A tentativa de usar uma análise linguística da palavra "kecharitomene" para dar primazia à figura de Maria é equivocada. Embora a palavra seja um hibridismo, isso não significa que Lucas queria mostrar algo extraordinário nela. O autor expõe de forma detalhada a estrutura morfológica da palavra para mostrar que o prefixo e sufixo não transmitem o sentido de "cheia de graça", mas sim de "agraciada". A visão católica sobre o termo é apenas uma tentativa de legitimar suas doutrinas e não
1. Expondo a Irregularidade do Termo "κεχαριτωμενη" (kecharitomene) de Lucas 1:48 na
Visão Católico Romana.
Alegação 1: O TERMO (CHARITOÓ) É IMPRECISO, POR ISSO, O EVANGELISTA
UTILIZA UM HIBRIDISMO (κε+χαριτω+μενη), PARA QUE TODOS
ENTENDESSEM A DIMENSÃO EXTRAORDINÁRIA DA GRAÇA DE DEUS EM
MARIA). κεχαριτωμενη, que é uma palavra composta morfologicamente em
DERIVAÇÃO PARASSINTÉTICA HÍBRIDA. Parassintetismo é uma palavra que
possui, ao mesmo tempo, um prefixo (ke) e um sufixo (mene) circundando em seu radical
(núcleo - charitoó), sendo estes dois acréscimos, necessários para demonstração do
tempo, intensidade e a potência. Isso era muito comum no koiné, dada a influência do
semitismo linguístico. Esta palavra, assim, possui prefixo – “ke”; radical ou raiz –
charitoó; e o sufixo - mene. Daí já se percebe, que o hagiógrafo São Lucas, teve o claro
cuidado e zelo em especificar uma diferenciada, diferida e especialíssima na condição da
Graça em torno da Santíssima.
Resposta: A tentativa frustrada de subterfugir um termo para dar primazia exacerbada a
pessoa de Maria é impressionante. Embora a palavra possua um hibridismo, isso não
significa que Lucas queria mostrar algo extraordinário na pessoa de Maria. Hibridismo é
tão-somente uma palavra resultante da mistura dos vocabulários de duas ou mais línguas
ou da interpenetração de sintaxes provenientes de línguas distintas. A parassíntese é
apenas um processo de criação de palavras que consiste na adjunção simultânea de
prefixos e sufixos a um radical. Por falar nisso a análise sintática apresentada nessa
alegação está totalmente errada:
Há uma subdivisão na Gramática chamada Morfologia (estudo da forma). É o estudo da
estrutura, da raiz, tema, desinência, formação das palavras, prefixos, sufixos, radicais, etc.
A palavra "κεχαριτωμενη" (kecharitomene), tem como base o substantivo “χαριτοω”
(charitoo) termo que significa:
1) tornar gracioso 1a) encantador, amável, agradável 2) favorecer muito, mostrar grande
generosidade 3) honrar com bênçãos. (Dicionário Bíblico Strong – Lexico Hebraico,
Aramacio e Grego – Verbete 5487)
Esse substantivo é formado pelo elemento raiz “χαρ” (char). A raiz é o elemento simples
que indica o sentido geral numa série de palavras. Assim a raiz “χαρ” (char) dá origem
ao termo “χαρις” (charis) que significa:
1) graça; 1a) aquilo que dá alegria, deleite, prazer, doçura, charme, amabilidade: graça de
discurso; 2) boa vontade, amável bondade, favor; 2a) da bondade misericordiosa pela qual
Deus, exercendo sua santa influência sobre as almas, volta-as para Cristo, guardando,
fortalecendo, fazendo com que cresçam na fé cristã, conhecimento, afeição, e desperta-as
ao exercício das virtudes cristãs; 3) o que é devido à graça; 3a) a condição espiritual de
alguém governado pelo poder da graça divina; 3b) sinal ou prova da graça, benefício;
3b1) presente da graça; 3b2) privilégio, generosidade; 4) gratidão, (por privilégios,
serviços, favores), recompensa, prêmio (Dicionário Bíblico Strong – Lexico Hebraico,
Aramaico e Grego – Verbete 5485)
2. Há o tema desta palavra. Tema é a parte mais ou menos invariável da palavra separada da
desinência, que exprime uma modalidade da ideia fundamental. Pode ser a própria raiz,
ou esta ligada a vários afixos. Vejamos: a palavra “χαρις” (charis) tem como raiz “χαρ”
(char); e, o tema “χαρι” (chari)
Temos também a desinência que é constituída por sufixos que se colocam no fim das
palavras variáveis, para indicar o caso e o número nas declinações, e o número de pessoas
nos verbos. Vejamos: raiz “χαρ” (char); tema “χαρι” (chari); desinência “ς” (s). A
desinência não é uma terminação. Terminação é um termo móvel no fim da palavra. É o
caso de "μενη" (méne) em "κεχαριτωμενη" (kecharitomene)
A palavra "χαριτοω” (charitoo) possui uma declinação. Um sufixo final no “ω” (ômega
[o]), denotando que ela é um objeto direto dativo singular. Deve-se traduzi-la da seguinte
forma: “a graça”.
Agora iremos analisar a alegação do hibridismo. Podemos encontrar mais palavras com
o prefixo κε + χαριτω (χαρι), e verificar que isso não tem nada a ver com que esse sofisma
católico ensina. Só em 2 Coríntios 2:10, temos uma palavra (usada duas vezes) que
exemplificam muito bem isso: Κεχάρισμαι (kecharismai).
Vejamos: ᾧ δέ τι χαρίζεσθε, κἀγώ· καὶ γὰρ ἐγὼ ὃ κεχάρισμαι, εἴ τι κεχάρισμαι, δι᾽ ὑμᾶς
ἐν προσώπῳ χριστοῦ, (2 Coríntios 2:10 [http://www.bibliacatolica.com.br/septuaginta/ii-
corintios/2/])
Vejamos a tradução: “A quem vós perdoais, também eu perdoo (κεχάρισμαι). Com efeito,
o que perdoei - se alguma coisa tenho perdoado (κεχάρισμαι) - foi por amor de vós, sob
o olhar de Cristo.” (2 Coríntios 2:10 [http://www.bibliacatolica.com.br/septuaginta/ii-
corintios/2/])
Podemos notar que, na primeira ocorrência a Bíblia Ave Maria traduziu como “perdoo”,
já na segunda “tenho perdoado”. “Perdoo” está na 1ª pessoa do singular do Presente do
Indicativo. Já “perdoado” está no particípio.
Literalmente o hibridismo κε + χαριτω (χαρι) forma os termos: “tem/tenho agraciado”,
“tem/tenho perdoado”, “tem/tenho favorecido”, “tem/tenho concedido”, etc. Nunca:
“cheio de”, “”repleto de” ou “pleno de”. Exemplos:
“λέγων, μὴ φοβοῦ, παῦλε· καίσαρί σε δεῖ παραστῆναι, καὶ ἰδοὺ κεχάρισταί σοι ὁ θεὸς
πάντας τοὺς πλέοντας μετὰ σοῦ.” (Atos 27:24
[http://www.bibliacatolica.com.br/septuaginta/atos-dos-apostolos/27/])
“Não temas, Paulo. É necessário que compareças diante de César. Deus deu-te
(κεχάρισταί) todos os que navegam contigo.” (Atos 27:24
[http://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/atos-dos-apostolos/27/])
Por sinal a tradução do termo κεχάρισταί (kecharistaí) pela Bíblia Ave Maria é um pouco
improfícua. Ela o traduz como “deu-te”. Uma melhor tradução seria: “Deus tem dado”,
“tem concedido” Mesmo assim podemos perceber que o verbo “deu” significa: “cedeu”;
“concedeu”; “dadivou”; “doou”; “facultou”; “obsequiou”; “ofereceu”; “ofertou”;
“outorgou”; “presenteou”, etc. São atos que exige um sujeito ativo (DEUS) e um receptor
passivo (Paulo), significando que o Senhor deixaria o apóstolos responsável pela vida
3. daqueles homens que estavam no barco indo a Roma. Não era Paulo que por si mesmo os
salvou ou os possuía.
Vejamos um exemplo da mesma palavra κεχάρισταί (kecharistaí):
“εἰ γὰρ ἐκ νόμου ἡ κληρονομία, οὐκέτι ἐξ ἐπαγγελίας· τῶ δὲ ἀβραὰμ δι᾽ ἐπαγγελίας
κεχάρισται ὁ θεός.” (Gálatas 3:18
[http://www.bibliacatolica.com.br/septuaginta/galatas/3/])
“Porque, se a herança se obtivesse pela lei, já não proviria da promessa. Ora, pela
promessa é que Deus DEU O SEU FAVOR (κεχάρισται) a Abraão.” (Gálatas 3:18
[http://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/galatas/3/])
Aqui se confirma claramente o que eu disse. O hibridismo κε + χαριτω (χαρι) foi traduzido
por: “DEU O SEU FAVOR.”
O catolicismo usa arbitrariamente o termo para dar o significado que lhe convém. A
palavra "κεχαριτωμενη" (kecharitomené), nada mais significa que DEUS tinha agraciado,
favorecido, concedido um favor, uma dádiva, uma graça a mãe do Salvador. Tudo que
passar disso é apenas tendência de uma religião que costuma desenvolver grandes
conceitos filológicos fundidos com uma maquiagem filosófica na tentativa de legitimar
sofismas.
Em Cristo.
Rômulo Lima
(Acadêmico em Teologia e Apologética Aplicada)