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Cartas ao cão
1
      A água para o café está a ponto
                 de ferver




    A      água para o café está a ponto de ferver. Nola des-
          liga o fogo e despeja o líquido semivaporoso so-
bre o pó no coador. O perfume amargo, que sobe com a
névoa quente, espalha-se pela cozinha e inebria seus senti-
dos, como todas as manhãs. É um momento todo seu,
apenas seu, até que a água acabe e deixe somente o pó
molhado, marrom-escuro, areia na praia quando a maré
baixa. Por um instante, sente vontade de amassar a borra
com as costas da colher e extrair dali as últimas gotas, mas
sabe que ela é como um estranho objeto sagrado, do qual
se pode sorver apenas até certo ponto. O relógio goteja
seu ponteiro de segundos com a mesma pressa de todas as
manhãs. O tempo parece estar sempre fora de alcance. Pa-
rece ser sempre tarde demais.
8                     TATIANA BUSTO GARCIA



      Confortavelmente deitado no emaranhado de seu
cobertor, que ocupa o lado sul da cozinha, Kojak reflete
sobre o futuro: estender a soneca por mais alguns minu-
tos ou caminhar até a vasilha de comida para averiguar a
possível chegada de novidades? As pálpebras pesam pre-
guiçosamente no rosto bonachão. Ele tem tanto apreço
pelo cobertor azul-claro-manchado-de-cândida que aga-
salha seu corpo massudo, que decide não abandoná-lo de
imediato. Continua a assistir ao seu mundo em preto e
branco. Nola não precisa voltar-se para vê-lo, sabe que está
ali. Pode sentir a sutilíssima movimentação do ar, a vibra-
ção morna que faz com que ela se sinta menos só, na cozi-
nha, no mundo.
      Cães e gatos não são um, são vários. Cães são afeição
desmedida e gatos são alegria contida. Cúmplices fiéis, as-
sistem a tudo sem emitir julgamentos de qualquer ordem
ou valor. Tentam nos tocar com aquilo que lhes vêm dire-
tamente do coração, mas estamos embrutecidos demais
para conseguir entender as mensagens que emitem atra-
vés de um singelo movimento de rabo ou de bigodes. Ao
mirar fundo esses olhos úmidos, sabemos que eles veem
tudo, testemunham tudo e se calam, não confidenciam
essas indizências nem a você nem a ninguém, e você nun-
ca poderá retribuí-los por isso.
      Blood, sweat & tears (Sangue, suor e lágrimas) é o tí-
tulo de um microportfólio de Mark Ryden, artista plásti-
co americano, composto por três ilustrações. Na primeira,
uma garota está sentada num campo florido, sob as lágri-
mas de uma girafa que chora sem arrependimentos; na
segunda, um grupo de crianças dança à volta de um gran-
CARTAS AO CÃO                     9

de ser bizarro, de mãos decepadas, cujas gotas grossas de
suor deslizam aflitivamente por suas têmporas; na tercei-
ra, um bicho azul parece lamentar-se de seu ferimento, de
onde jorra um sangue fino que parece saciar a sede na boca
de um cão.Ao pensar nas imagens que adornam seu escri-
tório, ela se dá conta de que seu buldogue é o único ser no
mundo com quem pode dividir as suas dores, a qualquer
tempo, e, caso elas se tornem por demais pesadas, ele as
suportará em seu lugar.
     Tom entra na cozinha, trajado como de costume: cal-
ça de brim bege, camiseta polo amassada, de um lado a
gola para cima, do outro, para baixo. Nos pés, apenas um
pé de meia. Passa por detrás de Nola e lhe dá um beijo no
ombro. Ela fecha os olhos e sorri suavemente, com os lá-
bios em simetria, enquanto joga o coador usado no cesti-
nho da pia. Até este momento, sua microvida vinha se de-
senrolando em slow motion, dentro de um invólucro
particular, em que os menores movimentos e a percepção
aguçada de cada giro do globo ocular continham uma
descoberta. Ao chocar-se com o excesso cru da realidade
imediata, que torna os azulejos tão frios e as superfícies
tão lisas, é como se as sutilezas invisíveis que lhe dão vida,
suaves sopros de abelhas em pétalas muito tenras, fossem
esmagadas pela obstinada determinação do mundo con-
creto em impor, sempre, a sua verdade prática.
     Na área de serviço, ele revira o cesto de roupas.
     “Tom, você voltou a fumar.”
     “Não, não voltei. Eu simplesmente nunca parei.”
     “Eu preferia quando você fedia a ácido retinoico. Era
mais asséptico.”
10                     TATIANA BUSTO GARCIA



    “Fica muito feio usar meias marrons com calça bege?”
    Ela sabe qual será sua reação, conhece as velhas des-
culpas, gastas pelo tempo. Perguntar sempre a mesma coi-
sa não chega a ser irritante, mas o medo da resposta co-
nhecida lhe provoca uma sensação de náusea.
    “Eu vou visitar a mamãe hoje. Você vem?”
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mana, não vai dar não.”
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Cartas ao cão - um relato sobre a rotina matinal

  • 2. 1 A água para o café está a ponto de ferver A água para o café está a ponto de ferver. Nola des- liga o fogo e despeja o líquido semivaporoso so- bre o pó no coador. O perfume amargo, que sobe com a névoa quente, espalha-se pela cozinha e inebria seus senti- dos, como todas as manhãs. É um momento todo seu, apenas seu, até que a água acabe e deixe somente o pó molhado, marrom-escuro, areia na praia quando a maré baixa. Por um instante, sente vontade de amassar a borra com as costas da colher e extrair dali as últimas gotas, mas sabe que ela é como um estranho objeto sagrado, do qual se pode sorver apenas até certo ponto. O relógio goteja seu ponteiro de segundos com a mesma pressa de todas as manhãs. O tempo parece estar sempre fora de alcance. Pa- rece ser sempre tarde demais.
  • 3. 8 TATIANA BUSTO GARCIA Confortavelmente deitado no emaranhado de seu cobertor, que ocupa o lado sul da cozinha, Kojak reflete sobre o futuro: estender a soneca por mais alguns minu- tos ou caminhar até a vasilha de comida para averiguar a possível chegada de novidades? As pálpebras pesam pre- guiçosamente no rosto bonachão. Ele tem tanto apreço pelo cobertor azul-claro-manchado-de-cândida que aga- salha seu corpo massudo, que decide não abandoná-lo de imediato. Continua a assistir ao seu mundo em preto e branco. Nola não precisa voltar-se para vê-lo, sabe que está ali. Pode sentir a sutilíssima movimentação do ar, a vibra- ção morna que faz com que ela se sinta menos só, na cozi- nha, no mundo. Cães e gatos não são um, são vários. Cães são afeição desmedida e gatos são alegria contida. Cúmplices fiéis, as- sistem a tudo sem emitir julgamentos de qualquer ordem ou valor. Tentam nos tocar com aquilo que lhes vêm dire- tamente do coração, mas estamos embrutecidos demais para conseguir entender as mensagens que emitem atra- vés de um singelo movimento de rabo ou de bigodes. Ao mirar fundo esses olhos úmidos, sabemos que eles veem tudo, testemunham tudo e se calam, não confidenciam essas indizências nem a você nem a ninguém, e você nun- ca poderá retribuí-los por isso. Blood, sweat & tears (Sangue, suor e lágrimas) é o tí- tulo de um microportfólio de Mark Ryden, artista plásti- co americano, composto por três ilustrações. Na primeira, uma garota está sentada num campo florido, sob as lágri- mas de uma girafa que chora sem arrependimentos; na segunda, um grupo de crianças dança à volta de um gran-
  • 4. CARTAS AO CÃO 9 de ser bizarro, de mãos decepadas, cujas gotas grossas de suor deslizam aflitivamente por suas têmporas; na tercei- ra, um bicho azul parece lamentar-se de seu ferimento, de onde jorra um sangue fino que parece saciar a sede na boca de um cão.Ao pensar nas imagens que adornam seu escri- tório, ela se dá conta de que seu buldogue é o único ser no mundo com quem pode dividir as suas dores, a qualquer tempo, e, caso elas se tornem por demais pesadas, ele as suportará em seu lugar. Tom entra na cozinha, trajado como de costume: cal- ça de brim bege, camiseta polo amassada, de um lado a gola para cima, do outro, para baixo. Nos pés, apenas um pé de meia. Passa por detrás de Nola e lhe dá um beijo no ombro. Ela fecha os olhos e sorri suavemente, com os lá- bios em simetria, enquanto joga o coador usado no cesti- nho da pia. Até este momento, sua microvida vinha se de- senrolando em slow motion, dentro de um invólucro particular, em que os menores movimentos e a percepção aguçada de cada giro do globo ocular continham uma descoberta. Ao chocar-se com o excesso cru da realidade imediata, que torna os azulejos tão frios e as superfícies tão lisas, é como se as sutilezas invisíveis que lhe dão vida, suaves sopros de abelhas em pétalas muito tenras, fossem esmagadas pela obstinada determinação do mundo con- creto em impor, sempre, a sua verdade prática. Na área de serviço, ele revira o cesto de roupas. “Tom, você voltou a fumar.” “Não, não voltei. Eu simplesmente nunca parei.” “Eu preferia quando você fedia a ácido retinoico. Era mais asséptico.”
  • 5. 10 TATIANA BUSTO GARCIA “Fica muito feio usar meias marrons com calça bege?” Ela sabe qual será sua reação, conhece as velhas des- culpas, gastas pelo tempo. Perguntar sempre a mesma coi- sa não chega a ser irritante, mas o medo da resposta co- nhecida lhe provoca uma sensação de náusea. “Eu vou visitar a mamãe hoje. Você vem?” “Porra, Nola, hoje? Eu peguei um trampo pra essa se- mana, não vai dar não.” “Tudo bem, não precisa ir. Eu compro um pão doce na esquina e digo a ela que você mandou.” “A velhinha tá firmona, né?” “Tom, faz um ano que você não vê a mamãe!” “E por acaso ela vai sumir de lá? Uma hora eu vou, relaxa, Nola. Esta aqui, eu sei que é sua meia de ir pra aca- demia, mas posso usar, só hoje?”