2. A vida prepara-se pela vida
O velho pastor fazia um sermão:
Não deves manter no estábulo, durante tanto tempo, os
teus dois cabritinhos, habituados somente a dormir no
quente do curral, comer na manjedoura e a seguir a
mãe, balindo, logo que se julgam perdidos por trás de
uma moita…
Verás, quando os juntares ao rebanho, que nem sequer
serão capazes de acompanhar os outros: deixar-se-ão
morder pelos cães, partirão uma pata num monte de
pedras ou perder-se-ão nas barreiras…
A vida prepara-se pela vida.
3. Se receias que o teu filho quebre a cabeça, rasgue o bibe, suje as
mãos, corra o risco de cair ou de se afogar, encerra-o na tua
confortável sala de jantar, ou leva-o pela trela ao saíres, a fim de não
se juntar aos bandos de crianças que, na rua, nos jardins, pelos
pomares e pelas matas, fazem intrepidamente as suas experiências
elementares.
4. Coloca, à volta da sua actividade particular, uma série de barreiras
que, semelhantes às varas do estábulo, impedem o teu homenzinho
de desenvolver os músculos e os sentidos. Escolhe atentamente os
discursos que lhe destinas e os livros que lhe darão a imagem sempre
falsa, pois é só a imagem da vida que o chama imperiosamente.
5. E fica insensível aos olhares de desejo que lança para as actividades
proibidas, como os cabritos, cabeça entre as barras, lançam o olhar e
os sentidos para a natureza que os atrai.
6. Escolhe para ele uma escola bem conformista, onde não manejará
martelos nem provetas, onde não comporá os caracteres
tipográficos…
7. Onde não se sujará com o rolo da tinta, onde não se magoará com a
goiva que escorrega desastradamente no linóleo…
8. onde não sujará os sapatos na lama dos caminhos ou na terra do
jardim.
9. E depois admiras-te se o teu filho for desastrado de mãos, hesitante nas
brincadeiras ou nos trabalhos, inquieto e tímido perante as exigências do
esforço, desequilibrado num mundo onde já não basta saber ler e escrever,
mas é preciso aprender com decisão e heroísmo…