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PONTUAÇÃO E HETEROGENEIDADE DA ESCRITA: UM ESTUDO NO ENSINO
FUNDAMENTAL – PUNCTUATION AND HETEROGENEOUS WAY OF WRITTING
CONSTITUTION: ONE STUDY ON FUNDAMENTAL EDUCATION


                         Rosana Aparecida ROGERI, Luciani Ester TENANI


      Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, UNESP - Campus de São José do Rio Preto.
                     Rua Cristóvão Colombo, 2264, Jardim Nazareth. CEP 15054-000
                            rosanarogeri@gmail.com, lutenani@ibilce.unesp.br


Resumo: Este trabalho trata da aquisição da escrita e tem por objetivo contribuir com os estudos que
consideram a heterogeneidade constitutiva da escrita. Neste trabalho, analisamos como vírgulas e pontos
são utilizados em textos de alunos do segundo ciclo do ensino fundamental. A metodologia de análise
segue a proposta do paradigma indiciário feita por Ginzburg (1968). Neste artigo, apresentamos uma
análise lingüística que discute (i) os usos dos sinais de pontuação dos textos no período inicial da
aquisição da escrita; e (ii) como a pontuação pode trazer evidências do modo heterogêneo de
constituição da escrita.

Palavras chave: pontuação, heterogeneidade, aquisição da linguagem, letramento, prosódia.

Abstract: This paper deals with writing acquisition period and its objective is to contribute for studies
that consider the heterogeneous way of writing constitution. This work analyzes texts in which comma
and period are used by students of 2nd Term of Fundamental Education (which corresponds to 4th to 9th
grades in USA). The clue paradigm, as proposed by Ginzburg (1986), is used as methodological
support. This paper presents some linguistics bases for dealing with (i) the uses of punctuation marks of
a text on the beginning of writing acquisition language period; and (ii) how punctuation shows
evidences of the heterogeneous way of writing constitution.

Key words: punctuation, heterogeneity, writing acquisition, literacy, prosody.


                                              INTRODUÇÃO
    As pesquisas desenvolvidas sobre o período denominado de aquisição da escrita trazem em seu bojo,
de forma mais ou menos explicita, diferentes concepções da escrita, como por exemplo, Cagliari (1992)
Fereiro & Teberosky (1985) e Kato (1990), têm em comum uma concepção de autonomia – relativa ou
não – entre fala e escrita ratificando a teoria da grande divisa que recentemente tem sido discutida e
criticada de forma sistemática por pesquisadores ligados, mais particularmente, a pesquisas sobre
questões de letramento, como Tfouni (1994), Soares (1998) e Kleiman (1995), bem como sobre o
trabalho do sujeito com o texto escrito como Abaurre (1989), Correa (1997), Chacon (2003) e
Capristano (2003)1
    Considerando-se essas pesquisas, nota-se que o trabalho de Corrêa (1997) é importante por propor
formas para a observação de um modo heterogêneo de constituição da escrita, o que torna verificável a
simultaneidade das práticas sociais envolvidas no uso das modalidades oral e escrita da linguagem.

1
 Membros do grupo de estudo (cnpq) “Estudos sobre a linguagem”, sediado na UNESP, campus de Marília, e
coordenado pelo Prof. Dr. Lourenço Chacon, também desenvolvem pesquisas nessa perspectiva.
Os trabalhos de Abaurre (1991), Chacon (2004) e Capristano (2003), investigam, entre outras
questões, as segmentações não-convencionais da escrita infantil, ancorados numa perspectiva que
concebe a escrita como uma forma de manifestação da linguagem e um lugar de enunciação do sujeito.
   Os trabalhos desenvolvidos dentro dessa perspectiva teórica que tratam dos usos dos sinais de
pontuação na escrita de sujeitos em fase de escolarização são escassos. O trabalho de Comar (2004)
analisa a aquisição da pontuação numa perspectiva da auto-organização2. Desse modo, pode-se afirmar
que há carência de discussões propriamente lingüísticas acerca dos usos dos sinais de pontuação durante
o processo de aquisição da escrita. Este trabalho busca contribuir com essa área de estudos fazendo uma
análise lingüística dos usos de vírgulas e ponto.


                                           METODOLOGIA
   Acreditamos, junto com Abaurre et alii (1997:40), existir a necessidade de uma mudança na maneira
de análise dos dados de aquisição da escrita, procurando deslocar “de um lugar mais ingênuo” como
“questões de relação oralidade/escrita” para o lugar onde se poderia buscar explicações para essas pistas
lingüísticas, ou seja, “a relação continuamente tensa e cambiante entre o sujeito e a linguagem”.
Observando essa recomendação, optamos por um modelo teórico que leva em consideração todas as
ocorrências, mesmo que sejam únicas.
   Para realizar a investigação a que nos propusemos neste trabalho, os indícios serão buscados com
base em Corrêa (1997), que propõe três eixos para a observação de um modo heterogêneo de
constituição da escrita.Esses eixos são locais privilegiados para a observação da escrita como
constitutivamente heterogênea, são cortes metodológicos que nos possibilitam apreender as
manifestações dessa heterogeneidade. Neste trabalho, esses eixos serão utilizados para tornar “visível” a
heterogeneidade da escrita por meio da descrição dos usos dos sinais de pontuação.
   Ao utilizarmos o primeiro eixo de observação, entendemos, junto com Chacon (2003), que o sujeito
escrevente, aproxima-se da oralidade, portanto da gênese da escrita, quando baseia sua forma de pontuar
mais em aspectos prosódicos da linguagem oral que em regras próprias do sistema convencional de
escrita.
   Utilizando para observação de nossos dados o segundo eixo, consideramos, também baseados em
Chacon (2003), que o escrevente pode pontuar mais de acordo com o que acredita ser as regras próprias
do código institucionalizado do que de acordo com a proximidade entre a oralidade e a escrita.
   Faz-se necessário explicitar os suportes teóricos que orientam as descrições dos dados em relação aos
dois primeiros eixos de observação da heterogeneidade da escrita, visto não ser o mesmo suporte
utilizado por Corrêa (1997). Para analisar o uso dos sinais de pontuação nos textos em relação com a
suposta gênese da escrita, levamos em consideração as pistas que podem evidenciar uma percepção, por
parte dos sujeitos, de constituintes numa hierarquia prosódica como definida por Nespor e Vogel (1986),
arcabouço teórico que tem se mostrado válido para descrever dados de segmentação não-convencional e
de uso de pontuação em trabalhos anteriores (CAPRISTANO, 2003 e COMAR, 2004).
    E, finalmente, utilizando-nos do terceiro eixo de observação – sendo essa uma das contribuições
deste nosso trabalho – consideramos os momentos em que o sujeito escrevente utiliza-se de marcas
gráficas indiciando uma atitude responsiva, ou seja, por meio do sinal gráfico, delimita porções de
enunciado que “conversam” com o interlocutor, trazendo-o, dessa forma, para seu texto, o que, a nosso
ver, caracteriza uma relação com o já falado/ouvido, ou já escrito/lido, considerando-se a imersão desses
sujeitos em práticas de oralidade e letramento.
    Elegemos como material de análise 48 textos, produzidos por alunos do 2º ciclo do ensino
fundamental (5ª a 8ª série). Procuramos, nestes textos, os “rastros” de individuação3 do sujeito inserido
historicamente em práticas de uso da linguagem, quer oral, quer escrita. A análise das ocorrências
procura explicar, mesmo que conjecturalmente, o que se torna relevante para o escrevente no momento
da produção textual, no que diz respeito ao uso dos sinais de pontuação.
    Após a análise, as ocorrências foram listadas e agrupadas segundo dois critérios: i) série e; ii)
eixo de observação. A classificação das ocorrências por eixo de observação, em cada uma das
séries, visa caracterizar, com base em indícios (GINZBURG, 1989), um processo que não é linear
nem tampouco fixo, o que nos obriga a lidar com dados que a todo momento refletem a imersão do
sujeito em práticas de oralidade e de letramento. A análise das ocorrências procura explicar, mesmo
que conjecturalmente, o que se torna relevante para o escrevente no momento da produção textual,
no que diz respeito ao uso dos sinais de pontuação.


                              A PONTUAÇÃO E A GÊNESE DA ESCRITA
    Inicialmente, procedemos a uma descrição sobre a utilização do sinal gráfico ponto (indicado por ".")
e vírgula (indicado por ",")em relação aos constituintes prosódicos de enunciado fonológico (U) e de
frase entoacional (I). O enunciado fonológico é definido como um constituinte delimitado pelas




2
  Esse é um conceito da filosofia e apesar de o trabalho ser desenvolvido com profundas reflexões lingüísticas, como
por exemplo o uso dos sinais de pontuação em relação aos constituintes prosódicos como proposto por Nespor e Vogel
(1986), esse não é o foco da discussão.
3
  Conceito de Veyne (1983), utilizado por Corrêa (2004) e mantido aqui com as observações desse segundo autor.
ocorrências de pausas. Já a frase fonológica é definida como um constituinte cuja principal característica
é dada pelo contorno entoacional.4 Analisando os dados obtemos a seguinte classificação.


            Distribuição dos usos do ponto pelo 1º                        Di st ri bui ção do s uso s da ví gul a no 1º
                      eixo de observação                                               ei xo de o bservação



                  89%                         U                                                     52%
                                                                                                                          U
                                                                                                                          I
                                              I                              41%                     7%
                                                                                                                          ø
                                   11%




     Ao apresentar esses gráficos, nosso objetivo é demonstrar que a maioria dos usos de ponto, cerca de
89%, está relacionada a finais de U e apenas 11% a final de I.Salienta-se que a proporção entre os usos
convencionais e não-convencionais do ponto é praticamente a mesma verificada entre os usos que
correspondem à fronteira de U e à fronteira de I (87,5% de sinais utilizados convencionalmente e 12,5%
de sinais utilizados não-convencionalmente). Esses números podem revelar que o constituinte prosódico
que, de forma não-isomófica, poderia em alguma medida corresponder ao uso do sinal gráfico ponto na
escrita seria o U. Verificamos também que os usos da vírgula que coincidem com as possíveis fronteiras
dos constituintes U e I diferem entre si em apenas 11%, o que nos leva a concluir que as fronteiras
desses dois constituintes são percebidas como relevantes para o escrevente ao utilizar a vírgula como
marca de pontuação. Cumpre-nos salientar, ainda, que a maioria dos casos de uso convencional de
vírgula está relacionada à percepção de limite de constituinte I.
      A maioria dos casos em que ponto foi utilizado em final de I é formada de casos de uso não
convencional como no exemplo abaixo.




                                                         Ocorrência 1

     Em (1), verificamos a ocorrência de ponto em final de I, pois “Mas tem uma coisa que eu não gosto”
pode ser pronunciado com uma curva entoacional característica de um contorno suspensivo, porém essa

4
    Cf. Tenani (2002) para uma caracterização mais detalhada desses constituintes prosódicos em Português Brasileiro.
frase fica incompleta sintaticamente, exigindo o complemento “briga” e, assim, após esse termo da
oração o ponto poderia ser empregado convencionalmente. O sinal convencional que poderia ser
utilizado no lugar de ponto seriam os dois pontos, pois indica esse contorno entoacional suspensivo que
sinaliza a falta do complemento sintático. Uma outra possibilidade de interpretação é tomar essa
ocorrência como indicativo também de uma quebra do constituinte prosódico I, pois existe a quebra de
uma relação transitiva, e dado o algoritmo de formação desse constituinte a inserção de uma pausa nesse
local poderia ser caracterizada como uma quebra de constituinte (cf. COMAR, 2004). Em nossa análise,
no entanto, esses casos foram considerados como indícios de construção de uma curva entoacional, o
que caracterizaria o constituinte prosódico I., porém essa segunda possibilidade de análise não foi
descartada.
   Essa ocorrência assim como outras analisadas revelam que o escrevente pode no momento da sua
escrita estar se guiando pela percepção do final de um constituinte prosódico que necessita ser marcado
graficamente, e ele procede a uma marcação utilizando-se dos sinais gráficos que conhece e que julga
adequado para aquele momento.
   Outro fator interessante sobre a ocorrência acima é o fato de o autor utilizar a inicial maiúscula após
o uso de ponto: as duas palavras a preposição “De” e o substantivo “Briga” são grafadas em maiúscula.
Esse uso das maiúsculas indicia que o escrevente “assinala a pausa máxima da voz depois de um grupo
fônico de final descendente” (CUNHA & CINTRA, 1985:632). Assim, após uma pausa, o enunciado se
iniciaria com mais força e possivelmente a informação grafada após essa pausa também teria mais força
prosódica e/ou semântica, o que motivaria o escrevente grafar as palavras com inicial maiúscula. Nessa
análise, o ponto pode estar indicando graficamente uma pausa, ou seja, uma característica da oralidade o
que indica o trânsito do sujeito por práticas orais e letradas na sua enunciação escrita




                                                  Ocorrência 02


   Nota-se nesse uso não convencional de vírgulas resquícios do que poderia se constituir em uma
enumeração de vários elementos, porém essa enumeração constitui-se de apenas dois elementos e a
convenção prescreve que nesses casos deve-se utilizar a conjunção “e”. Nota-se que o autor não deixa
de empregar a conjunção, juntamente com o sinal gráfico, o que pode demonstrar que vários fatores co-
ocorrem no modo de enunciação escrito: Um pode ser a percepção de um limite de constituinte
prosódico, nesse caso I, outro a percepção de uma regra sintática que prescreve que quando
coordenamos dois elementos devemos utilizar a conjunção “e” para estabelecer ligação. Nesse caso não
houve uma maior predominância, pois o sujeito utilizou concomitantemente os dois recursos.
Salientamos o fato de esse recurso ser utilizado estilisticamente pelos escritores modernos como José
Saramago, por exemplo, o que nos coloca no limite da convenção e nos faz questionar a própria noção
de convenção, o que seria convencional para a escrita escolar parece não ser o mesmo que para os
escritores. O trato com a linguagem escrita na escola parece concebê-la como algo estático.
   As ocorrências de vírgulas também podem ser interpretadas como motivadas pela percepção do
constituinte de frase entoacional (aqui indicado por ∅). Esse constituinte prosódico é formado a partir
da relação entre as palavras que se estabelece dentro do sintagma (seja essa relação sintática definida
como sendo sintagma nominal ou sintagma verbal). Essas ocorrências estão predominantemente
relacionadas aos casos denominados na literatura de quebra de constituinte prosódico, como poderia ser
vista o uso não convencional de vírgula em ‘na, cidade’ e ‘minha, vó’, abaixo.




                                                 Ocorrência 3




                                                 Ocorrência 4


   Na ocorrência (3), se interpretada a vírgula como marca de uma fronteira de constituinte, pode-se
dizer que houve uma quebra do constituinte prosódico de frase fonológica ‘na, cidade’ e também uma
quebra sintática do sintagma nominal ‘na cidade’. Alternativamente a identificação de uma ruptura, uma
explicação para tal ocorrência pode estar na percepção de um constituinte menor, como o clítico ‘na’; ou
ainda pode revelar uma tentativa de congelamento do gesto expressivo próprio do oral no texto escrito,
ou seja, essa vírgula estaria representando uma tentativa de enfatizar a informação que, para o
escrevente, seria a mais importante “cidade Diamante do Norte”, lugar onde nasceu. Destacamos que a
possibilidade de várias hipóteses explicativas poderem ser formuladas é reveladora da co-ocorrência de
vários fatores ligados às práticas sociais do uso da linguagem no momento da produção escrita.
   Na ocorrência (4), nota-se esse uso não-convencional da vírgula resquícios do que poderia se
constituir numa enumeração de vários elementos, a saber: “[uma] casa minha, [a] vó em outra e meus
tios na outra”. Considerada uma possível estrutura sintática, que também se delimita em três frases
fonológicas, já não se pode classificar a ocorrência dessa vírgula apenas como exemplo de ruptura do
constituinte da frase fonológica ‘minha, vó’ , pois esse pode não ser o constituinte que subjaz ao
emprego da vírgula entre ‘minha’ e ‘ vó’ .
   O uso da vírgula como o apresentado mostra que vários fatores co-ocorrem no modo de enunciação
escrito: um pode ser a percepção de um limite de constituinte prosódico, nesse caso a frase fonológica,
outro a percepção de uma estrutura sintática de enumeração de elementos. No caso analisado, o sujeito
pode ter se utilizado concomitantemente dos dois recursos.


       A PONTUAÇÃO E A ESCRITA ENQUANTO CÓDIGO INSTITUCIONALIZADO
   Observando a pontuação em relação à escrita como código institucionalizado, agrupamos nesse eixo
de observação todas as ocorrências que se enquadram nas regras normativas previstas pela a Gramática
Tradicional de uso da pontuação, sendo assim, os gráficos abaixo apresentam a dicotomia convencional
versus não-convencional para o uso do ponto e da vírgula.



          Distribuição das ocorrências de ponto                        Distribuição das ocorrências de
           segundo critério convencionalidade                              vírgula segundo critério
                           (%)                                             convencionalidade (%)




                                                                                              não conv.
                                      não conv.
                                      convencional                                            convencional

              5ª    6ª    7ª    8ª                                   5ª       7ª
            série série série série                                 série    série



   Analisando o gráfico sobre as ocorrências do ponto, observamos que os usos convencionais são a
maioria as ocorrências de ponto. O ponto é o sinal que é mais convencionalmente utilizado, porém a
vírgula é o sinal cujos usos convencionais e não convencionais diferem por um pequeno percentual,
como demonstramos com o gráfico sobre as ocorrências da vírgula. Percebe-se que esses sinais são os
mais utilizados pelos alunos, pois aparecem em quase todas as produções textuais analisadas.
   Esse segundo eixo de observação não trata apenas dos usos convencionais e não convencionais dos
sinais, mas das tentativas de alçamento à escrita formal que o escrevente julga privilegiada pela escola.
Exemplificamos essa representação de convencionalidade pela ocorrência abaixo:




                                                     Ocorrência 5
Observa-se em (5) uma tentativa de alçamento às normas de pontuação ao pontuar o título da
redação. Essa prática não é usual nos textos escritos e o fato de não pontuar, segundo Luft (1997: 168):
“É mais simples, e mais estético”. Porém a norma de pontuar títulos e cabeçalho é prescrita pelo PVOLP
(Pequeno vocabulário de ortografia da Língua Portuguesa). Não entraremos no mérito do
conhecimento ou não, por parte do escrevente, dessa norma, porém o fato de ele utilizar o sinal de ponto
no título de seu texto, revela uma tentativa de se alçar à escrita formal, privilegiada pela escola, pois o
uso dos sinais de pontuação constitui um imaginário sobre o que seria o “bem escrever”.
   Os casos em que a vírgula foi utilizada no lugar que convencionalmente seria ponto foram também
considerados uma tentativa de alçamento à escrita formal, pois a capacidade de produzir enunciados
com períodos longos também se caracterizaria um imaginário sobre a “boa escrita”. É necessário
salientar, ainda, que o ponto é ensinado na escola com o nome de ponto-final, fato que o coloca como
um sinal a ser utilizado no final dos enunciados. Pode ser esse o fato de muitos alunos não utilizarem
esse sinal no interior de parágrafos e substituí-lo por vírgula. Como observamos na ocorrência (6), o
sujeito escrevente inicia um novo tópico após a vírgula, porém sente a necessidade de não iniciar um
novo parágrafo, utiliza, portanto, a vírgula que pode ser interpretada como uma pausa no fluxo
discursivo.




                                               Ocorrência 6


   Outro fator interessante que observamos nos dados é um tipo de uso dos sinais que chamamos
semântico. Observamos que o escrevente separa enunciados que são semanticamente parecidos, mas é
percebida uma necessidade de marcar a separação de forma diferente. As ocorrências (7) e (8)
exemplificam esse critério. O escrevente separa pelo uso do ponto os dias da semana, em outros
contextos caberia o uso do ponto, mas esse sinal não é utilizado, sendo substituído por vírgula, ou por
zero.




                                                  Ocorrência 7
Ocorrência 8


                             A ESCRITA E O JÁ FALADO/ESCRITO
   Agrupamos sob esse eixo de observação as ocorrências que poderiam caracterizar uma atitude
responsiva por parte do escrevente. Alguns textos são iniciados por marcadores discursivos que aludem
à atitude de quem responde uma questão. Esse fato aponta para a situação de produção desses
enunciados. O escrevente parece deixar claro que entende qual é o seu papel – o de responder às
exigências de uma instituição – e, ao iniciar seu texto como se fosse uma resposta, faz referência ao já
falado/escrito dentro da instituição escolar. Como podemos observar na em (9), o escrevente inicia seu
texto como se respondesse a uma indagação e separa essa porção do enunciado por meio da vírgula, que
foi utilizada de maneira convencional. Esse procedimento é utilizado também com o ponto em
diferentes porções dos textos. Em (10), verificamos que o parágrafo iniciado após o uso do ponto é
endereçado a um interlocutor difuso, porém é também uma resposta à instituição que propõe a produção
do texto: “Eu não lembro mais da minha vida”, ou seja, já cumpri minha obrigação.




                                                Ocorrência 9




                                           Ocorrências 10


                                            CONCLUSÃO
   Nossas palavras finais pretendem ser iniciais, pois consideramos essa análise um lugar de
“ancoragem”, “um porto provisório” a que chegamos ao final de nossa pesquisa de Iniciação Científica.
Nosso trabalho procurou mostrar que a escrita tem uma constituição heterogênea, por meio da análise de
alguns modos de tornar “visível’ essa heterogeneidade. Salientamos que a metodologia adotada procura
desvendar indícios do processo de produção, por meio da análise do produto. Assumindo todos os riscos
decorrentes dessa abordagem, consideramos que o produto é um índice do processo, o que nos faz crer
na validade de sua análise, com base na metodologia do paradigma indiciário.
A linguagem é essencialmente dialógica e como a escrita é uma das maneiras de manifestação da
linguagem, a modalidade escrita também é essencialmente dialógica. A complexidade de constituição da
escrita vem sendo ignorada por muitos estudos que a consideram apenas como um produto acabado ou
como uma representação de outro.
    Particularmente para a escolarização, uma mudança na forma de análise da escrita pode se constituir
em uma resposta a uma demanda social,5 pois o ensino da escrita deixa de ser visto como o ensino de
uma técnica e passar a ser percebido em toda sua complexidade, principalmente levando-se em
consideração a relação existente entre o sujeito que aprende e o objeto de sua aprendizagem, relação
essa essencialmente dialógica como a linguagem.
    No conjunto de pesquisas que pretendem, de alguma forma, responder a essa demanda social em
relação ao trabalho com a linguagem, principalmente em contexto escolar, esta pretende contribuir para
explicitar, mesmo que parcialmente, ou para propor questões propriamente lingüísticas sobre a
heterogeneidade constitutiva da linguagem, principalmente, em sua modalidade escrita.
    Ao considerarmos que os eixos de representação da heterogeneidade da escrita dialogam entre si,
observamos que apenas metodologicamente é possível essa separação. Esse trabalho inova arriscando-se
em propor a consideração de aspectos de segmentação, em nosso caso por meio do uso dos sinais de
pontuação – vírgula e ponto – em relação ao terceiro eixo de observação da heterogeneidade da escrita,
visto que os trabalhos anteriores (CAPRISTANO, 2003 e CHACON, 2003) analisam a segmentação em
relação aos dois primeiros eixos de observação somente.
    Cada um desses lugares de observação suscita questões lingüísticas que podem, em alguma medida,
corresponder a indagações teóricas cujas investigações contribuiriam para a melhor compreensão da
linguagem.


                                      REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABAURRE, M. B. M. Oral and written text: beyond the descriptive illusion of similarities and differences, 1989.
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: ___. Estética da criação verbal. São Paulo: Matins Fontes, 1992.
CAGLIARI, L. C. Alfabetização e Lingüística.São Paulo: Scipione, 1992.
CHACON, L. A pontuação e a indiciação de características da dimensão fônica da linguagem. Estudos lingüísticos –
Anais do XLIV Seminário do GEL. Campinas, v. 26,p. 455-460, 1997.
_____. Oralidade e letramento na construção da pontuação. Texto apresentado no V Encontro do CELSUL, 2003.
CORREA, M. L. G. O modo heterogêneo de constituição da escrita. Campinas: 1997, Tese (Doutorado em
Lingüística). Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
GINZBURG, C. Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.
KATO, M. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística. São Paulo: Ática, 1995.
KLEIMAN, A. (Org.) Os significados do letramento. Campinas: Mercado de letras, 1995.
SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
TFOUNI, L. V. Perspectivas históricas e a-históricas do letramento. Caderno de Estudos Lingüísticos. Campinal, v. 26,
p. 49-62, jan./jun. 1994.
NESPOR, M.; VOGEL, I. Prosodic phonology. Dordrechet: Foris Publications, 1986.

5
 Consideramos demanda social a precariedade do ensino de língua materna no Brasil, que carece de investimento, tanto
em pesquisas como em formação básica do professor.
____________________________________________
            Rosana Aparecida Rogeri

____________________________________________
              Luciani Ester Tenani

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Pontuacaoeheterogeneidade

  • 1. PONTUAÇÃO E HETEROGENEIDADE DA ESCRITA: UM ESTUDO NO ENSINO FUNDAMENTAL – PUNCTUATION AND HETEROGENEOUS WAY OF WRITTING CONSTITUTION: ONE STUDY ON FUNDAMENTAL EDUCATION Rosana Aparecida ROGERI, Luciani Ester TENANI Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, UNESP - Campus de São José do Rio Preto. Rua Cristóvão Colombo, 2264, Jardim Nazareth. CEP 15054-000 rosanarogeri@gmail.com, lutenani@ibilce.unesp.br Resumo: Este trabalho trata da aquisição da escrita e tem por objetivo contribuir com os estudos que consideram a heterogeneidade constitutiva da escrita. Neste trabalho, analisamos como vírgulas e pontos são utilizados em textos de alunos do segundo ciclo do ensino fundamental. A metodologia de análise segue a proposta do paradigma indiciário feita por Ginzburg (1968). Neste artigo, apresentamos uma análise lingüística que discute (i) os usos dos sinais de pontuação dos textos no período inicial da aquisição da escrita; e (ii) como a pontuação pode trazer evidências do modo heterogêneo de constituição da escrita. Palavras chave: pontuação, heterogeneidade, aquisição da linguagem, letramento, prosódia. Abstract: This paper deals with writing acquisition period and its objective is to contribute for studies that consider the heterogeneous way of writing constitution. This work analyzes texts in which comma and period are used by students of 2nd Term of Fundamental Education (which corresponds to 4th to 9th grades in USA). The clue paradigm, as proposed by Ginzburg (1986), is used as methodological support. This paper presents some linguistics bases for dealing with (i) the uses of punctuation marks of a text on the beginning of writing acquisition language period; and (ii) how punctuation shows evidences of the heterogeneous way of writing constitution. Key words: punctuation, heterogeneity, writing acquisition, literacy, prosody. INTRODUÇÃO As pesquisas desenvolvidas sobre o período denominado de aquisição da escrita trazem em seu bojo, de forma mais ou menos explicita, diferentes concepções da escrita, como por exemplo, Cagliari (1992) Fereiro & Teberosky (1985) e Kato (1990), têm em comum uma concepção de autonomia – relativa ou não – entre fala e escrita ratificando a teoria da grande divisa que recentemente tem sido discutida e criticada de forma sistemática por pesquisadores ligados, mais particularmente, a pesquisas sobre questões de letramento, como Tfouni (1994), Soares (1998) e Kleiman (1995), bem como sobre o trabalho do sujeito com o texto escrito como Abaurre (1989), Correa (1997), Chacon (2003) e Capristano (2003)1 Considerando-se essas pesquisas, nota-se que o trabalho de Corrêa (1997) é importante por propor formas para a observação de um modo heterogêneo de constituição da escrita, o que torna verificável a simultaneidade das práticas sociais envolvidas no uso das modalidades oral e escrita da linguagem. 1 Membros do grupo de estudo (cnpq) “Estudos sobre a linguagem”, sediado na UNESP, campus de Marília, e coordenado pelo Prof. Dr. Lourenço Chacon, também desenvolvem pesquisas nessa perspectiva.
  • 2. Os trabalhos de Abaurre (1991), Chacon (2004) e Capristano (2003), investigam, entre outras questões, as segmentações não-convencionais da escrita infantil, ancorados numa perspectiva que concebe a escrita como uma forma de manifestação da linguagem e um lugar de enunciação do sujeito. Os trabalhos desenvolvidos dentro dessa perspectiva teórica que tratam dos usos dos sinais de pontuação na escrita de sujeitos em fase de escolarização são escassos. O trabalho de Comar (2004) analisa a aquisição da pontuação numa perspectiva da auto-organização2. Desse modo, pode-se afirmar que há carência de discussões propriamente lingüísticas acerca dos usos dos sinais de pontuação durante o processo de aquisição da escrita. Este trabalho busca contribuir com essa área de estudos fazendo uma análise lingüística dos usos de vírgulas e ponto. METODOLOGIA Acreditamos, junto com Abaurre et alii (1997:40), existir a necessidade de uma mudança na maneira de análise dos dados de aquisição da escrita, procurando deslocar “de um lugar mais ingênuo” como “questões de relação oralidade/escrita” para o lugar onde se poderia buscar explicações para essas pistas lingüísticas, ou seja, “a relação continuamente tensa e cambiante entre o sujeito e a linguagem”. Observando essa recomendação, optamos por um modelo teórico que leva em consideração todas as ocorrências, mesmo que sejam únicas. Para realizar a investigação a que nos propusemos neste trabalho, os indícios serão buscados com base em Corrêa (1997), que propõe três eixos para a observação de um modo heterogêneo de constituição da escrita.Esses eixos são locais privilegiados para a observação da escrita como constitutivamente heterogênea, são cortes metodológicos que nos possibilitam apreender as manifestações dessa heterogeneidade. Neste trabalho, esses eixos serão utilizados para tornar “visível” a heterogeneidade da escrita por meio da descrição dos usos dos sinais de pontuação. Ao utilizarmos o primeiro eixo de observação, entendemos, junto com Chacon (2003), que o sujeito escrevente, aproxima-se da oralidade, portanto da gênese da escrita, quando baseia sua forma de pontuar mais em aspectos prosódicos da linguagem oral que em regras próprias do sistema convencional de escrita. Utilizando para observação de nossos dados o segundo eixo, consideramos, também baseados em Chacon (2003), que o escrevente pode pontuar mais de acordo com o que acredita ser as regras próprias do código institucionalizado do que de acordo com a proximidade entre a oralidade e a escrita. Faz-se necessário explicitar os suportes teóricos que orientam as descrições dos dados em relação aos dois primeiros eixos de observação da heterogeneidade da escrita, visto não ser o mesmo suporte utilizado por Corrêa (1997). Para analisar o uso dos sinais de pontuação nos textos em relação com a
  • 3. suposta gênese da escrita, levamos em consideração as pistas que podem evidenciar uma percepção, por parte dos sujeitos, de constituintes numa hierarquia prosódica como definida por Nespor e Vogel (1986), arcabouço teórico que tem se mostrado válido para descrever dados de segmentação não-convencional e de uso de pontuação em trabalhos anteriores (CAPRISTANO, 2003 e COMAR, 2004). E, finalmente, utilizando-nos do terceiro eixo de observação – sendo essa uma das contribuições deste nosso trabalho – consideramos os momentos em que o sujeito escrevente utiliza-se de marcas gráficas indiciando uma atitude responsiva, ou seja, por meio do sinal gráfico, delimita porções de enunciado que “conversam” com o interlocutor, trazendo-o, dessa forma, para seu texto, o que, a nosso ver, caracteriza uma relação com o já falado/ouvido, ou já escrito/lido, considerando-se a imersão desses sujeitos em práticas de oralidade e letramento. Elegemos como material de análise 48 textos, produzidos por alunos do 2º ciclo do ensino fundamental (5ª a 8ª série). Procuramos, nestes textos, os “rastros” de individuação3 do sujeito inserido historicamente em práticas de uso da linguagem, quer oral, quer escrita. A análise das ocorrências procura explicar, mesmo que conjecturalmente, o que se torna relevante para o escrevente no momento da produção textual, no que diz respeito ao uso dos sinais de pontuação. Após a análise, as ocorrências foram listadas e agrupadas segundo dois critérios: i) série e; ii) eixo de observação. A classificação das ocorrências por eixo de observação, em cada uma das séries, visa caracterizar, com base em indícios (GINZBURG, 1989), um processo que não é linear nem tampouco fixo, o que nos obriga a lidar com dados que a todo momento refletem a imersão do sujeito em práticas de oralidade e de letramento. A análise das ocorrências procura explicar, mesmo que conjecturalmente, o que se torna relevante para o escrevente no momento da produção textual, no que diz respeito ao uso dos sinais de pontuação. A PONTUAÇÃO E A GÊNESE DA ESCRITA Inicialmente, procedemos a uma descrição sobre a utilização do sinal gráfico ponto (indicado por ".") e vírgula (indicado por ",")em relação aos constituintes prosódicos de enunciado fonológico (U) e de frase entoacional (I). O enunciado fonológico é definido como um constituinte delimitado pelas 2 Esse é um conceito da filosofia e apesar de o trabalho ser desenvolvido com profundas reflexões lingüísticas, como por exemplo o uso dos sinais de pontuação em relação aos constituintes prosódicos como proposto por Nespor e Vogel (1986), esse não é o foco da discussão. 3 Conceito de Veyne (1983), utilizado por Corrêa (2004) e mantido aqui com as observações desse segundo autor.
  • 4. ocorrências de pausas. Já a frase fonológica é definida como um constituinte cuja principal característica é dada pelo contorno entoacional.4 Analisando os dados obtemos a seguinte classificação. Distribuição dos usos do ponto pelo 1º Di st ri bui ção do s uso s da ví gul a no 1º eixo de observação ei xo de o bservação 89% U 52% U I I 41% 7% ø 11% Ao apresentar esses gráficos, nosso objetivo é demonstrar que a maioria dos usos de ponto, cerca de 89%, está relacionada a finais de U e apenas 11% a final de I.Salienta-se que a proporção entre os usos convencionais e não-convencionais do ponto é praticamente a mesma verificada entre os usos que correspondem à fronteira de U e à fronteira de I (87,5% de sinais utilizados convencionalmente e 12,5% de sinais utilizados não-convencionalmente). Esses números podem revelar que o constituinte prosódico que, de forma não-isomófica, poderia em alguma medida corresponder ao uso do sinal gráfico ponto na escrita seria o U. Verificamos também que os usos da vírgula que coincidem com as possíveis fronteiras dos constituintes U e I diferem entre si em apenas 11%, o que nos leva a concluir que as fronteiras desses dois constituintes são percebidas como relevantes para o escrevente ao utilizar a vírgula como marca de pontuação. Cumpre-nos salientar, ainda, que a maioria dos casos de uso convencional de vírgula está relacionada à percepção de limite de constituinte I. A maioria dos casos em que ponto foi utilizado em final de I é formada de casos de uso não convencional como no exemplo abaixo. Ocorrência 1 Em (1), verificamos a ocorrência de ponto em final de I, pois “Mas tem uma coisa que eu não gosto” pode ser pronunciado com uma curva entoacional característica de um contorno suspensivo, porém essa 4 Cf. Tenani (2002) para uma caracterização mais detalhada desses constituintes prosódicos em Português Brasileiro.
  • 5. frase fica incompleta sintaticamente, exigindo o complemento “briga” e, assim, após esse termo da oração o ponto poderia ser empregado convencionalmente. O sinal convencional que poderia ser utilizado no lugar de ponto seriam os dois pontos, pois indica esse contorno entoacional suspensivo que sinaliza a falta do complemento sintático. Uma outra possibilidade de interpretação é tomar essa ocorrência como indicativo também de uma quebra do constituinte prosódico I, pois existe a quebra de uma relação transitiva, e dado o algoritmo de formação desse constituinte a inserção de uma pausa nesse local poderia ser caracterizada como uma quebra de constituinte (cf. COMAR, 2004). Em nossa análise, no entanto, esses casos foram considerados como indícios de construção de uma curva entoacional, o que caracterizaria o constituinte prosódico I., porém essa segunda possibilidade de análise não foi descartada. Essa ocorrência assim como outras analisadas revelam que o escrevente pode no momento da sua escrita estar se guiando pela percepção do final de um constituinte prosódico que necessita ser marcado graficamente, e ele procede a uma marcação utilizando-se dos sinais gráficos que conhece e que julga adequado para aquele momento. Outro fator interessante sobre a ocorrência acima é o fato de o autor utilizar a inicial maiúscula após o uso de ponto: as duas palavras a preposição “De” e o substantivo “Briga” são grafadas em maiúscula. Esse uso das maiúsculas indicia que o escrevente “assinala a pausa máxima da voz depois de um grupo fônico de final descendente” (CUNHA & CINTRA, 1985:632). Assim, após uma pausa, o enunciado se iniciaria com mais força e possivelmente a informação grafada após essa pausa também teria mais força prosódica e/ou semântica, o que motivaria o escrevente grafar as palavras com inicial maiúscula. Nessa análise, o ponto pode estar indicando graficamente uma pausa, ou seja, uma característica da oralidade o que indica o trânsito do sujeito por práticas orais e letradas na sua enunciação escrita Ocorrência 02 Nota-se nesse uso não convencional de vírgulas resquícios do que poderia se constituir em uma enumeração de vários elementos, porém essa enumeração constitui-se de apenas dois elementos e a convenção prescreve que nesses casos deve-se utilizar a conjunção “e”. Nota-se que o autor não deixa de empregar a conjunção, juntamente com o sinal gráfico, o que pode demonstrar que vários fatores co- ocorrem no modo de enunciação escrito: Um pode ser a percepção de um limite de constituinte prosódico, nesse caso I, outro a percepção de uma regra sintática que prescreve que quando coordenamos dois elementos devemos utilizar a conjunção “e” para estabelecer ligação. Nesse caso não
  • 6. houve uma maior predominância, pois o sujeito utilizou concomitantemente os dois recursos. Salientamos o fato de esse recurso ser utilizado estilisticamente pelos escritores modernos como José Saramago, por exemplo, o que nos coloca no limite da convenção e nos faz questionar a própria noção de convenção, o que seria convencional para a escrita escolar parece não ser o mesmo que para os escritores. O trato com a linguagem escrita na escola parece concebê-la como algo estático. As ocorrências de vírgulas também podem ser interpretadas como motivadas pela percepção do constituinte de frase entoacional (aqui indicado por ∅). Esse constituinte prosódico é formado a partir da relação entre as palavras que se estabelece dentro do sintagma (seja essa relação sintática definida como sendo sintagma nominal ou sintagma verbal). Essas ocorrências estão predominantemente relacionadas aos casos denominados na literatura de quebra de constituinte prosódico, como poderia ser vista o uso não convencional de vírgula em ‘na, cidade’ e ‘minha, vó’, abaixo. Ocorrência 3 Ocorrência 4 Na ocorrência (3), se interpretada a vírgula como marca de uma fronteira de constituinte, pode-se dizer que houve uma quebra do constituinte prosódico de frase fonológica ‘na, cidade’ e também uma quebra sintática do sintagma nominal ‘na cidade’. Alternativamente a identificação de uma ruptura, uma explicação para tal ocorrência pode estar na percepção de um constituinte menor, como o clítico ‘na’; ou ainda pode revelar uma tentativa de congelamento do gesto expressivo próprio do oral no texto escrito, ou seja, essa vírgula estaria representando uma tentativa de enfatizar a informação que, para o escrevente, seria a mais importante “cidade Diamante do Norte”, lugar onde nasceu. Destacamos que a possibilidade de várias hipóteses explicativas poderem ser formuladas é reveladora da co-ocorrência de vários fatores ligados às práticas sociais do uso da linguagem no momento da produção escrita. Na ocorrência (4), nota-se esse uso não-convencional da vírgula resquícios do que poderia se constituir numa enumeração de vários elementos, a saber: “[uma] casa minha, [a] vó em outra e meus tios na outra”. Considerada uma possível estrutura sintática, que também se delimita em três frases fonológicas, já não se pode classificar a ocorrência dessa vírgula apenas como exemplo de ruptura do
  • 7. constituinte da frase fonológica ‘minha, vó’ , pois esse pode não ser o constituinte que subjaz ao emprego da vírgula entre ‘minha’ e ‘ vó’ . O uso da vírgula como o apresentado mostra que vários fatores co-ocorrem no modo de enunciação escrito: um pode ser a percepção de um limite de constituinte prosódico, nesse caso a frase fonológica, outro a percepção de uma estrutura sintática de enumeração de elementos. No caso analisado, o sujeito pode ter se utilizado concomitantemente dos dois recursos. A PONTUAÇÃO E A ESCRITA ENQUANTO CÓDIGO INSTITUCIONALIZADO Observando a pontuação em relação à escrita como código institucionalizado, agrupamos nesse eixo de observação todas as ocorrências que se enquadram nas regras normativas previstas pela a Gramática Tradicional de uso da pontuação, sendo assim, os gráficos abaixo apresentam a dicotomia convencional versus não-convencional para o uso do ponto e da vírgula. Distribuição das ocorrências de ponto Distribuição das ocorrências de segundo critério convencionalidade vírgula segundo critério (%) convencionalidade (%) não conv. não conv. convencional convencional 5ª 6ª 7ª 8ª 5ª 7ª série série série série série série Analisando o gráfico sobre as ocorrências do ponto, observamos que os usos convencionais são a maioria as ocorrências de ponto. O ponto é o sinal que é mais convencionalmente utilizado, porém a vírgula é o sinal cujos usos convencionais e não convencionais diferem por um pequeno percentual, como demonstramos com o gráfico sobre as ocorrências da vírgula. Percebe-se que esses sinais são os mais utilizados pelos alunos, pois aparecem em quase todas as produções textuais analisadas. Esse segundo eixo de observação não trata apenas dos usos convencionais e não convencionais dos sinais, mas das tentativas de alçamento à escrita formal que o escrevente julga privilegiada pela escola. Exemplificamos essa representação de convencionalidade pela ocorrência abaixo: Ocorrência 5
  • 8. Observa-se em (5) uma tentativa de alçamento às normas de pontuação ao pontuar o título da redação. Essa prática não é usual nos textos escritos e o fato de não pontuar, segundo Luft (1997: 168): “É mais simples, e mais estético”. Porém a norma de pontuar títulos e cabeçalho é prescrita pelo PVOLP (Pequeno vocabulário de ortografia da Língua Portuguesa). Não entraremos no mérito do conhecimento ou não, por parte do escrevente, dessa norma, porém o fato de ele utilizar o sinal de ponto no título de seu texto, revela uma tentativa de se alçar à escrita formal, privilegiada pela escola, pois o uso dos sinais de pontuação constitui um imaginário sobre o que seria o “bem escrever”. Os casos em que a vírgula foi utilizada no lugar que convencionalmente seria ponto foram também considerados uma tentativa de alçamento à escrita formal, pois a capacidade de produzir enunciados com períodos longos também se caracterizaria um imaginário sobre a “boa escrita”. É necessário salientar, ainda, que o ponto é ensinado na escola com o nome de ponto-final, fato que o coloca como um sinal a ser utilizado no final dos enunciados. Pode ser esse o fato de muitos alunos não utilizarem esse sinal no interior de parágrafos e substituí-lo por vírgula. Como observamos na ocorrência (6), o sujeito escrevente inicia um novo tópico após a vírgula, porém sente a necessidade de não iniciar um novo parágrafo, utiliza, portanto, a vírgula que pode ser interpretada como uma pausa no fluxo discursivo. Ocorrência 6 Outro fator interessante que observamos nos dados é um tipo de uso dos sinais que chamamos semântico. Observamos que o escrevente separa enunciados que são semanticamente parecidos, mas é percebida uma necessidade de marcar a separação de forma diferente. As ocorrências (7) e (8) exemplificam esse critério. O escrevente separa pelo uso do ponto os dias da semana, em outros contextos caberia o uso do ponto, mas esse sinal não é utilizado, sendo substituído por vírgula, ou por zero. Ocorrência 7
  • 9. Ocorrência 8 A ESCRITA E O JÁ FALADO/ESCRITO Agrupamos sob esse eixo de observação as ocorrências que poderiam caracterizar uma atitude responsiva por parte do escrevente. Alguns textos são iniciados por marcadores discursivos que aludem à atitude de quem responde uma questão. Esse fato aponta para a situação de produção desses enunciados. O escrevente parece deixar claro que entende qual é o seu papel – o de responder às exigências de uma instituição – e, ao iniciar seu texto como se fosse uma resposta, faz referência ao já falado/escrito dentro da instituição escolar. Como podemos observar na em (9), o escrevente inicia seu texto como se respondesse a uma indagação e separa essa porção do enunciado por meio da vírgula, que foi utilizada de maneira convencional. Esse procedimento é utilizado também com o ponto em diferentes porções dos textos. Em (10), verificamos que o parágrafo iniciado após o uso do ponto é endereçado a um interlocutor difuso, porém é também uma resposta à instituição que propõe a produção do texto: “Eu não lembro mais da minha vida”, ou seja, já cumpri minha obrigação. Ocorrência 9 Ocorrências 10 CONCLUSÃO Nossas palavras finais pretendem ser iniciais, pois consideramos essa análise um lugar de “ancoragem”, “um porto provisório” a que chegamos ao final de nossa pesquisa de Iniciação Científica. Nosso trabalho procurou mostrar que a escrita tem uma constituição heterogênea, por meio da análise de alguns modos de tornar “visível’ essa heterogeneidade. Salientamos que a metodologia adotada procura desvendar indícios do processo de produção, por meio da análise do produto. Assumindo todos os riscos decorrentes dessa abordagem, consideramos que o produto é um índice do processo, o que nos faz crer na validade de sua análise, com base na metodologia do paradigma indiciário.
  • 10. A linguagem é essencialmente dialógica e como a escrita é uma das maneiras de manifestação da linguagem, a modalidade escrita também é essencialmente dialógica. A complexidade de constituição da escrita vem sendo ignorada por muitos estudos que a consideram apenas como um produto acabado ou como uma representação de outro. Particularmente para a escolarização, uma mudança na forma de análise da escrita pode se constituir em uma resposta a uma demanda social,5 pois o ensino da escrita deixa de ser visto como o ensino de uma técnica e passar a ser percebido em toda sua complexidade, principalmente levando-se em consideração a relação existente entre o sujeito que aprende e o objeto de sua aprendizagem, relação essa essencialmente dialógica como a linguagem. No conjunto de pesquisas que pretendem, de alguma forma, responder a essa demanda social em relação ao trabalho com a linguagem, principalmente em contexto escolar, esta pretende contribuir para explicitar, mesmo que parcialmente, ou para propor questões propriamente lingüísticas sobre a heterogeneidade constitutiva da linguagem, principalmente, em sua modalidade escrita. Ao considerarmos que os eixos de representação da heterogeneidade da escrita dialogam entre si, observamos que apenas metodologicamente é possível essa separação. Esse trabalho inova arriscando-se em propor a consideração de aspectos de segmentação, em nosso caso por meio do uso dos sinais de pontuação – vírgula e ponto – em relação ao terceiro eixo de observação da heterogeneidade da escrita, visto que os trabalhos anteriores (CAPRISTANO, 2003 e CHACON, 2003) analisam a segmentação em relação aos dois primeiros eixos de observação somente. Cada um desses lugares de observação suscita questões lingüísticas que podem, em alguma medida, corresponder a indagações teóricas cujas investigações contribuiriam para a melhor compreensão da linguagem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABAURRE, M. B. M. Oral and written text: beyond the descriptive illusion of similarities and differences, 1989. BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: ___. Estética da criação verbal. São Paulo: Matins Fontes, 1992. CAGLIARI, L. C. Alfabetização e Lingüística.São Paulo: Scipione, 1992. CHACON, L. A pontuação e a indiciação de características da dimensão fônica da linguagem. Estudos lingüísticos – Anais do XLIV Seminário do GEL. Campinas, v. 26,p. 455-460, 1997. _____. Oralidade e letramento na construção da pontuação. Texto apresentado no V Encontro do CELSUL, 2003. CORREA, M. L. G. O modo heterogêneo de constituição da escrita. Campinas: 1997, Tese (Doutorado em Lingüística). Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985. GINZBURG, C. Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. KATO, M. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística. São Paulo: Ática, 1995. KLEIMAN, A. (Org.) Os significados do letramento. Campinas: Mercado de letras, 1995. SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998. TFOUNI, L. V. Perspectivas históricas e a-históricas do letramento. Caderno de Estudos Lingüísticos. Campinal, v. 26, p. 49-62, jan./jun. 1994. NESPOR, M.; VOGEL, I. Prosodic phonology. Dordrechet: Foris Publications, 1986. 5 Consideramos demanda social a precariedade do ensino de língua materna no Brasil, que carece de investimento, tanto em pesquisas como em formação básica do professor.
  • 11. ____________________________________________ Rosana Aparecida Rogeri ____________________________________________ Luciani Ester Tenani