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95 anos da Revolução Russa de 1917
Revolução Russa: sua importância histórica e
seus ensinamentos para a luta do socialismo
Transcrição da palestra realizada em novembro
de 2012 sobre o aniversário da Revolução
Russa
Rui Costa Pimenta


Bom dia companheiros. Nós dividimos essa
atividade de palestras em dois temas
diferentes. Aqui nós vamos tratar da
importância histórica da Revolução Russa e na
segunda palestra da importância da revolução
do ponto de vista da luta política revolucionária
nos dias de hoje. Nela, iremos tratar de um
conjunto de polêmicas que dão lugar a muita
confusão, sobre as consequências da
Revolução Russa, o stalinismo e os problemas
que normalmente se discute sobre a ditadura e
a democracia no socialismo.
Gostaria de começar chamando a atenção para
o fato de que a Revolução Russa além de ser
talvez o mais importante acontecimento político
da história da humanidade, é também o mais
polêmico dos últimos cem anos. Talvez seja o
acontecimento que mais deu lugar a polêmicas
em toda a história política da cultura humana.
Normalmente, não temos a ideia do volume de
críticas, de calúnias, de interpretações de todos
os tipos, mas principalmente de interpretações
negativas que existem sobre a Revolução
Russa. Eu calculo, embora isso seja difícil de
saber com certeza, que milhões de livros,
ensaios etc. foram escritos sobre esse tema. É
um dos assuntos, sem dúvida, mais discutidos
dos últimos cem anos, senão o mais discutido.
Daí que o problema seja naturalmente confuso
para quem aborda a questão. Minha intenção
com essa palestra é dar uma contribuição no
sentido do esclarecimento das questões
centrais que dizem respeito à Revolução
Russa.
Uma primeira delas e essa é uma das maiores
deformações sobre o assunto, serve como
indicativo da dimensão dessa polêmica.
Discute-se, sobretudo, a legitimidade, a
viabilidade, o benefício da Revolução Russa.
Os ideólogos da direita, do capitalismo, do
imperialismo, procuram a todo momento
colocar em questão o fato de se a Revolução
Russa teria sido um acontecimento histórico
positivo, progressista, que teria promovido um
progresso para a humanidade.
A primeira coisa que devemos esclarecer é que
esse debate, embora atraia muito a atenção, é
na realidade um debate secundário e em
grande medida distracionista. Porque se nós
estamos interessados na luta política dos dias
de hoje, a Revolução Russa deve ser vista
antes de mais nada como um laboratório da
política revolucionária. Como um
acontecimento que encerra um conjunto de
ensinamentos para quem está travando a luta
política aqui e agora e não uma coisa que se
discute como se fosse um fenômeno de tipo
religioso, que tivesse um valor moral A ou B,
que é a discussão que normalmente se faz.
Esse aspecto da Revolução Russa, como
ensinamento da luta política aqui e agora,
normalmente não é discutido. A tal ponto que
podemos ouvir pessoas em todas as facções
da esquerda brasileira e internacional
argumentarem frequentemente que a
Revolução Russa é um acontecimento em
alguma medida ultrapassado. Então se
falamos, por exemplo, que “na Revolução
Russa aconteceu tal e tal coisa”, logo algum
desses esquerdistas responde: “mas a
Revolução Russa foi há 95 anos!”, ou seja, está
implícito nessa consideração que a Revolução
Russa estaria desatualizada. Ela estaria para a
suposta revolução dos dias de hoje, que ainda
não conhecemos, como a máquina de
datilografia está para o computador. Isso é
falso.
É uma impressão que as pessoas tiram sem
nenhuma fundamentação. A Revolução Russa
não é uma tecnologia, é um processo social e
como um processo social tem uma
continuidade, principalmente se estamos
falando dos processos sociais de uma
determinada época, que guarda uma unidade
econômica, política, como a época atual, que
embora mude e se transforme, mantém, na
base da situação características homogêneas.
Quando foi feita a Revolução Russa, havia o
capitalismo, hoje há também o capitalismo. Na
época, o capitalismo já havia evoluído para sua
etapa imperialista, hoje continuamos nessa
etapa. Quando foi feita a Revolução Russa o
mundo estava dividido entre países opressores,
imperialistas e países coloniais, oprimidos, hoje
há a mesma coisa. O capitalismo estava em
crise, hoje ele vive a mesma crise, mas ainda
maior. Há uma base comum para a análise da
Revolução Russa, assim como há uma base,
não tão extensa, para que nós possamos
aprender, para os dias de hoje, com a
Revolução Francesa, da mesma forma como
Marx aprendeu com a Revolução Francesa
para discutir a revolução na época capitalista.
Há essa continuidade.
O primeiro problema, portanto, é justamente
esse. A Revolução Russa é objeto de uma
discussão moral, que procura debater se ela foi
“boa”, “ruim”, se ela teria um “valor positivo” ou
se teria um “valor negativo”. Mas ela deve ser
acima de tudo um terreno para o aprendizado
da revolução. Lênin e Trótski, que foram seus
principais dirigentes e teóricos, sendo Trótski o
principal historiador da Revolução Russa,
consideravam que sim. Lênin considerava que
a Revolução Russa nada mais era que o
ensaio geral da revolução mundial. Ela seria a
última apresentação que se faz no teatro,
quando os atores estão vestidos a caráter e
ensaiam a peça toda para ver se tudo está
correto.
Eu gostaria de chamar a atenção aqui para
essa comparação que Lênin faz da revolução
com o teatro. Ela é muito importante, porque a
revolução tem que ser praticada, pelo menos
da parte dos revolucionários. Se a sociedade
não pode praticar a revolução, no seu conjunto,
os revolucionários devem praticá-la. Quer dizer,
a revolução se desenvolve através do
aprendizado, como qualquer coisa que os
seres humanos fazem. Antes da Revolução
Russa, houve uma série de episódios
revolucionários menores. Houve inclusive uma
revolução em 1905, que os revolucionários
disseram ser o ensaio geral da Revolução de
1917; e a Revolução de 1917, o ensaio geral
da revolução mundial.
Sobre essa ideia, que é muito importante,
vejam uma coisa: a burguesia diz (não sei se
todos aqui já perceberam quando veem essa
polêmica) que a classe operária, o marxismo, o
comunismo, fizeram a Revolução Russa. É
isso. Se deu certo, ótimo, se deu errado,
pronto; está provado que não dá certo.
Finalmente, a burguesia daria à classe
operária, porque a burguesia é uma classe
muito generosa, uma única oportunidade de
acertar. Isso é totalmente absurdo. Totalmente.
Por isso Lênin diz que a Revolução Russa não
é um acontecimento definitivo; não é a última
palavra da história; não é tudo o que poderia
ser feito. Não é nem mesmo a revolução
mundial: é apenas e tão somente o ensaio
geral da revolução mundial. Um ensaio. Vejam
que Lênin poderia ser uma pessoa mais
vaidosa e exaltar a revolução que ele dirigiu
como sendo a coisa mais maravilhosa que já
aconteceu. Mas ele era uma pessoa, nesse
sentido, bastante concreta, bastante realista a
ponto de dizer: “A revolução que fizemos aqui
na Rússia, que teve um impacto tremendo na
vida de todos, nada mais é que o ensaio geral
da revolução mundial”.
Vocês vejam que a revolução burguesa teve,
calculando grosso modo, no mínimo 500 anos
para se desenvolver. No século XIV, a
burguesia de Lisboa, de nossos patrícios e
antepassados, realizava uma revolução
burguesa que levou o famoso Mestre de Avis,
que depois seria Dom João I ao poder. Um rei
a partir do qual irão se desenvolver as grandes
navegações. Um empreendimento tipicamente
da burguesia, que só foi possível em virtude
dessa revolução, que impôs uma derrota à
nobreza portuguesa, aos partidários da Coroa
espanhola e deu a supremacia no poder
político do País, à pequena nobreza e aos
comerciantes de Portugal. Isso foi em 1383. A
época das revoluções burguesas termina em
1871, com a revolução da Comuna de Paris.
Façam as contas, do século XIV ao século XIX.
Foram 500 anos para que a burguesia
conseguisse consolidar seu poder político
sobre o mundo.
Já da revolução proletária, espera-se que ela
conclua tudo em alguns anos. Logicamente que
não faz sentido esse tipo de avaliação. Nós não
estamos aqui esperando a revolução proletária
demore 500 anos, mas também não
esperamos que demore 15 anos. Até porque já
não demorou; ela começou há 95 anos.
Quer dizer, há todo um processo político e esse
é o processo de desenvolvimento de uma
época revolucionária que é a revolução
proletária. Não é a Revolução Russa que é a
revolução proletária; a Revolução Russa é um
episódio, um capítulo, da revolução proletária
mundial. E segundo um de seus dirigentes,
seria o ensaio geral da revolução mundial. Se
ela é um ensaio geral, logicamente que nós
temos que aprender daquilo que aconteceu
naquele ensaio geral. Se estamos interessados
nesse drama, nessa peça que é a revolução
mundial, então nós temos que começar nos
interessando pela primeira grande realização,
que foi a Revolução Russa de 1917.
Uma segunda ideia que eu gostaria de colocar
aqui está ligada à ideia anterior. A Revolução
Russa inaugura uma nova época na história da
humanidade. É muito importante que tenhamos
isso claro. Não é a época do socialismo; ela
inaugura a época da transição do capitalismo
para o socialismo. Nós temos um período de
estabilização social e temos os períodos em
que a sociedade começa a mudar, que são os
períodos de transição.
A Revolução Russa foi uma revolução de
grandes proporções. Um terço da população
mundial esteve envolvida nessa revolução e
dezenas de países. Essa é uma coisa também
que muita gente não leva em conta quando
pensa nesse acontecimento. A Revolução
Russa não foi feita em um único país, mas em
um conjunto de países que fazia parte do
império do czar. Em cada um desses lugares a
revolução foi tomando conta; não foi tudo de
uma vez e não foi somente com a tomada do
poder dos bolcheviques em Petrogrado em
outubro de 1917. Em alguns lugares, o
processo se desenvolveu inclusive
posteriormente. Com a queda da União
Soviética, esses países inclusive se separaram
porque já eram anteriormente países
separados, como a Ucrânia ou a Geórgia. A
União Soviética, que veio a se formar como
resultado da revolução era uma república
federativa de vários países, não era um único
país. Ela foi feita no sentido de constituir um
país único, mas dela participaram vários
países. Ou seja, era uma revolução de grande
proporção e marca, de maneira indiscutível, a
abertura desse período de transição. Nós
podemos discutir aqui, como muitos discutem,
se o socialismo morreu ou não morreu, o que
até debateremos na segunda palestra dessa
atividade, mas uma coisa tem que ficar clara.
Com a Revolução Russa e com os
acontecimentos posteriores, as centenas de
revoluções que aconteceram depois no mundo,
fica claro que o mundo entrou em uma época
revolucionária e que ele continua nessa etapa,
por mais que a imprensa capitalista procure
apresentar tudo como uma grande estabilidade,
como não havendo uma revolução. As guerras
e revoluções, as catástrofes sociais que são
extremamente familiares para nós, são parte do
período de transição. Do período de transição
da época capitalista para a época socialista.
Nós estamos no meio desse período e pode
acontecer muita coisa, muitas idas e vindas,
pois esses períodos não são um
desenvolvimento em linha reta, muito pelo
contrário, mas esse processo é irreversível.
Não adianta a imprensa capitalista falar que
acabou o socialismo. Isso não tem a menor
importância. Precisaria se reverter o período de
transição, que marca uma crise profunda do
capitalismo e o capitalismo rejuvenescer, coisa
que, obviamente, logicamente, é impossível de
acontecer, nunca aconteceu com nada. Só
acontece no mito. No mito há o
rejuvenescimento, há o mito da fonte da
juventude, mas no mundo real as coisas
costumam crescer, amadurecer, envelhecer e
morrer. O destino do capitalismo é esse e nós
estamos na fase final de desenvolvimento do
capitalismo, que é a etapa de transição. O
período de ouro do capitalismo já passou há
muito tempo. Todos os males que nós vemos
vêm daí.
Uma terceira ideia que eu gostaria de colocar
aqui diz respeito à importância histórica da
Revolução Russa, que é algo também
propositalmente ignorado. Marx, quando
descreve o processo da revolução, quando
descreve que a revolução é toda uma época de
revolução social e não um ato único, destaca
também que a revolução proletária é diferente
das revoluções que aconteceram
anteriormente. Isso porque essas revoluções
anteriores acabaram por reestabelecer alguma
forma de sociedade de classe, de sociedade
contraditória dividida entre exploradores e
explorados, oprimidos e opressores, entre
pobres e ricos. A revolução proletária, por sua
vez, não apenas acaba com o capitalismo, que
é uma forma específica de sociedade
contraditória, mas acaba com milhares de anos
de uma sociedade dividida em classes. Ela
coloca em pauta a reunificação interna dessa
sociedade, abolindo essa contradição entre
ricos e pobres, entre exploradores e oprimidos.
A Revolução Francesa acabou com o
feudalismo, que era uma forma de sociedade
contraditória, dividida em classes, e deu lugar
ao capitalismo que é outra forma de sociedade
contraditória dividida em classes. A revolução
proletária socialista tem a tarefa não só de
acabar com uma determinada forma de
exploração, como de acabar com toda a
exploração.
A classe operária é a última forma de classe
explorada. Ela não é, como acontecia com a
burguesia, uma classe potencialmente
opressora e exploradora. Ao abolir a sociedade
capitalista, a classe operária não se constitui
como classe dominante, ela abole também a
sua própria existência enquanto classe social.
Então, quando falamos em revolução socialista,
nós estamos falando de uma mudança social
que é muito maior que a revolução burguesa ou
as revoluções anteriores. É uma mudança
muito mais radical na história da humanidade.
Por isso Marx fala que com o capitalismo
encerra-se a pré-história da humanidade, pois
ele considerava que, do capitalismo para trás,
não há uma verdadeira história humana, mas
uma história prévia, uma história preparatória.
Isso porque o grau de controle que o ser
humano tem sobre a sociedade onde ele vive
no capitalismo é praticamente nenhum, e o
socialismo daria ao ser humano um controle
consciente de sua própria sociedade. Essa é
uma transformação muito profunda, é o que
Engels chamou de “o salto do reino da
necessidade para o reino da liberdade”.
Logicamente que o homem sempre irá viver no
reino da necessidade do mundo material, disso
não há como escapar. As ações humanas são
ações necessárias, determinadas pelo mundo
material. No entanto, no que diz respeito à sua
organização social, o ser humano deixaria de
ser comandado e passaria ao comando da
sociedade. Ele passaria de ser uma vítima da
economia para comandar a economia; passaria
de sofrer passivamente os efeitos de uma
economia que ele não controla, para colocar a
economia a serviço de toda a humanidade e
assim por diante. O salto do reino da
necessidade, daquela escravidão dos fatos
sociais e econômicos, para o reino da
liberdade, ou seja, a liberdade que o ser
humano teria de controlar conscientemente a
sociedade em que ele vive.
Para compreendermos bem o problema da
Revolução Russa são necessárias essas
explicações prévias. Que ela foi uma
necessidade histórica, que ela é um marco
divisório da época, que ela é um primeiro
passo, um ensaio geral e que implica em uma
transformação muito maior. Esse último fato,
inclusive, é importante porque temos que
prever que para que o socialismo possa ser
implantado, a convulsão social, a
transformação social, teria que ser muito maior
do que aconteceu com as revoluções
burguesas. As revoluções burguesas
parecerão, até parecem já hoje em dia, se
olharmos bem, uma tempestade em um copo
d’água perto da convulsão que é a revolução
proletária; a transformação da sociedade
capitalista em uma sociedade socialista, dada a
profundidade da modificação que está em
pauta e a complexidade da sociedade que está
se criando. Levando-se em consideração tudo
isso, podemos dimensionar adequadamente
esse problema da Revolução Russa.
Dito isso, eu gostaria de chamar a atenção de
todos, porque nós não temos a possibilidade
aqui, de fazer um estudo detalhado da
revolução russa, de alguns aspectos centrais
do mecanismo político interno da revolução.
Primeiramente, é importante assinalarmos que
a Revolução Russa em grande medida é, ao
mesmo tempo, o resultado do amadurecimento
das contradições internas da sociedade russa,
e também o resultado do amadurecimento
político dos revolucionários russos.
Uma coisa que chama a atenção na Revolução
Russa é que ela foi preparada por uma longa
luta política dentro da Rússia.
As primeiras manifestações da Revolução
Russa são de 1825, quase cem anos antes da
Revolução de 1917. Nesse período, os
revolucionários foram lutando e a luta deles
tinha um caráter muito claro, no sentido de
definir uma teoria, uma compreensão da
realidade, assimilando aquilo que seria o mais
avançado da ciência social, da política
revolucionária, dos países europeus próximos
da Rússia.
Foram travadas inúmeras lutas e inúmeras
organizações políticas se formaram até que o
movimento operário russo assimilou, como
teoria, como doutrina, como ideia
revolucionária, o marxismo. O que vem a
acontecer já no final do século XIX.
Um dos aspectos chave da Revolução Russa é
a existência de um partido capaz de fazer
aquela revolução e o amadurecimento desse
partido foi um processo muito longo. Muitos
estudiosos falam, por exemplo, que a
Revolução de Outubro foi um “golpe de mão”
do Partido Bolchevique. Não foi. A Revolução
Russa se desenvolveu lentamente. Ela se
desenvolveu como se fossem as camadas
geológicas do planeta Terra. Houve muitos
tropeços, muitos erros, organizações que foram
destruídas pela repressão, ideias erradas que
foram sendo substituídas, até que se chegasse
em uma organização política da envergadura
do Partido Bolchevique.
Quando encontramos uma personalidade como
Lênin, que é sem dúvida nenhuma uma das
maiores personalidades políticas que o mundo
já viu até hoje, ficamos até dominados por um
sentimento supersticioso. De onde teria surgido
uma pessoa com tal capacidade? Mas não há
nada de sobrenatural. Ele é o desenvolvimento
de quase cem anos de luta.
Quando Lênin começa a militar, ele tinha tido a
possibilidade naquele momento de estudar
todos os processos revolucionários, todas as
teorias revolucionárias, em certo sentido, a
Rússia havia sido um laboratório da revolução.
Tudo havia sido testado. Havia sido testado o
trabalho para conscientizar os camponeses, os
atentados terroristas dos populistas
organizados contra dois czares. Havia sido
testado o trabalho clandestino, o trabalho de
imprensa legal, tudo já havia sido feito em
algum sentido. Lênin é o homem que irá
recolher de maneira mais consciente, de
maneira mais coerente, essa experiência
extremamente vagarosa, extremamente longa
da Revolução Russa. Sem a formação desse
partido, logicamente, não seria possível a
Revolução Russa.
Só quando a classe operária russa, através
desse processo de evolução, se coloca sob a
liderança desse partido, é que ela se unifica
como classe, é que ela se transforma em um
ator unitário e consciente da Revolução.
Esse é um aspecto chave do problema, que é
importante discutir principalmente hoje, no
Brasil, quando a crise política dos últimos anos,
com a esquerda, principalmente com o PT e
com o stalinismo também, deu lugar a uma
ampla difusão de ideias anarquistas as mais
variadas possíveis. No centro dessas ideias
anarquistas existe a rejeição à constituição de
um partido político.
Essa ideia é equivalente à ideia de que a
pessoa vai participar de um tiroteio sem um
revolver. É uma ideia sem sentido, porque a
revolução proletária necessita da agregação de
toda a classe operária detrás de um programa
único de classe e isso não pode ser feito
espontaneamente; só pode ser feito por meio
de um determinado partido político operário,
revolucionário, socialista. É uma tarefa central
no mundo hoje e é a grande contradição que o
mundo enfrenta.
O próprio Leon Trótski, muitos anos depois da
Revolução Russa, coloca no programa de
transição a ideia que a contradição
fundamental da época atual é a contradição
entre as premissas objetivas da revolução, que
estão tão maduras que já começam até a
apodrecer, segundo ele fala, e a imaturidade
subjetiva da classe operária, que se expressa
na falta de um partido político.
O grande segredo da revolução é a
constituição desse partido político e esse
partido político, conforme estamos vendo, que
foi tão fundamental na Revolução Russa, não é
um aglomerado circunstancial, casual,
ocasional de pessoas, mas é o
amadurecimento de uma determinada ideia
revolucionária; é o agrupamento da classe
operária detrás de seu próprio programa de
classe. É a evolução da classe operária para
ter consciência de seus objetivos sociais e
políticos. É um processo social complexo, por
isso é que não ocorre também tão facilmente.
Não basta que nós proclamemos a
necessidade de um partido operário e
agrupemos pessoas para que esse partido
operário exista. O partido precisa ter um
programa que se torne o programa objetivo,
prático da classe operária em luta. Sem esse
processo não é possível fazer a revolução. Nós
poderíamos dizer inclusive que esse processo
é a própria essência do mecanismo
revolucionário. Nós podemos dizer que dadas
as condições materiais para a revolução, a
revolução consiste no processo de
agrupamento da classe operária detrás de um
programa que expressa a evolução da sua
consciência em um sentido revolucionário.
Quando acontece essa evolução, nós temos a
revolução. A revolução é a própria classe
operária, é o processo de desenvolvimento da
classe operária. Isso em um aspecto muito
essencial.
A primeira questão que surge da Revolução
Russa é justamente o problema do partido. O
Partido Bolchevique desempenhou um papel
fundamental. Eu gostaria de chamar a atenção
para algumas etapas e para alguns
mecanismos que são peculiares justamente da
relação entre o partido e a massa de
trabalhadores.
Quando a Revolução Russa acontece, Lênin,
que está no exílio, manda um telegrama para
os militantes bolcheviques que chegaram na
capital, no qual ele diz: “Nenhuma confiança no
governo provisório, temos que lutar pelo poder
dos sovietes” etc. e traça uma linha que, vendo
as coisas retrospectivamente, parece óbvia,
mas na realidade não era, porque ninguém
defendia aquele programa naquele momento. É
na realidade uma mudança, se não de 180º, de
90º na política do partido. E ela só vai ser
adotada através de uma crise no partido
bolchevique. O problema é que se ela não
fosse adotada, o que aconteceria? Qual era o
panorama da revolução dentro do qual o
partido atuava?
Toda a esquerda russa, toda ela praticamente,
era favorável a defender o poder da burguesia,
o que seria mais ou menos a política do PT,
mas em uma situação revolucionária. O único
partido que desafiou esse senso comum da
época foi o Partido Bolchevique. Como ele
desafiou esse senso comum, através de uma
luta que vai de fevereiro até outubro, ele serviu
como uma espécie de ponto de aglutinação das
massas que se desenvolviam rapidamente no
sentido de rejeitar o acordo com a burguesia,
ou das massas que, já tendo rejeitado essa
aliança com a burguesia, precisavam se
organizar de uma tal maneira que permitisse
que essa compreensão da rejeição da política
da burguesia se transformasse em uma política
prática e ativa para a tomada do poder. Essa
política foi organizada pelo Partido
Bolchevique. Quem conduziu em todos os
momentos o desenvolvimento dessa luta,
clareando o caminho, especificando, fazendo
propostas que permitiam um avanço, foi o
Partido Bolchevique. Sem esse partido, a
revolução seria estrangulada por uma série de
mecanismos demagogicamente democráticos
ou pseudodemocráticos. Ou, também, como
esteve para acontecer, por um golpe de
Estado. Quem bloqueou todas essas variantes
e colocou a revolução no sentido da tomada do
poder foi o Partido Bolchevique. O partido
político cumpre um papel fundamental e essa é
uma das grandes lições da Revolução Russa.
Trótski, na História da Revolução Russa,
analisa justamente esse papel do Partido
Bolchevique. Ele diz que a revolução é como
uma caldeira a vapor. As massas
revolucionárias seriam uma fonte de energia,
de força extraordinariamente grande como é o
vapor, mas o vapor não é uma força em si. Ele
precisa ser canalizado, para que se crie aquela
pressão e depois nós precisamos de
determinados mecanismos que vão soltando a
pressão em um sentido funcional para que ela
possa ser usada para movimentar outra parte
daquela engrenagem. Sem essa válvula de
pressão a pressão não é uma forma. Então ele
fala: “a classe operária é essa válvula de
pressão”. Mas onde essa força se concentra e
adquire um determinado direcionamento
prático? Através do partido político. Ou seja,
não dá para a classe operária, sem um partido,
organizar essa força, é preciso que isso seja
canalizado para um mecanismo onde tenha
uma válvula, que regula e que dá vazão a essa
pressão e que a torna um fator efetivo no
funcionamento daquele mecanismo. Essa é
uma questão chave.
Uma segunda questão muito importante é o
problema da independência política da classe
operária. No Brasil nós vivemos esse problema
de forma intensa. Toda a política brasileira nos
últimos 30 ou 35 anos gira em torno do
problema da independência da classe operária
diante da burguesia. A classe operária, mesmo
que não saiba, e também a juventude,
esbarram nesse problema de que as
organizações políticas brasileiras atrelaram
todo mundo à burguesia e ninguém sabe como
sair. Foi o que aconteceu recentemente nas
eleições em São Paulo. A maioria da
população gostaria de derrubar o governo
Serra, se eles soubessem como, se tivessem
os meios derrubariam o governo até mesmo
por fora das eleições. Mas isso ainda não está
claro como se faz, como se chega nesse
resultado, então a população foi para eleições.
Nas eleições se apresentaram vários partidos e
esses partidos criaram um mecanismo no qual
finalmente a população foi sendo envolvida,
como se fosse um teatro onde se movimentam
os cenários, e foi por fim colocada a seguinte
questão: Serra, Haddad ou voto nulo? Serra
teve uma votação insignificante, votação essa
que em grande medida é produto do
clientelismo da prefeitura e do apoio de um
setor ultraminoritário e conservador da
burguesia e da pequena-burguesia da cidade.
A maioria das pessoas que inclusive não
gostam do PT, votou no PT porque não queria
que Serra ganhasse e uma outra parcela, que
não tolerava mais votar no PT, votou nulo. Mas
o fato é que a população teve que trocar Serra,
um representante da burguesia, por Haddad,
que é um outro representante da burguesia. É
como nós tivéssemos entrado num buraco e
saíssemos no mesmo lugar por onde entramos.
Tudo bem que a vitória do Haddad tem um
significado um pouco diferente, porque
finalmente quem votou nele é porque não
aguentava mais a direita, o PSDB. Quem votou
nele queria se livrar de José Serra e, portanto,
não vai aceitar que o Haddad imponha a
mesma política do PSDB, o que vai gerar uma
enorme crise. Mas, enfim, do ponto de vista
político é isso. Os trabalhadores, os
intelectuais, a juventude, criaram um partido de
trabalhadores que acaba sendo também um
partido da burguesia. É como se tudo que você
fizesse caísse no mesmo lugar.
Por exemplo, eu cheguei a participar da
fundação do PT. Em Diadema, nós
passávamos de porta em porta para legalizar o
PT. Naquele momento, o que a população
queria era se livrar do Arena e do MDB, por
isso íamos de porta em porta para apresentar o
PT e filiar pessoas. Agora, em 2012,
perguntamos: quem é o vice de Dilma, do PT?
É o PMDB, ou seja, é o mesmo partido que nós
queríamos nos livrar. Esse problema é chave:
como constituir um partido que seja
efetivamente o partido de todas aquelas
pessoas que decidiram se opor a todos os
partidos e políticos da burguesia?
Outro exemplo é a criação do Psol, que foi
realizada depois da decepção com a subida do
PT ao governo. Mas o que aconteceu? O Psol
fez exatamente a mesma política. Nas últimas
eleições, fizeram aliança com o DEM, o PP, o
PSDB, PSC, PT, PCdoB, produzem uma
enorme confusão política. Isso não significa
que é um defeito moral de ninguém, ou de
nenhuma organização política, mas o fato é
que esse é um processo chave na
transformação social. Essa transformação só
poderá ocorrer quando os trabalhadores, a
juventude de esquerda, chegarem à conclusão,
através de sua própria experiência, de que eles
não devem ficar a reboque da burguesia. Mais
ainda – pois essa conclusão muito deles já
tiraram –, quando chegarem a conclusão de
como é que se faz para não ficar a reboque da
burguesia, porque esse exemplo do PT
também é um exemplo de pessoas que
decidiram não ficar a reboque da burguesia
mas acabaram ficando de qualquer maneira.
Então é preciso que a classe operária evolua
através de sua própria experiência,
massivamente, para se separar totalmente da
burguesia, entendendo como é que se faz para
se separar totalmente da burguesia. Só assim
teremos um desenvolvimento verdadeiramente
revolucionário.
Na Revolução Russa, esse processo, que no
Brasil já dura mais de 35 anos, acontece como
se fosse um filme em alta velocidade. Isso
porque uma característica da revolução é que
ela concentra os problemas de uma maneira
extraordinária. Aquilo que demora 10 anos para
acontecer em tempos não revolucionários, na
revolução acontece em uma semana. A
experiência das massas é muito mais aguda
porque as contradições são muito mais agudas.
Então os trabalhadores russos que fazem a
revolução, pelas coordenadas políticas que se
colocam na revolução e pela ação do Partido
Bolchevique, passam a entender de que lado
está a burguesia e de que lado está a classe
operária, e o que é preciso fazer para se livrar
da burguesia.
O Partido Bolchevique compreende as
contradições da política burguesa logo num
primeiro momento. Lênin fala que a primeira
revolução russa, em fevereiro, é uma revolução
na qual as expectativas estão confusas porque
é feita pela classe operária e pela burguesia
para derrubar o czar. Porém, os objetivos da
burguesia e dos trabalhadores são diferentes e
eles são contraditórios uns com os outros, e
por isso Lênin conclui que é inevitável uma
segunda revolução.
Lênin identifica quais são as contradições. Uma
delas é a continuidade da guerra, que interessa
à burguesia e não à classe operária. Há o
problema do desabastecimento, que se tornava
cada vez mais grave na Rússia, que estava
lançando a classe operária à miséria. Por fim,
havia a questão da terra dos camponeses. Os
bolcheviques lançam então um programa
básico com as palavras de ordem de “Paz, Pão
e Terra”. Esse programa expressa a linha de
clivagem, de ruptura, entre a burguesia e o
proletariado, e os bolchevique fazem
propaganda nessa linha.
Enquanto que os partidos da esquerda
pequeno-burguesa procuram levar o
proletariado a apoiar a burguesia, a guerra e
procuram confundir os operários com uma série
de ideias enganosas, os bolcheviques
denunciam a todo o tempo esses golpes.
Na medida em que são feitas manobras para
iludir o proletariado, os bolcheviques vão
intervir e esclarecer que de um lado está a
burguesia e de outro a classe operária e que
esse é o aspecto chave da revolução.
Em um dado momento, eles lançam uma
palavra de ordem que foi um desafio para os
partidos da esquerda pequeno-burguesa, para
que eles assumissem todo o poder político e
expulsassem a burguesia do poder. Vejam que
os bolcheviques não pedem para si o poder
num primeiro momento; eles propõem o poder
para os partidos da esquerda pequeno-
burguesa, que na Rússia seriam o PT, o Psol
etc. No entanto, esses partidos rejeitam romper
com a burguesia e vão caindo em descrédito
com as massas. As massas observam a
conduta desses grupos em não querer romper,
e começa a crescer a deterioração da
autoridade desses partidos sobre as massas.
Em um determinado momento, as massas
saem às ruas para obrigar essas lideranças a
romper, porém percebem que isso não iria
acontecer. Há um enfrentamento e então as
massas percebem que é necessário romper
também com esses partidos.
No livro do John Reed, um jornalista norte-
americano que também era comunista, esse
problema está muito bem retratado de uma
maneira simples. Em dado momento ele
descreve uma cena entre um operário, um
camponês, pessoas simples da Guarda
Vermelha, que estão parados em frente a um
prédio quando chega um estudante pequeno-
burguês, que insulta os operários e afirma que
eles não sabem nada, que são ignorantes etc.
Um dos trabalhadores, embora intimidado,
reconhecendo que o estudante é uma pessoa
mais instruída diz: “Uma coisa nós sabemos,
de um lado está a classe operária, do outro a
burguesia e quem não está com um, está com
o outro”. Daí então, o estudante começa a ficar
irritado e acusa os soldados de terem
participado da repressão contra uma
determinada manifestação há vários anos. Os
operários então reconhecem novamente a
autoridade do estudante, mas voltam a afirmar:
“Uma coisa nós sabemos, de um lado está a
classe operária do outro a burguesia, e quem
não está com um está com o outro”. Ou seja,
esse fato simbólico, embora seja real,
demonstra que as massas haviam
compreendido, mesmo entre os setores mais
pobres, que havia uma verdadeira guerra civil
entre a classe operária e a burguesia e esse
era um problema chave. Para eles, quem não
estava com o proletariado estava com a
burguesia e nada mais.
Por aí dá para termos uma ideia de como se
processa a compreensão. Não é que aqueles
dois milicianos do Exército Vermelho tinham
uma consciência profunda dos problemas da
luta social, mas eles tinham uma compreensão
prática, concreta do que estava acontecendo,
que é o que a maioria dos trabalhadores tem
dos problemas, dos interesses em jogo etc.
Eles não são cientistas sociais, nem
especialistas em política. Esse problema foi
chave. A revolução acontece quando toda a
classe operária e o campesinato começam a
romper com a burguesia depois de uma
campanha gigantesca dos bolcheviques. Esses
são problemas fundamentais de todo o
desenvolvimento da revolução e nós podemos
dizer ainda que esse é o problema mais central
também de seu desenvolvimento prévio.
Finalmente, há uma terceira questão, que é o
problema da insurreição. Hoje em dia, a
Revolução Russa é tratada como um fenômeno
dado. Isso pode induzir a uma incompreensão
do que acontecia na época. Naquele momento,
a ideia de que um partido poderia conduzir à
tomada do poder organizando conscientemente
uma insurreição era uma ideia que não
passava pela cabeça de ninguém.
Os grandes dirigentes da social-democracia da
época acusaram os bolcheviques, depois da
insurreição, de “blanquismo”, que foi uma
corrente política francesa, de um grande
revolucionário chamado Blanqui, que era um
especialista da luta de barricada e da
insurreição. Ele participou de várias
insurreições em Paris, antes e depois da
revolução de 1830. Blanqui ficou preso
dezenas de anos pela burguesia francesa e
mesmo quando os revolucionários da Comuna
de Paris propuseram trocar ele por mais de 200
prisioneiros políticos, incluindo o bispo da
cidade, a burguesia negou a proposta. O
blanquismo, portanto, era mal visto porque
subentendia-se que era uma tática equivocada.
A social-democracia, ao contrário, estava há
muito tempo comprometida pela política
eleitoral, esquecendo o problema da revolução.
Para eles, a revolução era um movimento geral
das massas, um movimento de opinião, mas
não um movimento de força.
Os bolcheviques foram os únicos que
levantaram esse problema, de que somente
uma revolução, com a utilização da força, com
a tomada do poder, poderia conduzir a classe
operária à vitória. Isso vai se tornar um divisor
de águas entre aqueles que apoiam a tomada
do poder pela força, dos que acham que não
há outro caminho; e de outros que defendem a
ideia da democracia, que em última instância
significa que ninguém nunca tomará o poder.
Em certo sentido, a esquerda brasileira se
apoia na ideia de que tem que haver eleições.
Não há a ideia de que as eleições são a forma
natural de perpetuação do domínio da
burguesia sobre a sociedade e que para a
sociedade se liberte, constitua um governo
operário, passe para o socialismo, é preciso
uma revolução. Não só uma revolução
espontânea, mas efetivamente a tomada
consciente do poder pelos revolucionários
organizados. Isso implica em uma grande
distinção dos métodos de ação.
Os revolucionários podem participar das
eleições. Os revolucionários podem e devem
participar da organização de sindicatos,
associações e outros. Mas para quê? Qual o
sentido dessa ação? O sentido dessa ação tem
de ser organizar a classe operária para que, no
momento em que a situação transbordar, no
momento em que se colocar o problema da
revolução, exista uma força capaz de levar a
classe operária efetivamente ao poder. Sem o
poder político da classe operária, essa seria a
quarta conclusão, não é possível nenhuma
transformação social efetiva.
No Brasil, por exemplo, hoje em dia muitos
acham que com o governo do PT, do Psol, ou
com um governo qualquer, é possível fazer
transformações sociais. Talvez não todas,
talvez algumas ficassem de fora, mas que daria
para transformar bastante coisa. Isso é uma
ilusão, uma fantasia. Não é possível
transformar nada, é preciso desmantelar o
mecanismo político que mantém a exploração
social para que a exploração social possa ser
atacada. Se alguém for atacar a exploração
social sem desmantelar esse mecanismo
político, vai se defrontar com uma barreira
insuperável. Toda tentativa de fazer
transformações por dentro desse mecanismo
político está fadada ao mais completo fracasso.
Nós temos aí três mandatos do PT para ver.
Não foi feito nada. Se conversarmos com
alguém do PT, a única coisa que ele dirá é que
distribuíram o Bolsa Família. Menos do que
isso também seria demais. Até a ONU é a favor
da Bolsa Família. A ONU é dirigida pelo
imperialismo, pelos bancos internacionais. Se
um governo de esquerda não é a favor de dar
comida para quem está passando fome, do que
ele seria a favor? Já quanto à reforma agrária,
que significaria uma modificação real na
relação real entre o capital e o trabalho; nada.
Uma modificação real na situação da mulher,
do negro, do índio, de todos os setores
oprimidos da sociedade, nada. Uma
transformação por mínima que fosse no
sistema educacional, que está totalmente falido
em todas as esferas, também não acontece.
Não há nenhum projeto nesse sentido.
Desenvolveram até o paroxismo o ensino pago,
que é um grande ônus para a população. Esse
é um exemplo prático que os brasileiros estão
experimentando.
Na Revolução Russa, a população fez uma
experiência com um governo
pseudodemocrático rapidamente, porque as
questões estavam colocadas de uma maneira
muito acesa. Aqui no Brasil, não. Aqui as
coisas vão se desenvolvendo lentamente.
Alguém poderia argumentar: “será que tal
medida não representa uma mudança?”. No
final do processo veremos que não só a
situação não melhorou nada como se
deteriorou igual aconteceu no governo Sarney,
Collor, FHC e segue ladeira abaixo.
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  • 1. 95 anos da Revolução Russa de 1917 Revolução Russa: sua importância histórica e seus ensinamentos para a luta do socialismo Transcrição da palestra realizada em novembro de 2012 sobre o aniversário da Revolução Russa Rui Costa Pimenta Bom dia companheiros. Nós dividimos essa atividade de palestras em dois temas diferentes. Aqui nós vamos tratar da importância histórica da Revolução Russa e na segunda palestra da importância da revolução do ponto de vista da luta política revolucionária nos dias de hoje. Nela, iremos tratar de um conjunto de polêmicas que dão lugar a muita confusão, sobre as consequências da Revolução Russa, o stalinismo e os problemas que normalmente se discute sobre a ditadura e a democracia no socialismo. Gostaria de começar chamando a atenção para o fato de que a Revolução Russa além de ser talvez o mais importante acontecimento político da história da humanidade, é também o mais
  • 2. polêmico dos últimos cem anos. Talvez seja o acontecimento que mais deu lugar a polêmicas em toda a história política da cultura humana. Normalmente, não temos a ideia do volume de críticas, de calúnias, de interpretações de todos os tipos, mas principalmente de interpretações negativas que existem sobre a Revolução Russa. Eu calculo, embora isso seja difícil de saber com certeza, que milhões de livros, ensaios etc. foram escritos sobre esse tema. É um dos assuntos, sem dúvida, mais discutidos dos últimos cem anos, senão o mais discutido. Daí que o problema seja naturalmente confuso para quem aborda a questão. Minha intenção com essa palestra é dar uma contribuição no sentido do esclarecimento das questões centrais que dizem respeito à Revolução Russa. Uma primeira delas e essa é uma das maiores deformações sobre o assunto, serve como indicativo da dimensão dessa polêmica. Discute-se, sobretudo, a legitimidade, a viabilidade, o benefício da Revolução Russa. Os ideólogos da direita, do capitalismo, do imperialismo, procuram a todo momento
  • 3. colocar em questão o fato de se a Revolução Russa teria sido um acontecimento histórico positivo, progressista, que teria promovido um progresso para a humanidade. A primeira coisa que devemos esclarecer é que esse debate, embora atraia muito a atenção, é na realidade um debate secundário e em grande medida distracionista. Porque se nós estamos interessados na luta política dos dias de hoje, a Revolução Russa deve ser vista antes de mais nada como um laboratório da política revolucionária. Como um acontecimento que encerra um conjunto de ensinamentos para quem está travando a luta política aqui e agora e não uma coisa que se discute como se fosse um fenômeno de tipo religioso, que tivesse um valor moral A ou B, que é a discussão que normalmente se faz. Esse aspecto da Revolução Russa, como ensinamento da luta política aqui e agora, normalmente não é discutido. A tal ponto que podemos ouvir pessoas em todas as facções da esquerda brasileira e internacional argumentarem frequentemente que a Revolução Russa é um acontecimento em
  • 4. alguma medida ultrapassado. Então se falamos, por exemplo, que “na Revolução Russa aconteceu tal e tal coisa”, logo algum desses esquerdistas responde: “mas a Revolução Russa foi há 95 anos!”, ou seja, está implícito nessa consideração que a Revolução Russa estaria desatualizada. Ela estaria para a suposta revolução dos dias de hoje, que ainda não conhecemos, como a máquina de datilografia está para o computador. Isso é falso. É uma impressão que as pessoas tiram sem nenhuma fundamentação. A Revolução Russa não é uma tecnologia, é um processo social e como um processo social tem uma continuidade, principalmente se estamos falando dos processos sociais de uma determinada época, que guarda uma unidade econômica, política, como a época atual, que embora mude e se transforme, mantém, na base da situação características homogêneas. Quando foi feita a Revolução Russa, havia o capitalismo, hoje há também o capitalismo. Na época, o capitalismo já havia evoluído para sua etapa imperialista, hoje continuamos nessa etapa. Quando foi feita a Revolução Russa o
  • 5. mundo estava dividido entre países opressores, imperialistas e países coloniais, oprimidos, hoje há a mesma coisa. O capitalismo estava em crise, hoje ele vive a mesma crise, mas ainda maior. Há uma base comum para a análise da Revolução Russa, assim como há uma base, não tão extensa, para que nós possamos aprender, para os dias de hoje, com a Revolução Francesa, da mesma forma como Marx aprendeu com a Revolução Francesa para discutir a revolução na época capitalista. Há essa continuidade. O primeiro problema, portanto, é justamente esse. A Revolução Russa é objeto de uma discussão moral, que procura debater se ela foi “boa”, “ruim”, se ela teria um “valor positivo” ou se teria um “valor negativo”. Mas ela deve ser acima de tudo um terreno para o aprendizado da revolução. Lênin e Trótski, que foram seus principais dirigentes e teóricos, sendo Trótski o principal historiador da Revolução Russa, consideravam que sim. Lênin considerava que a Revolução Russa nada mais era que o ensaio geral da revolução mundial. Ela seria a última apresentação que se faz no teatro, quando os atores estão vestidos a caráter e
  • 6. ensaiam a peça toda para ver se tudo está correto. Eu gostaria de chamar a atenção aqui para essa comparação que Lênin faz da revolução com o teatro. Ela é muito importante, porque a revolução tem que ser praticada, pelo menos da parte dos revolucionários. Se a sociedade não pode praticar a revolução, no seu conjunto, os revolucionários devem praticá-la. Quer dizer, a revolução se desenvolve através do aprendizado, como qualquer coisa que os seres humanos fazem. Antes da Revolução Russa, houve uma série de episódios revolucionários menores. Houve inclusive uma revolução em 1905, que os revolucionários disseram ser o ensaio geral da Revolução de 1917; e a Revolução de 1917, o ensaio geral da revolução mundial. Sobre essa ideia, que é muito importante, vejam uma coisa: a burguesia diz (não sei se todos aqui já perceberam quando veem essa polêmica) que a classe operária, o marxismo, o comunismo, fizeram a Revolução Russa. É isso. Se deu certo, ótimo, se deu errado, pronto; está provado que não dá certo.
  • 7. Finalmente, a burguesia daria à classe operária, porque a burguesia é uma classe muito generosa, uma única oportunidade de acertar. Isso é totalmente absurdo. Totalmente. Por isso Lênin diz que a Revolução Russa não é um acontecimento definitivo; não é a última palavra da história; não é tudo o que poderia ser feito. Não é nem mesmo a revolução mundial: é apenas e tão somente o ensaio geral da revolução mundial. Um ensaio. Vejam que Lênin poderia ser uma pessoa mais vaidosa e exaltar a revolução que ele dirigiu como sendo a coisa mais maravilhosa que já aconteceu. Mas ele era uma pessoa, nesse sentido, bastante concreta, bastante realista a ponto de dizer: “A revolução que fizemos aqui na Rússia, que teve um impacto tremendo na vida de todos, nada mais é que o ensaio geral da revolução mundial”. Vocês vejam que a revolução burguesa teve, calculando grosso modo, no mínimo 500 anos para se desenvolver. No século XIV, a burguesia de Lisboa, de nossos patrícios e antepassados, realizava uma revolução burguesa que levou o famoso Mestre de Avis, que depois seria Dom João I ao poder. Um rei
  • 8. a partir do qual irão se desenvolver as grandes navegações. Um empreendimento tipicamente da burguesia, que só foi possível em virtude dessa revolução, que impôs uma derrota à nobreza portuguesa, aos partidários da Coroa espanhola e deu a supremacia no poder político do País, à pequena nobreza e aos comerciantes de Portugal. Isso foi em 1383. A época das revoluções burguesas termina em 1871, com a revolução da Comuna de Paris. Façam as contas, do século XIV ao século XIX. Foram 500 anos para que a burguesia conseguisse consolidar seu poder político sobre o mundo. Já da revolução proletária, espera-se que ela conclua tudo em alguns anos. Logicamente que não faz sentido esse tipo de avaliação. Nós não estamos aqui esperando a revolução proletária demore 500 anos, mas também não esperamos que demore 15 anos. Até porque já não demorou; ela começou há 95 anos. Quer dizer, há todo um processo político e esse é o processo de desenvolvimento de uma época revolucionária que é a revolução proletária. Não é a Revolução Russa que é a
  • 9. revolução proletária; a Revolução Russa é um episódio, um capítulo, da revolução proletária mundial. E segundo um de seus dirigentes, seria o ensaio geral da revolução mundial. Se ela é um ensaio geral, logicamente que nós temos que aprender daquilo que aconteceu naquele ensaio geral. Se estamos interessados nesse drama, nessa peça que é a revolução mundial, então nós temos que começar nos interessando pela primeira grande realização, que foi a Revolução Russa de 1917. Uma segunda ideia que eu gostaria de colocar aqui está ligada à ideia anterior. A Revolução Russa inaugura uma nova época na história da humanidade. É muito importante que tenhamos isso claro. Não é a época do socialismo; ela inaugura a época da transição do capitalismo para o socialismo. Nós temos um período de estabilização social e temos os períodos em que a sociedade começa a mudar, que são os períodos de transição. A Revolução Russa foi uma revolução de grandes proporções. Um terço da população mundial esteve envolvida nessa revolução e dezenas de países. Essa é uma coisa também
  • 10. que muita gente não leva em conta quando pensa nesse acontecimento. A Revolução Russa não foi feita em um único país, mas em um conjunto de países que fazia parte do império do czar. Em cada um desses lugares a revolução foi tomando conta; não foi tudo de uma vez e não foi somente com a tomada do poder dos bolcheviques em Petrogrado em outubro de 1917. Em alguns lugares, o processo se desenvolveu inclusive posteriormente. Com a queda da União Soviética, esses países inclusive se separaram porque já eram anteriormente países separados, como a Ucrânia ou a Geórgia. A União Soviética, que veio a se formar como resultado da revolução era uma república federativa de vários países, não era um único país. Ela foi feita no sentido de constituir um país único, mas dela participaram vários países. Ou seja, era uma revolução de grande proporção e marca, de maneira indiscutível, a abertura desse período de transição. Nós podemos discutir aqui, como muitos discutem, se o socialismo morreu ou não morreu, o que até debateremos na segunda palestra dessa atividade, mas uma coisa tem que ficar clara.
  • 11. Com a Revolução Russa e com os acontecimentos posteriores, as centenas de revoluções que aconteceram depois no mundo, fica claro que o mundo entrou em uma época revolucionária e que ele continua nessa etapa, por mais que a imprensa capitalista procure apresentar tudo como uma grande estabilidade, como não havendo uma revolução. As guerras e revoluções, as catástrofes sociais que são extremamente familiares para nós, são parte do período de transição. Do período de transição da época capitalista para a época socialista. Nós estamos no meio desse período e pode acontecer muita coisa, muitas idas e vindas, pois esses períodos não são um desenvolvimento em linha reta, muito pelo contrário, mas esse processo é irreversível. Não adianta a imprensa capitalista falar que acabou o socialismo. Isso não tem a menor importância. Precisaria se reverter o período de transição, que marca uma crise profunda do capitalismo e o capitalismo rejuvenescer, coisa que, obviamente, logicamente, é impossível de acontecer, nunca aconteceu com nada. Só acontece no mito. No mito há o rejuvenescimento, há o mito da fonte da
  • 12. juventude, mas no mundo real as coisas costumam crescer, amadurecer, envelhecer e morrer. O destino do capitalismo é esse e nós estamos na fase final de desenvolvimento do capitalismo, que é a etapa de transição. O período de ouro do capitalismo já passou há muito tempo. Todos os males que nós vemos vêm daí. Uma terceira ideia que eu gostaria de colocar aqui diz respeito à importância histórica da Revolução Russa, que é algo também propositalmente ignorado. Marx, quando descreve o processo da revolução, quando descreve que a revolução é toda uma época de revolução social e não um ato único, destaca também que a revolução proletária é diferente das revoluções que aconteceram anteriormente. Isso porque essas revoluções anteriores acabaram por reestabelecer alguma forma de sociedade de classe, de sociedade contraditória dividida entre exploradores e explorados, oprimidos e opressores, entre pobres e ricos. A revolução proletária, por sua vez, não apenas acaba com o capitalismo, que é uma forma específica de sociedade contraditória, mas acaba com milhares de anos
  • 13. de uma sociedade dividida em classes. Ela coloca em pauta a reunificação interna dessa sociedade, abolindo essa contradição entre ricos e pobres, entre exploradores e oprimidos. A Revolução Francesa acabou com o feudalismo, que era uma forma de sociedade contraditória, dividida em classes, e deu lugar ao capitalismo que é outra forma de sociedade contraditória dividida em classes. A revolução proletária socialista tem a tarefa não só de acabar com uma determinada forma de exploração, como de acabar com toda a exploração. A classe operária é a última forma de classe explorada. Ela não é, como acontecia com a burguesia, uma classe potencialmente opressora e exploradora. Ao abolir a sociedade capitalista, a classe operária não se constitui como classe dominante, ela abole também a sua própria existência enquanto classe social. Então, quando falamos em revolução socialista, nós estamos falando de uma mudança social que é muito maior que a revolução burguesa ou as revoluções anteriores. É uma mudança muito mais radical na história da humanidade. Por isso Marx fala que com o capitalismo
  • 14. encerra-se a pré-história da humanidade, pois ele considerava que, do capitalismo para trás, não há uma verdadeira história humana, mas uma história prévia, uma história preparatória. Isso porque o grau de controle que o ser humano tem sobre a sociedade onde ele vive no capitalismo é praticamente nenhum, e o socialismo daria ao ser humano um controle consciente de sua própria sociedade. Essa é uma transformação muito profunda, é o que Engels chamou de “o salto do reino da necessidade para o reino da liberdade”. Logicamente que o homem sempre irá viver no reino da necessidade do mundo material, disso não há como escapar. As ações humanas são ações necessárias, determinadas pelo mundo material. No entanto, no que diz respeito à sua organização social, o ser humano deixaria de ser comandado e passaria ao comando da sociedade. Ele passaria de ser uma vítima da economia para comandar a economia; passaria de sofrer passivamente os efeitos de uma economia que ele não controla, para colocar a economia a serviço de toda a humanidade e assim por diante. O salto do reino da necessidade, daquela escravidão dos fatos
  • 15. sociais e econômicos, para o reino da liberdade, ou seja, a liberdade que o ser humano teria de controlar conscientemente a sociedade em que ele vive. Para compreendermos bem o problema da Revolução Russa são necessárias essas explicações prévias. Que ela foi uma necessidade histórica, que ela é um marco divisório da época, que ela é um primeiro passo, um ensaio geral e que implica em uma transformação muito maior. Esse último fato, inclusive, é importante porque temos que prever que para que o socialismo possa ser implantado, a convulsão social, a transformação social, teria que ser muito maior do que aconteceu com as revoluções burguesas. As revoluções burguesas parecerão, até parecem já hoje em dia, se olharmos bem, uma tempestade em um copo d’água perto da convulsão que é a revolução proletária; a transformação da sociedade capitalista em uma sociedade socialista, dada a profundidade da modificação que está em pauta e a complexidade da sociedade que está se criando. Levando-se em consideração tudo
  • 16. isso, podemos dimensionar adequadamente esse problema da Revolução Russa. Dito isso, eu gostaria de chamar a atenção de todos, porque nós não temos a possibilidade aqui, de fazer um estudo detalhado da revolução russa, de alguns aspectos centrais do mecanismo político interno da revolução. Primeiramente, é importante assinalarmos que a Revolução Russa em grande medida é, ao mesmo tempo, o resultado do amadurecimento das contradições internas da sociedade russa, e também o resultado do amadurecimento político dos revolucionários russos. Uma coisa que chama a atenção na Revolução Russa é que ela foi preparada por uma longa luta política dentro da Rússia. As primeiras manifestações da Revolução Russa são de 1825, quase cem anos antes da Revolução de 1917. Nesse período, os revolucionários foram lutando e a luta deles tinha um caráter muito claro, no sentido de definir uma teoria, uma compreensão da realidade, assimilando aquilo que seria o mais avançado da ciência social, da política
  • 17. revolucionária, dos países europeus próximos da Rússia. Foram travadas inúmeras lutas e inúmeras organizações políticas se formaram até que o movimento operário russo assimilou, como teoria, como doutrina, como ideia revolucionária, o marxismo. O que vem a acontecer já no final do século XIX. Um dos aspectos chave da Revolução Russa é a existência de um partido capaz de fazer aquela revolução e o amadurecimento desse partido foi um processo muito longo. Muitos estudiosos falam, por exemplo, que a Revolução de Outubro foi um “golpe de mão” do Partido Bolchevique. Não foi. A Revolução Russa se desenvolveu lentamente. Ela se desenvolveu como se fossem as camadas geológicas do planeta Terra. Houve muitos tropeços, muitos erros, organizações que foram destruídas pela repressão, ideias erradas que foram sendo substituídas, até que se chegasse em uma organização política da envergadura do Partido Bolchevique. Quando encontramos uma personalidade como Lênin, que é sem dúvida nenhuma uma das
  • 18. maiores personalidades políticas que o mundo já viu até hoje, ficamos até dominados por um sentimento supersticioso. De onde teria surgido uma pessoa com tal capacidade? Mas não há nada de sobrenatural. Ele é o desenvolvimento de quase cem anos de luta. Quando Lênin começa a militar, ele tinha tido a possibilidade naquele momento de estudar todos os processos revolucionários, todas as teorias revolucionárias, em certo sentido, a Rússia havia sido um laboratório da revolução. Tudo havia sido testado. Havia sido testado o trabalho para conscientizar os camponeses, os atentados terroristas dos populistas organizados contra dois czares. Havia sido testado o trabalho clandestino, o trabalho de imprensa legal, tudo já havia sido feito em algum sentido. Lênin é o homem que irá recolher de maneira mais consciente, de maneira mais coerente, essa experiência extremamente vagarosa, extremamente longa da Revolução Russa. Sem a formação desse partido, logicamente, não seria possível a Revolução Russa.
  • 19. Só quando a classe operária russa, através desse processo de evolução, se coloca sob a liderança desse partido, é que ela se unifica como classe, é que ela se transforma em um ator unitário e consciente da Revolução. Esse é um aspecto chave do problema, que é importante discutir principalmente hoje, no Brasil, quando a crise política dos últimos anos, com a esquerda, principalmente com o PT e com o stalinismo também, deu lugar a uma ampla difusão de ideias anarquistas as mais variadas possíveis. No centro dessas ideias anarquistas existe a rejeição à constituição de um partido político. Essa ideia é equivalente à ideia de que a pessoa vai participar de um tiroteio sem um revolver. É uma ideia sem sentido, porque a revolução proletária necessita da agregação de toda a classe operária detrás de um programa único de classe e isso não pode ser feito espontaneamente; só pode ser feito por meio de um determinado partido político operário, revolucionário, socialista. É uma tarefa central no mundo hoje e é a grande contradição que o mundo enfrenta.
  • 20. O próprio Leon Trótski, muitos anos depois da Revolução Russa, coloca no programa de transição a ideia que a contradição fundamental da época atual é a contradição entre as premissas objetivas da revolução, que estão tão maduras que já começam até a apodrecer, segundo ele fala, e a imaturidade subjetiva da classe operária, que se expressa na falta de um partido político. O grande segredo da revolução é a constituição desse partido político e esse partido político, conforme estamos vendo, que foi tão fundamental na Revolução Russa, não é um aglomerado circunstancial, casual, ocasional de pessoas, mas é o amadurecimento de uma determinada ideia revolucionária; é o agrupamento da classe operária detrás de seu próprio programa de classe. É a evolução da classe operária para ter consciência de seus objetivos sociais e políticos. É um processo social complexo, por isso é que não ocorre também tão facilmente. Não basta que nós proclamemos a necessidade de um partido operário e agrupemos pessoas para que esse partido
  • 21. operário exista. O partido precisa ter um programa que se torne o programa objetivo, prático da classe operária em luta. Sem esse processo não é possível fazer a revolução. Nós poderíamos dizer inclusive que esse processo é a própria essência do mecanismo revolucionário. Nós podemos dizer que dadas as condições materiais para a revolução, a revolução consiste no processo de agrupamento da classe operária detrás de um programa que expressa a evolução da sua consciência em um sentido revolucionário. Quando acontece essa evolução, nós temos a revolução. A revolução é a própria classe operária, é o processo de desenvolvimento da classe operária. Isso em um aspecto muito essencial. A primeira questão que surge da Revolução Russa é justamente o problema do partido. O Partido Bolchevique desempenhou um papel fundamental. Eu gostaria de chamar a atenção para algumas etapas e para alguns mecanismos que são peculiares justamente da relação entre o partido e a massa de trabalhadores.
  • 22. Quando a Revolução Russa acontece, Lênin, que está no exílio, manda um telegrama para os militantes bolcheviques que chegaram na capital, no qual ele diz: “Nenhuma confiança no governo provisório, temos que lutar pelo poder dos sovietes” etc. e traça uma linha que, vendo as coisas retrospectivamente, parece óbvia, mas na realidade não era, porque ninguém defendia aquele programa naquele momento. É na realidade uma mudança, se não de 180º, de 90º na política do partido. E ela só vai ser adotada através de uma crise no partido bolchevique. O problema é que se ela não fosse adotada, o que aconteceria? Qual era o panorama da revolução dentro do qual o partido atuava? Toda a esquerda russa, toda ela praticamente, era favorável a defender o poder da burguesia, o que seria mais ou menos a política do PT, mas em uma situação revolucionária. O único partido que desafiou esse senso comum da época foi o Partido Bolchevique. Como ele desafiou esse senso comum, através de uma luta que vai de fevereiro até outubro, ele serviu como uma espécie de ponto de aglutinação das massas que se desenvolviam rapidamente no
  • 23. sentido de rejeitar o acordo com a burguesia, ou das massas que, já tendo rejeitado essa aliança com a burguesia, precisavam se organizar de uma tal maneira que permitisse que essa compreensão da rejeição da política da burguesia se transformasse em uma política prática e ativa para a tomada do poder. Essa política foi organizada pelo Partido Bolchevique. Quem conduziu em todos os momentos o desenvolvimento dessa luta, clareando o caminho, especificando, fazendo propostas que permitiam um avanço, foi o Partido Bolchevique. Sem esse partido, a revolução seria estrangulada por uma série de mecanismos demagogicamente democráticos ou pseudodemocráticos. Ou, também, como esteve para acontecer, por um golpe de Estado. Quem bloqueou todas essas variantes e colocou a revolução no sentido da tomada do poder foi o Partido Bolchevique. O partido político cumpre um papel fundamental e essa é uma das grandes lições da Revolução Russa. Trótski, na História da Revolução Russa, analisa justamente esse papel do Partido Bolchevique. Ele diz que a revolução é como uma caldeira a vapor. As massas
  • 24. revolucionárias seriam uma fonte de energia, de força extraordinariamente grande como é o vapor, mas o vapor não é uma força em si. Ele precisa ser canalizado, para que se crie aquela pressão e depois nós precisamos de determinados mecanismos que vão soltando a pressão em um sentido funcional para que ela possa ser usada para movimentar outra parte daquela engrenagem. Sem essa válvula de pressão a pressão não é uma forma. Então ele fala: “a classe operária é essa válvula de pressão”. Mas onde essa força se concentra e adquire um determinado direcionamento prático? Através do partido político. Ou seja, não dá para a classe operária, sem um partido, organizar essa força, é preciso que isso seja canalizado para um mecanismo onde tenha uma válvula, que regula e que dá vazão a essa pressão e que a torna um fator efetivo no funcionamento daquele mecanismo. Essa é uma questão chave. Uma segunda questão muito importante é o problema da independência política da classe operária. No Brasil nós vivemos esse problema de forma intensa. Toda a política brasileira nos últimos 30 ou 35 anos gira em torno do
  • 25. problema da independência da classe operária diante da burguesia. A classe operária, mesmo que não saiba, e também a juventude, esbarram nesse problema de que as organizações políticas brasileiras atrelaram todo mundo à burguesia e ninguém sabe como sair. Foi o que aconteceu recentemente nas eleições em São Paulo. A maioria da população gostaria de derrubar o governo Serra, se eles soubessem como, se tivessem os meios derrubariam o governo até mesmo por fora das eleições. Mas isso ainda não está claro como se faz, como se chega nesse resultado, então a população foi para eleições. Nas eleições se apresentaram vários partidos e esses partidos criaram um mecanismo no qual finalmente a população foi sendo envolvida, como se fosse um teatro onde se movimentam os cenários, e foi por fim colocada a seguinte questão: Serra, Haddad ou voto nulo? Serra teve uma votação insignificante, votação essa que em grande medida é produto do clientelismo da prefeitura e do apoio de um setor ultraminoritário e conservador da burguesia e da pequena-burguesia da cidade. A maioria das pessoas que inclusive não
  • 26. gostam do PT, votou no PT porque não queria que Serra ganhasse e uma outra parcela, que não tolerava mais votar no PT, votou nulo. Mas o fato é que a população teve que trocar Serra, um representante da burguesia, por Haddad, que é um outro representante da burguesia. É como nós tivéssemos entrado num buraco e saíssemos no mesmo lugar por onde entramos. Tudo bem que a vitória do Haddad tem um significado um pouco diferente, porque finalmente quem votou nele é porque não aguentava mais a direita, o PSDB. Quem votou nele queria se livrar de José Serra e, portanto, não vai aceitar que o Haddad imponha a mesma política do PSDB, o que vai gerar uma enorme crise. Mas, enfim, do ponto de vista político é isso. Os trabalhadores, os intelectuais, a juventude, criaram um partido de trabalhadores que acaba sendo também um partido da burguesia. É como se tudo que você fizesse caísse no mesmo lugar. Por exemplo, eu cheguei a participar da fundação do PT. Em Diadema, nós passávamos de porta em porta para legalizar o PT. Naquele momento, o que a população
  • 27. queria era se livrar do Arena e do MDB, por isso íamos de porta em porta para apresentar o PT e filiar pessoas. Agora, em 2012, perguntamos: quem é o vice de Dilma, do PT? É o PMDB, ou seja, é o mesmo partido que nós queríamos nos livrar. Esse problema é chave: como constituir um partido que seja efetivamente o partido de todas aquelas pessoas que decidiram se opor a todos os partidos e políticos da burguesia? Outro exemplo é a criação do Psol, que foi realizada depois da decepção com a subida do PT ao governo. Mas o que aconteceu? O Psol fez exatamente a mesma política. Nas últimas eleições, fizeram aliança com o DEM, o PP, o PSDB, PSC, PT, PCdoB, produzem uma enorme confusão política. Isso não significa que é um defeito moral de ninguém, ou de nenhuma organização política, mas o fato é que esse é um processo chave na transformação social. Essa transformação só poderá ocorrer quando os trabalhadores, a juventude de esquerda, chegarem à conclusão, através de sua própria experiência, de que eles não devem ficar a reboque da burguesia. Mais ainda – pois essa conclusão muito deles já
  • 28. tiraram –, quando chegarem a conclusão de como é que se faz para não ficar a reboque da burguesia, porque esse exemplo do PT também é um exemplo de pessoas que decidiram não ficar a reboque da burguesia mas acabaram ficando de qualquer maneira. Então é preciso que a classe operária evolua através de sua própria experiência, massivamente, para se separar totalmente da burguesia, entendendo como é que se faz para se separar totalmente da burguesia. Só assim teremos um desenvolvimento verdadeiramente revolucionário. Na Revolução Russa, esse processo, que no Brasil já dura mais de 35 anos, acontece como se fosse um filme em alta velocidade. Isso porque uma característica da revolução é que ela concentra os problemas de uma maneira extraordinária. Aquilo que demora 10 anos para acontecer em tempos não revolucionários, na revolução acontece em uma semana. A experiência das massas é muito mais aguda porque as contradições são muito mais agudas. Então os trabalhadores russos que fazem a revolução, pelas coordenadas políticas que se
  • 29. colocam na revolução e pela ação do Partido Bolchevique, passam a entender de que lado está a burguesia e de que lado está a classe operária, e o que é preciso fazer para se livrar da burguesia. O Partido Bolchevique compreende as contradições da política burguesa logo num primeiro momento. Lênin fala que a primeira revolução russa, em fevereiro, é uma revolução na qual as expectativas estão confusas porque é feita pela classe operária e pela burguesia para derrubar o czar. Porém, os objetivos da burguesia e dos trabalhadores são diferentes e eles são contraditórios uns com os outros, e por isso Lênin conclui que é inevitável uma segunda revolução. Lênin identifica quais são as contradições. Uma delas é a continuidade da guerra, que interessa à burguesia e não à classe operária. Há o problema do desabastecimento, que se tornava cada vez mais grave na Rússia, que estava lançando a classe operária à miséria. Por fim, havia a questão da terra dos camponeses. Os bolcheviques lançam então um programa básico com as palavras de ordem de “Paz, Pão
  • 30. e Terra”. Esse programa expressa a linha de clivagem, de ruptura, entre a burguesia e o proletariado, e os bolchevique fazem propaganda nessa linha. Enquanto que os partidos da esquerda pequeno-burguesa procuram levar o proletariado a apoiar a burguesia, a guerra e procuram confundir os operários com uma série de ideias enganosas, os bolcheviques denunciam a todo o tempo esses golpes. Na medida em que são feitas manobras para iludir o proletariado, os bolcheviques vão intervir e esclarecer que de um lado está a burguesia e de outro a classe operária e que esse é o aspecto chave da revolução. Em um dado momento, eles lançam uma palavra de ordem que foi um desafio para os partidos da esquerda pequeno-burguesa, para que eles assumissem todo o poder político e expulsassem a burguesia do poder. Vejam que os bolcheviques não pedem para si o poder num primeiro momento; eles propõem o poder para os partidos da esquerda pequeno- burguesa, que na Rússia seriam o PT, o Psol etc. No entanto, esses partidos rejeitam romper
  • 31. com a burguesia e vão caindo em descrédito com as massas. As massas observam a conduta desses grupos em não querer romper, e começa a crescer a deterioração da autoridade desses partidos sobre as massas. Em um determinado momento, as massas saem às ruas para obrigar essas lideranças a romper, porém percebem que isso não iria acontecer. Há um enfrentamento e então as massas percebem que é necessário romper também com esses partidos. No livro do John Reed, um jornalista norte- americano que também era comunista, esse problema está muito bem retratado de uma maneira simples. Em dado momento ele descreve uma cena entre um operário, um camponês, pessoas simples da Guarda Vermelha, que estão parados em frente a um prédio quando chega um estudante pequeno- burguês, que insulta os operários e afirma que eles não sabem nada, que são ignorantes etc. Um dos trabalhadores, embora intimidado, reconhecendo que o estudante é uma pessoa mais instruída diz: “Uma coisa nós sabemos, de um lado está a classe operária, do outro a
  • 32. burguesia e quem não está com um, está com o outro”. Daí então, o estudante começa a ficar irritado e acusa os soldados de terem participado da repressão contra uma determinada manifestação há vários anos. Os operários então reconhecem novamente a autoridade do estudante, mas voltam a afirmar: “Uma coisa nós sabemos, de um lado está a classe operária do outro a burguesia, e quem não está com um está com o outro”. Ou seja, esse fato simbólico, embora seja real, demonstra que as massas haviam compreendido, mesmo entre os setores mais pobres, que havia uma verdadeira guerra civil entre a classe operária e a burguesia e esse era um problema chave. Para eles, quem não estava com o proletariado estava com a burguesia e nada mais. Por aí dá para termos uma ideia de como se processa a compreensão. Não é que aqueles dois milicianos do Exército Vermelho tinham uma consciência profunda dos problemas da luta social, mas eles tinham uma compreensão prática, concreta do que estava acontecendo, que é o que a maioria dos trabalhadores tem dos problemas, dos interesses em jogo etc.
  • 33. Eles não são cientistas sociais, nem especialistas em política. Esse problema foi chave. A revolução acontece quando toda a classe operária e o campesinato começam a romper com a burguesia depois de uma campanha gigantesca dos bolcheviques. Esses são problemas fundamentais de todo o desenvolvimento da revolução e nós podemos dizer ainda que esse é o problema mais central também de seu desenvolvimento prévio. Finalmente, há uma terceira questão, que é o problema da insurreição. Hoje em dia, a Revolução Russa é tratada como um fenômeno dado. Isso pode induzir a uma incompreensão do que acontecia na época. Naquele momento, a ideia de que um partido poderia conduzir à tomada do poder organizando conscientemente uma insurreição era uma ideia que não passava pela cabeça de ninguém. Os grandes dirigentes da social-democracia da época acusaram os bolcheviques, depois da insurreição, de “blanquismo”, que foi uma corrente política francesa, de um grande revolucionário chamado Blanqui, que era um especialista da luta de barricada e da
  • 34. insurreição. Ele participou de várias insurreições em Paris, antes e depois da revolução de 1830. Blanqui ficou preso dezenas de anos pela burguesia francesa e mesmo quando os revolucionários da Comuna de Paris propuseram trocar ele por mais de 200 prisioneiros políticos, incluindo o bispo da cidade, a burguesia negou a proposta. O blanquismo, portanto, era mal visto porque subentendia-se que era uma tática equivocada. A social-democracia, ao contrário, estava há muito tempo comprometida pela política eleitoral, esquecendo o problema da revolução. Para eles, a revolução era um movimento geral das massas, um movimento de opinião, mas não um movimento de força. Os bolcheviques foram os únicos que levantaram esse problema, de que somente uma revolução, com a utilização da força, com a tomada do poder, poderia conduzir a classe operária à vitória. Isso vai se tornar um divisor de águas entre aqueles que apoiam a tomada do poder pela força, dos que acham que não há outro caminho; e de outros que defendem a ideia da democracia, que em última instância significa que ninguém nunca tomará o poder.
  • 35. Em certo sentido, a esquerda brasileira se apoia na ideia de que tem que haver eleições. Não há a ideia de que as eleições são a forma natural de perpetuação do domínio da burguesia sobre a sociedade e que para a sociedade se liberte, constitua um governo operário, passe para o socialismo, é preciso uma revolução. Não só uma revolução espontânea, mas efetivamente a tomada consciente do poder pelos revolucionários organizados. Isso implica em uma grande distinção dos métodos de ação. Os revolucionários podem participar das eleições. Os revolucionários podem e devem participar da organização de sindicatos, associações e outros. Mas para quê? Qual o sentido dessa ação? O sentido dessa ação tem de ser organizar a classe operária para que, no momento em que a situação transbordar, no momento em que se colocar o problema da revolução, exista uma força capaz de levar a classe operária efetivamente ao poder. Sem o poder político da classe operária, essa seria a quarta conclusão, não é possível nenhuma transformação social efetiva.
  • 36. No Brasil, por exemplo, hoje em dia muitos acham que com o governo do PT, do Psol, ou com um governo qualquer, é possível fazer transformações sociais. Talvez não todas, talvez algumas ficassem de fora, mas que daria para transformar bastante coisa. Isso é uma ilusão, uma fantasia. Não é possível transformar nada, é preciso desmantelar o mecanismo político que mantém a exploração social para que a exploração social possa ser atacada. Se alguém for atacar a exploração social sem desmantelar esse mecanismo político, vai se defrontar com uma barreira insuperável. Toda tentativa de fazer transformações por dentro desse mecanismo político está fadada ao mais completo fracasso. Nós temos aí três mandatos do PT para ver. Não foi feito nada. Se conversarmos com alguém do PT, a única coisa que ele dirá é que distribuíram o Bolsa Família. Menos do que isso também seria demais. Até a ONU é a favor da Bolsa Família. A ONU é dirigida pelo imperialismo, pelos bancos internacionais. Se um governo de esquerda não é a favor de dar comida para quem está passando fome, do que ele seria a favor? Já quanto à reforma agrária,
  • 37. que significaria uma modificação real na relação real entre o capital e o trabalho; nada. Uma modificação real na situação da mulher, do negro, do índio, de todos os setores oprimidos da sociedade, nada. Uma transformação por mínima que fosse no sistema educacional, que está totalmente falido em todas as esferas, também não acontece. Não há nenhum projeto nesse sentido. Desenvolveram até o paroxismo o ensino pago, que é um grande ônus para a população. Esse é um exemplo prático que os brasileiros estão experimentando. Na Revolução Russa, a população fez uma experiência com um governo pseudodemocrático rapidamente, porque as questões estavam colocadas de uma maneira muito acesa. Aqui no Brasil, não. Aqui as coisas vão se desenvolvendo lentamente. Alguém poderia argumentar: “será que tal medida não representa uma mudança?”. No final do processo veremos que não só a situação não melhorou nada como se deteriorou igual aconteceu no governo Sarney, Collor, FHC e segue ladeira abaixo.