prof. Msc. Ronald Corecha Bastos



                     ___________________________________

                                         Prof.

Apresentado em: 08 de dezembro de 2009

Conceito:



                                     BELÉM

                                         2009
5




Dedico este trabalho a todos e todas que contribuíram
para que eu concluísse o curso de Direito com a
determinação de não me bastarem as leis.
6




Eu     sou      a      grande     Mãe    Universal.
Tua     filha,    tua     noiva    e    desposada.
A    mulher     e    o    ventre   que    fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.



                 Cora Coralina (O Cântico da Terra)
7



                                        RESUMO




O trabalho realizado aborda uma análise da recente lei 11.952 de 25 de junho de 2009
(conversão da MP 458/09), conforme o recorte temático da regularização fundiária em terras
de áreas rurais na Amazônia. A abordagem do tema traz em seu conteúdo o levantamento
de aspectos históricos que apontam as dificuldades já encontradas para se estabelecer o
ordenamento fundiário no campo, bem como os aspectos do contexto presente no território
amazonida, no que concerne a realidade agrária, ambiental e social. O desafio proposto
para lei 11.952/09 permite com que se possa traçar uma análise crítica com base na
exegese dos artigos que mais foram destacados pela sociedade civil e órgãos durante e
após o processo de elaboração da lei. Portanto, corresponde a uma análise material sobre
discussão que traz questionamentos da “boa técnica” usada pelo legislador para o sucesso
da relação norma-resultado, diante de tantos equívocos históricos já cometidos nesse
assunto.



Palavras chaves: Regularização fundiária – áreas rurais – Amazônia – Pará – Lei 11.952/09.
8



                                         ABSTRACT




This work is about a analyse of the recent 11.952 law of june 25th of 2009 (conversation od
the MP 458/09), accordant with the thematic recort about regularization of land in rural areas
of the Amazonia. The development of the thematic have in your content the relation of
historycs aspects that expose the difficulties already finded to have ordenament territory in
grassland, as well as the aspects of present context in Amazonia, concerning the agrarian,
environment, social reality. The objectives proposed to the law 11.952/09 gives conditions of
to project an critic analyse of the articles more detached by the civil society and
institucionales organisms while and after the elaboration of the law. So, correspond an
material analyse about discussion that bring questionaments of “technic good” used by the
legislator to success of the relation norm-result, in relation so historics mistakes did in the
topic.



Keywords: Land regularization- rural areas – Amazônia – Pará –11.952/09 law.
9



                                     LISTA DE ILUSTRAÇÕES




ILUSTRAÇÃO 1- Focos do desmatamento na Amazônia................................34



ILUSTRAÇÃO 2- Destino das terras na Amazônia...........................................35
10



                                  LISTA DE SIGLAS



ADCT- Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

ADIN- Ação Direta de Inconstitucionalidade

CEDENPA- Centro de Defesa do Negro do Pará

CPT- Comissão Pastoral da Terra

CSN- Conselho de Segurança Nacional

DETER- Detecção de Desmatamento em Tempo Real

GEBAM - Grupo Executivo do Baixo Amazonas

GETAT- Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins

IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

BRA- Instituto Brasileiro de Reforma Agrária

IMAZON - Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia

IN- Instruções Normativas

INCRA- Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INDA- Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário

INPE- Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

IPAM – Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia

IRFAM- Instituto de Regularização Fundiária da Amazônia

ITERPA- Instituto de Terras do Pará

MDA- Ministério do Desenvolvimento Agrário

MEAF- Ministério Extraordinário de Assuntos Fundiários

MP- Medida Provisória

MPF- Ministério Público Federal

PAS- Plano Amazônia Sustentável

PGR- Procuradoria Geral da República

PIN- Planos de Integração Nacional

PPCDAM- Plano de Ação Para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia
Legal
11



PROTERRA - Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do
Norte e Nordeste

SAGRI- Secretaria de Estado de Agricultura

SUDAM- Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia

UNESP- Universidade Estadual Paulista

ZEE- Zoneamento Econômico Ecológico
12



                                                           SUMÁRIO




1. INTRODUÇÃO...............................................................................................12

2.      INICIATIVAS              DE        REGULARIZAÇÃO                      FUNDIÁRIA               AO        LONGO   DA
HISTÓRIA..........................................................................................................14

2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA.....14

2.2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA OCUPAÇÃO DA AMAZÔNIA.....................16

2.2.1. Ciclo do extrativismo e da borracha ...................................................17

2.2.2 Ciclo dos grandes projetos e agropecuária .......................................18

2. 3. INTERVENÇÕES DO ESTADO PARA (DES)ORDEM FUNDIÁRIA ........21

2.3.1. Estado Colonial e República Velha .....................................................21

2.3.2 . Estado de República Populista e Ditadura Militar ............................25

2.3.3. Nova República e Estado Democrático de Direito ............................31
3. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E O ESTADO ATUAL .............................33
3.1. BREVE CONTEXTO PRESENTE DA SITUAÇÃO AGRO- AMBIENTAL DA
AMAZÔNIA .......................................................................................................33
3.2. INTERVENÇÕES RECENTES SOBRE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA.36
3.2.1. Na região Amazônia Legal ...................................................................36
3.2.2 No Estado do Pará ................................................................................39

4. A MEDIDA PROVISÓRIA 458 CONVERTIDA EM LEI 11.252 /09 ..............40

4.1 ANTECEDENTES DE ELABORAÇÃO DA LEI ...........................................40

4.2 ASPECTOS GERAIS SOBRE O TEOR ....................................................42

4.3. ASPECTOS ESPECÍFICOS SOBRE O TEOR .........................................45

4.3.1     Art. 4° § 2° Terra de quilombos e comunidad es tradicionais ........45
                ,    :
4.3.2 Art. 13: Dispensa de vistoria ...............................................................47

4.3.3 Art. 15: Recuperação da degradação ambiental ...............................49
13



4.3.4 Art. 15, §§, 3° e 4° Tempo diferenciado da s venda de áreas...........52
                         :

5 CONCLUSÃO ...............................................................................................55

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................59

7 ANEXOS ........................................................................................................66
14



                                        INTRODUÇÃO

               O presente trabalho aborda em temos gerais sobre regularização
fundiária em áreas rurais da Amazônia Legal e mais precisamente do Estado do
Pará, tendo como enfoque a iniciativa consignada na lei advinda da conversão da
Medida Provisória 458, a Lei 11.952, de 25 de junho de 2009. Os apontamentos que
esta monografia se propõe a fazer sobre esta lei consistem em uma análise material
sobre a consistência jurídica da mesma diante dos desafios históricos postos a
imbricada tarefa de regularização fundiária na Amazônia Legal.

               O tema possui sua importância na medida em que se volta para uma
realidade agrária de conflitos e violência, resultados de um contexto fundiário
coberto de obscuridades e equívocos cometidos a partir do marco referencial da
colonização. Daí o desafio lançado neste trabalho tem a necessidade do
levantamento de aspectos históricos sobre a formação territorial da região ora
afetada pela lei 11.952 e em breves momentos específicos sobre o Estado do Pará.

               Com isso, ocorre a preocupação de primeiramente destacar-se o
processo de ocupação e os atores envolvidos ao longo dos tempos, já que se está
falando da influência de interesses diferenciados no estabelecimento de conquista
da terra. Depois se procura resgatar as principais iniciativas em que o poder estatal
posicionava-se com a finalidade suposta de ordenamento territorial, seja em âmbito
nacional ou localizado regionalmente.

               Após esse resgate histórico passa-se a compreender a conjuntura
atual e as intervenções mais recentes no que concernem as afetações do contexto
fundiário, tal como os planos e programas que envolvem a Amazônia. Esse
panorama é importante na localização do leitor sobre a inserção do projeto da lei
11.952/09 no plano da política agrária desenvolvida pelo Estado em âmbito federal.

               A partir de então, ainda que com uma escassa formulação teórica
sobre o tema desenvolvido, adentra-se nas formulações críticas sobre o processo
legislativo que deu origem a lei ora analisada e como se formularam as principais
alterações até se chegar no texto atual. Desse momento em diante, se passa a
identificar contradições e omissões apontadas no teor da lei.
15



               A fundamentação da coerência jurídica em sede dos princípios
sustentadores do direito agro-ambiental e constitucional, bem como a leitura da
histórica em relação aos fins que a lei se propõe são os pontos centrais que
sustentam a leitura crítica que se faz sobre os aspectos específicos da lei.

               Por fim, se conclui o trabalho com o objetivo de compor uma leitura
de como se percebe o modelo de regularização proposto pela lei 11.952 para áreas
rurais e como este pode ser encarado em sua proposta, diante das vicissitudes
apontando do ínterim da análise e dos fatores da evolução histórica apresentada.
16



2. INICIATIVAS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA AO LONGO DA HISTÓRIA

2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

                  Antes que se comece a levantar as principais iniciativas esparsas do
Estado que incidiram e incidem na aplicação da regularização fundiária da Amazônia
e em especial do Pará, faz-se necessário dizer que não se está aqui separando esse
conceito da compreensão de uma política agrária, ou seja, como inserido em um
“conjunto de medidas tendentes a solucionar os problemas ligados à propriedade e
uso da terra pública ou particular, em face da indefinição do domínio, da ocupação
pela simples posse, ocupação do espaço vazio e distorção fundiária.” 1

                  Desta feita, regularização e/ou ordenação fundiária está em
convergência aos princípios garantidores da efetivação da reforma agrária, não se
desvinculando da garantia de justiça social, conforme a máxima do artigo 16 do
Estatuto da Terra (Lei 4.504/64):

                          A Reforma Agrária visa a estabelecer um sistema de relações entre o
                          homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça
                          social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento
                                                                                                   2
                          econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio.
                          (grifo meu)

                  Não obstante a isso, temos o recorte diferencial, em que a
regularização pressupõe a necessidade de apuração das terras públicas devolutas,
que, segundo um conceito residual, são aquelas que não se incorporam ao domínio
particular, bem como as já incorporadas ao patrimônio público, porém não afetadas
a qualquer uso, estando disponíveis para que o Estado encaminhe ao devido
destino.3

                  São, as terras devolutas, em seu conceito originário, aquelas que
deveriam ter sido devolvidas à Coroa, por haverem caído em comisso, o que veio a
ser incorporado ao Decreto- lei n° 9.760/46, em seu artigo 5º 4.



1
  ALMEIDA, Paulo Guilherme. Aspectos jurídicos da reforma agrária no Brasil. São Paulo: LTr,
1990. p. 92
2
  BRASIL. Lei 4.504 de 30 de Outubro de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras
providências. Disponível: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L4504.htm. Acesso: 2 de set. 2009.
3
  DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Editora Atlas, 2006. p. 682.
4
  São devolutas, na faixa da fronteira, nos Territórios Federais e no Distrito Federal, as terras que,
não sendo próprios nem aplicadas a algum uso público federal, estadual territorial ou municipal, não
17



                  Para apuração das terras devolutas o Estado faz uso do processo
discriminação5, que poderá ter a função de legalização de posses também. Assim,
por meios de procedimentos administrativos e judiciários o Estado poderá encerrar a
identificação dos imóveis públicos ou privados.

                  A regularização faz parte de uma política fundiária, que envolve
outros instrumentos importantes como a legitimação de posse, a discriminação e a
arrecadação. Sendo que todos envolvem a necessidade de definir a origem das
terras, com a particularidade de que, a regularização exige “o exame preliminar da
situação de cada possuidor, para verificar-se quais os que podem ter as suas
posses regularizadas e quais terão que desocupar as áreas que possuem”6

                  O processo de reconhecimento da propriedade pública ou particular
rural, que é objetivado com as tentativas de ordenamento fundiário no campo,
deveria compreender um leque de critérios que são determinados pelo cumprimento
da função sócio-ambiental que exercem. Assim “reconhece-se o espaço de
manifestação da liberdade do indivíduo ou da coletividade e, concomitantemente,
assegura-se que o exercício da autonomia privada esteja sujeito a função social e
ambiental da propriedade privada rural”7

                  Desta forma, ao se falar de normas que visam o ordenamento
fundiário, como as instruções normativas do INCRA e institutos de terra estaduais,
se está abordando não simplesmente uma série de procedimentos burocráticos que
permitem a localização do domínio e/ou uso da terra, mas a identificação dos fins a




se incorporaram ao domínio privado: a) por fôrça da Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, Decreto
nº 1.318, de 30 de janeiro de 1854, e outras leis e decretos gerais, federais e estaduais;b) em virtude
de alienação, concessão ou reconhecimento por parte da União ou dos Estados; c) em virtude de lei
ou concessão emanada de govêrno estrangeiro e ratificada ou reconhecida, expressa ou
implícitamente, pelo Brasil, em tratado ou convenção de limites;d) em virtude de sentença judicial
com fôrça de coisa julgada; e) por se acharem em posse contínua e incontestada com justo título e
boa fé, por têrmo superior a 20 (vinte) anos; f) por se acharem em posse pacífica e ininterrupta, por
30 (trinta) anos, independentemente de justo título e boa fé; g) por fôrça de sentença declaratória
proferida nos têrmos do art. 148 da Constituição Federal, de 10 de Novembro de 1937. Cf. BRASIL.
Decreto-lei 9.760. Dispõe sobre os bens imóveis da União e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del9760.htm. Acesso em 2 de Set. 2009
5
   Considera-se discriminação de terras como o ato pelo qual um órgão fundiário realiza o
reconhecimento de áreas efetivando demarcação e registro de terras da União ou do Estado.
6
  DE MENDONÇA, Rafael Augusto. Direito Agrário. São Paulo: Renovar, 1994, p. 329.
7
  IPAM. A grilagem de terras públicas na Amazônia brasileira. Brasília: MMA, 2006, p. 23.
18



que a mesma está servindo, o que gera a discussão sobre a compatibilidade ou não
da função social da terra.8

2.2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA OCUPAÇÃO DA AMAZÔNIA

                 Para se entender o processo de ocupação das terras da Amazônia
brasileira e em específico do Pará é necessário se fazer um resgate histórico do
processo de “colonização” da região, ou seja, da composição dos sujeitos que
atualmente estão disputando o território. Por isso, é necessário perpassar pelo
dinamismo migratório que sofreu nossa região, conjuntamente aos ciclos
econômicos.

                 Antes, é necessário se registrar que em nosso território paraense,
que originalmente pertenciam aos povos nativos e depois definido pelo Tratado de
Tordesilhas como pertencente à Espanha, a exploração foi iniciada pelos
portugueses que trataram de fundar um território sobre seu domínio conhecido como
“Maranhão e Grão Pará” e expulsar os demais estrangeiros da região.9

                 Assim, percebe-se que ao longo tempos a área condizente hoje ao
Estado do Pará, bem como a Amazônia, já eram objeto de cobiça internacional,
devido ao seu potencial de riquezas naturais, florestas, minerais. Nesse sentido, se
pode constatar que desde o século XVI temos a presença de projetos exógenos, de
colonizadores que determinam os ciclos econômicos para a região.

                 Com isso, passa-se a analisar as principais interferências desses
ciclos na origem da configuração dos atores sociais que hoje estão presentes na
região. Tendo em vista que é de suma relevância conhecer quem tem ocupado as
áreas da fronteira do nosso território para compreender os avanços e equívocos de
qualquer processo regulatório das terras amazonidas.10




8
  Cf. MARÉS, Carlos Frederico. A função Social da Terra. Porto Alegre: Editora Fabris, 2003.
9
   BASTOS, Ronald Corecha Bastos. A atuação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem- Terra) na estrutura jurídico agrária do Pará. Belém: CEJUP, 2002. p. 21
10
    Concepção de Fronteira: é “o lugar em a expansão da concepção “civilizatória” , que empurra e
confronta as culturas e terras dos povos originários. Desse modo, é o lugar em que há frentes
diversificados de uso da terra.”. (In Darcy Ribeiro apud Violeta Refkalefsky Loureiro. Amazônia do
Século XXI: novas formas de desenvolvimento. São Paulo: Empório Livros, 2009, p. 67)
19



2.2.1 Ciclo do extrativismo e da borracha

                Este período colonial, em seu começo marcado pela exploração de
drogas do sertão (séc. XVII e parte do séc. XVIII), foi inicialmente caracterizado pela
utilização do trabalho forçado de índios, facilitado pelo processo de aculturação da
catequese e pela dizimação de povos que resistiam. Segundo registros de carta do
cônego Manoel Teixeira, em 5 de janeiro de 1654 foram extintos, no espaço de 32
anos, 2 milhões de índios de mais de 400 aldeias.11

                Com a chegada do Marquês de Pombal ao poder de Portugal o
incentivo do abastecimento para a colônia fez aumentar a preocupação com mão de
obra escrava. Por isso, foi criada a Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão para
realizar o tráfico de pessoas negras da África para região. Estimasse, por dados do
CEDENPA apud Treccani (2001: p. 55), um indicativo de 54.000 de negros trazidos
como escravos ao Pará.

                Mas, foi com a inauguração do ciclo da borracha (fim do século XVIII
e parte do século XIX) que se intensificou a preocupação pelo domínio do território
no Estado, já que a incorporação à divisão internacional do trabalho, com a nascente
revolução industrial na Europa, fez com que houvesse a “inauguração da vocação
extrativista da Amazônia.” 12

                Esse levante da exploração da borracha, fez com que junto a
consolidação da classe dominante regional, composta de fazendeiros, comerciantes,
negociantes e proprietários em geral, houvesse uma corrente de imigração
nordestina intensa, tanto para trabalhar na extração do látex, quando para compor
as reservas de peões na construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré.

                        (...) Em 1885, foi criada a Sociedade Paraense de Imigração e, um ano depois, era
                        promulgada uma lei que autorizava o governo a promover a vinda de dez mil
                        migrantes. Estas tentativas tiveram, porém sucesso. Foram sobretudo os
                        nordestinos, que fugiam como flagelados e retirantes da seca, que adentravam
                        mata adentro para explorar a borracha. Em 1855 e 1889, entraram no Grão Pará
                                                                            13
                        18.173 migrantes, 17.166 dos quais eram cearenses.




11
   LEAL. Aluísio Lins. Uma sinopse histórica da Amazônia. Belém, Universidade Federal do Pará:
1991. p. 9.
12
   Ibid. p. 25
13
   TRECCANI, Girolamo Domenico. Violência e Grilagem: instrumentos de auisição da
propriedade da terra. Belém: UFPA, ITERPA, 2001, p. 89.
20



                   Após o ciclo da borracha esse boom migratório foi em parte utilizado
para o ciclo da castanha, onde a exploração continuou. Essa população, que foi
reproduzindo a miscigenação com os povos nativos da região, veio constituir a
massa expurgada e miserável do fim do século XIX, que seja na mata ou na cidade,
continuaram sendo o produto da marginalização do nascente projeto imposto pelos
interesses de fora.

                   Entre os resultados desta fase, verifica-se uma intensa urbanização,
foram mais de 50 aldeias elevadas a categorias de vilas e Belém que tinha 4.000
habitantes na primeira metade do século, passou a ter mais de 10.000 a partir dessa
época14. Isso significou um inchaço populacional da região, a qual já começava a
sofrer com a migração espontânea em decorrência do estímulo do Estado e
empresas de exploração extrativista.

                   Mas foi a partir da política de colonização durante a ditadura militar
(Decreto Lei 1.164, de 1° de abril de 1971) que ess e processo migratório de
flagelados da seca do nordeste, grandes empresas e fazendeiros contribuiu
sensivelmente para “engrossar o caldo” dos conflitos e problemáticas atuais na
região.

 2.2.2 Ciclo dos grandes projetos e agropecuária

                   Foi a partir da segunda metade do século XX que, além do povo da
Amazônia começaram a ser dizimadas também as florestas com intensidade.
Tratavam-se das áreas devastadas para construção de estradas, pastagens e
grandes projetos minerais e energéticos. Tudo isso sob o incentivo do Estado
brasileiro, a serviço dos interesses estrangeiros.

                   Segundo Aluísio Leal (1991: p. 48), a política econômica de entrega
do território amazônida ao capital estrangeiro teve como fator aliado o
endividamento da burguesia local, que após a quebra do ciclo da borracha e da
dívida pública causada com a construção de infra-estrutura destinada à economia
gomífera, viu nos empreendimentos privados oportunidade de exploração da região.




14
     DIAS 1970: p. 118 apud TRECCANI, ibid, p. 56
21



                  Primeiramente foram abertas rodovias, que haviam como slogan
principal a possibilidade de “integrar”15 a Amazônia às demais regiões do país.
Assim,    foram     construídas      a   Belém-Brasília,       Pará-Maranhão        e   parte     da
Transamazônica, com mão-de-obra em suma maioria das correntes migratórias
nordestinas.

                          Cada vez que um trecho era concluído os trabalhadores ficavam
                          desempregados, indo engrossar as levas de ocupantes das terras que iam
                          sendo amansadas. (...)Todas estas rodovias tinham sido planejadas para
                          acolher pequenos lotes ao longo de suas margens e lotes maiores nos
                          fundos, mas na realidade aconteceu exatamente o contrário. A ocupação
                                                                                                   16
                          pela pata do boi , passou a ser o lema para o desenvolvimento da região.
                          (grifo meu) .

                  A Amazônia era divulgada como um grande “vazio demográfico” e
assim, especialmente pós-1964, foram implantados projetos de colonização, que
eram na verdade incentivos fiscais para que empresas se instalassem na região
amazônica. Foram criados os Planos de Integração Nacional e de Desenvolvimento,
que reproduziram a expansão da agropecuária extensiva e extração dos recursos
minerais, bem como fomentaram a “Marcha para Oeste”17 para onde não havia
constatação de propriedades avançadas.

                          (...) Na pressuposição dos tecnocratas não entrou o dado prévio sobre a já
                          existente ocupação da Amazônia por índios e posseiros e muito menos
                          entrou em cogitação o povoamento da região que se daria em
                          conseqüência      das   próprias   medidas     da    política   econômica
                          concentracionista aplicadas no conjunto do país, expulsando lavradores em
                          direção às terras amazônicas, forçados a disputá-las com as grandes
                                         18
                          empresas (...).

                  Junto aos planos institucionais iam sendo federalizadas as terras dos
Estados e, onde não eram constatadas propriedades particulares, as terras iam
sendo incorporadas aos planos de ocupação da Amazônia. Com isso eram abertas
novas fronteiras e sendo constituída uma tessitura social de conflitos, entre os
sujeitos que iam se apropriando das terras e os nativos (povos indígenas,
quilombolas), além dos colonos que vinham com as correntes migratórias.



15
   Foi a estratégia política e militar do nacionalismo, com o discurso que proclamava a integração da
Amazônia às demais regiões do país- “integrar para não entregar”. A finalidade era abrir vantagens
para a incorporação do espaço da Amazônia às demandas do mercado mundial.
16
   TRECANNI, Girolamo Domenico. Violência...,, op. cit. p. 165
17
   “Marcha para o Oeste” foi como ficou conhecido o movimento migratório de brasileiros expropriados
de suas terras em outras regiões, principalmente Nordeste, para a Amazônia.
18
   MARTINS, José de Souza. Expropriação e Violência: A questão política no campo. São Paulo:
Editora Hucitec, 1991, 3ª ed, p. 73
22



                 Como nos relata Éleres Paraguassú (2002: p. 42) a                   “euforia por
procura de terras no Pará”, iniciada na década de 70, contribuiu para acentuar o
drama fundiário que se vivencia hoje.

                       Para o posseiro amazônida constitui-se num inferno: grandes correntes
                       migratórias de investidores médios e pequenos proprietários formaram no
                       vetor dos grandes eixos rodoviários, penetrando em todas as frentes. Do
                       Pará a Rondônia; do Acre ao Sul do Amazonas, Norte do Mato Grosso, e
                       Roraima, levas de gaúchos, catarinenses, paranaenses, mato-grossenses do
                       sul capixabas e mineiros – brasileiros de Estados sabidamente
                       minifundiários, aventuraram-se no mito da terra prometida, “terra sem
                                                           19
                       homens para homens sem terra” (...)

                 A agressividade dessa ocupação, oriunda de um projeto geopolítico
equivocado para os interesses e peculiaridades da região, teve efeitos inestimáveis
de destruição nas áreas onde foi implantada. Foram exterminadas espécies de vida,
culturas e saberes locais historicamente construídos e gerados desmatamentos
incontrolados ao lado da exploração de madeira e da pecuária.
                 Dados do IBGE de 2007 demonstram como atualmente se pode
enxergar o produto dessa ocupação. Sendo mais da metade da população da
Amazônia Legal, originária de outros estados, principalmente das regiões Nordeste e
Sul do Brasil. Segundo análise da localização dessa população, enquanto os
nordestinos se concentram nas proximidades da rodovia Belém-Brasília, nas
margens do rio Amazonas e no estado do Maranhão, os sulistas se fixaram nas
margens da BR-364 e no norte do Mato Grosso, região da fronteira agrícola.20
                 O empobrecimento dos colonos, das populações originárias,
caboclos e posseiros e o avanço dos fazendeiros, empresários, grileiros, promoveu
e promove até hoje o deslocamento dessa população para os centros urbanos.
Expropriados das terras, tornam-se proletários e vão vender sua mão-de-obra,
inchando os exércitos de reservas.21




19
   ÉLERES, Paraguassú. Intervenção territorial federal na Amazônia. Belém: Imprensa Oficial do
Estado, 2002. p. 45
20
   BANDEIRA, Luisa. Estudo do IBGE mostra como está sendo feita a ocupação da Amazônia.
Agência Brasil. Disponível em: http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/01/25/materia.2007-01-
25.6039021197/view. Acesso em 14 de Ago. de 2009
21
   “Se, por um lado, predominou a grande concentração fundiária, por outro ocorre o empobrecimento
das etnias indígenas, caboclos amazonenses e posseiros. Essa era a grande meta do capital,
expropriar os povos originários e os posseiros, deslocar as populações, tornando-as proletárias para
servirem ao sistema ali implantado.” Cf. PICOLI, Fiorelo. O capital e a devastação da Amazônia.
São Paulo: Expressão Popular, 2006. p. 50.
23



                  Só no Pará, no ano de 2005 a população urbana já correspondia a
4,1 milhões de 6,9 no total, quase 60% da população total. Nos nove (9) Estados da
Amazônia Legal já se chegou a 11 milhões vivendo na cidade, nesse mesmo ano.22
Ao se fazer uma leitura das condições desse inchaço populacional nas cidades, é
notória a relação de conseqüência do que tem ocorrido no campo, compreendendo
que quem está atualmente ocupando o território rural tem sido cada vez mais uma
parcela minoritária da população.


2. 3. INTERVENÇÕES DO ESTADO PARA (DES)ORDEM FUNDIÁRIA

2.3.1. Estado Colonial e República Velha


                  Os marcos legais que acompanharam a evolução da conquista de
terras da Amazônia, em especificidade no Pará, possuem peculiaridades que nos
permitem avaliar indícios de equívocos dos fatos jurídico-históricos incidentes ao
longo dos tempos. Daí a necessidade de se levantar algumas dessas intervenções
na estrutura agrária nacional e regional, no que concerne ao regimento do Pará,
principalmente.
                  Pode-se afirmar que o primeiro marco regulatório estatal que veio
demarcar critérios para ser “dono” de terras brasileiras iniciou-se com as
Ordenações Reinós23 e com Lei de Sesmarias em Portugal, de 26 de julho de 1375,
bem antes da conquista de fato do território brasileiro.24 Nestas já haviam as
previsões do que viria a ser Carta Foral de 6 de Outubro de 1531, quando o regime
sesmarial foi oficialmente introduzido no Brasil.
                  As    exigências     para     serem     concedidas      as    sesmarias      eram
verdadeiras condições resolúveis, ou seja, determinantes para que as sesmarias




22
    MIRANDA, E. E. de; GOMES, E. G. GUIMARÃES, M. Mapeamento e estimativa da área
urbanizada do Brasil com base em imagens orbitais e modelos estatísticos. Campinas:
Embrapa Monitoramento por Satélite, 2005. Disponível em:
<http://www.urbanizacao.cnpm.embrapa.br/conteudo/discussao.html> Acesso em 02 de Set. 2009.
23
   Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas.
24
   “Os doutrinadores são hoje unânimes em reconhecer que a história do direito agrário e a estrutura
agrária brasileira fincaram suas raízes no direito português, pois quando começou o processo de
colonização não foi elaborada uma legislação específica para a colônia, mas passaram a vigorar no
Brasil as leis lusitanas, que estabeleciam a maneira de adquirir, exercer, conservar, alienar e perder
as terras.” Cf. TRECANNI, Girolamo Domenico. Violência..., op. cit, p. 27.
24



não caíssem em comisso. Porém isso se dava em tese, posto que na prática eram
critérios dificilmente fiscalizados naquela época.
                 As condições se resumiam em aproveitar a terra (considerado como
semeá-la, cultivá-la); medir e demarcá-la; pagar impostos sobre estas (pagamento
de foro); obter confirmação dos procedimentos realizados pelo rei. Dentre essas,
destaca-se a condição de demarcar os imóveis, que, após o Alvará de 5 de outubro
de 1795, tornou-se uma condição sine-qua-non para confirmação das sesmarias,
posto que deveria ser antes da utilização do imóvel e não depois. 25
                 Com isso se pode identificar uma tentativa legislativa de manter o
controle das terras concedidas como sesmarias e portanto, que estavam sendo
regulamentadas pelo Estado português, ainda que se tenha o caráter colonial
implícito. No entanto, como já exposto essas normas dificilmente eram utilizadas na
prática ou tinham algum efeito em terras tão pouco desbravadas, como da região
amazônica. Prova disso são os números de sesmarias registradas como
confirmadas na Província do Grão-Pará, o que envolvia o Pará, Amazonas,
Maranhão e Piauí, sendo somente 25,95% de 2.158 títulos emitidos26,.
                 Como enfatiza VIDAL et al (2009, p. 55) a fiscalização das sesmarias
era dificultosa, dentre os motivos nos expõe:
                       A imensidão territorial, o desconhecimento de sua real dimensão, das
                       características da terra e do clima dificultavam sobremaneira o trabalho dos
                       representantes da Coroa. Os delegados do Rei residiam e trabalhavam nas
                       sedes das capitanias, a maioria plantada na costa, pouco sabiam do que se
                       passava no interior do continente e eram constantemente assediados por
                       demandas defensivas contra as incursões estrangeiras que se faziam ao
                                   27
                       território.


                 Ainda que não houvesse efetivação e resultados de grandes
proporções com a demarcação das sesmarias, o Alvará de 1795 foi suspenso por
decreto de 10 de dezembro de 1976, devido à pressão dos grandes proprietários de


25
   “IV – Item: Ordeno que a esta utilíssima condição (com que se devem gravar os Sesmeiros, a fim
de que cada um regule o seu Direito, segundo os Marcos, e Balizas da sua demarcação) em nenhum
caso poderão dispensar os Governadores, e Capitães Generais do dito Estado do Brasil nas suas
respectivas Capitanias, nem ainda o Conselho Ultramarino, depois de publicado em cada uma delas
este Alvará, antes sim como parte seu Regimento, nunca mais poderá confirmar Sesmaria alguma,
sem que se lhe apresente, junto com a Carta dela, Certidão legal, e autêntica, de se haver feito, e
passado em Julgado a demarcação, que respeita a cada uma das ditas Sesmarias;” Cf. BRASIL.
Alvará de 5 de outubro de 1795. Disponível em:
 http://www.iterpa.pa.gov.br/files/leis/Legislacao_agroambiental_antiga/Periodo_Colonial/Alvara_05-
10-1795_Diploma_final_das_sesmarias.doc
26
   TRECANNI, Girolamo Domenico. Violência...., op. cit. p. 56.
27
   VIDAL, Marly Camargo e MALCHER, Maria Ataíde. Sesmarias. Belém: ITERPA, 2009, p. 55.
25



terra no Brasil (VIDAL, 2009, p. 72 apud BENNATI, 2003, p. 41). E em 17 de Julho
de 1822 ocorre a Resolução que suspende definitivamente a concessão de
sesmaria, ratificada em 22 de Outubro de 1823.
                 Teve início o período conhecido como “regime de posse”28, em que a
regulamentação de terras no Brasil não estava regida por ordem legislativa, quando
o país vivenciou um momento de total descontrole sobre as terras. O Estado não
concedia, nem confirmava sesmarias.
                       As concessões de sesmarias colocavam à justiça em intricadas situações,
                       ora reconhecendo o direito dos sesmeiros, ora reafirmando a primazia da
                       posse. Os conflitos gestados mostravam ainda que a obrigatoriedade do
                       cultivo era o constrangimento maior para aqueles que – ao arrepio da lei –
                       buscavam um título legítimo. Era preciso então consagrar a propriedade, sem
                       ter que fazer um acerto com o passado, “contendo providência para o
                       pretérito e regras fixas para o futuro”, como afirmara Vergueiro. A sesmaria
                       fundara a propriedade territorial no Brasil e estabelecia um constrangimento
                       estranho aos interesses do liberalismo, sempre pronto a fazer cumprir a lei
                       “na casa do vizinho”. Era preciso deslegitimar a noção de que a propriedade
                                                                                       29
                       da terra deveria estar assentada na obrigatoriedade do cultivo.



                 A constituição de 1824, apenas extinguiu definitivamente o sistema
sesmarial e só tivemos novamente uma regulamentação agrária no país em 1850, a
Lei n° 601, mais conhecida como a Lei de Terras. Na sua razão jurídica, vinha trazer
diretrizes de como demarcar as terras e identificar as devolutas, considerando como
parâmetro para aquisição destas a compra, o que já deixava a margem os
“despossuídos” de poder aquisitivo para tal, ou seja, ex-escravos e imigrantes
camponeses.
                 Essa lei trouxe no seu bojo exigências relevantes para a
discriminação de terras do Brasil, tal como a demarcação como critério para
transmissão do domínio público ao particular30, a necessidade de cultivo e moradia




28
   Como ficou conhecido o período em que foram suspensas as concessões de título dominiais de
sesmarias, expedidos pelo poder público. No Brasil iniciou-se em 1882.
29
   MOTTA, Márcia Maria Menendes. Descontentamentos e protestos: territorialização da coroa e
o direito a terra na América portuguesa. s/a, p. 28. Disponível em:
http://www.euronapoleon.com/pdf/private/MARCIA_MOTTA.pdf. Acesso em 4 de Set. 2009.
30
   Art. 8º Os possuidores que deixarem de proceder á medição nos prazos marcados pelo Governo
serão reputados cahidos em commisso, e perderão por isso o direito que tenham a serem
preenchidos das terras concedidas por seus titulos, ou por favor da presente Lei, conservando-o
sómente para serem mantidos na posse do terreno que occuparem com effectiva cultura, havendo-se
por devoluto o que se achar inculto. Cf. BRASIL. Lei 601/1850. Dispõe sobre as terras devolutas do
império. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L0601-1850.htm. Acesso em 6 de set.
2009.
26



habitual para revalidação das sesmarias. No entanto, esses critérios não impediram
o desarme do caos fundiário inicialmente instalado.
                  Dispositivos como o art. 10 da Lei 601/185031, não tiveram
efetividade, diante da inoperância em discriminar as terras devolutas. Além disso, a
escassez de agrimensores era utilizada como justificativa para o não cumprimento
da discriminação de terras.
                        Os institutos básicos da Lei 601/1850: demarcação, registro de terras
                        possuídas, discriminação e arrecadação das terras devolutas que voltariam a
                        incorporar-se ao patrimônio público, fracassaram redondamente. Sem a
                        discriminação das terras devolutas era impossível, de um ponto de vista
                                                                         32
                        jurídico, institucionalizar a estrutura agrária.

                  Com a constituição de 1891, art. 64, as terras devolutas da União
passam a ser administradas pelos Estados e com isso temos no Pará a primeira Lei
de Terras, o Decreto n° 410 de 8 de Outubro de 189 133. O teor desse decreto foi
muito similar a Lei de Terras 601 de 1850, posto que dispunha sobre a alienação de
terras devolutas do Estado do Pará, revalidação de sesmarias e outras concessões
do Governo, bem como a legitimação das posses mansas e pacíficas.
                  É válido retomar que, antes mesmo da revolução dos cabanos34, a
Província do Grão Pará teve 2.158 títulos de concessões sesmarias confirmadas
entre 1700 e 183535, os quais tinham como beneficiados aqueles que apresentavam
posses e facilidades burocráticas junto à metrópole. Desta feita, se pode tirar
conclusões de quem seriam os contemplados pelas revalidações.
                  Apesar das exigências de medição e demarcação das terras
passíveis de legitimação e revalidação em prazo de cinco (5) anos, segundo o
regulamento publicado em 28 de outubro de 1891, bem como a preocupação do


31
   Art. 10. O Governo proverá o modo pratico de extremar o dominio publico do particular, segundo as
regras acima estabelecidas, incumbindo a sua execução ás autoridades que julgar mais
convenientes, ou a commissarios especiaes, os quaes procederão administrativamente, fazendo
decidir por arbitros as questões e duvidas de facto, e dando de suas proprias decisões recurso para o
Presidente da Provincia, do qual o haverá tambem para o Governo Cf. BRASIL, ibid.
32
   TRECANNI, Girolamo Domenico. Violência..., op. cit. p. 81.
33
   Art 64 - Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos
territórios, cabendo à União somente a porção do território que for indispensável para a defesa das
fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais.
 Parágrafo único - Os próprios nacionais, que não forem necessários para o serviço da União,
passarão ao domínio dos Estados, em cujo território estiverem situados Cf. BRASIL. Constituição
1891. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao91.htm.
Acesso em 6 de Set. 2009.
34
   Revolta popular no Pará, que ficou conhecida como Cabanagem. Chegou a constituir um governo
próprio e independente entre 1835-1840.
35
   MUNIZ, João da Palma apud ÉLERES, Paraguassú. Intervenção..., op. cit., p. 41.
27



legislador em definir a forma descritiva que corresponderia ao laudo do agrimensor
para obtenção do título definitivo36, os cuidados com a forma não foram suficientes
para que houvesse a aplicação da mesma ao longo dos tempos e os prazos foram
prorrogados sucessivas vezes, até 1995.37
                  Pouco antes do começo do século XX, se teve no Pará uma leva de
regulamentos que possuíam o cunho de concessão de terras. Um deles, de 30 de
junho de 1894, a lei 223 permitia a concessão gratuita de 25 hectares (ha), o que
trouxe aproximadamente 13.000 imigrantes da Europa para o estado do Pará.38
                  Já no início do século XX, a legitimação e revalidação de terras,
segundo análise de Ronald Corecha39, apresentou sérios defeitos por meio da Lei
1.108 de 6 de novembro de 1909. Nesta tínhamos a desconsideração da
necessidade de medição para confirmação de Sesmarias, afirmando como critério
válido “atos emanados do poder ou autoridade competente”.40 Isso permitia com que
fossem oficializadas as ilegalidades cometidas no ato das concessões de terras no
Estado antes de 1854.
                  Também deste período aproximado, em 1918, ocorreu a incidência
da Legislação Estadual (Lei 1.741) que concedia grandes extensões de terras
públicas41, entre estas a abertura de castanhais para particulares, o que se
possibilitou a base da constituição de oligarquias na região do sul do Pará, mas
propriamente Marabá e municípios vizinhos.42


2.3.2 Estado de República Populista e Ditadura Militar




36
   Fato este reforçado pela publicação da Lei 82 de 1892, que estabelecia disposições sobre a venda,
revalidação, transferência e legitimação das terras devolutas exclusivamente pertencentes ao Estado.
37
   TRECANNI, Girolamo Domenico. Violência...., op. cit. p 98.
38
   Ibid, p. 101.
39
   BASTOS, Ronald Corecha. A atuação..., op. cit., p. 28.
40
   Art. 8° - A medição e demarcação das posses terão por base o registro criado pelo Art. 17, da lei n°
82, de 15 de setembro de 1892, mantido pelo Art. 21, n° 2° 3° , 4° e 5° da presente lei. ( BRASIL. Le i
                                                           ,
1.108 de 6 de novembro de 1909. Dá nova organização ao serviço de Terras. Disponível em:
www.iterpa.pa.gov.br/files/leis/Legislacao.../Lei_PA_1.108-1909.doc. Acesso em 9 de set. 2009)
41
  . Art. 4° As posses de terras adquiridas em virtud e do art. 5° § 5° do Dec.n° 410, de 8 de outubro
           -                                                         ,
de 1891; do art. 5° § 6° da lei n° 82, de 15 de s etembro de 1892; do art. 5° § 6° da lei n° 1.1 OS, de
                    ,    ,                                                    ,
6 de novembro de 1909 ainda não legitimadas até a data da presente lei, não poderão exceder das
extensões seguintes: 1.098 hectares para terrenos de indústria extrativa; 2178 hectares para terrenos
de lavoura, e 4.356 hectares para campos de criação, ficando o excedente em área sujeito a
pagamento como terras devolutas que são. Cf. BRASIL. Lei Estadual do Pará n° 1.741 de 1914.
Disponível em www.iterpa.pa.gov.br/ListaLeis.iterpa?...tleiCodigo. Acesso em 9 de set. 2009.
42
   IPAM. A grilagem ..., op. cit., p. 29.
28



                  Foi no período da segunda metade do século XX, com a intervenção
do governo federal e seus projetos de “colonização” da Amazônia que se percebe as
injustiças fundiárias agravadas. Já em plena ditadura militar, após a era Vargas e os
planos falidos de reforma agrária do governo de João Goulart, foram lançados
diversos instrumentos jurídicos que contribuíram na alteração da estrutura fundiária
da Amazônia.
                  A Lei 4.504 de 30 de Novembro de 1964, o Estatuto da Terra, trouxe
institutos importantes para a agregação de terras públicas por particulares, tratavam-
se de: legitimação gratuita de posse de até 100 ha; alienação com dispensa de
licitação de áreas até 3.000 ha; concessão com dispensa de licitação de áreas até
600 vezes o módulo rural; alienação com concorrência pública por licitação;
alienação com licitação e direito de preferência e concessões especiais; ratificação
dos títulos concedidos pelos Estados.
                  Além desses o Estatuto vem criar os Institutos que cuidavam do
desenvolvimento e da reforma agrária (INDA- Instituto Nacional de Desenvolvimento
Agrário e Instituto Brasileiro de Reforma Agrária- IBRA43), bem como sacramentar a
desapropriação por interesse social e o imposto territorial rural (ITR), como formas
de realização da reforma agrária.
                  Foi também criado o cadastro de imóveis rurais nacionais44, uma
proposta de unificação de dados a nível de Brasil, que teria sido uma relevante
determinação se este não fosse declaratório, ou seja, cada proprietário ou suposto
alimentaria o cadastro com dados prestados pelos mesmos, o que seria factível de
alterações falsas.
                  O que era para ser prioridade por meio dessa lei, ou seja, a
desapropriação de terras para a reforma agrária, se tornou segundo plano e as
burocracias (cumprimento de zoneamento, cadastros, vistorias, etc.) foram usadas
como justificativas para cobrir os entraves jurídico- políticos, os quais eram utilizados
para conservar o propósito a que deveria servir o Estatuto.
                        Um ano antes de decidir pela entrega da Amazônia ao grande capital, os
                        militares haviam pensado em utilizá-la para a colonização e assentamento de
                        pequenos agricultores sem-terra, propondo para isso um Estatuto da Terra,
                        que viabilizaria uma reforma agrária voltada para a transformação de


43
   O que viria a ser o INCRA posteriormente.
44
    Caput do art. 46: O Instituto Brasileiro de Reforma Agrária promoverá levantamentos, com
utilização, nos casos indicados, dos meios previstos no Capítulo II do Título I, para a elaboração do
cadastro dos imóveis rurais em todo o país, mencionando. Cf. BRASIL. Lei 4.504 de..., op. cit.
29



                       pequenos produtores em pequenos empresários. A mudança de decisão fez
                       com que a Amazônia se reproduzisse o padrão latinfundista da agricultura
                                                       45
                       brasileira, em escala ampliada.


                 Acompanhando a efetivação dessa lógica, foram concedidos diversos
incentivos fiscais às atividades de pecuária por meio da criação de órgãos e
programas incorporados aos Planos de Integração Nacional (PIN). Em 1966 era
criada a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia- SUDAM46; em 1971
veio o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte
e Nordeste (PROTERRA- Decreto-lei 1.179 de 6 de julho de 1971), que colocou “por
terra” a utilização de títulos de dívida agrária como pagamento das desapropriações
para que fosse utilizado em dinheiro47.
                 Mais tarde, já em 1980, foi criado o Grupo Executivo de Terras do
Araguaia-Tocantins – GETAT (Decreto-lei 1.767 de 1° de Fevereiro de 1980), ligado
ao Conselho de Segurança Nacional e o Grupo Executivo do Baixo Amazonas –
GEBAM (Decreto-Lei 84.516 de 20 de Fevereiro de 1980), além do Ministério
Extraordinário de Assuntos Fundiários (MEAF). “O balanço das realizações desses
três órgãos, no entanto, é pobre, com registro de alguns poucos milhares de títulos
de terra de posseiros regularizados”, segundo a avaliação do próprio governo
federal.48
                 Quase uma década antes disso, foi efetivado em terras da Amazônia
intervenção federal por meio do Decreto 1.164/1971, que concedia boa parte do
território ao controle da União, ao chamar áreas devolutas de cem quilômetros de
largura em cada lado do eixo das rodovias na Amazônia Legal à jurisdição federal,
declarando-as indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacionais. Em




45
   MARTINS, José de Souza. Expropriação..., op. cit., p. 168.
46
     Na verdade, os recursos públicos da SUDAM acabaram promovendo a grilagem de terra na
Amazônia, por que, primeiro, terras apropriadas ilegalmente cumpriam a função de “garantias” exigida
para empréstimos. Segundo, os projetos fictícios de investimentos na agropecuária exigiam a
apresentação de área disponível para sua implementação, estimulando a grilagem de terras públicas.
Cf. SAUER, Sérgio. Violação dos Direitos Humanos na Amazônia: conflitos e violência na
fronteira paraense. Goiania: CPT e outros, 2005, p. 29)
47
      Na avaliação de documentos oficiais da Presidência da República: “O desempenho do
PROTERRA também deixou a desejar: o programa desapropriava áreas escolhidas pelos próprios
donos, pagava à vista, em dinheiro, e liberava créditos altamente subsidiados aos fazendeiros.
Apenas cerca de 500 famílias foram assentadas depois de quatro anos de criação do programa”. Cf.
BRASIL.      Reforma       Agrária:    um     compromisso       de    todos.     Disponível     em:
http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/REFAGR3.HTM. Acesso em 8 de set. 2009)
48
   Ibid.
30



verdade, essas terras foram objeto de diversas finalidades: “venda, implantação de
grandes projetos, alguns projetos de colonização oficial.”49
                  Somente foram deixados ao Pará apenas 29,9 % de seu território50.
As demais áreas que, se já não eram propriedades particulares, tornaram-se
instrumentos a serviço da União, ou melhor, foram destinadas aos planos e projetos
de regularização que tiveram como produto o repasse de terras à grandes
conglomerados de agropecuários mineradoras, como já mencionado anteriormente.
                  As terras do Estado do Pará, apesar da incidência do Decreto-Lei
57/69, (correspondente ao Estatuto de Terras no Pará) que tratava de todas as
formas de procedimentos necessários para cada tipo de aquisição das terras
públicas, a confusão fundiária era reforçada por meio do seu art. 88, que permitia a
todos os títulos nulos fossem revalidados51
                  No que concerne às terras repassadas para União, destaca-se a
afetação das Exposições de Motivo 005 e 006 do Conselho Nacional de Segurança
Nacional52 de 1976. Estes foram instrumentos legais de regularização considerados
uma das “mais fundas brechas abertas na legislação agrária de legalização de
terras”53, já que, por meio destes havia possibilidade de apropriação das terras
devolutas, sem concorrência pública, ou melhor sem critérios de licitação, de áreas
até setenta e dois mil ha, o que infringia a normatização constitucional que
requisitava necessidade do estabelecimento de critérios, inclusive para um limite
menor, em áreas de até cem ha (art. 171 da Constituição de 196754).



49
   LOUREIRO, Violeta Refkalefsky; PINTO, Jax Nildo Aragão. A questão fundiária na Amazônia,
2005.         Disponível        em:       http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40142005000200005. Acessado em 12 de Set. 2009.
50
   ÉLERES, Paraguassú. Intervenção, op. cit., p. 108.
51
   Art. 88, caput: Os atuais possuidores de terras do Estado cujos títulos definitivos houverem sido ou
vierem a ser declarados nulos poderão, até 31 de dezembro do corrente ano, requerer a compra das
mesmas áreas, em condições especiais, desde que satisfaçam os seguintes requisitos:. Cf. BRASIL.
Decreto-Lei         do       Estado       do       Pará       n°       57/69.       Disponível      em:
http://www.iterpa.pa.gov.br/ListaLeis.iterpa?pager.offset=60&buscar=0&tleiCodigo=38. Acesso em 12
de Set. 2009.
52
   Passaram a ter força de lei pela aprovação do Presidente-general Ernesto Geisel.
53
    CONTAG/CIMI/CNBB/ABRA/IBASE. Campanha Reforma Agrária. Rio de Janeiro: Editora
Codecri, abril de 1973, p. 11. Disponível em: http://www.dieese.org.br/cedoc/005978.pdf. Acesso em
13 de Set. 2009.
54
   Art. 171. A lei federal disporá sôbre as condições de legitimação da posse e de preferência para
aquisição, até cem hectares, de terras públicas por aquêles que as tornarem produtivas com o seu
trabalho e o de sua família. Cf. BRASIL. Constituição 1967/ Alterada em 1969. Disponível:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constitui%C3%A7ao67.htm. Acesso em 12 de set.
de 2009)
31



                           As duas iniciativas foram sugeridas ao governo através de duas exposições
                           de motivos (conhecidas como 005 e 006), assinadas pelo ministro da
                           agricultura e o ministro-chefe do todo poderoso Conselho de Segurança
                           Nacional. Passaram a ter força de lei quando o presidente da república as
                           aprovou, desencadeando processos que acabaram por consolidar
                                                                                    55
                           grilagens e ocupações irregulares de terras na Amazônia.

                 Assim, se dava o fechamento do ciclo, em que as aquisições de terra
de forma fraudenta recebiam do governo federal o título de propriedade, se tornando
regularizadas      por     meio      dos     procedimentos        cabíveis      pelas     Resoluções
(posteriormente) 005 e 006 do CSN. Portanto, o próprio Estado coadunava com a
prática irregular, legalizando e investindo nestas.
                 Segundo Violeta Loureiro et al, esses instrumentos legais utilizados
no governo de Ernesto Geisel, “aceleraram a legalização da fraude e da grilagem e
intensificaram os conflitos”56, não permitindo a quem deveria ser beneficiado que
fosse de direito, já que:

                         As áreas pleiteadas por grileiros, madeireiros e criadores de gado eram
                         habitadas por centenas de famílias de colonos que nelas viviam e seus
                         direitos à terra, apesar de contestados junto à Justiça ou por confronto direto,
                         estavam amparados legalmente: os naturais da região já estavam na terra há
                         algumas décadas e nelas se haviam estabelecido com posse mansa e
                                                                                                  57
                         pacífica, trabalho efetivo e morada habitual, portanto, na forma da lei.


                 Além desses, outro arcabouço legal criado em 1976 trazia em seu
texto possibilidades de intervenção no contexto fundiário nacional por meio da
discriminação de terras como forma de regularização fundiária, tratava-se da Lei n°
6.393, que até hoje produz efeitos. Segundo os procedimentos exigidos por essa lei,
se pode resumir como etapas ideais para discriminação: a) publicação em edital de
convocação, b) reunião de documentos e testemunhas que comprovam posse ou
propriedade dos imóveis envolvidos, c) vistoria e demarcação das terras com
levantamento de mapa.
                 Após a discriminação, que pode ser provocada por litígio judicial ou
procedimento administrativo comum, as terras que por exclusão não apresentavam
indícios de propriedade, deveriam ser arrecadadas e incorporadas ao patrimônio
público e assim tituladas.



55
   PINTO, Lúcio Flávio. Terra Assada. Jornal Pessoal, Belém. Agosto de 2009, 2ª quinzena, p. 1-2.
56
   LOUREIRO Violeta Refkalefsky et al . A questão..., op. cit.
57
   Ibid.
32



                 O GETAT se valia desses instrumentos para agregar como
patrimônio da União terras que eram propriedades privadas e coletivas, o que
contribuiu para posteriores focos de conflitos, já que não eram utilizados os devidos
“critérios e cautelas inerentes aos critérios que deveriam prevalecer e nortear o
processo”58. Além disso, as ações discriminatórias davam chance que se
“consolidasse e legitimassem a grilagem especializada”, nas palavras de. Girolamo
Trecanni (2001: p. 132), o que ocorria por meio da simples arrecadação59 da União
sobre terras ditas terras “devolutas” e posterior alienação, inclusive com a dispensa
da licitação.

                 Nesse círculo se tornava comum a venda de terras com posseiros
dentro ou mesmo o aparecimento de posseiros que se aliavam e serviam a uma
atividade empresarial, incentivados por grandes empresários que construíam infra-
estrutura básica para a área, o que abria oportunidade para o surgimento daqueles
chamados “laranjas” ou prepostos.

                 Violeta Loureiro (2004: p. 37), nos aponta como essa forma de
regularização fundiária por meio somente da arrecadação se produzia ineficaz,
posto que eram os proprietários de terras os únicos que dispunham de
comprovantes de titulação de imóveis, sendo suas áreas confirmadas pela ação do
Estado. Em contrapartida, os moradores e trabalhadores antigos da região eram
destituídos de sua condição original e obrigados a reclamar junto ao Estado o que
haviam conquistado historicamente com sua habitação e produção.

                 Assim, a política de regularização dos órgãos fundiários nos
governos militares tinha em sua prática formas de realizar a “grilagem
especializada”, a qual não precisava utilizar da força física, mas que se valia da
garantia de titulação para que se consolidasse a suposta “segurança jurídica” como
pilar das atividades econômicas predatórias ao benefício da população originária.




58
   Idem. Amazônia: Estado, Homem, Natureza. Belém: CEJUP, 2004. P. 138
59
     Arrecadação é a constatação da inexistência de títulos e registros sobre uma área.
Administrativamente os órgãos da União requerem aos cartórios e órgãos do Estado certidões sobre
o território e caso negativo são matriculados como áreas federais.
33



2.3.3. Nova República e Estado Democrático de Direito

                  Apesar da anunciada “abertura democrática”, os efeitos das
ocupações irregulares incentivados pelo Estado da ditadura militar se projetaram
sem que houvesse uma preocupação imediata de revisão fundiária ou programas
que tratassem de desapropriações que alterassem a estrutura fundiária.

                  Os dispositivos constitucionais que previam a desapropriação
(Constituição de 1988, art. 5 ° XXIV) e a promulga ção da nova Lei Agrária (Lei
                              ,
8.628), bem como o artigo 51 do ADCT60, foram passos importantes no campo da
regularização fundiária, porém as práticas que seguiam não incluíam esse
instrumento como prioridade na política fundiária.

                  Além disso, o Decreto 2.375/87, que revogava o Decreto 1.164/71 e
permitia a retomada pelo Estado de áreas que não foram destinadas a projetos de
colonização ou tituladas a particulares para atividade produtiva, trouxe um novo
cenário de possibilidades, que exigia com urgência a identificação dessas terras e a
divisão entre abrangência federal e estadual.

                  Em contrapartida, as prioridades de lançamento de programas de
política agrária que seguiram davam continuidade a lógica de distribuição de terras,
sem proposições de alterar o quadro caótico acumulado. Sendo que estes
programas sequer chegaram a alcançar as metas mínimas previstas, originados de
problemas de vontade política e a real inviabilidade em “ocupar” mais fronteiras,
sem que houvesse o enfretamento da desapropriação e efetivação de correições
fundiárias no campo.61

                  Durante o período antecedente ao governo federal atual, a situação
em termos das iniciativas de regularização não se altera e os números de



60
   Prevê revisão legal das terras de áreas acima de três mil ha, revisão esta que nunca foi realizada
pelo Congresso Nacional comprovando, mais uma vez, o descaso com a questão agrária quando não
a conivência dos parlamentares com a grilagem de terras públicas.
61
    No governo do presidente Sarney foram assentadas cerca de 90.000 famílias, quando
propagandeava com o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), que seriam 1 milhão e 400
famílias (INCRA). Já governo Collor, apesar de anunciado o Programa da Terra, a proposta ficou só
no “plano das idéias”. Quando assume Itamar Franco este lança o Programa Emergencial de
Reforma Agrária, que pretendia assentar 80 mil famílias, mas que atendeu somente 23 mil (BRASIL,
Reforma Agrária..., op. cit.)
34



assentados (em torno de 306.285 famílias) não traduzem que o Estado estivesse
tomando para si a tarefa de organizar o contexto fundiário para então agir com os
programas de reforma agrária, posto que foram registradas aproximadamente 1.986
ocupações (UNESP, 2007) 62. Isso demonstra que a pressão popular obrigava que
houvesse as desapropriações de imóveis rurais e não exatamente o interesse de
governo.

                  Apesar da promulgação da Lei que previa o Cadastro Nacional de
Imóveis Rurais - Lei nº 10.267, de 28 de agosto de 200163 – não houve resultados
significantes no final desse ciclo de governo, no que concerne ao esforço de realizar
um trabalho coletivo para tal unificação de registro, o que só veio a se manifestar por
meio do Decreto nº 4.449, de 30 de outubro de 2002, que dava regulamentação a lei
e que ainda assim não cumpria com a efetivação da mesma.

               Somente no Pará, em 2003, dos 124.770.268,33 hectares, apenas
40.095.952,00 ha estavam no cadastro oficial do Sistema Nacional de Cadastro
Rural, ou seja, 67,8% das terras que não tinham qualquer controle estatal e que se
foram registrados, era através de mecanismos fraudulentos da grilagem de terras. 64

                  Com a criação do ITERPA, pela lei 4.584 de 08 de Outubro de 1975,
a competência de regularização das terras do Estado passou da SAGRI para esse
instituto, o que em tese viria facilitar a descriminação das terras estaduais. Ainda no
período de 1996 e 1997, o órgão chegou a ajuizar 44 Ações de Cancelamento de



62
    UNESP. Análise e Mapeamento dos tipos de assentamento no Brasil: compreender a
diversidade e a atualidade da reforma agrária brasileira: estudo dos assentamentos do norte e
nordeste. 2007. Disponível em: http://www4.fct.unesp.br/nera/projetos/relatorio_estevan.pdf. Acesso
em 15 de set. 2009.
63
   Essa lei trazia a inovações de exigir que junto ao cadastro de imóveis rurais fosse incluído o mapa
georeferenciado das áreas e que e que os detentores de imóveis maiores do que quatro módulos
fiscais na Amazônia fossem responsáveis por apresentar o georeferenciamento no cadastramento e
recadastramento, conforme as alterações da lei 6.015/73, artigo 176, § 3° e 4°:
§ 3o Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a
                                                                   o
identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1 será obtida a partir de memorial
descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade
Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais,
geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo
INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória
da área não exceda a quatro módulos fiscais.
                                           o
§ 4o A identificação de que trata o § 3 tornar-se-á obrigatória para efetivação de registro, em
qualquer situação de transferência de imóvel rural, nos prazos fixados por ato do Poder Executivo.
Cf.     BRASIL.     Lei   nº    10.267,   de    28    de   agosto    de     2001.    Disponível    em:
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/LEIS_2001/L10267.htm. Acesso em 15 de Set. 2009.
64
   IPAM. A grilagem ..., op. cit., p. 38.
35



registros irregulares, que correspondia a 24.076.000 de hectares, porém obteve
somente 2 sentenças favoráveis, totalizando 8.712 hectares65.



3. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E O ESTADO ATUAL

3.1. BREVE CONTEXTO PRESENTE DA SITUAÇÃO AGRO- AMBIENTAL DA
AMAZÔNIA

                Como ficou demonstrado pela evolução histórica do processo de
ocupação na Amazônia e no Pará, se tem o ousado desafio de se levantar a
radiografia fundiária do Estado, diante de tantos atores presentes no território. Ainda
mais quando se analisa abertura indiscriminada de fronteiras agrícolas e a presença
conflitante de sujeitos sociais com interesses incompatíveis.

                     A abertura de novas estradas e o processo acelerado de ocupação no
                     Estado do Pará tem reativado fronteiras econômicas antigas (como o que
                     ocorre no nordeste, sul e oeste paraense com o cultivo da soja e a
                     exploração mineral) e movimentado novas fronteiras como o que ocorre em
                     Anapu, Castelo dos Sonhos (Altamira), Novo Progresso e São Felix do Xingu.
                     Essas novas dinâmicas têm acelerado o processo de expropriação e a
                     exploração irracional do território, que resultam em desmatamento e muita
                                                                                           66
                     violência envolvendo novos e antigos ocupantes do espaço territorial.
                Com isso, se percebe que o crescente desmatamento não advém
apenas da produção de carvão vegetal, mas alimenta uma série de atividades
econômicas, em que a exploração madeireira é a primeira a ser beneficiada,
seguindo o avanço da pecuária e soja, o que dá continuidade aos ciclos econômicos
de monocultura.

                     Os grandes produtores de soja e gado- ao primeiros principalmente, e em
                     particular, no estado do Mato Grosso-, além de utilizarem terras próprias,
                     costumam arrendar terras de pequenos produtores agrícolas. A crescente
                     demanda por terras naquele estado tem elevado o preço das mesmas e
                     provocado uma corrida dos plantadores, que passaram a buscar terras mais
                                                            67
                     baratas em pontos centrais da Amazônia
                Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente de 1997 a 200468 já
foi devastada uma área de 95.318 km² na Amazônia Legal, 58% da qual foi
responsabilidade da pecuária. Em julho, o sistema de alerta DETER indicou 836 km²


65
   ITERPA. Análise dos Registros de Imóveis Rurais Bloqueados no Pará. Disponível em:
http://www.iterpa.pa.gov.br/ListaDownloads.iterpa. Acesso em 16 de Set. de 2009.
66
   SAUER, Sérgio. Violação dos Direitos…, op. cit., p. 22
67
   LOUREIRO Violeta Refkalefsky. Amazônia no século XXI: novas formas de desenvolvimento.
São Paulo: Empório Livro, 2009 P. 89
68
   Ibid, p. 88.
36



de desmatamentos na Amazônia. Deste total, 577 km² foram registrados no Pará.
Isso demonstra como na atualidade se coexiste com as conseqüências do
deslocamento das fronteiras agrícolas que dão origem a novas áreas de devastação
e apropriação do patrimônio coletivo com altos passivos sociais e ambientais. 69




                 ILUSTRAÇÃO 1- Focos do desmatamento na Amazônia.
                                       70
                 FONTE: INPE/ DETER .
                 Amarelo- Focos de desmatamento identificados no mês de Julho/2009
                 Soma-se a esse contexto atual o cruzamento de outro dado
alarmante: o Pará possui aproximadamente 3,9 vezes mais o seu tamanho em terras
registradas71. Esse dado foi fruto do trabalho da Comissão de Estudo e
Monitoramento das Questões Ligadas a Grilagem de Terras no Estado do Pará72,
com base em pesquisas nos cartórios do estado, obtidos desde 2007. Os números
revelam o desordenamento que dá chance a impunidade das infrações ambientais,
por exemplo.



69
   Dentre as ações inibitórias desse quadro, o Ministério Público Federal, em Junho de 2009,
encaminhou recomendações a diversas redes de compra de carne que suspendessem as compras
de produtos oriundos de criação realizadas em áreas devastadas, sob pena de responsabilidade
solidária. Cf. MPF quer gado fora de área devastada. Belém, Jornal O’Liberal, Caderno Atualidades.
2/06/09. P. 5.
70
   INPE. DETER indica 836 km2 de desmatamento na Amazônia em julho. 01 de set. 2009.
Disponível em: <http://www.inpe.br/noticias/noticia.php?Cod_Noticia=1937>. Acesso em 9 de Ago.
2009.
71
   Ana Conceição. Terras registradas no Pará são 4 vezes a área do Estado. Estadão On-line. 21
de jul. 2009. Disponível em: http://www.estadao.com.br/geral/not_ger406149,0.htm. Acesso em 17 de
Set. 2009.
72
   Comissão composta por Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Procuradoria Geral do Estado,
ITERPA, INCRA, Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Advocacia Geral da União,
Ordem dos Advogados do Brasil- Seção Pará, FETAGRI-PA, SDDH, CPT e FAEPA.
37



                     Nas últimas décadas, mais de 300 mil pessoas ocuparam informalmente e
                     ilegalmente milhões de hectares na Amazônia. Considerando, por exemplo,
                     apenas terras federais, cerca de 67 milhões de hectares foram ocupados, o
                     que equivale aos territórios da Alemanha e Itália. Essa ocupação
                     desenfreada – em que os posseiros exploraram madeira e obtiveram rendas
                     da agropecuária sem sequer pagar um aluguel pela terra- tem estimulado
                     conflitos, o desmatamento e dificultado o estabelecimento de usos
                                                                   73
                     sustentáveis dos recursos naturais da região.
                Como conquências desse cenário, os dados da continuidade dos
registros de conflitos e violência no campo são preocupantes. Segundo dados da
Comissão Pastoral da Terra (CPT) de 1971 a 2008, foram assassinados 830
camponeses no Pará. Sendo que na primeira metade do período mencionado (1971-
1985) foram registrados 340 assassinatos em conflitos fundiários. Na segunda
metade do período (1986-2008) foram vitimados 490 camponeses, demonstrando
assim a persistência no tempo do padrão de violência existente no Pará.74

                Na Amazônia a distribuição incerta da situação jurídica das terras, se
resume no seguinte quadro, publicado pelo IMAZON:




                ILUSTRAÇÃO 2- Destino das terras na Amazônia
                                      75
                FONTE: IMAZON/ 2009




73
   BRITO, Brenda e BARRETO, Paulo. Os perigos da privatização generosa de terras na
Amazônia. 2009. Disponível em:
http://www.imazon.org.br/novo2008/publicacoes_ler.php?idpub=3557. Acesso em 17 de Set.
2009.
74
   CPT. Caderno Conflitos no Campo 2008. Disponível em:
http://www.cptnacional.org.br/?system=news&action=read&id=3311&eid=6. Acesso em 17 de Set.
2009.
75
   BRITO, Brenda e BARRETO, Paulo. Os riscos e os princípios para regularização fundiária na
Amazônia. 2009. p. 1. Disponível em:
 http://www.imazon.org.br/novo2008/arquivosdb/173332oea10.pdf. Acesso em 19 de Set. 2009.
38



                  A incerteza da localização das áreas que supostamente são tomadas
como áreas “privadas” é o desafio posto para os planos de regularização fundiária
do ciclo atual da gerência de Estado. Segundo dados do laboratório de
geoprocessamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia
(IMAZON), “mesmo as áreas protegidas são alvo de ocupações ilegais”, a estimativa
é de que “pelo menos 10 milhões de hectares dentro de Unidades de Conservação
possuem pendências fundiárias, incluindo a necessidade de desapropriar imóveis
privados e de resolver a situação de posseiros em seu interior”76



3.2. INTERVENÇÕES RECENTES SOBRE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

3.2.1. Na região da Amazônia Legal

                  Com entrada do ciclo de governo Lula, foram incorporados aos
planos de política agro-ambiental algumas iniciativas legais que apontavam para a
possibilidade de regularização fundiária. Primeiramente, tivemos em 2003 o
lançamento II Plano Nacional de Reforma Agrária, que previa entre suas metas a
regularização fundiária de 500 mil famílias até o final de 2006.77 Porém, regularizou
a situação de 113 mil famílias de 2003 à 2007, ou seja, atingiu apenas 23% da
meta.78

                  Em 2004 foi lançado o PPCDAM- Plano de Ação Para a Prevenção e
Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, com um leque extenso de diretrizes
estratégicas. Entre os desafios estavam o ordenamento fundiário.79 Para a




76
   Ibid, p. 1
77
   MDA. Plano Nacional de Reforma Agrária. Disponível em:
http://www.mda.gov.br/portal/index/show/index/cod/184. Acesso em 12 de Set. 2009
78
   UMBELINO, Ariovaldo. O governo Lula dá adeus a reforma agrária. Radio Agência Notícias do
Planalto. 18 de Dezembro de 2008. Disponível em:
http://www.radioagencianp.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=5990&Itemid=43.
Acesso em 19 de Set. de 2009.
79
  “ iii) a tomada de medidas urgentes de ordenamento fundiário e territorial, visando à redução do
acesso livre aos recursos naturais para fins de uso predatório e o fortalecimento de instrumentos de
gestão democrática e sustentável do território, priorizando o combate à grilagem de terras públicas, a
regularização fundiária, viabilização de modelos alternativos de reforma agrária adequados à
Amazônia, e a criação e consolidação de unidades de conservação e terras indígenas; (grifo meu).
Cf. BRASIL. Plano de Desmatamento. Disponível em
 http://www.planalto.gov.br/casacivil/desmat.pdf. Acesso em 10/09/09.
39



efetivação dessa medida foi promulgada uma Portaria conjunta entre INCRA e MDA
                                         80
n° 10, de 1° de dezembro de 2004.
                 Para que fosse efetivada com sucesso a iniciativa dependia de uma
estrutura institucional que o INCRA não possuía, de acordo com o texto do primeiro
relatório de avaliação do plano, que trazia:

                         Em termos gerais, avalia-se que a atual estrutura institucional do INCRA
                         (recursos humanos, equipamentos, etc.) é insuficiente para conduzir as
                         atividades de recadastramento e regularização fundiária, bem como outras
                         ações do Plano sob a sua responsabilidade em nível regional. Conforme
                         demonstrado pela Operação Faroeste, em que de 11 dos 18 indivíduos
                         presos pela Policia Federal eram funcionários do INCRA (inclusive o
                         superintendente no Pará), a fragilidade institucional do órgão envolve a
                         susceptibilidade à corrupção, perante o poder econômico de quadrilhas de
                                                     81
                         grilagem de terras públicas

                 Em fevereiro de 2008, o Greenpeace publicou um dossiê de
avaliação do plano, dentro do qual abrangia também as iniciativas de regularização
fundiária, onde se confirmava a exposição da fragilidade dos órgãos responsáveis
por efetivar a mesma. Dentre as ações desse eixo, foram identificadas como não
executadas ou com resultado incipiente: i) a demarcação e regularização fundiária
de terras indígenas e ii) a regularização fundiária e combate a grilagem e destinação
de terras públicas em áreas de conflito no Arco do Desmatamento e na região da
BR-163.82

               Ainda nesse relatório avaliativo, o Greenpeace em sua conclusão
encerra afirmando a necessidade emergencial da etapa de regularização para que
houvesse a efetivação do plano:


                         Uma medida é vital: nenhum plano dará certo sem que o governo federal e
                         os governos estaduais promovam o imediato ordenamento e a
                         regularização fundiária da Amazônia, convocando forças-tarefa do
                         executivo e judiciário para concluir o cadastramento de propriedades rurais
                         e analisar, julgar e encerrar os processos litigiosos sobre propriedade de
                         terra na região. A curto prazo, esse ordenamento passa pela adoção do


80
   Por meio desta, os proprietários com mais de 400 hectares de terra na Amazônia legal, teriam o
prazo até 30 de janeiro de 2005 para registrar seus imóveis e para quem tinha de 100 a 400 hectares,
o prazo estendia-se até 31 de março de 2005.
81
   BRASIL. Relatório de Avaliação do Plano de Desmatamento. 2005, p. 8. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/casacivil/arquivospdf/RelatorioAvaliacaoPlanoAcaoPrevencaoControleDes
matamentoAmazoniaLegal,.pdf. Aceso em 20 de Set. 2009.
82
   GREENPEACE. O leão acordou. 2008, p. 7. Disponível em:
http://www.greenpeace.org/brasil/documentos/amazonia/desmatamento-na-amaz-nia-o-l.
40



                         SLAPR (Sistema de Licenciamento Ambiental em Propriedades Rurais) em
                         por todos os estados da Amazônia Legal, ou de sistema similar de cadastro
                                                           83
                         ambiental das propriedades rurais. (grifo meu).

               Para incorporação desse plano chegaram a ser expedidas instruções
normativas pelo INCRA (INs 31 e 32 no ano de 2006), as quais regularizavam
pequenas posses entre 100 ha e até              500 ha na Amazônia Legal.           Segundo a
avaliação final do PPCDAM, em 2008, apesar das normatizações, a regularização
fundiária foi considerada “muito pequena” e “pouco avançada”, nos anos de 2005 a
2007.

               Logo após, em junho de 2007, o INCRA editou normas para alienação
de áreas acima de 500 ha até 1.500 ha, a IN 41, que envolvia o uso de licitação.
Segundo análise do BARRETO et al, isso ocorreu em virtude da “pressão política e
judicial dos posseiros de área maior”, que não tinham sido beneficiados pela
titulação de imóveis públicos anterior.84

                 Em maio de 2008, foi lançado o PAS (Plano Amazônia Sustentável),
que estava em discussão desde 2003, no qual entre os cinco grandes eixos de
atuação está o ordenamento territorial, que se incorpora a gestão ambiental, por
meio do georreferenciamento das áreas priorizadas pelo programa.85
                 Pouco antes, em 25 de março de 2008, foi publicada a MP 422, que
foi convertida na Lei 11.763. Causa de alarme de algumas organizações da
sociedade civil86, essa norma já alterava a Lei 8.666/93 (art. 17, § 2-B), lei das
Licitações e Contratos da Administração Pública e permitia a dispensa de licitação
para concessão de direito de propriedade ou título real de uso de imóveis rurais
públicos a particulares, até 1.500 ha. Logo após essa alteração, o INCRA publicou




83
   Ibid, p. 33.
84
    BARRETO. Paulo; BRITO, Brenda; PINTO, Andréia; HAYASHY, Sanae. Quem é dono da
Amazônia: uma análise do recadastramento de imóveis rurais. Belém: IMAZON, 2008, p. 46.
Disponível em: http://www.imazon.org.br/publicacoes/publicacao.asp?id=537. Acesso em 1 de
out.2009.
85
   BRASIL. Programa Amazônia Sustentável. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/casacivil/arquivospdf/pas.pdf. Acesso em 21 de Set. 2009.
86
   Manifestações de Entidade como: Comissão Pastoral da Terra (Oficializada a grilagem da
Amazônia); Fórum da Amazônia Oriental (Carta Aberta ao Presidente sobre MP 458); Sociedade
Paraense em Defesa dos Direitos Humanos, Movimento dos Atingidos por Barragem, Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, Conselho Indiginista Missionários, entre outras entidades (Petição
ao Presidente Contra Partes da MP 458); Greenpeace (Toda grilagem será perdoada).
41



duas Instruções Normativas (INs)–nº 45 e 46 – para fixar os novos procedimentos de
regularização fundiária, conforme a previsão da nova lei.


3.2.2 No Estado do Pará


                 No âmbito estadual, se teve alguns avanços em relação a tentativas
de regularização fundiária por meio do ajuizamento de diversas Ações de Nulidade e
Cancelamento da Matrícula, Transcrições e Averbações no Registro de Imóveis87.
Somado a isso ocorreu o reforço do Provimento 013/2006 da Corregedoria de
Justiça das Comarcas do Interior que veio afirmar a reorganização fundiária por
meio de bloqueio de títulos irregulares, uma prática recorrente desde 1999, que vem
tenho resultados consideráveis.88
                 Após os diversos “considerandos” do Provimento, vinham os
objetivos a que o mesmo se propunha:


                       Art. 1º. Determinar a averbação de BLOQUEIO DE TODAS AS
                       MATRÍCULAS DE IMÓVEIS RURAIS nos Cartórios de Registro de Imóveis
                       das Comarcas do Interior, que tenham sido registradas, no período de
                       16/07/1934 a 08/11/1964 (independente da data que constar no suposto
                       título), com áreas superiores a 10.000 ha (dez mil hectares), não podendo o
                       Oficial nelas praticar mais nenhum ato, estendendo-se os seus efeitos a
                       eventuais matrículas que delas tenham sido desmembradas.

                       Art. 2º. Determinar a averbação de BLOQUEIO DE TODAS AS
                       MATRÍCULAS DE IMÓVEIS RURAIS nos Cartórios de Registro de Imóveis
                       das Comarcas do Interior, que tenham sido registradas, no período de
                       09/11/1964 a 04/10/1988 (independente da data que constar no suposto
                       título), com áreas superiores a 3.000 ha (três mil hectares), não podendo o
                       Oficial nelas praticar mais nenhum ato, estendendo-se os seus efeitos a
                       eventuais matrículas que delas tenham sido desmembradas.

                       Art. 3º. Determinar a averbação de BLOQUEIO DE TODAS AS
                       MATRÍCULAS DE IMÓVEIS RURAIS nos Cartórios de Registro de Imóveis
                       das Comarcas do Interior, que tenham sido registradas a partir de 05/10/1988
                       (independente da data que constar no suposto título), com áreas superiores a
                       2.500 ha (dois mil e quinhentos hectares), não podendo o Oficial nelas


87
   Foram 50 de 1996 a 2008 ajuizadas pelo mesmo e 4 ações civis públicas, correspondentes a
aproximadamente 24 milhões de ha. Cf. ITERPA, Análise dos..., op. cit.
88
   Em 1999, o INCRA identificou evidências de fraude em 39 cartórios, em cinco estados da
Amazônia, e solicitou que as justiças estaduais conduzissem inspeções extraordinárias em vinte e um
casos. De 1990 a 2006, a Justiça Estadual do Pará determinou nove cancelamentos e dezesseis
suspensões de registros de terra fraudulentos, os quais representaram mais de 150 imóveis ilegais e
mais de 3,2 milhões de hectares. Em 2001, a Justiça Estadual do Amazonas, motivada pelo
recadastramento conduzido pelo INCRA, cancelou administrativamente 135 registros ilegais de
imóveis em cartórios equivalentes a aproximadamente 28 milhões de hectares. Cf. BARRETO et al,
Quem é dono...,op. cit., p. 41.
42



                       praticar mais nenhum ato, estendendo-se os seus efeitos a eventuais
                                                                      89
                       matrículas que delas tenham sido desmembradas.


               Muito embora a iniciativa permitisse a correição de diversas situações
irregulares90, o Tribunal de Justiça do Estado não reconheceu o cancelamento
administrativo dos casos de matrículas indevidas discriminados pela Comissão de
Estudo e Monitoramento das Questões Ligadas a Grilagem de Terras no Estado do
Pará nos cartórios de registro de imóveis das comarcas do interior do Estado. Fato
este que deu origem ao pedido de Providências ao Conselho Nacional de Justiça por
várias entidades em abril de 2009.
               Ao lado disso, está por se concluir o Programa de Ordenamento
Territorial, pelo Instituto de Terras do Pará, os quais objetivam em suas ações a
constituição da malha fundiária dos municípios, bem como a elaboração do
Macrozoneamento e o Zoneamento Ecológico Econômico da BR 163, a criação
unidades de conservação, o reconhecimento do direito a terra às comunidades
indígenas e quilombolas.91


4 A MEDIDA PROVISÓRIA 458 CONVERTIDA EM LEI 11.252 /09


4.1 ANTECEDENTES DA ELABORAÇÃO DA LEI


89
   BRASIL. Provimento Corregedoria do Interior 013/2006- CJ CI. Dispõe sobre a averbação de
Bloqueio de Matrículas de áreas rurais nos Cartórios do Registro de Imóveis nas Comarcas do Interior
e dá outras providências. Disponível em http://arisp.files.wordpress.com/2009/08/prov-pa_cjci-
tje_013-2006.pdf. Acesso em 22 de Set. de 2009.
90
   De acordo com a Petição de Pedido de Providências ao CNJ pelo ITERPA, MPF, INCRA, AGU,
FETAGRI, CPT, tínhamos:
a) registros com mais de 100.000 hectares incidindo sobre terras indígenas, unidades de
conservação, terras devolutas estaduais ou terras públicas já devidamente matriculadas em nome da
União e do Estado;
b) milhares de Títulos de Posse não legitimados declarados caducos pelo Decreto nº 1.054, de 16 de
fevereiro de 1996, e sobre os quais pesa o protesto judicial apresentado pelo ITERPA no mesmo ano;
c) centenas de Títulos de Domínio, supostamente emitidos na década de 60, com área
correspondente a uma légua quadrada (4.356 ha), mas que foram levados a registro três décadas
depois;
d) registros de áreas com mais de 1.500 hectares expedidos depois de 1.989 sem a devida
autorização legislativa prevista no art. 241-242 da Constituição estadual;
e) registros de áreas superiores a 500 ha, sem que o Conselho Estadual de Política Agrícola, Agrária
e Fundiária tivesse aprovado o Plano de Utilização. Cf. ITERPA. Pedido de providências ao CNJ.
Comissão Permanente de Monitoramento, Estudo e Assessoramento das Questões Ligadas à
Grilagem-        Pedido         de        providências        ao      CNJ.       Disponível     em:
http://www.iterpa.pa.gov.br/files/downloads/Pedido_providencias_CNJ.pdf
91
   Cf. BRASIL. Programa de Ordenamento Territorial do Pará. Disponível em:
http://www.iterpa.pa.gov.br/files/PROGRAMADEORDENAMENTOTERRITORIAL.pdf. Acesso em 23
de Set. 2009.
43




                Desde o segundo semestre de 2008 vinha sendo sinalizada a
previsão de uma lei de regularização fundiária na Amazônia, a qual viria dar subsídio
jurídico a uma das ações previstas no Plano Amazônia Sustentável (PAS)92. Ainda
que isso não tenha se efetivado por meio do PAS, esta intenção se consagrou com a
elaboração da Lei n°
                   11.952 de 25 de junho de 2009 ( conversão da MP 458).
                O que gerava motivo de controvérsias, antes da publicação da MP
458, ainda era a forma pela qual seria instituída a lei, conforme noticiários da época:
“A doação de terras de até quatro módulos ou a cobrança só de valor histórico entre
101 hectares e quatro módulos exige mudança das leis. Não está definido se as
mudanças serão feitas por medida provisória.”93
                Além deste impasse, outro foi gerado na elaboração da proposta,
tratava-se da criação de um instituto próprio para realização do trabalho de
regularização fundiária na Amazônia. Era denominado IRFAM- Instituto de
Regularização Fundiária da Amazônia e concorreria com o INCRA em recursos.
Porém, houve reação de setores na sociedade e inclusive do INCRA e MDA e essa
proposta não prosperou.
                Veio então, como contraponto da idéia a criação do plano “Terra
Legal: Regularização Fundiária na Amazônia Legal”, pelo qual haveria uma parceria
entre órgãos na efetivação da lei que estaria por vir. Sabe-se que esta foi a proposta
que ganhou força e que está em execução.
                A publicação da MP 458 que gerou repercussão negativa de diversas
entidades e organizações sociais (ver em anexo algumas notas). Mais ainda pela
sua conversão em lei, por meio do processo legal disposto do artigo 62 da
Constituição Federal, em que após a adoção da Medida Provisória por ato unilateral
da Presidência da República, esta é encaminhada para análise de uma comissão
mista da Câmara e Senado e depois apreciação do plenário nas duas casas, e caso
haja aprovação com alterações do texto original, o texto retorna ao Presidente para
que seja sancionado ou vetado.



92
   SALAMON, Marta. Folha de São Paulo. 25 de setembro de 2008: Governo estuda doar 4% da
Amazônia a posseiros. (Acesso integral apenas para assinantes do Jornal). Disponível em:
http://www.ecodebate.com.br/2008/09/26/governo-estuda-doar-4-da-amazonia-a-posseiros/ . Acesso
em 23 de Set. 2009.
93
   Ibid.
Regularização fundiária na Amazônia: análise da Lei 11.952/09
Regularização fundiária na Amazônia: análise da Lei 11.952/09
Regularização fundiária na Amazônia: análise da Lei 11.952/09
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Regularização fundiária na Amazônia: análise da Lei 11.952/09

  • 1. 1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ Sandy Rodrigues Faidherb REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE ÁREAS RURAIS NA AMAZÔNIA: UMA ANÁLISE DA LEI 11.952 DE 25 DE JUNHO DE 2009 BELÉM 2009
  • 2. 2 Sandy Rodrigues Faidherb REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE ÁREAS RURAIS NA AMAZÔNIA: UMA ANÁLISE DA LEI 11.952 DE 25 DE JUNHO DE 2009 Monografia de Conclusão de Curso apresentada à Universidade Federal do Pará como requisito para obtenção de grau em Bacharel em Direito. Orientador: Girolamo Domenico Trecanni BELÉM 2009
  • 3. 3 Faidherb, Sandy Rodrigues Regularização fundiária de terras na Amazônia: uma análise da Lei 11.952/ Sandy Rodrigues Faidherb, Belém 2009. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação)- Universidade Federal do Pará. 2009. Curso: Bacharelado em Direito Orientador: Girolamo Treccani Domenico.
  • 4. 4 Sandy Rodrigues Faidherb REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE ÁREAS RURAIS NA AMAZÔNIA: UMA ANÁLISE DA LEI 11.952 DE 25 DE JUNHO DE 2009 Monografia de Conclusão de Curso apresentada à Universidade Federal do Pará como requisito para obtenção de grau em Bacharel em Direito. Banca examinadora ___________________________________ Prof. Msc. Dr. Girolamo Domenico Treccani ___________________________________ Prof. Msc. Ronald Corecha Bastos ___________________________________ Prof. Apresentado em: 08 de dezembro de 2009 Conceito: BELÉM 2009
  • 5. 5 Dedico este trabalho a todos e todas que contribuíram para que eu concluísse o curso de Direito com a determinação de não me bastarem as leis.
  • 6. 6 Eu sou a grande Mãe Universal. Tua filha, tua noiva e desposada. A mulher e o ventre que fecundas. Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor. Cora Coralina (O Cântico da Terra)
  • 7. 7 RESUMO O trabalho realizado aborda uma análise da recente lei 11.952 de 25 de junho de 2009 (conversão da MP 458/09), conforme o recorte temático da regularização fundiária em terras de áreas rurais na Amazônia. A abordagem do tema traz em seu conteúdo o levantamento de aspectos históricos que apontam as dificuldades já encontradas para se estabelecer o ordenamento fundiário no campo, bem como os aspectos do contexto presente no território amazonida, no que concerne a realidade agrária, ambiental e social. O desafio proposto para lei 11.952/09 permite com que se possa traçar uma análise crítica com base na exegese dos artigos que mais foram destacados pela sociedade civil e órgãos durante e após o processo de elaboração da lei. Portanto, corresponde a uma análise material sobre discussão que traz questionamentos da “boa técnica” usada pelo legislador para o sucesso da relação norma-resultado, diante de tantos equívocos históricos já cometidos nesse assunto. Palavras chaves: Regularização fundiária – áreas rurais – Amazônia – Pará – Lei 11.952/09.
  • 8. 8 ABSTRACT This work is about a analyse of the recent 11.952 law of june 25th of 2009 (conversation od the MP 458/09), accordant with the thematic recort about regularization of land in rural areas of the Amazonia. The development of the thematic have in your content the relation of historycs aspects that expose the difficulties already finded to have ordenament territory in grassland, as well as the aspects of present context in Amazonia, concerning the agrarian, environment, social reality. The objectives proposed to the law 11.952/09 gives conditions of to project an critic analyse of the articles more detached by the civil society and institucionales organisms while and after the elaboration of the law. So, correspond an material analyse about discussion that bring questionaments of “technic good” used by the legislator to success of the relation norm-result, in relation so historics mistakes did in the topic. Keywords: Land regularization- rural areas – Amazônia – Pará –11.952/09 law.
  • 9. 9 LISTA DE ILUSTRAÇÕES ILUSTRAÇÃO 1- Focos do desmatamento na Amazônia................................34 ILUSTRAÇÃO 2- Destino das terras na Amazônia...........................................35
  • 10. 10 LISTA DE SIGLAS ADCT- Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADIN- Ação Direta de Inconstitucionalidade CEDENPA- Centro de Defesa do Negro do Pará CPT- Comissão Pastoral da Terra CSN- Conselho de Segurança Nacional DETER- Detecção de Desmatamento em Tempo Real GEBAM - Grupo Executivo do Baixo Amazonas GETAT- Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística BRA- Instituto Brasileiro de Reforma Agrária IMAZON - Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia IN- Instruções Normativas INCRA- Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INDA- Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário INPE- Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais IPAM – Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia IRFAM- Instituto de Regularização Fundiária da Amazônia ITERPA- Instituto de Terras do Pará MDA- Ministério do Desenvolvimento Agrário MEAF- Ministério Extraordinário de Assuntos Fundiários MP- Medida Provisória MPF- Ministério Público Federal PAS- Plano Amazônia Sustentável PGR- Procuradoria Geral da República PIN- Planos de Integração Nacional PPCDAM- Plano de Ação Para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal
  • 11. 11 PROTERRA - Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste SAGRI- Secretaria de Estado de Agricultura SUDAM- Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia UNESP- Universidade Estadual Paulista ZEE- Zoneamento Econômico Ecológico
  • 12. 12 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO...............................................................................................12 2. INICIATIVAS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA AO LONGO DA HISTÓRIA..........................................................................................................14 2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA.....14 2.2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA OCUPAÇÃO DA AMAZÔNIA.....................16 2.2.1. Ciclo do extrativismo e da borracha ...................................................17 2.2.2 Ciclo dos grandes projetos e agropecuária .......................................18 2. 3. INTERVENÇÕES DO ESTADO PARA (DES)ORDEM FUNDIÁRIA ........21 2.3.1. Estado Colonial e República Velha .....................................................21 2.3.2 . Estado de República Populista e Ditadura Militar ............................25 2.3.3. Nova República e Estado Democrático de Direito ............................31 3. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E O ESTADO ATUAL .............................33 3.1. BREVE CONTEXTO PRESENTE DA SITUAÇÃO AGRO- AMBIENTAL DA AMAZÔNIA .......................................................................................................33 3.2. INTERVENÇÕES RECENTES SOBRE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA.36 3.2.1. Na região Amazônia Legal ...................................................................36 3.2.2 No Estado do Pará ................................................................................39 4. A MEDIDA PROVISÓRIA 458 CONVERTIDA EM LEI 11.252 /09 ..............40 4.1 ANTECEDENTES DE ELABORAÇÃO DA LEI ...........................................40 4.2 ASPECTOS GERAIS SOBRE O TEOR ....................................................42 4.3. ASPECTOS ESPECÍFICOS SOBRE O TEOR .........................................45 4.3.1 Art. 4° § 2° Terra de quilombos e comunidad es tradicionais ........45 , : 4.3.2 Art. 13: Dispensa de vistoria ...............................................................47 4.3.3 Art. 15: Recuperação da degradação ambiental ...............................49
  • 13. 13 4.3.4 Art. 15, §§, 3° e 4° Tempo diferenciado da s venda de áreas...........52 : 5 CONCLUSÃO ...............................................................................................55 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................59 7 ANEXOS ........................................................................................................66
  • 14. 14 INTRODUÇÃO O presente trabalho aborda em temos gerais sobre regularização fundiária em áreas rurais da Amazônia Legal e mais precisamente do Estado do Pará, tendo como enfoque a iniciativa consignada na lei advinda da conversão da Medida Provisória 458, a Lei 11.952, de 25 de junho de 2009. Os apontamentos que esta monografia se propõe a fazer sobre esta lei consistem em uma análise material sobre a consistência jurídica da mesma diante dos desafios históricos postos a imbricada tarefa de regularização fundiária na Amazônia Legal. O tema possui sua importância na medida em que se volta para uma realidade agrária de conflitos e violência, resultados de um contexto fundiário coberto de obscuridades e equívocos cometidos a partir do marco referencial da colonização. Daí o desafio lançado neste trabalho tem a necessidade do levantamento de aspectos históricos sobre a formação territorial da região ora afetada pela lei 11.952 e em breves momentos específicos sobre o Estado do Pará. Com isso, ocorre a preocupação de primeiramente destacar-se o processo de ocupação e os atores envolvidos ao longo dos tempos, já que se está falando da influência de interesses diferenciados no estabelecimento de conquista da terra. Depois se procura resgatar as principais iniciativas em que o poder estatal posicionava-se com a finalidade suposta de ordenamento territorial, seja em âmbito nacional ou localizado regionalmente. Após esse resgate histórico passa-se a compreender a conjuntura atual e as intervenções mais recentes no que concernem as afetações do contexto fundiário, tal como os planos e programas que envolvem a Amazônia. Esse panorama é importante na localização do leitor sobre a inserção do projeto da lei 11.952/09 no plano da política agrária desenvolvida pelo Estado em âmbito federal. A partir de então, ainda que com uma escassa formulação teórica sobre o tema desenvolvido, adentra-se nas formulações críticas sobre o processo legislativo que deu origem a lei ora analisada e como se formularam as principais alterações até se chegar no texto atual. Desse momento em diante, se passa a identificar contradições e omissões apontadas no teor da lei.
  • 15. 15 A fundamentação da coerência jurídica em sede dos princípios sustentadores do direito agro-ambiental e constitucional, bem como a leitura da histórica em relação aos fins que a lei se propõe são os pontos centrais que sustentam a leitura crítica que se faz sobre os aspectos específicos da lei. Por fim, se conclui o trabalho com o objetivo de compor uma leitura de como se percebe o modelo de regularização proposto pela lei 11.952 para áreas rurais e como este pode ser encarado em sua proposta, diante das vicissitudes apontando do ínterim da análise e dos fatores da evolução histórica apresentada.
  • 16. 16 2. INICIATIVAS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA AO LONGO DA HISTÓRIA 2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA Antes que se comece a levantar as principais iniciativas esparsas do Estado que incidiram e incidem na aplicação da regularização fundiária da Amazônia e em especial do Pará, faz-se necessário dizer que não se está aqui separando esse conceito da compreensão de uma política agrária, ou seja, como inserido em um “conjunto de medidas tendentes a solucionar os problemas ligados à propriedade e uso da terra pública ou particular, em face da indefinição do domínio, da ocupação pela simples posse, ocupação do espaço vazio e distorção fundiária.” 1 Desta feita, regularização e/ou ordenação fundiária está em convergência aos princípios garantidores da efetivação da reforma agrária, não se desvinculando da garantia de justiça social, conforme a máxima do artigo 16 do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64): A Reforma Agrária visa a estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento 2 econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio. (grifo meu) Não obstante a isso, temos o recorte diferencial, em que a regularização pressupõe a necessidade de apuração das terras públicas devolutas, que, segundo um conceito residual, são aquelas que não se incorporam ao domínio particular, bem como as já incorporadas ao patrimônio público, porém não afetadas a qualquer uso, estando disponíveis para que o Estado encaminhe ao devido destino.3 São, as terras devolutas, em seu conceito originário, aquelas que deveriam ter sido devolvidas à Coroa, por haverem caído em comisso, o que veio a ser incorporado ao Decreto- lei n° 9.760/46, em seu artigo 5º 4. 1 ALMEIDA, Paulo Guilherme. Aspectos jurídicos da reforma agrária no Brasil. São Paulo: LTr, 1990. p. 92 2 BRASIL. Lei 4.504 de 30 de Outubro de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências. Disponível: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L4504.htm. Acesso: 2 de set. 2009. 3 DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Editora Atlas, 2006. p. 682. 4 São devolutas, na faixa da fronteira, nos Territórios Federais e no Distrito Federal, as terras que, não sendo próprios nem aplicadas a algum uso público federal, estadual territorial ou municipal, não
  • 17. 17 Para apuração das terras devolutas o Estado faz uso do processo discriminação5, que poderá ter a função de legalização de posses também. Assim, por meios de procedimentos administrativos e judiciários o Estado poderá encerrar a identificação dos imóveis públicos ou privados. A regularização faz parte de uma política fundiária, que envolve outros instrumentos importantes como a legitimação de posse, a discriminação e a arrecadação. Sendo que todos envolvem a necessidade de definir a origem das terras, com a particularidade de que, a regularização exige “o exame preliminar da situação de cada possuidor, para verificar-se quais os que podem ter as suas posses regularizadas e quais terão que desocupar as áreas que possuem”6 O processo de reconhecimento da propriedade pública ou particular rural, que é objetivado com as tentativas de ordenamento fundiário no campo, deveria compreender um leque de critérios que são determinados pelo cumprimento da função sócio-ambiental que exercem. Assim “reconhece-se o espaço de manifestação da liberdade do indivíduo ou da coletividade e, concomitantemente, assegura-se que o exercício da autonomia privada esteja sujeito a função social e ambiental da propriedade privada rural”7 Desta forma, ao se falar de normas que visam o ordenamento fundiário, como as instruções normativas do INCRA e institutos de terra estaduais, se está abordando não simplesmente uma série de procedimentos burocráticos que permitem a localização do domínio e/ou uso da terra, mas a identificação dos fins a se incorporaram ao domínio privado: a) por fôrça da Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, Decreto nº 1.318, de 30 de janeiro de 1854, e outras leis e decretos gerais, federais e estaduais;b) em virtude de alienação, concessão ou reconhecimento por parte da União ou dos Estados; c) em virtude de lei ou concessão emanada de govêrno estrangeiro e ratificada ou reconhecida, expressa ou implícitamente, pelo Brasil, em tratado ou convenção de limites;d) em virtude de sentença judicial com fôrça de coisa julgada; e) por se acharem em posse contínua e incontestada com justo título e boa fé, por têrmo superior a 20 (vinte) anos; f) por se acharem em posse pacífica e ininterrupta, por 30 (trinta) anos, independentemente de justo título e boa fé; g) por fôrça de sentença declaratória proferida nos têrmos do art. 148 da Constituição Federal, de 10 de Novembro de 1937. Cf. BRASIL. Decreto-lei 9.760. Dispõe sobre os bens imóveis da União e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del9760.htm. Acesso em 2 de Set. 2009 5 Considera-se discriminação de terras como o ato pelo qual um órgão fundiário realiza o reconhecimento de áreas efetivando demarcação e registro de terras da União ou do Estado. 6 DE MENDONÇA, Rafael Augusto. Direito Agrário. São Paulo: Renovar, 1994, p. 329. 7 IPAM. A grilagem de terras públicas na Amazônia brasileira. Brasília: MMA, 2006, p. 23.
  • 18. 18 que a mesma está servindo, o que gera a discussão sobre a compatibilidade ou não da função social da terra.8 2.2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA OCUPAÇÃO DA AMAZÔNIA Para se entender o processo de ocupação das terras da Amazônia brasileira e em específico do Pará é necessário se fazer um resgate histórico do processo de “colonização” da região, ou seja, da composição dos sujeitos que atualmente estão disputando o território. Por isso, é necessário perpassar pelo dinamismo migratório que sofreu nossa região, conjuntamente aos ciclos econômicos. Antes, é necessário se registrar que em nosso território paraense, que originalmente pertenciam aos povos nativos e depois definido pelo Tratado de Tordesilhas como pertencente à Espanha, a exploração foi iniciada pelos portugueses que trataram de fundar um território sobre seu domínio conhecido como “Maranhão e Grão Pará” e expulsar os demais estrangeiros da região.9 Assim, percebe-se que ao longo tempos a área condizente hoje ao Estado do Pará, bem como a Amazônia, já eram objeto de cobiça internacional, devido ao seu potencial de riquezas naturais, florestas, minerais. Nesse sentido, se pode constatar que desde o século XVI temos a presença de projetos exógenos, de colonizadores que determinam os ciclos econômicos para a região. Com isso, passa-se a analisar as principais interferências desses ciclos na origem da configuração dos atores sociais que hoje estão presentes na região. Tendo em vista que é de suma relevância conhecer quem tem ocupado as áreas da fronteira do nosso território para compreender os avanços e equívocos de qualquer processo regulatório das terras amazonidas.10 8 Cf. MARÉS, Carlos Frederico. A função Social da Terra. Porto Alegre: Editora Fabris, 2003. 9 BASTOS, Ronald Corecha Bastos. A atuação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem- Terra) na estrutura jurídico agrária do Pará. Belém: CEJUP, 2002. p. 21 10 Concepção de Fronteira: é “o lugar em a expansão da concepção “civilizatória” , que empurra e confronta as culturas e terras dos povos originários. Desse modo, é o lugar em que há frentes diversificados de uso da terra.”. (In Darcy Ribeiro apud Violeta Refkalefsky Loureiro. Amazônia do Século XXI: novas formas de desenvolvimento. São Paulo: Empório Livros, 2009, p. 67)
  • 19. 19 2.2.1 Ciclo do extrativismo e da borracha Este período colonial, em seu começo marcado pela exploração de drogas do sertão (séc. XVII e parte do séc. XVIII), foi inicialmente caracterizado pela utilização do trabalho forçado de índios, facilitado pelo processo de aculturação da catequese e pela dizimação de povos que resistiam. Segundo registros de carta do cônego Manoel Teixeira, em 5 de janeiro de 1654 foram extintos, no espaço de 32 anos, 2 milhões de índios de mais de 400 aldeias.11 Com a chegada do Marquês de Pombal ao poder de Portugal o incentivo do abastecimento para a colônia fez aumentar a preocupação com mão de obra escrava. Por isso, foi criada a Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão para realizar o tráfico de pessoas negras da África para região. Estimasse, por dados do CEDENPA apud Treccani (2001: p. 55), um indicativo de 54.000 de negros trazidos como escravos ao Pará. Mas, foi com a inauguração do ciclo da borracha (fim do século XVIII e parte do século XIX) que se intensificou a preocupação pelo domínio do território no Estado, já que a incorporação à divisão internacional do trabalho, com a nascente revolução industrial na Europa, fez com que houvesse a “inauguração da vocação extrativista da Amazônia.” 12 Esse levante da exploração da borracha, fez com que junto a consolidação da classe dominante regional, composta de fazendeiros, comerciantes, negociantes e proprietários em geral, houvesse uma corrente de imigração nordestina intensa, tanto para trabalhar na extração do látex, quando para compor as reservas de peões na construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré. (...) Em 1885, foi criada a Sociedade Paraense de Imigração e, um ano depois, era promulgada uma lei que autorizava o governo a promover a vinda de dez mil migrantes. Estas tentativas tiveram, porém sucesso. Foram sobretudo os nordestinos, que fugiam como flagelados e retirantes da seca, que adentravam mata adentro para explorar a borracha. Em 1855 e 1889, entraram no Grão Pará 13 18.173 migrantes, 17.166 dos quais eram cearenses. 11 LEAL. Aluísio Lins. Uma sinopse histórica da Amazônia. Belém, Universidade Federal do Pará: 1991. p. 9. 12 Ibid. p. 25 13 TRECCANI, Girolamo Domenico. Violência e Grilagem: instrumentos de auisição da propriedade da terra. Belém: UFPA, ITERPA, 2001, p. 89.
  • 20. 20 Após o ciclo da borracha esse boom migratório foi em parte utilizado para o ciclo da castanha, onde a exploração continuou. Essa população, que foi reproduzindo a miscigenação com os povos nativos da região, veio constituir a massa expurgada e miserável do fim do século XIX, que seja na mata ou na cidade, continuaram sendo o produto da marginalização do nascente projeto imposto pelos interesses de fora. Entre os resultados desta fase, verifica-se uma intensa urbanização, foram mais de 50 aldeias elevadas a categorias de vilas e Belém que tinha 4.000 habitantes na primeira metade do século, passou a ter mais de 10.000 a partir dessa época14. Isso significou um inchaço populacional da região, a qual já começava a sofrer com a migração espontânea em decorrência do estímulo do Estado e empresas de exploração extrativista. Mas foi a partir da política de colonização durante a ditadura militar (Decreto Lei 1.164, de 1° de abril de 1971) que ess e processo migratório de flagelados da seca do nordeste, grandes empresas e fazendeiros contribuiu sensivelmente para “engrossar o caldo” dos conflitos e problemáticas atuais na região. 2.2.2 Ciclo dos grandes projetos e agropecuária Foi a partir da segunda metade do século XX que, além do povo da Amazônia começaram a ser dizimadas também as florestas com intensidade. Tratavam-se das áreas devastadas para construção de estradas, pastagens e grandes projetos minerais e energéticos. Tudo isso sob o incentivo do Estado brasileiro, a serviço dos interesses estrangeiros. Segundo Aluísio Leal (1991: p. 48), a política econômica de entrega do território amazônida ao capital estrangeiro teve como fator aliado o endividamento da burguesia local, que após a quebra do ciclo da borracha e da dívida pública causada com a construção de infra-estrutura destinada à economia gomífera, viu nos empreendimentos privados oportunidade de exploração da região. 14 DIAS 1970: p. 118 apud TRECCANI, ibid, p. 56
  • 21. 21 Primeiramente foram abertas rodovias, que haviam como slogan principal a possibilidade de “integrar”15 a Amazônia às demais regiões do país. Assim, foram construídas a Belém-Brasília, Pará-Maranhão e parte da Transamazônica, com mão-de-obra em suma maioria das correntes migratórias nordestinas. Cada vez que um trecho era concluído os trabalhadores ficavam desempregados, indo engrossar as levas de ocupantes das terras que iam sendo amansadas. (...)Todas estas rodovias tinham sido planejadas para acolher pequenos lotes ao longo de suas margens e lotes maiores nos fundos, mas na realidade aconteceu exatamente o contrário. A ocupação 16 pela pata do boi , passou a ser o lema para o desenvolvimento da região. (grifo meu) . A Amazônia era divulgada como um grande “vazio demográfico” e assim, especialmente pós-1964, foram implantados projetos de colonização, que eram na verdade incentivos fiscais para que empresas se instalassem na região amazônica. Foram criados os Planos de Integração Nacional e de Desenvolvimento, que reproduziram a expansão da agropecuária extensiva e extração dos recursos minerais, bem como fomentaram a “Marcha para Oeste”17 para onde não havia constatação de propriedades avançadas. (...) Na pressuposição dos tecnocratas não entrou o dado prévio sobre a já existente ocupação da Amazônia por índios e posseiros e muito menos entrou em cogitação o povoamento da região que se daria em conseqüência das próprias medidas da política econômica concentracionista aplicadas no conjunto do país, expulsando lavradores em direção às terras amazônicas, forçados a disputá-las com as grandes 18 empresas (...). Junto aos planos institucionais iam sendo federalizadas as terras dos Estados e, onde não eram constatadas propriedades particulares, as terras iam sendo incorporadas aos planos de ocupação da Amazônia. Com isso eram abertas novas fronteiras e sendo constituída uma tessitura social de conflitos, entre os sujeitos que iam se apropriando das terras e os nativos (povos indígenas, quilombolas), além dos colonos que vinham com as correntes migratórias. 15 Foi a estratégia política e militar do nacionalismo, com o discurso que proclamava a integração da Amazônia às demais regiões do país- “integrar para não entregar”. A finalidade era abrir vantagens para a incorporação do espaço da Amazônia às demandas do mercado mundial. 16 TRECANNI, Girolamo Domenico. Violência...,, op. cit. p. 165 17 “Marcha para o Oeste” foi como ficou conhecido o movimento migratório de brasileiros expropriados de suas terras em outras regiões, principalmente Nordeste, para a Amazônia. 18 MARTINS, José de Souza. Expropriação e Violência: A questão política no campo. São Paulo: Editora Hucitec, 1991, 3ª ed, p. 73
  • 22. 22 Como nos relata Éleres Paraguassú (2002: p. 42) a “euforia por procura de terras no Pará”, iniciada na década de 70, contribuiu para acentuar o drama fundiário que se vivencia hoje. Para o posseiro amazônida constitui-se num inferno: grandes correntes migratórias de investidores médios e pequenos proprietários formaram no vetor dos grandes eixos rodoviários, penetrando em todas as frentes. Do Pará a Rondônia; do Acre ao Sul do Amazonas, Norte do Mato Grosso, e Roraima, levas de gaúchos, catarinenses, paranaenses, mato-grossenses do sul capixabas e mineiros – brasileiros de Estados sabidamente minifundiários, aventuraram-se no mito da terra prometida, “terra sem 19 homens para homens sem terra” (...) A agressividade dessa ocupação, oriunda de um projeto geopolítico equivocado para os interesses e peculiaridades da região, teve efeitos inestimáveis de destruição nas áreas onde foi implantada. Foram exterminadas espécies de vida, culturas e saberes locais historicamente construídos e gerados desmatamentos incontrolados ao lado da exploração de madeira e da pecuária. Dados do IBGE de 2007 demonstram como atualmente se pode enxergar o produto dessa ocupação. Sendo mais da metade da população da Amazônia Legal, originária de outros estados, principalmente das regiões Nordeste e Sul do Brasil. Segundo análise da localização dessa população, enquanto os nordestinos se concentram nas proximidades da rodovia Belém-Brasília, nas margens do rio Amazonas e no estado do Maranhão, os sulistas se fixaram nas margens da BR-364 e no norte do Mato Grosso, região da fronteira agrícola.20 O empobrecimento dos colonos, das populações originárias, caboclos e posseiros e o avanço dos fazendeiros, empresários, grileiros, promoveu e promove até hoje o deslocamento dessa população para os centros urbanos. Expropriados das terras, tornam-se proletários e vão vender sua mão-de-obra, inchando os exércitos de reservas.21 19 ÉLERES, Paraguassú. Intervenção territorial federal na Amazônia. Belém: Imprensa Oficial do Estado, 2002. p. 45 20 BANDEIRA, Luisa. Estudo do IBGE mostra como está sendo feita a ocupação da Amazônia. Agência Brasil. Disponível em: http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/01/25/materia.2007-01- 25.6039021197/view. Acesso em 14 de Ago. de 2009 21 “Se, por um lado, predominou a grande concentração fundiária, por outro ocorre o empobrecimento das etnias indígenas, caboclos amazonenses e posseiros. Essa era a grande meta do capital, expropriar os povos originários e os posseiros, deslocar as populações, tornando-as proletárias para servirem ao sistema ali implantado.” Cf. PICOLI, Fiorelo. O capital e a devastação da Amazônia. São Paulo: Expressão Popular, 2006. p. 50.
  • 23. 23 Só no Pará, no ano de 2005 a população urbana já correspondia a 4,1 milhões de 6,9 no total, quase 60% da população total. Nos nove (9) Estados da Amazônia Legal já se chegou a 11 milhões vivendo na cidade, nesse mesmo ano.22 Ao se fazer uma leitura das condições desse inchaço populacional nas cidades, é notória a relação de conseqüência do que tem ocorrido no campo, compreendendo que quem está atualmente ocupando o território rural tem sido cada vez mais uma parcela minoritária da população. 2. 3. INTERVENÇÕES DO ESTADO PARA (DES)ORDEM FUNDIÁRIA 2.3.1. Estado Colonial e República Velha Os marcos legais que acompanharam a evolução da conquista de terras da Amazônia, em especificidade no Pará, possuem peculiaridades que nos permitem avaliar indícios de equívocos dos fatos jurídico-históricos incidentes ao longo dos tempos. Daí a necessidade de se levantar algumas dessas intervenções na estrutura agrária nacional e regional, no que concerne ao regimento do Pará, principalmente. Pode-se afirmar que o primeiro marco regulatório estatal que veio demarcar critérios para ser “dono” de terras brasileiras iniciou-se com as Ordenações Reinós23 e com Lei de Sesmarias em Portugal, de 26 de julho de 1375, bem antes da conquista de fato do território brasileiro.24 Nestas já haviam as previsões do que viria a ser Carta Foral de 6 de Outubro de 1531, quando o regime sesmarial foi oficialmente introduzido no Brasil. As exigências para serem concedidas as sesmarias eram verdadeiras condições resolúveis, ou seja, determinantes para que as sesmarias 22 MIRANDA, E. E. de; GOMES, E. G. GUIMARÃES, M. Mapeamento e estimativa da área urbanizada do Brasil com base em imagens orbitais e modelos estatísticos. Campinas: Embrapa Monitoramento por Satélite, 2005. Disponível em: <http://www.urbanizacao.cnpm.embrapa.br/conteudo/discussao.html> Acesso em 02 de Set. 2009. 23 Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas. 24 “Os doutrinadores são hoje unânimes em reconhecer que a história do direito agrário e a estrutura agrária brasileira fincaram suas raízes no direito português, pois quando começou o processo de colonização não foi elaborada uma legislação específica para a colônia, mas passaram a vigorar no Brasil as leis lusitanas, que estabeleciam a maneira de adquirir, exercer, conservar, alienar e perder as terras.” Cf. TRECANNI, Girolamo Domenico. Violência..., op. cit, p. 27.
  • 24. 24 não caíssem em comisso. Porém isso se dava em tese, posto que na prática eram critérios dificilmente fiscalizados naquela época. As condições se resumiam em aproveitar a terra (considerado como semeá-la, cultivá-la); medir e demarcá-la; pagar impostos sobre estas (pagamento de foro); obter confirmação dos procedimentos realizados pelo rei. Dentre essas, destaca-se a condição de demarcar os imóveis, que, após o Alvará de 5 de outubro de 1795, tornou-se uma condição sine-qua-non para confirmação das sesmarias, posto que deveria ser antes da utilização do imóvel e não depois. 25 Com isso se pode identificar uma tentativa legislativa de manter o controle das terras concedidas como sesmarias e portanto, que estavam sendo regulamentadas pelo Estado português, ainda que se tenha o caráter colonial implícito. No entanto, como já exposto essas normas dificilmente eram utilizadas na prática ou tinham algum efeito em terras tão pouco desbravadas, como da região amazônica. Prova disso são os números de sesmarias registradas como confirmadas na Província do Grão-Pará, o que envolvia o Pará, Amazonas, Maranhão e Piauí, sendo somente 25,95% de 2.158 títulos emitidos26,. Como enfatiza VIDAL et al (2009, p. 55) a fiscalização das sesmarias era dificultosa, dentre os motivos nos expõe: A imensidão territorial, o desconhecimento de sua real dimensão, das características da terra e do clima dificultavam sobremaneira o trabalho dos representantes da Coroa. Os delegados do Rei residiam e trabalhavam nas sedes das capitanias, a maioria plantada na costa, pouco sabiam do que se passava no interior do continente e eram constantemente assediados por demandas defensivas contra as incursões estrangeiras que se faziam ao 27 território. Ainda que não houvesse efetivação e resultados de grandes proporções com a demarcação das sesmarias, o Alvará de 1795 foi suspenso por decreto de 10 de dezembro de 1976, devido à pressão dos grandes proprietários de 25 “IV – Item: Ordeno que a esta utilíssima condição (com que se devem gravar os Sesmeiros, a fim de que cada um regule o seu Direito, segundo os Marcos, e Balizas da sua demarcação) em nenhum caso poderão dispensar os Governadores, e Capitães Generais do dito Estado do Brasil nas suas respectivas Capitanias, nem ainda o Conselho Ultramarino, depois de publicado em cada uma delas este Alvará, antes sim como parte seu Regimento, nunca mais poderá confirmar Sesmaria alguma, sem que se lhe apresente, junto com a Carta dela, Certidão legal, e autêntica, de se haver feito, e passado em Julgado a demarcação, que respeita a cada uma das ditas Sesmarias;” Cf. BRASIL. Alvará de 5 de outubro de 1795. Disponível em: http://www.iterpa.pa.gov.br/files/leis/Legislacao_agroambiental_antiga/Periodo_Colonial/Alvara_05- 10-1795_Diploma_final_das_sesmarias.doc 26 TRECANNI, Girolamo Domenico. Violência...., op. cit. p. 56. 27 VIDAL, Marly Camargo e MALCHER, Maria Ataíde. Sesmarias. Belém: ITERPA, 2009, p. 55.
  • 25. 25 terra no Brasil (VIDAL, 2009, p. 72 apud BENNATI, 2003, p. 41). E em 17 de Julho de 1822 ocorre a Resolução que suspende definitivamente a concessão de sesmaria, ratificada em 22 de Outubro de 1823. Teve início o período conhecido como “regime de posse”28, em que a regulamentação de terras no Brasil não estava regida por ordem legislativa, quando o país vivenciou um momento de total descontrole sobre as terras. O Estado não concedia, nem confirmava sesmarias. As concessões de sesmarias colocavam à justiça em intricadas situações, ora reconhecendo o direito dos sesmeiros, ora reafirmando a primazia da posse. Os conflitos gestados mostravam ainda que a obrigatoriedade do cultivo era o constrangimento maior para aqueles que – ao arrepio da lei – buscavam um título legítimo. Era preciso então consagrar a propriedade, sem ter que fazer um acerto com o passado, “contendo providência para o pretérito e regras fixas para o futuro”, como afirmara Vergueiro. A sesmaria fundara a propriedade territorial no Brasil e estabelecia um constrangimento estranho aos interesses do liberalismo, sempre pronto a fazer cumprir a lei “na casa do vizinho”. Era preciso deslegitimar a noção de que a propriedade 29 da terra deveria estar assentada na obrigatoriedade do cultivo. A constituição de 1824, apenas extinguiu definitivamente o sistema sesmarial e só tivemos novamente uma regulamentação agrária no país em 1850, a Lei n° 601, mais conhecida como a Lei de Terras. Na sua razão jurídica, vinha trazer diretrizes de como demarcar as terras e identificar as devolutas, considerando como parâmetro para aquisição destas a compra, o que já deixava a margem os “despossuídos” de poder aquisitivo para tal, ou seja, ex-escravos e imigrantes camponeses. Essa lei trouxe no seu bojo exigências relevantes para a discriminação de terras do Brasil, tal como a demarcação como critério para transmissão do domínio público ao particular30, a necessidade de cultivo e moradia 28 Como ficou conhecido o período em que foram suspensas as concessões de título dominiais de sesmarias, expedidos pelo poder público. No Brasil iniciou-se em 1882. 29 MOTTA, Márcia Maria Menendes. Descontentamentos e protestos: territorialização da coroa e o direito a terra na América portuguesa. s/a, p. 28. Disponível em: http://www.euronapoleon.com/pdf/private/MARCIA_MOTTA.pdf. Acesso em 4 de Set. 2009. 30 Art. 8º Os possuidores que deixarem de proceder á medição nos prazos marcados pelo Governo serão reputados cahidos em commisso, e perderão por isso o direito que tenham a serem preenchidos das terras concedidas por seus titulos, ou por favor da presente Lei, conservando-o sómente para serem mantidos na posse do terreno que occuparem com effectiva cultura, havendo-se por devoluto o que se achar inculto. Cf. BRASIL. Lei 601/1850. Dispõe sobre as terras devolutas do império. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L0601-1850.htm. Acesso em 6 de set. 2009.
  • 26. 26 habitual para revalidação das sesmarias. No entanto, esses critérios não impediram o desarme do caos fundiário inicialmente instalado. Dispositivos como o art. 10 da Lei 601/185031, não tiveram efetividade, diante da inoperância em discriminar as terras devolutas. Além disso, a escassez de agrimensores era utilizada como justificativa para o não cumprimento da discriminação de terras. Os institutos básicos da Lei 601/1850: demarcação, registro de terras possuídas, discriminação e arrecadação das terras devolutas que voltariam a incorporar-se ao patrimônio público, fracassaram redondamente. Sem a discriminação das terras devolutas era impossível, de um ponto de vista 32 jurídico, institucionalizar a estrutura agrária. Com a constituição de 1891, art. 64, as terras devolutas da União passam a ser administradas pelos Estados e com isso temos no Pará a primeira Lei de Terras, o Decreto n° 410 de 8 de Outubro de 189 133. O teor desse decreto foi muito similar a Lei de Terras 601 de 1850, posto que dispunha sobre a alienação de terras devolutas do Estado do Pará, revalidação de sesmarias e outras concessões do Governo, bem como a legitimação das posses mansas e pacíficas. É válido retomar que, antes mesmo da revolução dos cabanos34, a Província do Grão Pará teve 2.158 títulos de concessões sesmarias confirmadas entre 1700 e 183535, os quais tinham como beneficiados aqueles que apresentavam posses e facilidades burocráticas junto à metrópole. Desta feita, se pode tirar conclusões de quem seriam os contemplados pelas revalidações. Apesar das exigências de medição e demarcação das terras passíveis de legitimação e revalidação em prazo de cinco (5) anos, segundo o regulamento publicado em 28 de outubro de 1891, bem como a preocupação do 31 Art. 10. O Governo proverá o modo pratico de extremar o dominio publico do particular, segundo as regras acima estabelecidas, incumbindo a sua execução ás autoridades que julgar mais convenientes, ou a commissarios especiaes, os quaes procederão administrativamente, fazendo decidir por arbitros as questões e duvidas de facto, e dando de suas proprias decisões recurso para o Presidente da Provincia, do qual o haverá tambem para o Governo Cf. BRASIL, ibid. 32 TRECANNI, Girolamo Domenico. Violência..., op. cit. p. 81. 33 Art 64 - Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente a porção do território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais. Parágrafo único - Os próprios nacionais, que não forem necessários para o serviço da União, passarão ao domínio dos Estados, em cujo território estiverem situados Cf. BRASIL. Constituição 1891. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao91.htm. Acesso em 6 de Set. 2009. 34 Revolta popular no Pará, que ficou conhecida como Cabanagem. Chegou a constituir um governo próprio e independente entre 1835-1840. 35 MUNIZ, João da Palma apud ÉLERES, Paraguassú. Intervenção..., op. cit., p. 41.
  • 27. 27 legislador em definir a forma descritiva que corresponderia ao laudo do agrimensor para obtenção do título definitivo36, os cuidados com a forma não foram suficientes para que houvesse a aplicação da mesma ao longo dos tempos e os prazos foram prorrogados sucessivas vezes, até 1995.37 Pouco antes do começo do século XX, se teve no Pará uma leva de regulamentos que possuíam o cunho de concessão de terras. Um deles, de 30 de junho de 1894, a lei 223 permitia a concessão gratuita de 25 hectares (ha), o que trouxe aproximadamente 13.000 imigrantes da Europa para o estado do Pará.38 Já no início do século XX, a legitimação e revalidação de terras, segundo análise de Ronald Corecha39, apresentou sérios defeitos por meio da Lei 1.108 de 6 de novembro de 1909. Nesta tínhamos a desconsideração da necessidade de medição para confirmação de Sesmarias, afirmando como critério válido “atos emanados do poder ou autoridade competente”.40 Isso permitia com que fossem oficializadas as ilegalidades cometidas no ato das concessões de terras no Estado antes de 1854. Também deste período aproximado, em 1918, ocorreu a incidência da Legislação Estadual (Lei 1.741) que concedia grandes extensões de terras públicas41, entre estas a abertura de castanhais para particulares, o que se possibilitou a base da constituição de oligarquias na região do sul do Pará, mas propriamente Marabá e municípios vizinhos.42 2.3.2 Estado de República Populista e Ditadura Militar 36 Fato este reforçado pela publicação da Lei 82 de 1892, que estabelecia disposições sobre a venda, revalidação, transferência e legitimação das terras devolutas exclusivamente pertencentes ao Estado. 37 TRECANNI, Girolamo Domenico. Violência...., op. cit. p 98. 38 Ibid, p. 101. 39 BASTOS, Ronald Corecha. A atuação..., op. cit., p. 28. 40 Art. 8° - A medição e demarcação das posses terão por base o registro criado pelo Art. 17, da lei n° 82, de 15 de setembro de 1892, mantido pelo Art. 21, n° 2° 3° , 4° e 5° da presente lei. ( BRASIL. Le i , 1.108 de 6 de novembro de 1909. Dá nova organização ao serviço de Terras. Disponível em: www.iterpa.pa.gov.br/files/leis/Legislacao.../Lei_PA_1.108-1909.doc. Acesso em 9 de set. 2009) 41 . Art. 4° As posses de terras adquiridas em virtud e do art. 5° § 5° do Dec.n° 410, de 8 de outubro - , de 1891; do art. 5° § 6° da lei n° 82, de 15 de s etembro de 1892; do art. 5° § 6° da lei n° 1.1 OS, de , , , 6 de novembro de 1909 ainda não legitimadas até a data da presente lei, não poderão exceder das extensões seguintes: 1.098 hectares para terrenos de indústria extrativa; 2178 hectares para terrenos de lavoura, e 4.356 hectares para campos de criação, ficando o excedente em área sujeito a pagamento como terras devolutas que são. Cf. BRASIL. Lei Estadual do Pará n° 1.741 de 1914. Disponível em www.iterpa.pa.gov.br/ListaLeis.iterpa?...tleiCodigo. Acesso em 9 de set. 2009. 42 IPAM. A grilagem ..., op. cit., p. 29.
  • 28. 28 Foi no período da segunda metade do século XX, com a intervenção do governo federal e seus projetos de “colonização” da Amazônia que se percebe as injustiças fundiárias agravadas. Já em plena ditadura militar, após a era Vargas e os planos falidos de reforma agrária do governo de João Goulart, foram lançados diversos instrumentos jurídicos que contribuíram na alteração da estrutura fundiária da Amazônia. A Lei 4.504 de 30 de Novembro de 1964, o Estatuto da Terra, trouxe institutos importantes para a agregação de terras públicas por particulares, tratavam- se de: legitimação gratuita de posse de até 100 ha; alienação com dispensa de licitação de áreas até 3.000 ha; concessão com dispensa de licitação de áreas até 600 vezes o módulo rural; alienação com concorrência pública por licitação; alienação com licitação e direito de preferência e concessões especiais; ratificação dos títulos concedidos pelos Estados. Além desses o Estatuto vem criar os Institutos que cuidavam do desenvolvimento e da reforma agrária (INDA- Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário e Instituto Brasileiro de Reforma Agrária- IBRA43), bem como sacramentar a desapropriação por interesse social e o imposto territorial rural (ITR), como formas de realização da reforma agrária. Foi também criado o cadastro de imóveis rurais nacionais44, uma proposta de unificação de dados a nível de Brasil, que teria sido uma relevante determinação se este não fosse declaratório, ou seja, cada proprietário ou suposto alimentaria o cadastro com dados prestados pelos mesmos, o que seria factível de alterações falsas. O que era para ser prioridade por meio dessa lei, ou seja, a desapropriação de terras para a reforma agrária, se tornou segundo plano e as burocracias (cumprimento de zoneamento, cadastros, vistorias, etc.) foram usadas como justificativas para cobrir os entraves jurídico- políticos, os quais eram utilizados para conservar o propósito a que deveria servir o Estatuto. Um ano antes de decidir pela entrega da Amazônia ao grande capital, os militares haviam pensado em utilizá-la para a colonização e assentamento de pequenos agricultores sem-terra, propondo para isso um Estatuto da Terra, que viabilizaria uma reforma agrária voltada para a transformação de 43 O que viria a ser o INCRA posteriormente. 44 Caput do art. 46: O Instituto Brasileiro de Reforma Agrária promoverá levantamentos, com utilização, nos casos indicados, dos meios previstos no Capítulo II do Título I, para a elaboração do cadastro dos imóveis rurais em todo o país, mencionando. Cf. BRASIL. Lei 4.504 de..., op. cit.
  • 29. 29 pequenos produtores em pequenos empresários. A mudança de decisão fez com que a Amazônia se reproduzisse o padrão latinfundista da agricultura 45 brasileira, em escala ampliada. Acompanhando a efetivação dessa lógica, foram concedidos diversos incentivos fiscais às atividades de pecuária por meio da criação de órgãos e programas incorporados aos Planos de Integração Nacional (PIN). Em 1966 era criada a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia- SUDAM46; em 1971 veio o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste (PROTERRA- Decreto-lei 1.179 de 6 de julho de 1971), que colocou “por terra” a utilização de títulos de dívida agrária como pagamento das desapropriações para que fosse utilizado em dinheiro47. Mais tarde, já em 1980, foi criado o Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins – GETAT (Decreto-lei 1.767 de 1° de Fevereiro de 1980), ligado ao Conselho de Segurança Nacional e o Grupo Executivo do Baixo Amazonas – GEBAM (Decreto-Lei 84.516 de 20 de Fevereiro de 1980), além do Ministério Extraordinário de Assuntos Fundiários (MEAF). “O balanço das realizações desses três órgãos, no entanto, é pobre, com registro de alguns poucos milhares de títulos de terra de posseiros regularizados”, segundo a avaliação do próprio governo federal.48 Quase uma década antes disso, foi efetivado em terras da Amazônia intervenção federal por meio do Decreto 1.164/1971, que concedia boa parte do território ao controle da União, ao chamar áreas devolutas de cem quilômetros de largura em cada lado do eixo das rodovias na Amazônia Legal à jurisdição federal, declarando-as indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacionais. Em 45 MARTINS, José de Souza. Expropriação..., op. cit., p. 168. 46 Na verdade, os recursos públicos da SUDAM acabaram promovendo a grilagem de terra na Amazônia, por que, primeiro, terras apropriadas ilegalmente cumpriam a função de “garantias” exigida para empréstimos. Segundo, os projetos fictícios de investimentos na agropecuária exigiam a apresentação de área disponível para sua implementação, estimulando a grilagem de terras públicas. Cf. SAUER, Sérgio. Violação dos Direitos Humanos na Amazônia: conflitos e violência na fronteira paraense. Goiania: CPT e outros, 2005, p. 29) 47 Na avaliação de documentos oficiais da Presidência da República: “O desempenho do PROTERRA também deixou a desejar: o programa desapropriava áreas escolhidas pelos próprios donos, pagava à vista, em dinheiro, e liberava créditos altamente subsidiados aos fazendeiros. Apenas cerca de 500 famílias foram assentadas depois de quatro anos de criação do programa”. Cf. BRASIL. Reforma Agrária: um compromisso de todos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/REFAGR3.HTM. Acesso em 8 de set. 2009) 48 Ibid.
  • 30. 30 verdade, essas terras foram objeto de diversas finalidades: “venda, implantação de grandes projetos, alguns projetos de colonização oficial.”49 Somente foram deixados ao Pará apenas 29,9 % de seu território50. As demais áreas que, se já não eram propriedades particulares, tornaram-se instrumentos a serviço da União, ou melhor, foram destinadas aos planos e projetos de regularização que tiveram como produto o repasse de terras à grandes conglomerados de agropecuários mineradoras, como já mencionado anteriormente. As terras do Estado do Pará, apesar da incidência do Decreto-Lei 57/69, (correspondente ao Estatuto de Terras no Pará) que tratava de todas as formas de procedimentos necessários para cada tipo de aquisição das terras públicas, a confusão fundiária era reforçada por meio do seu art. 88, que permitia a todos os títulos nulos fossem revalidados51 No que concerne às terras repassadas para União, destaca-se a afetação das Exposições de Motivo 005 e 006 do Conselho Nacional de Segurança Nacional52 de 1976. Estes foram instrumentos legais de regularização considerados uma das “mais fundas brechas abertas na legislação agrária de legalização de terras”53, já que, por meio destes havia possibilidade de apropriação das terras devolutas, sem concorrência pública, ou melhor sem critérios de licitação, de áreas até setenta e dois mil ha, o que infringia a normatização constitucional que requisitava necessidade do estabelecimento de critérios, inclusive para um limite menor, em áreas de até cem ha (art. 171 da Constituição de 196754). 49 LOUREIRO, Violeta Refkalefsky; PINTO, Jax Nildo Aragão. A questão fundiária na Amazônia, 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103- 40142005000200005. Acessado em 12 de Set. 2009. 50 ÉLERES, Paraguassú. Intervenção, op. cit., p. 108. 51 Art. 88, caput: Os atuais possuidores de terras do Estado cujos títulos definitivos houverem sido ou vierem a ser declarados nulos poderão, até 31 de dezembro do corrente ano, requerer a compra das mesmas áreas, em condições especiais, desde que satisfaçam os seguintes requisitos:. Cf. BRASIL. Decreto-Lei do Estado do Pará n° 57/69. Disponível em: http://www.iterpa.pa.gov.br/ListaLeis.iterpa?pager.offset=60&buscar=0&tleiCodigo=38. Acesso em 12 de Set. 2009. 52 Passaram a ter força de lei pela aprovação do Presidente-general Ernesto Geisel. 53 CONTAG/CIMI/CNBB/ABRA/IBASE. Campanha Reforma Agrária. Rio de Janeiro: Editora Codecri, abril de 1973, p. 11. Disponível em: http://www.dieese.org.br/cedoc/005978.pdf. Acesso em 13 de Set. 2009. 54 Art. 171. A lei federal disporá sôbre as condições de legitimação da posse e de preferência para aquisição, até cem hectares, de terras públicas por aquêles que as tornarem produtivas com o seu trabalho e o de sua família. Cf. BRASIL. Constituição 1967/ Alterada em 1969. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constitui%C3%A7ao67.htm. Acesso em 12 de set. de 2009)
  • 31. 31 As duas iniciativas foram sugeridas ao governo através de duas exposições de motivos (conhecidas como 005 e 006), assinadas pelo ministro da agricultura e o ministro-chefe do todo poderoso Conselho de Segurança Nacional. Passaram a ter força de lei quando o presidente da república as aprovou, desencadeando processos que acabaram por consolidar 55 grilagens e ocupações irregulares de terras na Amazônia. Assim, se dava o fechamento do ciclo, em que as aquisições de terra de forma fraudenta recebiam do governo federal o título de propriedade, se tornando regularizadas por meio dos procedimentos cabíveis pelas Resoluções (posteriormente) 005 e 006 do CSN. Portanto, o próprio Estado coadunava com a prática irregular, legalizando e investindo nestas. Segundo Violeta Loureiro et al, esses instrumentos legais utilizados no governo de Ernesto Geisel, “aceleraram a legalização da fraude e da grilagem e intensificaram os conflitos”56, não permitindo a quem deveria ser beneficiado que fosse de direito, já que: As áreas pleiteadas por grileiros, madeireiros e criadores de gado eram habitadas por centenas de famílias de colonos que nelas viviam e seus direitos à terra, apesar de contestados junto à Justiça ou por confronto direto, estavam amparados legalmente: os naturais da região já estavam na terra há algumas décadas e nelas se haviam estabelecido com posse mansa e 57 pacífica, trabalho efetivo e morada habitual, portanto, na forma da lei. Além desses, outro arcabouço legal criado em 1976 trazia em seu texto possibilidades de intervenção no contexto fundiário nacional por meio da discriminação de terras como forma de regularização fundiária, tratava-se da Lei n° 6.393, que até hoje produz efeitos. Segundo os procedimentos exigidos por essa lei, se pode resumir como etapas ideais para discriminação: a) publicação em edital de convocação, b) reunião de documentos e testemunhas que comprovam posse ou propriedade dos imóveis envolvidos, c) vistoria e demarcação das terras com levantamento de mapa. Após a discriminação, que pode ser provocada por litígio judicial ou procedimento administrativo comum, as terras que por exclusão não apresentavam indícios de propriedade, deveriam ser arrecadadas e incorporadas ao patrimônio público e assim tituladas. 55 PINTO, Lúcio Flávio. Terra Assada. Jornal Pessoal, Belém. Agosto de 2009, 2ª quinzena, p. 1-2. 56 LOUREIRO Violeta Refkalefsky et al . A questão..., op. cit. 57 Ibid.
  • 32. 32 O GETAT se valia desses instrumentos para agregar como patrimônio da União terras que eram propriedades privadas e coletivas, o que contribuiu para posteriores focos de conflitos, já que não eram utilizados os devidos “critérios e cautelas inerentes aos critérios que deveriam prevalecer e nortear o processo”58. Além disso, as ações discriminatórias davam chance que se “consolidasse e legitimassem a grilagem especializada”, nas palavras de. Girolamo Trecanni (2001: p. 132), o que ocorria por meio da simples arrecadação59 da União sobre terras ditas terras “devolutas” e posterior alienação, inclusive com a dispensa da licitação. Nesse círculo se tornava comum a venda de terras com posseiros dentro ou mesmo o aparecimento de posseiros que se aliavam e serviam a uma atividade empresarial, incentivados por grandes empresários que construíam infra- estrutura básica para a área, o que abria oportunidade para o surgimento daqueles chamados “laranjas” ou prepostos. Violeta Loureiro (2004: p. 37), nos aponta como essa forma de regularização fundiária por meio somente da arrecadação se produzia ineficaz, posto que eram os proprietários de terras os únicos que dispunham de comprovantes de titulação de imóveis, sendo suas áreas confirmadas pela ação do Estado. Em contrapartida, os moradores e trabalhadores antigos da região eram destituídos de sua condição original e obrigados a reclamar junto ao Estado o que haviam conquistado historicamente com sua habitação e produção. Assim, a política de regularização dos órgãos fundiários nos governos militares tinha em sua prática formas de realizar a “grilagem especializada”, a qual não precisava utilizar da força física, mas que se valia da garantia de titulação para que se consolidasse a suposta “segurança jurídica” como pilar das atividades econômicas predatórias ao benefício da população originária. 58 Idem. Amazônia: Estado, Homem, Natureza. Belém: CEJUP, 2004. P. 138 59 Arrecadação é a constatação da inexistência de títulos e registros sobre uma área. Administrativamente os órgãos da União requerem aos cartórios e órgãos do Estado certidões sobre o território e caso negativo são matriculados como áreas federais.
  • 33. 33 2.3.3. Nova República e Estado Democrático de Direito Apesar da anunciada “abertura democrática”, os efeitos das ocupações irregulares incentivados pelo Estado da ditadura militar se projetaram sem que houvesse uma preocupação imediata de revisão fundiária ou programas que tratassem de desapropriações que alterassem a estrutura fundiária. Os dispositivos constitucionais que previam a desapropriação (Constituição de 1988, art. 5 ° XXIV) e a promulga ção da nova Lei Agrária (Lei , 8.628), bem como o artigo 51 do ADCT60, foram passos importantes no campo da regularização fundiária, porém as práticas que seguiam não incluíam esse instrumento como prioridade na política fundiária. Além disso, o Decreto 2.375/87, que revogava o Decreto 1.164/71 e permitia a retomada pelo Estado de áreas que não foram destinadas a projetos de colonização ou tituladas a particulares para atividade produtiva, trouxe um novo cenário de possibilidades, que exigia com urgência a identificação dessas terras e a divisão entre abrangência federal e estadual. Em contrapartida, as prioridades de lançamento de programas de política agrária que seguiram davam continuidade a lógica de distribuição de terras, sem proposições de alterar o quadro caótico acumulado. Sendo que estes programas sequer chegaram a alcançar as metas mínimas previstas, originados de problemas de vontade política e a real inviabilidade em “ocupar” mais fronteiras, sem que houvesse o enfretamento da desapropriação e efetivação de correições fundiárias no campo.61 Durante o período antecedente ao governo federal atual, a situação em termos das iniciativas de regularização não se altera e os números de 60 Prevê revisão legal das terras de áreas acima de três mil ha, revisão esta que nunca foi realizada pelo Congresso Nacional comprovando, mais uma vez, o descaso com a questão agrária quando não a conivência dos parlamentares com a grilagem de terras públicas. 61 No governo do presidente Sarney foram assentadas cerca de 90.000 famílias, quando propagandeava com o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), que seriam 1 milhão e 400 famílias (INCRA). Já governo Collor, apesar de anunciado o Programa da Terra, a proposta ficou só no “plano das idéias”. Quando assume Itamar Franco este lança o Programa Emergencial de Reforma Agrária, que pretendia assentar 80 mil famílias, mas que atendeu somente 23 mil (BRASIL, Reforma Agrária..., op. cit.)
  • 34. 34 assentados (em torno de 306.285 famílias) não traduzem que o Estado estivesse tomando para si a tarefa de organizar o contexto fundiário para então agir com os programas de reforma agrária, posto que foram registradas aproximadamente 1.986 ocupações (UNESP, 2007) 62. Isso demonstra que a pressão popular obrigava que houvesse as desapropriações de imóveis rurais e não exatamente o interesse de governo. Apesar da promulgação da Lei que previa o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais - Lei nº 10.267, de 28 de agosto de 200163 – não houve resultados significantes no final desse ciclo de governo, no que concerne ao esforço de realizar um trabalho coletivo para tal unificação de registro, o que só veio a se manifestar por meio do Decreto nº 4.449, de 30 de outubro de 2002, que dava regulamentação a lei e que ainda assim não cumpria com a efetivação da mesma. Somente no Pará, em 2003, dos 124.770.268,33 hectares, apenas 40.095.952,00 ha estavam no cadastro oficial do Sistema Nacional de Cadastro Rural, ou seja, 67,8% das terras que não tinham qualquer controle estatal e que se foram registrados, era através de mecanismos fraudulentos da grilagem de terras. 64 Com a criação do ITERPA, pela lei 4.584 de 08 de Outubro de 1975, a competência de regularização das terras do Estado passou da SAGRI para esse instituto, o que em tese viria facilitar a descriminação das terras estaduais. Ainda no período de 1996 e 1997, o órgão chegou a ajuizar 44 Ações de Cancelamento de 62 UNESP. Análise e Mapeamento dos tipos de assentamento no Brasil: compreender a diversidade e a atualidade da reforma agrária brasileira: estudo dos assentamentos do norte e nordeste. 2007. Disponível em: http://www4.fct.unesp.br/nera/projetos/relatorio_estevan.pdf. Acesso em 15 de set. 2009. 63 Essa lei trazia a inovações de exigir que junto ao cadastro de imóveis rurais fosse incluído o mapa georeferenciado das áreas e que e que os detentores de imóveis maiores do que quatro módulos fiscais na Amazônia fossem responsáveis por apresentar o georeferenciamento no cadastramento e recadastramento, conforme as alterações da lei 6.015/73, artigo 176, § 3° e 4°: § 3o Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a o identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1 será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais. o § 4o A identificação de que trata o § 3 tornar-se-á obrigatória para efetivação de registro, em qualquer situação de transferência de imóvel rural, nos prazos fixados por ato do Poder Executivo. Cf. BRASIL. Lei nº 10.267, de 28 de agosto de 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/LEIS_2001/L10267.htm. Acesso em 15 de Set. 2009. 64 IPAM. A grilagem ..., op. cit., p. 38.
  • 35. 35 registros irregulares, que correspondia a 24.076.000 de hectares, porém obteve somente 2 sentenças favoráveis, totalizando 8.712 hectares65. 3. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E O ESTADO ATUAL 3.1. BREVE CONTEXTO PRESENTE DA SITUAÇÃO AGRO- AMBIENTAL DA AMAZÔNIA Como ficou demonstrado pela evolução histórica do processo de ocupação na Amazônia e no Pará, se tem o ousado desafio de se levantar a radiografia fundiária do Estado, diante de tantos atores presentes no território. Ainda mais quando se analisa abertura indiscriminada de fronteiras agrícolas e a presença conflitante de sujeitos sociais com interesses incompatíveis. A abertura de novas estradas e o processo acelerado de ocupação no Estado do Pará tem reativado fronteiras econômicas antigas (como o que ocorre no nordeste, sul e oeste paraense com o cultivo da soja e a exploração mineral) e movimentado novas fronteiras como o que ocorre em Anapu, Castelo dos Sonhos (Altamira), Novo Progresso e São Felix do Xingu. Essas novas dinâmicas têm acelerado o processo de expropriação e a exploração irracional do território, que resultam em desmatamento e muita 66 violência envolvendo novos e antigos ocupantes do espaço territorial. Com isso, se percebe que o crescente desmatamento não advém apenas da produção de carvão vegetal, mas alimenta uma série de atividades econômicas, em que a exploração madeireira é a primeira a ser beneficiada, seguindo o avanço da pecuária e soja, o que dá continuidade aos ciclos econômicos de monocultura. Os grandes produtores de soja e gado- ao primeiros principalmente, e em particular, no estado do Mato Grosso-, além de utilizarem terras próprias, costumam arrendar terras de pequenos produtores agrícolas. A crescente demanda por terras naquele estado tem elevado o preço das mesmas e provocado uma corrida dos plantadores, que passaram a buscar terras mais 67 baratas em pontos centrais da Amazônia Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente de 1997 a 200468 já foi devastada uma área de 95.318 km² na Amazônia Legal, 58% da qual foi responsabilidade da pecuária. Em julho, o sistema de alerta DETER indicou 836 km² 65 ITERPA. Análise dos Registros de Imóveis Rurais Bloqueados no Pará. Disponível em: http://www.iterpa.pa.gov.br/ListaDownloads.iterpa. Acesso em 16 de Set. de 2009. 66 SAUER, Sérgio. Violação dos Direitos…, op. cit., p. 22 67 LOUREIRO Violeta Refkalefsky. Amazônia no século XXI: novas formas de desenvolvimento. São Paulo: Empório Livro, 2009 P. 89 68 Ibid, p. 88.
  • 36. 36 de desmatamentos na Amazônia. Deste total, 577 km² foram registrados no Pará. Isso demonstra como na atualidade se coexiste com as conseqüências do deslocamento das fronteiras agrícolas que dão origem a novas áreas de devastação e apropriação do patrimônio coletivo com altos passivos sociais e ambientais. 69 ILUSTRAÇÃO 1- Focos do desmatamento na Amazônia. 70 FONTE: INPE/ DETER . Amarelo- Focos de desmatamento identificados no mês de Julho/2009 Soma-se a esse contexto atual o cruzamento de outro dado alarmante: o Pará possui aproximadamente 3,9 vezes mais o seu tamanho em terras registradas71. Esse dado foi fruto do trabalho da Comissão de Estudo e Monitoramento das Questões Ligadas a Grilagem de Terras no Estado do Pará72, com base em pesquisas nos cartórios do estado, obtidos desde 2007. Os números revelam o desordenamento que dá chance a impunidade das infrações ambientais, por exemplo. 69 Dentre as ações inibitórias desse quadro, o Ministério Público Federal, em Junho de 2009, encaminhou recomendações a diversas redes de compra de carne que suspendessem as compras de produtos oriundos de criação realizadas em áreas devastadas, sob pena de responsabilidade solidária. Cf. MPF quer gado fora de área devastada. Belém, Jornal O’Liberal, Caderno Atualidades. 2/06/09. P. 5. 70 INPE. DETER indica 836 km2 de desmatamento na Amazônia em julho. 01 de set. 2009. Disponível em: <http://www.inpe.br/noticias/noticia.php?Cod_Noticia=1937>. Acesso em 9 de Ago. 2009. 71 Ana Conceição. Terras registradas no Pará são 4 vezes a área do Estado. Estadão On-line. 21 de jul. 2009. Disponível em: http://www.estadao.com.br/geral/not_ger406149,0.htm. Acesso em 17 de Set. 2009. 72 Comissão composta por Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Procuradoria Geral do Estado, ITERPA, INCRA, Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Advocacia Geral da União, Ordem dos Advogados do Brasil- Seção Pará, FETAGRI-PA, SDDH, CPT e FAEPA.
  • 37. 37 Nas últimas décadas, mais de 300 mil pessoas ocuparam informalmente e ilegalmente milhões de hectares na Amazônia. Considerando, por exemplo, apenas terras federais, cerca de 67 milhões de hectares foram ocupados, o que equivale aos territórios da Alemanha e Itália. Essa ocupação desenfreada – em que os posseiros exploraram madeira e obtiveram rendas da agropecuária sem sequer pagar um aluguel pela terra- tem estimulado conflitos, o desmatamento e dificultado o estabelecimento de usos 73 sustentáveis dos recursos naturais da região. Como conquências desse cenário, os dados da continuidade dos registros de conflitos e violência no campo são preocupantes. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de 1971 a 2008, foram assassinados 830 camponeses no Pará. Sendo que na primeira metade do período mencionado (1971- 1985) foram registrados 340 assassinatos em conflitos fundiários. Na segunda metade do período (1986-2008) foram vitimados 490 camponeses, demonstrando assim a persistência no tempo do padrão de violência existente no Pará.74 Na Amazônia a distribuição incerta da situação jurídica das terras, se resume no seguinte quadro, publicado pelo IMAZON: ILUSTRAÇÃO 2- Destino das terras na Amazônia 75 FONTE: IMAZON/ 2009 73 BRITO, Brenda e BARRETO, Paulo. Os perigos da privatização generosa de terras na Amazônia. 2009. Disponível em: http://www.imazon.org.br/novo2008/publicacoes_ler.php?idpub=3557. Acesso em 17 de Set. 2009. 74 CPT. Caderno Conflitos no Campo 2008. Disponível em: http://www.cptnacional.org.br/?system=news&action=read&id=3311&eid=6. Acesso em 17 de Set. 2009. 75 BRITO, Brenda e BARRETO, Paulo. Os riscos e os princípios para regularização fundiária na Amazônia. 2009. p. 1. Disponível em: http://www.imazon.org.br/novo2008/arquivosdb/173332oea10.pdf. Acesso em 19 de Set. 2009.
  • 38. 38 A incerteza da localização das áreas que supostamente são tomadas como áreas “privadas” é o desafio posto para os planos de regularização fundiária do ciclo atual da gerência de Estado. Segundo dados do laboratório de geoprocessamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON), “mesmo as áreas protegidas são alvo de ocupações ilegais”, a estimativa é de que “pelo menos 10 milhões de hectares dentro de Unidades de Conservação possuem pendências fundiárias, incluindo a necessidade de desapropriar imóveis privados e de resolver a situação de posseiros em seu interior”76 3.2. INTERVENÇÕES RECENTES SOBRE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA 3.2.1. Na região da Amazônia Legal Com entrada do ciclo de governo Lula, foram incorporados aos planos de política agro-ambiental algumas iniciativas legais que apontavam para a possibilidade de regularização fundiária. Primeiramente, tivemos em 2003 o lançamento II Plano Nacional de Reforma Agrária, que previa entre suas metas a regularização fundiária de 500 mil famílias até o final de 2006.77 Porém, regularizou a situação de 113 mil famílias de 2003 à 2007, ou seja, atingiu apenas 23% da meta.78 Em 2004 foi lançado o PPCDAM- Plano de Ação Para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, com um leque extenso de diretrizes estratégicas. Entre os desafios estavam o ordenamento fundiário.79 Para a 76 Ibid, p. 1 77 MDA. Plano Nacional de Reforma Agrária. Disponível em: http://www.mda.gov.br/portal/index/show/index/cod/184. Acesso em 12 de Set. 2009 78 UMBELINO, Ariovaldo. O governo Lula dá adeus a reforma agrária. Radio Agência Notícias do Planalto. 18 de Dezembro de 2008. Disponível em: http://www.radioagencianp.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=5990&Itemid=43. Acesso em 19 de Set. de 2009. 79 “ iii) a tomada de medidas urgentes de ordenamento fundiário e territorial, visando à redução do acesso livre aos recursos naturais para fins de uso predatório e o fortalecimento de instrumentos de gestão democrática e sustentável do território, priorizando o combate à grilagem de terras públicas, a regularização fundiária, viabilização de modelos alternativos de reforma agrária adequados à Amazônia, e a criação e consolidação de unidades de conservação e terras indígenas; (grifo meu). Cf. BRASIL. Plano de Desmatamento. Disponível em http://www.planalto.gov.br/casacivil/desmat.pdf. Acesso em 10/09/09.
  • 39. 39 efetivação dessa medida foi promulgada uma Portaria conjunta entre INCRA e MDA 80 n° 10, de 1° de dezembro de 2004. Para que fosse efetivada com sucesso a iniciativa dependia de uma estrutura institucional que o INCRA não possuía, de acordo com o texto do primeiro relatório de avaliação do plano, que trazia: Em termos gerais, avalia-se que a atual estrutura institucional do INCRA (recursos humanos, equipamentos, etc.) é insuficiente para conduzir as atividades de recadastramento e regularização fundiária, bem como outras ações do Plano sob a sua responsabilidade em nível regional. Conforme demonstrado pela Operação Faroeste, em que de 11 dos 18 indivíduos presos pela Policia Federal eram funcionários do INCRA (inclusive o superintendente no Pará), a fragilidade institucional do órgão envolve a susceptibilidade à corrupção, perante o poder econômico de quadrilhas de 81 grilagem de terras públicas Em fevereiro de 2008, o Greenpeace publicou um dossiê de avaliação do plano, dentro do qual abrangia também as iniciativas de regularização fundiária, onde se confirmava a exposição da fragilidade dos órgãos responsáveis por efetivar a mesma. Dentre as ações desse eixo, foram identificadas como não executadas ou com resultado incipiente: i) a demarcação e regularização fundiária de terras indígenas e ii) a regularização fundiária e combate a grilagem e destinação de terras públicas em áreas de conflito no Arco do Desmatamento e na região da BR-163.82 Ainda nesse relatório avaliativo, o Greenpeace em sua conclusão encerra afirmando a necessidade emergencial da etapa de regularização para que houvesse a efetivação do plano: Uma medida é vital: nenhum plano dará certo sem que o governo federal e os governos estaduais promovam o imediato ordenamento e a regularização fundiária da Amazônia, convocando forças-tarefa do executivo e judiciário para concluir o cadastramento de propriedades rurais e analisar, julgar e encerrar os processos litigiosos sobre propriedade de terra na região. A curto prazo, esse ordenamento passa pela adoção do 80 Por meio desta, os proprietários com mais de 400 hectares de terra na Amazônia legal, teriam o prazo até 30 de janeiro de 2005 para registrar seus imóveis e para quem tinha de 100 a 400 hectares, o prazo estendia-se até 31 de março de 2005. 81 BRASIL. Relatório de Avaliação do Plano de Desmatamento. 2005, p. 8. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/casacivil/arquivospdf/RelatorioAvaliacaoPlanoAcaoPrevencaoControleDes matamentoAmazoniaLegal,.pdf. Aceso em 20 de Set. 2009. 82 GREENPEACE. O leão acordou. 2008, p. 7. Disponível em: http://www.greenpeace.org/brasil/documentos/amazonia/desmatamento-na-amaz-nia-o-l.
  • 40. 40 SLAPR (Sistema de Licenciamento Ambiental em Propriedades Rurais) em por todos os estados da Amazônia Legal, ou de sistema similar de cadastro 83 ambiental das propriedades rurais. (grifo meu). Para incorporação desse plano chegaram a ser expedidas instruções normativas pelo INCRA (INs 31 e 32 no ano de 2006), as quais regularizavam pequenas posses entre 100 ha e até 500 ha na Amazônia Legal. Segundo a avaliação final do PPCDAM, em 2008, apesar das normatizações, a regularização fundiária foi considerada “muito pequena” e “pouco avançada”, nos anos de 2005 a 2007. Logo após, em junho de 2007, o INCRA editou normas para alienação de áreas acima de 500 ha até 1.500 ha, a IN 41, que envolvia o uso de licitação. Segundo análise do BARRETO et al, isso ocorreu em virtude da “pressão política e judicial dos posseiros de área maior”, que não tinham sido beneficiados pela titulação de imóveis públicos anterior.84 Em maio de 2008, foi lançado o PAS (Plano Amazônia Sustentável), que estava em discussão desde 2003, no qual entre os cinco grandes eixos de atuação está o ordenamento territorial, que se incorpora a gestão ambiental, por meio do georreferenciamento das áreas priorizadas pelo programa.85 Pouco antes, em 25 de março de 2008, foi publicada a MP 422, que foi convertida na Lei 11.763. Causa de alarme de algumas organizações da sociedade civil86, essa norma já alterava a Lei 8.666/93 (art. 17, § 2-B), lei das Licitações e Contratos da Administração Pública e permitia a dispensa de licitação para concessão de direito de propriedade ou título real de uso de imóveis rurais públicos a particulares, até 1.500 ha. Logo após essa alteração, o INCRA publicou 83 Ibid, p. 33. 84 BARRETO. Paulo; BRITO, Brenda; PINTO, Andréia; HAYASHY, Sanae. Quem é dono da Amazônia: uma análise do recadastramento de imóveis rurais. Belém: IMAZON, 2008, p. 46. Disponível em: http://www.imazon.org.br/publicacoes/publicacao.asp?id=537. Acesso em 1 de out.2009. 85 BRASIL. Programa Amazônia Sustentável. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/casacivil/arquivospdf/pas.pdf. Acesso em 21 de Set. 2009. 86 Manifestações de Entidade como: Comissão Pastoral da Terra (Oficializada a grilagem da Amazônia); Fórum da Amazônia Oriental (Carta Aberta ao Presidente sobre MP 458); Sociedade Paraense em Defesa dos Direitos Humanos, Movimento dos Atingidos por Barragem, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Conselho Indiginista Missionários, entre outras entidades (Petição ao Presidente Contra Partes da MP 458); Greenpeace (Toda grilagem será perdoada).
  • 41. 41 duas Instruções Normativas (INs)–nº 45 e 46 – para fixar os novos procedimentos de regularização fundiária, conforme a previsão da nova lei. 3.2.2 No Estado do Pará No âmbito estadual, se teve alguns avanços em relação a tentativas de regularização fundiária por meio do ajuizamento de diversas Ações de Nulidade e Cancelamento da Matrícula, Transcrições e Averbações no Registro de Imóveis87. Somado a isso ocorreu o reforço do Provimento 013/2006 da Corregedoria de Justiça das Comarcas do Interior que veio afirmar a reorganização fundiária por meio de bloqueio de títulos irregulares, uma prática recorrente desde 1999, que vem tenho resultados consideráveis.88 Após os diversos “considerandos” do Provimento, vinham os objetivos a que o mesmo se propunha: Art. 1º. Determinar a averbação de BLOQUEIO DE TODAS AS MATRÍCULAS DE IMÓVEIS RURAIS nos Cartórios de Registro de Imóveis das Comarcas do Interior, que tenham sido registradas, no período de 16/07/1934 a 08/11/1964 (independente da data que constar no suposto título), com áreas superiores a 10.000 ha (dez mil hectares), não podendo o Oficial nelas praticar mais nenhum ato, estendendo-se os seus efeitos a eventuais matrículas que delas tenham sido desmembradas. Art. 2º. Determinar a averbação de BLOQUEIO DE TODAS AS MATRÍCULAS DE IMÓVEIS RURAIS nos Cartórios de Registro de Imóveis das Comarcas do Interior, que tenham sido registradas, no período de 09/11/1964 a 04/10/1988 (independente da data que constar no suposto título), com áreas superiores a 3.000 ha (três mil hectares), não podendo o Oficial nelas praticar mais nenhum ato, estendendo-se os seus efeitos a eventuais matrículas que delas tenham sido desmembradas. Art. 3º. Determinar a averbação de BLOQUEIO DE TODAS AS MATRÍCULAS DE IMÓVEIS RURAIS nos Cartórios de Registro de Imóveis das Comarcas do Interior, que tenham sido registradas a partir de 05/10/1988 (independente da data que constar no suposto título), com áreas superiores a 2.500 ha (dois mil e quinhentos hectares), não podendo o Oficial nelas 87 Foram 50 de 1996 a 2008 ajuizadas pelo mesmo e 4 ações civis públicas, correspondentes a aproximadamente 24 milhões de ha. Cf. ITERPA, Análise dos..., op. cit. 88 Em 1999, o INCRA identificou evidências de fraude em 39 cartórios, em cinco estados da Amazônia, e solicitou que as justiças estaduais conduzissem inspeções extraordinárias em vinte e um casos. De 1990 a 2006, a Justiça Estadual do Pará determinou nove cancelamentos e dezesseis suspensões de registros de terra fraudulentos, os quais representaram mais de 150 imóveis ilegais e mais de 3,2 milhões de hectares. Em 2001, a Justiça Estadual do Amazonas, motivada pelo recadastramento conduzido pelo INCRA, cancelou administrativamente 135 registros ilegais de imóveis em cartórios equivalentes a aproximadamente 28 milhões de hectares. Cf. BARRETO et al, Quem é dono...,op. cit., p. 41.
  • 42. 42 praticar mais nenhum ato, estendendo-se os seus efeitos a eventuais 89 matrículas que delas tenham sido desmembradas. Muito embora a iniciativa permitisse a correição de diversas situações irregulares90, o Tribunal de Justiça do Estado não reconheceu o cancelamento administrativo dos casos de matrículas indevidas discriminados pela Comissão de Estudo e Monitoramento das Questões Ligadas a Grilagem de Terras no Estado do Pará nos cartórios de registro de imóveis das comarcas do interior do Estado. Fato este que deu origem ao pedido de Providências ao Conselho Nacional de Justiça por várias entidades em abril de 2009. Ao lado disso, está por se concluir o Programa de Ordenamento Territorial, pelo Instituto de Terras do Pará, os quais objetivam em suas ações a constituição da malha fundiária dos municípios, bem como a elaboração do Macrozoneamento e o Zoneamento Ecológico Econômico da BR 163, a criação unidades de conservação, o reconhecimento do direito a terra às comunidades indígenas e quilombolas.91 4 A MEDIDA PROVISÓRIA 458 CONVERTIDA EM LEI 11.252 /09 4.1 ANTECEDENTES DA ELABORAÇÃO DA LEI 89 BRASIL. Provimento Corregedoria do Interior 013/2006- CJ CI. Dispõe sobre a averbação de Bloqueio de Matrículas de áreas rurais nos Cartórios do Registro de Imóveis nas Comarcas do Interior e dá outras providências. Disponível em http://arisp.files.wordpress.com/2009/08/prov-pa_cjci- tje_013-2006.pdf. Acesso em 22 de Set. de 2009. 90 De acordo com a Petição de Pedido de Providências ao CNJ pelo ITERPA, MPF, INCRA, AGU, FETAGRI, CPT, tínhamos: a) registros com mais de 100.000 hectares incidindo sobre terras indígenas, unidades de conservação, terras devolutas estaduais ou terras públicas já devidamente matriculadas em nome da União e do Estado; b) milhares de Títulos de Posse não legitimados declarados caducos pelo Decreto nº 1.054, de 16 de fevereiro de 1996, e sobre os quais pesa o protesto judicial apresentado pelo ITERPA no mesmo ano; c) centenas de Títulos de Domínio, supostamente emitidos na década de 60, com área correspondente a uma légua quadrada (4.356 ha), mas que foram levados a registro três décadas depois; d) registros de áreas com mais de 1.500 hectares expedidos depois de 1.989 sem a devida autorização legislativa prevista no art. 241-242 da Constituição estadual; e) registros de áreas superiores a 500 ha, sem que o Conselho Estadual de Política Agrícola, Agrária e Fundiária tivesse aprovado o Plano de Utilização. Cf. ITERPA. Pedido de providências ao CNJ. Comissão Permanente de Monitoramento, Estudo e Assessoramento das Questões Ligadas à Grilagem- Pedido de providências ao CNJ. Disponível em: http://www.iterpa.pa.gov.br/files/downloads/Pedido_providencias_CNJ.pdf 91 Cf. BRASIL. Programa de Ordenamento Territorial do Pará. Disponível em: http://www.iterpa.pa.gov.br/files/PROGRAMADEORDENAMENTOTERRITORIAL.pdf. Acesso em 23 de Set. 2009.
  • 43. 43 Desde o segundo semestre de 2008 vinha sendo sinalizada a previsão de uma lei de regularização fundiária na Amazônia, a qual viria dar subsídio jurídico a uma das ações previstas no Plano Amazônia Sustentável (PAS)92. Ainda que isso não tenha se efetivado por meio do PAS, esta intenção se consagrou com a elaboração da Lei n° 11.952 de 25 de junho de 2009 ( conversão da MP 458). O que gerava motivo de controvérsias, antes da publicação da MP 458, ainda era a forma pela qual seria instituída a lei, conforme noticiários da época: “A doação de terras de até quatro módulos ou a cobrança só de valor histórico entre 101 hectares e quatro módulos exige mudança das leis. Não está definido se as mudanças serão feitas por medida provisória.”93 Além deste impasse, outro foi gerado na elaboração da proposta, tratava-se da criação de um instituto próprio para realização do trabalho de regularização fundiária na Amazônia. Era denominado IRFAM- Instituto de Regularização Fundiária da Amazônia e concorreria com o INCRA em recursos. Porém, houve reação de setores na sociedade e inclusive do INCRA e MDA e essa proposta não prosperou. Veio então, como contraponto da idéia a criação do plano “Terra Legal: Regularização Fundiária na Amazônia Legal”, pelo qual haveria uma parceria entre órgãos na efetivação da lei que estaria por vir. Sabe-se que esta foi a proposta que ganhou força e que está em execução. A publicação da MP 458 que gerou repercussão negativa de diversas entidades e organizações sociais (ver em anexo algumas notas). Mais ainda pela sua conversão em lei, por meio do processo legal disposto do artigo 62 da Constituição Federal, em que após a adoção da Medida Provisória por ato unilateral da Presidência da República, esta é encaminhada para análise de uma comissão mista da Câmara e Senado e depois apreciação do plenário nas duas casas, e caso haja aprovação com alterações do texto original, o texto retorna ao Presidente para que seja sancionado ou vetado. 92 SALAMON, Marta. Folha de São Paulo. 25 de setembro de 2008: Governo estuda doar 4% da Amazônia a posseiros. (Acesso integral apenas para assinantes do Jornal). Disponível em: http://www.ecodebate.com.br/2008/09/26/governo-estuda-doar-4-da-amazonia-a-posseiros/ . Acesso em 23 de Set. 2009. 93 Ibid.