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ESTUDOS ANTROPOLÓGICOS E POLÍTICOS
Agostinho Carlos de Oliveira
Diretora Geral
Débora Cristina Brattas Andrade Guerra
Diretor Acadêmico
Gustavo Hoffmann Leão Coelho
Vice Diretora Acadêmica
Samira Maria Araújo
Todos os direitos em relação ao design deste material didático são reservados à FACEB.
Todos os direitos quanto ao conteúdo deste material didático são reservados ao autor.
Todos os direitos de Copyright deste material didático são reservados à FACEB
OLIVEIRA, Agostinho Carlos
Estudos Antropológicos e Políticos. 1ª
ed. Bom
Despacho; FACEB – Cursos de graduação. 184p.
Bibliografia
Estudos Antropológicos e Políticos
Estudos Antropológicos e Políticos
HUMANIDADES II
UNIDADE I – O SER HUMANO, UM SER CULTURAL I	 10
Módulo 01 – Introdução ao estudo da antropologia cultural	 10
Módulo 02 – Cultura, um fenômeno antropológico	 17
Módulo 03 – Outros conceitos antropológicos	 28
Módulo 04 – Teorias da Cultura	 37
Resumo da Unidade	 46
UNIDADE 2 – O SER HUMANO, UM SER CULTURAL II	 47
Módulo 05 – Cultura, um conceito antropológico	 47
Módulo 06 – A cultura brasileira	 56
Módulo 07 – As culturas negras no Brasil	 67
Módulo 08 – O indígena brasileiro	 77
Resumo da Unidade	 88
UNIDADE 03 – O SER HUMANO, UM SER ÉTICO	 90
Módulo 09 – Ética I – A existência ética		 90
Módulo 10 – Ética II – A filosofia moral	 98
Módulo 11 – A liberdade	 112
Módulo 12 – A vida política		 121
Resumo da Unidade	 131
UNIDADE 04 – O SER HUMANO, UM SER POLÍTICO	132
Módulo 13 – As filosofias políticas antigas e medievais	132
Módulo 14 – As filosofias políticas modernas	143
Módulo 15 – As teorias socialistas e a questão democrática	 153
Módulo 16 – Democracia, Direitos Humanos e meio ambiente	 167
Resumo da Unidade	 181
Referências bibliográficas	 182
Estudos Antropológicos e Políticos
 
Estudos Antropológicos e Políticos
9
10
Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos
Ementa:
O fenômeno humano estudado a partir da questão ética: os valores, a consciência e a
liberdade. O fenômeno e o conceito de cultura: natureza, estrutura e finalidade da cultura;
como a cultura opera; etnocentrismo, relativismo cultural e interculturalismo; formação e
desenvolvimento da cultura brasileira, destacando-se a contribuição das culturas negras
e indígenas. O fenômeno e o conceito de poder, na filosofia e na ciência política: desde a
polissemia do termo, passando pela discussão sobre sua origem e finalidade; as filosofias
políticas, o significado do Estado, e a reflexão sobre a ideologia e a questão da democracia
com seus desafios no âmbito da sociedade brasileira face à questão dos direitos humanos
e da questão ambiental.
 
11
Unidade1
Estudos Antropológicos e Políticos
UNIDADE I – O SER HUMANO, UM SER CULTURAL I
	 Nesta unidade, a título de introdução, estudar-se-á, primeiramente, a antropologia
cultural como ciência, procurando contextualizar sua origem, definir o seu objeto de
estudo, mapeando sua evolução epistemológica. Depois, far-se-á uma análise da cultura
como fenômeno e conceito antropológico, ou seja, uma manifestação da própria essência
do ser humano. Em seguida, retomando brevemente o conceito principal da antropologia
cultural, contemplar-se-á alguns outros conceitos correlatos ao conceito de cultura, tal
como subcultura, aculturação, etnocentrismo, relativismo cultural e interculturalismo. Por
fim, abrir-se-á espaço para o estudo das teorias sobre cultura, passo importante para
compreensão mais profunda da cultura como aspecto essencial do ser humano.
Módulo 01 – Introdução ao estudo da antropologia cultural
	 Nós vivemos em uma sociedade pertencente à chamada civilização ocidental
marcada pela presença da religião cristã, baseada na revelação; uma civilização cujos
elementos culturais fundantes remontam à antiguidade grega e romana. Assim, temos
e cultivamos a instituição da família monogâmica, baseada na norma segundo a qual o
homem ou a mulher só podem ter um único cônjuge ao qual se deve fidelidade e respeito.
	 Apesar de ser esta uma norma sagrada, ou seja, estruturante de nossa sociedade,
na prática, não é raro encontrar pessoas, mais frequentemente homens, que ousam
assumir a poligamia, mantendo, então, ao mesmo tempo, vínculo conjugal com mais de
uma mulher.
	 Esta situação não é uma situação confortável para quem ousa assumi-la.
Geralmente, por se tratar de uma afronta a uma norma socioantropologicamente
considerada sagrada, a pessoa que assume aquele comportamento, vive em conflito não
apenas com sua consciência, mas também com outras pessoas, variando a intensidade
do mesmo conforme seja a personalidade dos atores, mais ou menos socioculturalmente
integrada, ou conforme a proximidade com as outras pessoas.
	 Entretanto, graças a antropologia cultural, sabemos que há vários povos
12
Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos
pertencentes à chamada civilização oriental, marcada pela presença de várias religiões
baseadas na iluminação, uma civilização cujos elementos culturais fundantes são
diferentes daqueles da civilização greco-romana. A instituição da família monogâmica
é estranha para vários povos do oriente. Há entre eles aqueles que cultivam a família
poligâmica ou poliândrica, baseada na norma segundo a qual a pessoa pode ter tantos
cônjuges quantos puder assistir de forma digna, ou seja, o homem ou a mulher mantêm
o vínculo conjugal com tantas mulheres ou homens que lhes for possível; sem falar dos
povos que adotam o casamento grupal, sendo os filhos, filhos da comunidade.
	 Nesta mesma perspectiva, tratando do comportamento sexual dos povos, o que
dizer dos esquimós que vivem na região do polo norte que possuem o costume de, assim
como nós oferecemos um cafezinho quentinho para o amigo que nos visita, manifestando
simpatia e cortezia, oferecem suas esposas àqueles que os visitam?
	 Então, considerando que do ponto de vista físico-biológico é o mesmo ser humano
que vive no ocidente e no oriente, como considerar esses diferentes comportamentos
referentes ao relacionamento afetivo-sexual? Poder-se-ia dizer que um comportamento
é certo e outro é errado? Como você os avalia? Será que a antropologia cultural fornece
luzes para se compreender a diversidade cultural da humanidade?
O objeto de estudo da antropologia
	 Desde que o homem é homem, há quem se interrogue sobre o ser humano e
elabore um discurso artístico, teológico ou filosófico sobre o homem, entretanto, uma
ciência, no sentido moderno, do ser humano é bastante recente, data dos fins do século
XVIII e inícios do século XIX na Europa.
	 A antropologia como ciência afirmar-se-ia mesmo apenas na segunda metade
do século XIX. A metodologia científica de então exige uma radical dualidade entre o
observador e o observado, ou seja, uma separação clara entre sujeito observante e objeto
observado tal como havia na física ou na biologia.
	 Na antropologia aquele distanciamento exigido entre sujeito e objeto só poderia
13
Unidade1
Estudos Antropológicos e Políticos
ser alcançado com um efetivo distanciamento geográfico, de tal modo que os primeiros
antropólogos tomaram as sociedades longínguas, de dimensões restritas e com poucos
contatos com os vizinhos como objeto de estudo. Sociedades simples e bastante
diferentes se comparadas à complexidade de nossas sociedades.
	 Estabelecido que o objeto da antropologia era o estudo das populações não
pertencentes à civilização ocidental, quando a antropologia, no início do século XX, define
os seus próprios métodos de pesquisa, descobre-se que o seu objeto, as sociedades
primitivas, por força da evolução social, está desaparecendo; uma circunstância crítica
que permite indagar se seria o fim da antropologia como ciência, já que seu objeto tendia
ao desaparecimento.
	 Eis que surgem três caminhos face àquela crise: primeiro, aceita-se a morte da
antropologia migrando-se seus estudiosos para outras ciências humanas, particularmente
para a sociologia; segundo, busca-se um novo objeto para a antropologia, mudando-se
o foco do “selvagem” em extinsão para o “camponês”, ainda largamente encontrado,
adotando-se o distanciamento socio-cultural interno ao invés da distancia geográfica das
sociedades primitivas; por fim, o caminho mais promissor: a antropologia não depende
de um espaço geográfico ou cultural mas consiste em um certo olhar sobre o homem
inteiro em todas as sociedades de todos os tempos.
O estudo do homem inteiro
	 Marconi (2001), concebendo a Antropologia como a ciência da humanidade e da
cultura, dilata seu campo de investigação a toda a terra habitada e a, pelo menos, dois
milhões de anos, bem como a todas as sociedades organizadas, dividindo seu campo de
estudo em Antropologia Física e Antropologia Cultural, subdividindo estes dois campos
de modo a abranger os diversos aspectos do ser humano.
	 Laplantine (2000) afirma que só é antropológica uma abordagem integrativa
das múltiplas dimensões do ser humano. Para ele relacionar campos de investigação
frequentemente separados, sempre visando o ponto de vista da totalidade, é uma das
14
Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos
maiores vocações da antropologia.
	 Em razão da vastidão do campo de investigação da antropologia bem como da
impossibilidade de um pesquisador dominá-lo integralmente, surge a necessidade de
dividi-lo para depois integrar os saberes produzidos. Segundo Laplantine são cinco áreas
principais de estudo: antropologia biológica; antropologia pré-histórica; antropologia
linguística; antropologia psicológica e antropologia social e cultural.
	 A antropologia biológica também chamada de antropologia física estuda as
características biológicas do ser humano no espaço e no tempo, sempre atenta à interação
da genética com o meio geográfico, ecológico e socio-cultural, procurando descobrir as
influências recíprocas daqueles campos, mapeando o que diz respeito ao inato, isto é,
aquilo que é natural, e mapeando o que se refere ao adquiro, ou seja, aquilo que é cultural.
	 A antropologia pré-histórica estuda o ser humano e as sociedades desaparecidas,
suas técnicas, organizações sociais e produções artístico-culturais através de vestígios
materiais enterrados no solo (sítios arqueológicos).
	 A antropologia psicológica estuda os processos e o funcionamento do psiquismo
humano. Trata-se, segundo Laplantine, de um campo importante da antropologia pois
todos os saberes sobre a totalidade humana visada pela antropologia passam, em razão
de sua metodologia, pelo confronto com os comportamentos conscientes e inconscientes
dos seres humanos individuais.
	 A antropologia social e cultural também conhecida como etnologia (estudo da
cultura) possui uma considerável abrangência pois estuda tudo o que constitui uma
sociedade: modos de produção econômica; técnicas; organização politico-jurídica;
sistemas de parentesco, de conhecimento, de crenças religiosas, lingua, psicologia e
artes em geral.
	 Deste modo, sem se esquecer que as cinco áreas relacionadas se articulam para
produzir a visão do ser humano integral, toda vez que neste estudo se referir à antropologia
é à antropologia social e cultural, ou simplesmente, antropologia cultural que se estará
referindo.
15
Unidade1
Estudos Antropológicos e Políticos
O estudo do homem em sua diversidade
	 A antropologia enquanto etnologia não é apenas o estudo de tudo o que compõe
uma sociedade, mas o estudo das culturas da humanidade como um todo, em sua rica
diversidade geográfica e histórica.
	 A antropologia desenvolveu um modo de conhecer a partir do estudo das
sociedades primitivas: a observação direta, por impregnação lenta e contínua de
grupos humanos diferentes com os quais se mantém uma relação pessoal. Fazendo-
se assim a experiência da alteridade, ou seja, a experiência do alter ou do outro,
do diferente, descobre-se que aquilo que julgávamos ser natural é, de fato, cultural.
Daí que o “estranhamento” em relação às culturas diferentes modifica o nosso olhar
sobre a nossa própria cultura. Presos a uma única cultura, passamos a considerá-la
natural e não percebemos que os nossos gestos, posturas, sentimentos, reações ou
comportamentos são todos culturais. “O conhecimento (antropológico) da nossa cultura
passa inevitavelmente pelo conhecimento das outras culturas” (LAPLANTINE, 2000, 21).
	 O conhecimento de culturas diferentes, obviamente, leva-nos a perceber que a
nossa cultura é apenas uma cultura possível e não a única. Nesta perspectiva descobrimos
também que se há algo natural no ser humano, algo que caracteriza a unidade do ser
humano, tal algo é a capacidade de inventar modos de vida ou formas de organização
social diversas.
	 Assim, a antropologia visa o reconhecimento e o conhecimento da humanidade
em sua pluralidade, ou seja, a antropologia tematiza o dilema da “conciliação da unidade
biológica e a grande diversidade cultural da espécie humana” de que falava Clifford
Geertz (LARAIA, 2001,10).
	 Isto posto, há de se imaginar o quanto a abordagem antropológica pode contribuir
para o amadurecimento do ser humano no sentido de romper com uma visão estreita,
aquela que concebe a existência de um “centro do mundo” a partir de sua própria cultura,
e se adotar uma perspectiva mais reflexiva e crítica, sempre questionada pelo confronto
da multiplicidade cultural que nos possibilita superar aquela tendência à naturalização do
16
Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos
social.
Abordagens antropológicas
	 François Laplantine, em “Aprender Antropologia” (1988) fala de quatro aspectos
em relação aos quais os antropólogos divergem em suas abordagens antropológicas.
	 O primeiro aspecto refere-se à própria denominação da ciência: etnologia ou
antropologia? Se se opta por acompanhar os franceses que adotam etnologia, então,
enfocar-se-á especialmente a pluralidade irredutível das etnias ou culturas; se se
acompanha os anglo-saxônicos, adotando-se antropologia, ressalta-se a unidade do
gênero humano; sendo antropologia social que foca, como fazem os britânicos, o estudo
das instituições, ou antropologia cultural que prioriza o estudo dos comportamentos,
conforme os norte-americanos.
	 O segundo aspecto problemático da abordagem antropológica é a suspeita que
recai sobre sua cientificidade em razão da coincidência entre sujeito e objeto: seria
possível uma abordagem objetiva do ser humano, atendendo assim à exigência do
método das ciências da natureza? Enquanto para Radcliffe-Brown e seus seguidores as
sociedades são sistemas naturais e devem ser estudadas com o método das ciências da
natureza, para Evans-Pritchard e seus adeptos as sociedades são sistemas simbólicos
e não orgânicos, de modo que a antropologia não é uma ciência, mas uma arte. Neste
contexto, Levi-Strauss substitui o modelo orgânico dos ingleses por um modelo linguístico,
mostrando como a antropologia trabalha no encontro da natureza com a cultura e que,
portanto, é uma ciência social, mas que pode e deve aspirar ser uma ciência natural.
	 O terceiro aspecto polêmico é a relação entre antropologia e história. Enquanto
uma corrente de antropológos em seus estudos não leva a história em consideração
pois não reconhece sua contribuição, outra empenha-se em mostrar como a antropologia
pode se enriquecer com o conhecimento da história, como fez Gilberto Freire no Brasil. A
propósito é oportuno lembrar, os conceitos de “sociedades frias” e “sociedades quentes”
de Levi-Strauss, nem sempre bem entendidos: sociedades frias são aquelas sociedades
17
Unidade1
Estudos Antropológicos e Políticos
primitivas que vivenciam sua historicidade presente cultivando as estórias a respeito
de sua origem, enquanto sociedades quentes são aquelas que a exemplo das nossas,
vivenciam sua historicidade, apoiadas na concepção de história como motor de seu
desenvolvimento. (GOLDMAN, 1999).
	 Por fim, um quarto aspecto conflitivo que envolve a antrologia refere-se ao papel
da antropologia face à realidade. Afinal, “o antropólogo” deve contribuir, enquanto
antropólogo, para a transformação das sociedades que ele estuda?” (LAPLANTINE,
2000,29). Na hipótese positiva, não estaria deixando de ser antropólogo e tornando-se
um militante político? O fato é que ao longo da história, os antropólogos tem-se dividido,
determinando a existência de uma antropologia pura e de uma antropologia aplicada.
Laplantine defende que o antropólogo não deve trabalhar para transformação das
sociedades que estuda, mas contribuir para que uma determinada cultura explicite para
ela mesma sua própria diferença. Neste sentido, percebe-se que se filia à antropologia
pura. Contudo, por outro lado, sustenta que o antropólogo se vê confrontado por uma
dupla urgência à qual tem o dever de responder: urgência de preservação dos patrimônios
culturais locais ameaçados e a urgência de análise das mutações culturais impostas pelo
desenvolvimento contemporâneo urbano-industrial marcado pelo racionalismo social,
perspectiva que enseja a atuação no campo da antropologia aplicada.
18
Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos
Módulo 02 – Cultura, um fenômeno antropológico
	 O que é cultura? Qual a natureza da cultura? Quais os sentidos da palavra cultura?
O que é natureza? Existe uma natureza humana? Em que sentido podemos falar de
natureza humana? Qual a diferença entre natureza e cultura? Como é a cultura? Como
analisar a cultura? Estas são algumas questões que serão trabalhadas neste módulo.
	 Marilena Chauí, em seu “Convite à Filosofia”, aborda o tema de uma forma muito
inteligente. Para nos ajudar a compreender o que é cultura, provoca nossa reflexão
fazendo-nos pensar sobre a natureza, especialmente sobre a ideia de “natureza humana”.
Apresenta-nos questões contraditórias que ao serem analisadas nos levam a concluir
que não existe exatamente uma natureza humana. Por exemplo: “as mulheres são
naturalmente frágeis e sensíveis, porque nasceram para a maternidade e para a lida
doméstica” e “os homens são naturalmente fortes e racionais, feitos para o comando e a
vida pública”.	Dizer que algo é natural é dizer que o mesmo ocorre por força da natureza,
ou seja, significa dizer que tal coisa não depende da ação intencional dos seres humanos.
A natureza é o reino da necessidade, nela as coisas existem e funcionam seguindo uma
causalidade necessária e universal.
	 Considerando que há sociedades onde, enquanto os homens assumem a
elaboração da alimentação e o cuidado da casa, as mulheres se ocupam em fazer a
guerra e comandar a comunidade, não se pode admitir que haja uma natureza humana,
como sugerem as frases acima, determinando o que os seres humanos devem pensar e
sentir ou como devem agir.
	 Portanto, do ponto de vista das ciências humanas e da filosofia não se admite a
existência de uma natureza humana universal e intemporal, determinando previamente
o ser do ser humano. A “natureza” dos seres humanos é a de ser seres históricos,
econômicos, políticos, sociais e culturais. Eles vivem não sob o jugo da causalidade
necessária e universal, característica da natureza, mas sim, em condições existenciais
concretas, sob a inspiração da inteligência e da liberdade, distintivo da cultura face à
natureza.
19
Unidade1
Estudos Antropológicos e Políticos
Natureza da cultura
	 A palavra cultura é uma palavra polissêmica, isto é, uma palavra que possui vários
sentidos. O primeiro sentido de cultura é o sentido etimológico, derivado do termo latim
“colere” que significa cultivo, daí o significado de agricultura: o cultivo do campo, da
terra ou das lavouras, ou seja, o cuidado que as pessoas do campo dispensam a suas
plantações para que floresçam e produzam frutos. Daí, falar-se de cultura de arroz, de
feijão ou de milho.
	 Osensocomumcostumaidentificarculturacomacervoouvolumedeconhecimento.
Assim, é frequente se ouvir dizer: “Fulano é uma pessoa culta, inclusive fala várias
linguas”, ou ainda, “Siclano não tem cultura para ocupar aquele cargo”. Observa-se que
cultura neste sentido restrito refere-se a algo que as pessoas podem ou não possuir;
deste modo, pode-se dizer que alguém é culto ou inculto.
	 Como já se viu em estudos anteriores, para a sociologia, cultura é uma perspectiva
ou visão de mundo compartilhada pelas pessoas em uma determinada organização social
a partir de suas crenças, valores, objetivos e normas, ou seja, o horizonte de sentido pelo
qual as pessoas se orientam na vida individual, comunitária e social. Como se vê, uma
concepção que destoa das anteriores.
	 No âmbito da antropologia, como registra Marconi (2001), mais de uma centena e
meia de definições de cultura já foram elaboradas, sem que os antropólogos chegassem
a um acordo sobre a adequação satisfatória de uma única elaboração. Analisando as
definições mais encontradas, destacam-se aqui algumas mais expressivas: a primeira
definição de cultura que predominou no campo da antropologia por várias décadas,
foi a de Edward Tylor, segundo a qual cultura é “aquele todo complexo que inclui o
conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros
hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade” (TYLOR apud
MARCONI, 2001, 43), um conceito que ressalta claramente como a cultura não é inata,
mas adquirida pelo ser humano. Para Franz Boas, cultura é “a totalidade das reações
e atividades mentais e físicas que caracterizam o comportamento dos indivíduos que
20
Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos
compõem um grupo social...” (BOAS apud MARCONI, 2001,43); uma definição sintética,
mas abrangente, pois quando fala de “reações e atividades mentais e físicas” aponta
dois aspectos fundamentais da cultura, o abstrato e o concreto, o interno e o externo, ou
ainda, o subjetivo e o objetivo. Para Malinowski, cultura é “o todo global consistente de
implementos e bens de consumo, de cartas constitucionais para os vários agrupamentos
sociais, de ideias e ofícios humanos, de crenças e costumes” (MALINOWSKI apud
MARCONI, 2001, 43); uma definição importante, pois quando fala de implementos e bens
de consumo ressalta a participação também de elementos materiais na concepção de
cultura. Para Clifford Geertz “a cultura deve ser vista como um conjunto de mecanismos
de controle – planos, receitas, regras, instituições – para governar o comportamento”
(GEERTZ apud MARCONI, 2001,44); uma concepção em que a cultura é comparável
ao software face ao hardware, ou seja, comparável ao programa que faz funcionar o
computador. Neste sentido a cultura equivaleria a um conjunto de programas que vão
sendo implantados no ser humano desde a sua primeira infância através do processo de
socialização para que o mesmo possa funcionar bem na sociedade.
	 Percebe-se que entre tantos sentidos da palavra cultura, o antropológico é mais
amplo e englobante. Para a antropologia, numa palavra, cultura é o modo de vida de
um povo, compreendendo esta expressão “modo de vida”, em latim, modus vivendi, um
conjunto de elementos materiais e não materiais que possibilitam, em todos os aspectos,
a vida dos seres humanos numa sociedade concreta.
	 Isto posto, percebe-se que cultura, do ponto de vista antropológico, pode
ser analisada sob vários enfoques: cultura como ideia; cultura como abstração do
comportamento; cultura como comportamento aprendido; cultura como coisa extra-
somática, ou seja, fora do corpo humano, e cultura como mecanismo de controle.
Tomando-se a cruz como exemplo para análise, tem-se a cruz como ideia ou imagem
na mente; tem-se a cruz como abstração, enquanto símbolo dos cristãos; tem-se a cruz
como comportamento aprendido quando, por exemplo, o católico faz o sinal da cruz; tem-
se a cruz por si mesma, independente da ação humana, como coisa extra-somática, e,
21
Unidade1
Estudos Antropológicos e Políticos
por fim, como mecanismo de controle, quando usada para se obter a reverência dos fiéis
ou no rito de exorcismo.
	 Para Leslie White os elementos que constituem a cultura são coisas e
acontecimentos que se encontram nos espaço e no tempo, assim quanto a sua localização
podem ser classificados em intraorgânico”, “interorgânico” e “extraorgânico”. Conceitos,
crenças, emoções e atitudes são intraorgânicos, ou seja, estão dentro dos organismos; os
processos de interação social entre os seres humanos são interorgânicos, isto é, entre os
organismos; e objetos como machados, ferrovias ou computadores são extraorgânicos;
isto é, estão obviamente fora do corpo humano.
	 Uma concepção frequentemente encontrada entre os antropólogos é aquela
segundoaqualaessênciadaculturasãoideias,abstraçõesecomportamento.LeslieWhite
tem uma postura crítica em relação a esta concepção. Para ele, ideias ou conhecimentos
fazem parte da cultura, mas não são a totalidade da cultura, que inclui também atos
evidentes e objetos materiais. A concepção de cultura apenas como ideias é, para
White, uma concepção pré-científica e ingênua pois, por ser abstração, algo intangível
e imperceptível, localiza-se fora do campo científico. Também a ideia de cultura como
comportamento humano é ponderada por White, pois, para ele, atos ou acontecimentos,
objetos ou coisas que integram a cultura não são meros comportamentos, mas uma
concretização do comportamento humano, portanto, possuindo necessariamente uma
dimensão extra-somática.
	 Refletindo sobre a cultura, os estudiosos classificam-na sob vários aspectos.
Uma classificação comumente encontrada é a de cultura material e cultura imaterial
(espiritual), ou ainda, cultura real e cultura ideal.
	 Cultura material consiste em coisas materiais, instrumentos, artefatos e outros
bens tangíveis fruto da criação humana, por exemplo: machados de pedra, alimentos,
habitações, vestuários, máquinas, carros, aviões, celulares, computados e etc. Cultura
imaterial é constituída por elementos sem substância material, por exemplo: crenças,
conhecimentos, hábitos, normas, valores e etc. Na verdade, uma distinção apenas
22
Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos
didática, para se pensar e compreender o fenômeno da cultura, pois material e imaterial
referem-se, na prática, a dois aspectos distintos da mesma realidade, visto que estão
efetivamente entrelaçados. Para constatação deste fato, basta imaginar quanto de
conhecimento, elemento imaterial, por exemplo, é necessário para construção de uma
casa ou de um carro, expressões da cultura material.
	 Cultura real é aquela que todos os membros de uma sociedade praticam, pensam
ou testemunham em suas atividades cotidianas, embora não possa ser percebida em
sua totalidade. Cultura ideal é a cultura normativa, um conjunto de comportamentos
considerados bons, perfeitos, mas, muitas vezes, além do alcance comum. Exemplos: o
casamento indissolúvel como cultura ideal e o casamento nem sempre indissolúvel como
cultura real.
Componentes da cultura
	 Segundo Marconi (2001), a cultura, de um modo geral, possui os seguintes
componentes cognitivos: conhecimentos, crenças, valores, normas e símbolos.
Conhecimentos são saberes práticos ou teóricos que possibilitam a sobrevivência das
pessoas. Crenças consistem em atitudes mentais do indivíduo face a uma proposição
verdadeira ou falsa, e que servem de base à ação voluntária. Valores são qualidades
que indicam que objetos e situações são considerados bons, desejáveis ou não. Normas
são regras que indicam o modo certo dos indivíduos agirem em determinadas situações.
Símbolos são realidades físicas ou sensoriais às quais os indivíduos atribuem valores e
significados específicos.
	 Analisando melhor esses componentes cognitivos da cultura, uma crença é uma
ideia sobre o que é ou que não é verdade, ou seja, é a aceitação de uma determinada
proposição, como verdadeira ou como falsa. Consiste numa atitude mental com conotação
emocional do indivíduo, servindo, portanto, de base para sua ação. Há três tipos de
crenças: pessoais, declaradas e públicas. Pessoais são aquelas aceitas por um indivíduo
independente dos demais indivíduos; por exemplo: acreditar em lobisomem. Declaradas
23
Unidade1
Estudos Antropológicos e Políticos
são aquelas que uma pessoa aparenta aceitar como verdadeiras em seu comportamento
público, apenas para se justificar; por exemplo: ser favorável à democracia e à igualdade
dos sexos. Públicas são aquelas aceitas por um grupo como suas crenças comuns, por
exemplo, o mistério da encarnação para os cristãos, ou seja, Deus nasceu neste mundo
como um ser humano, assumindo a condição humana no tempo e no espaço.
Por fim, as crenças podem ser verdadeiras ou falsas. As crenças falsas correspondem
ao conceito de ideologia criado por Karl Marx, como ideias sem fundamento na realidade,
ideias que iludem o indivíduo, falseando a realidade.
	 Quanto aos valores, o termo valor refere-se a algo que não nos é indiferente, algo,
portanto, que consideramos mais ou menos relevante. Algo que geralmente nos mobiliza,
desde nosso interior, em nossas ações. Há valores dominantes e valores secundários.
Por exemplo, o direito à vida e o direito à liberdade são valores dominantes, enquanto
“lavar as mãos antes das refeições” ou “saudar um conhecido na rua” são valores
secundários em nossa cultura. Quanto à qualidade, há seis tipos de valor: tecnológico,
econômico, moral, ritual, estético e associativo. Nota-se o quanto os valores são também
constitutivos fundamentais da cultura!
	 As normas são regras ou princípios que nos obrigam a agir de determinado modo,
quer dizer, definem o jeito certo de agir no grupo ou na sociedade, de tal modo que elas
(as normas) implicam em expectativas de comportamento. Graças às normas vigentes,
as quais internalizamos por força da educação que tivemos, sabemos como agir e
sabemos como os outros agirão em dada situação, assim, a vida fica no “automático”,
não precisamos gastar muita energia e nos estressar imaginando como devemos nos
comportar ou como as pessoas se comportarão.
	 Isto posto, há normas ideais e comportamentais. As ideais são aquelas que
os membros de uma sociedade deveriam praticar: enterrar ou cremar os mortos. As
comportamentais são os comportamentos reais dos indivíduos que fogem às normas
ideais, por exemplo, a pulseira no tornozelo. As normas ideais podem ser classificadas
em cinco categorias: obrigatórias, preferenciais, típicas, alternativas, restritas.
24
Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos
	 Por fim, talvez o conceito de símbolo seja o mais básico conceito para se entender
o que é cultura. Símbolo é o primeiro elemento constitutivo da cultura, ou seja, é o átomo,
a menor parte constitutiva da cultura. Símbolo é qualquer realidade física ou sensorial a
que os indivíduos atribuem coletivamente um valor ou significado específico. Por exemplo,
tomemos as letras “a”, “m”, “o” e “r”, associemos estas letras e teremos a palavra “amor”,
uma palavra extremamente significativa em nossa vida cotidiana, pois, em nossa cultura,
designa o próprio sentido ou razão de ser da vida. Se as associarmos na sequência
contrária teremos “roma”, uma palavra também significativa pois nos designa uma das
mais antigas cidades do mundo, entretanto, não tem o peso em nossa vida cotidiana da
palavra “amor”. Veja, então, o poder do símbolo e sua fundamentalidade na constituição
da cultura. Somos capazes de, pelas nossas crenças e valores, simbolizar o mundo e
assim produzir e transmitir conhecimento, dando sentido à vida e ao mundo.
	 De acordo com o significado os símbolos podem ser arbitrários, partilhados
e referenciais. O símbolo é arbitrário à medida que não têm relação intrínseca ou
obrigatória entre o objeto e o símbolo; por exemplo, a propriedade física da cruz e os
valores simbólicos que lhe são atribuídos pelos cristãos. O símbolo é partilhado quando
tem o mesmo significado para diferentes culturas; por exemplo, a palma como aplauso.
O símbolo é referencial quando se refere a uma coisa específica; por exemplo, o hino
nacional brasileiro.
	 O símbolo, ao lado da crença, está na base da vida humana. Como já se viu,
possibilita a comunicação simbólica através especialmente da linguagem, sendo a
palavra o símbolo por excelência. O símbolo possibilita, pois, o pensamento e a liberdade
humana, assim como possibilita toda a organização da sociedade através das estruturas,
da cultura e instituições sociais.
Estrutura da Cultura
	 Para se analisar e compreender a estrutura da cultura os antropólogos
desenvolveram conceitos como traços culturais, complexos culturais, padrões culturais,
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Unidade1
Estudos Antropológicos e Políticos
configurações culturais, áreas culturais e subcultura. Vamos entender esses conceitos!
	 Segundo Marconi (2001), todos os elementos que constituem a cultura possuem,
cada um deles, forma e função. A forma é o feitio ou maneira como uma coisa se
apresenta ou se manifesta, enquanto a função é o tipo de ação ou procedimento de um
elemento em relação com outros dentro da cultura; por exemplo, um anel pode ter várias
formas (materiais diferentes, medidas diferentes) e várias funções (enfeite, compromisso,
status).
	 Os elementos culturais, também chamados de traços culturais, referem-se à menor
unidade ou componente significativo da cultura que pode ser isolado no comportamento
cultural. Todo elemento cultural tem dois aspectos, objetivo e subjetivo, ou seja: o objeto
em si e o seu significado. Traços ou elementos culturais são constituídos de itens, os
quais, por si sós, não têm valor. Por exemplo, tomando a caneta como um traço cultural,
seus itens (carcaça, refil, tinta, tampa) isoladamente não têm valor. São exemplos de
elementos culturais: caneta, mesa, vestido, aperto de mão, oração e festa.
	 O que são complexos culturais? Segundo Marconi (2001), consistem no conjunto
de traços associados, formando um sistema ou um todo funcional que agrupa em torno
de um foco de interesse determinadas características culturais. Por exemplo, o carnaval
brasileiro é um complexo cultural que integra vários elementos ou traços culturais: carros
alegóricos, música, dança, instrumentos musicais, desfile, organização e etc. Outros
exemplos de complexos culturais: o café; o fumo; o casamento a tecelagem caseira.
O que são padrões culturais? Padrões culturais são “os contornos adquiridos pelos
elementos de uma cultura e as coincidências dos padrões individuais de conduta que
dão coerência, continuidade e forma diferenciada ao modo de vida em uma determinada
sociedade” (HERSKOVITS apud MARCONI, 2001,55). Assim, o padrão consiste em
uma norma comportamental generalizada que reflete as maneiras de pensar, sentir e
agir, estabelecendo o que é aceitável ou não na conduta das pessoas em uma dada
sociedade.
	 O padrão cultural, tal como o padrão social já estudado, surge da interação das
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Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos
pessoas em circunstâncias concretas da vida humana, quando então definem um modo
de interpretar aquela situação e um modo de agir; daí pela repetição contínua daquele
comportamento por parte de várias pessoas na sociedade desenvolve-se o padrão cultural.
São alguns exemplos de padrões culturais que constituem a cultura total no Brasil: batizar
as crianças; ir à igreja aos domingos; tomar cerveja com os amigos no final de semana;
comer três vezes ao dia; assistir ao futebol ou à novela.
	 O que são configurações culturais e qual a importância deste conceito para a
antropologia? Configuração cultural consiste na integração dos diferentes traços e
complexosculturais,formandoumaculturaespecífica;ouseja,éoqueresultadeumarranjo
único que articula as diferentes partes de uma cultura. A importância deste conceito está
vinculada ao fato de ser a configuração cultural uma qualidade específica que caracteriza
uma cultura, pois os mesmos elementos ou complexos culturais combinados de outra
maneira, ou seja, tendo uma outra configuração, resultam em culturas diferentes.
	 Por fim, qual o significado do conceito de área cultural e qual sua importância
para antropologia? Área cultural são territórios geográficos onde a cultura apresenta
uma mesma configuração, isto é: os indivíduos compartilham os mesmos padrões de
comportamento. Trata-se de um conceito importante para o conhecimento dos povos
ágrafos ou mesmo para se descobrir a origem de uma cultura, perceber e analisar os
fenômenos da mudança cultural e da difusão da cultura.
Natureza e cultura
	 Para se fechar este módulo, retoma-se a reflexão proposta em sua introdução,
buscando-se compreender a natureza da cultura através da explicitação da diferença, do
ponto de vista filosófico, entre natureza e cultura.
	 Segundo Marilena Chauí (2000), no pensamento ocidental, natureza também
possui vários sentidos: natureza como princípio vital ou uma força espontânea capaz
de gerar e cuidar da vida, ou seja, a natureza como a substância dos seres; natureza
como essência própria de um ser ou o conjunto de qualidades, propriedades e atributos
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Unidade1
Estudos Antropológicos e Políticos
que definem um ser, ou seja, aquilo que faz com que o ser seja o que é; natureza como
uma organização universal dos seres por força das necessárias relações de causalidade
entre eles; natureza como tudo aquilo que existe no universo e se mantém sem qualquer
interferência humana, ou seja, o natural é aquilo que se opõe ao artificial; natureza como
o conjunto das condições físicas onde vivemos, ou seja, o meio ambiente que existe fora
de nós; por fim, um sentido destoante: natureza como objeto de conhecimento produzido
pelas ciências, ou seja, um campo objetivo produzido pela atividade do conhecimento,
com o auxílio de instrumentos tecnológicos, de modo que a ideia de natureza torna-se
uma construção ou um objeto cultural.
	 A cultura no âmbito da antropologia pode ser considerada, como se viu, sob vários
aspectos: objetivo, subjetivo e intersubjetivo; como realidade material ou espiritual; como
algo que está necessariamente vinculado ao ser humano, embora não lhe seja inato,
mas é produzida ou adquirida por ele no convívio social e que vai sendo transmitida e
enriquecida de geração em geração; portanto, a cultura revela-se como um fenômeno
antropológico.
	 Sendo assim, percebe-se claramente alguns aspectos da natureza da cultura, isto
é, alguns aspectos característicos ou próprios do seu ser. Em primeiro lugar, a cultura,
assim como o seu sujeito, o ser humano, é, uma realidade histórica e inacabada; está
no tempo e no espaço, e vai se constituindo progressivamente conforme a dialética que
rege as ações humanas, sempre pautadas pelas necessidades humanas e refletindo os
altos e baixos da economia e o movimento das relações de poder. Em segundo lugar,
a cultura é, tal como o seu sujeito, o ser humano, um fenômeno social, pois se constitui
a partir da interação entre os seres humanos; sem dizer que é social porque se difunde
de região para região e de geração para geração graças também à interação social. Por
fim, numa palavra, a cultura é artificial, ou seja, a cultura não é natural no sentido de que
é necessária ou que possa se dar sem a intervenção do ser humano; a cultura é arte.
Hegelianisticamente, a cultura é a manifestação do espírito, isto é, concretização da
inteligência e liberdade do ser humano.
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Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos
	 Pode-se afirmar que a cultura é o contraponto da natureza. Destacando-se o
sentido de natureza como tudo aquilo que existe e se mantém sem qualquer interferência
humana, a cultura, por sua vez, engloba tudo aquilo da realidade que possui o toque
humano, ou seja, tudo aquilo que resulta de alguma intervenção do ser humano, um ser
inteligente e livre, numa palavra, um ser cultural por natureza.
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Unidade1
Estudos Antropológicos e Políticos
Módulo 03 – Outros conceitos antropológicos
	 Será que os conceitos nos ajudam a compreender a realidade? Segundo o filósofo
Ludwig Wittgenstein, o nosso mundo tem as dimensões de nosso vocabulário. A crer
no filósofo da linguagem, vale a pena nos empenharmos em conhecer alguns outros
conceitos, ampliando assim o nosso vocabulário antropológico.
	 Considerando a aplicabilidade da antropologia na própria vida pessoal e nas mais
diversas áreas de atuação profissional, importa entender claramente o conceito de cultura
que é o conceito básico da antropologia, mas também uma série de outros conceitos
relacionados ao de cultura para que nas situações concretas da vida profissional, saiba-
se, com a ajuda daqueles conceitos, contextualizar e resolver competentemente os
problemas.
	 Portanto, apresentam-se aqui, de modo objetivo, alguns outros conceitos do
campo da antropologia que lhe serão úteis, não só para compreender a cultura brasileira,
palco de sua atuação cidadã e profissional, mas lhe possibilitarão, no confronto das
realidades concretas, analisá-las, compreendê-las e nelas intervir de forma competente:
cultura, cultura simples, cultura complexa, subcultura, contracultura, cultura dominante,
cultura de massa, cultura popular, mudança cultural, difusão cultural, endoculturação,
aculturação, deculturação, etnocentrismo, relativismo cultural e interculturalismo.
Conceitos correlatos de cultura
1. Cultura
	 Considerando a reflexão do módulo anterior sobre o fenômeno e o conceito
de cultura, limita-se aqui a recordar a diferença entre a acepção de cultura para o
senso comum, geralmente interpretada como erudição, ou seja, volume ou acervo de
conhecimento, e a acepção de cultura para as ciências sociais, especialmente para
a antropologia, como modus vivendi de um povo com sua história específica, suas
crenças, seus valores e normas encarnadas nas diversas instituições que mantém a
vida do indivíduo, da comunidade ou da sociedade.
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Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos
2. Cultura simples
	 Cultura simples é uma cultura homogênea, isto é, uma cultura da qual toda
a comunidade participa. A divisão dos trabalhos e tarefas simples, necessárias à vida
cotidiana das pessoas, é feita praticamente apenas em relação ao sexo e à idade das
pessoas. Assim, uma cultura simples é própria de organizações sociais pequenas, a
exemplo de nossas comunidades ou tribos indígenas que ainda vivem um tanto isoladas.
Logo, cultura simples existe apenas em uma sociedade simples, classificadas por Levi-
Strauss como sociedades ou culturas frias.
3. Cultura complexa
	 Cultura complexa é uma cultura heterogênea, isto é, uma cultura da qual não é
possível ao indivíduo participar de todos os seus aspectos. São múltiplos os trabalhos que
devem ser realizados para se atender às necessidades cotidianas da vida das pessoas.
Assim, uma cultura complexa é formada por várias subculturas, levando-se em conta as
dimensões da sociedade. Por exemplo, temos no Brasil, uma cultura complexa formada
por diversas subculturas. Logo, ao contrário da cultura simples, a cultura complexa existe
nas sociedades complexas, denominadas por Levi-Strauss de sociedades ou culturas
quentes.
4.Subcultura
	 Embora, este conceito já tenha sido abordado no módulo anterior, vale ressaltar que
subcultura, alertam-nos todos os autores, não se refere a uma cultura inferior. Aliás, não
existe cultura inferior ou superior, o que existem são culturas diferentes. Uma subcultura
refere-se à cultura de uma parcela específica de pessoas dentro de uma determinada
sociedade. Assim, tem-se vários tipos de subculturas: etária, regional, profissional,
religiosa, de classe.
	 Uma subcultura etária refere-se ao modo de vida das pessoas conforme suas
idades; o jovem, por exemplo, tem um modo de vestir, um gosto musical, um jeito de se
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Unidade1
Estudos Antropológicos e Políticos
divertir, um ritmo de vida próprio de sua idade ou de seu tempo, diferente do adulto ou do
idoso.
	 Uma subcultura regional refere-se ao modo de vida próprio das regiões. O Brasil de
dimensões continentais apresenta várias culturas regionais; por exemplo, para ficarmos
no campo da culinária, enquanto o sulista aprecia churrasco ou chimarrão, o nordestino
preza a buchada de bode, o cuscuz e o acarajé.
	 Uma subcultura profissional refere-se ao jeito de ser desenvolvido pelos
profissionais de determinada área, inclui desde vestimentas próprias, um linguajar
específico até aspectos mais sutis como a forma de pensar, de sentir e de agir. Quanto
maior a divisão do trabalho na sociedade maior o número de subculturas profissionais.
Se a diferença é evidente entre o modo de ser de um médico e de um pedreiro, se
prestar atenção perceberá também a diferença do modo de ser médico e o modo de ser
advogado.
	 Uma subcultura religiosa refere-se ao modo de pensar, de sentir e de agir ou
ao modo de se comportar das pessoas conforme as crenças religiosas que ela cultiva.
Dois clássicos estudos sociológicos revelam este fato, “A ética protestante e o espírito
capitalista” de Max Weber e “O suicídio” de Émile Durkheim. Não se precisa ir tão longe,
basta observar as pessoas que conhecemos e que participam de Igrejas diferentes e
perceberemos as diferentes culturas ou os diferentes modos de ser.
	 Uma subcultura de classe refere-se ao modo de vida das pessoas que pertencem a
classes sociais diferentes. Óbvio, conforme a classe social as pessoas tem oportunidades
de vida diferentes e desenvolvem hábitos, costumes ou estilos de vida diferentes.
Enquanto o empresário vai trabalhar no seu carro importado ou até em seu helicóptero,
seus empregados se apertam no coletivo, viajando horas para chegar a tempo de bater
o ponto; estes diferentes ritmos de vida acabam por desenvolver modos de ser humano
também diferentes.
5. Contracultura
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Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos
	 A contra-cultura, como a análise da palavra indica, refere-se a uma cultura contrária
à cultura dominante. Diferentemente das subculturas que, de algum modo, afirmam os
valores da cultura complexa a que pertence, a contracultura é um modo de ser, ou seja,
de pensar, de sentir e de agir que contesta ou critica os valores dominantes em uma dada
cultura. O exemplo mais comum é a contracultura dos hippies nos anos de 1960, que com
seus cabelos grandes, vestimentas diferentes, falavam de paz e amor, reivindicando o fim
das guerras e contestando o materialismo do sonho americano.
6. Cultura dominante
	 Cultura dominante, apesar de alguns autores usarem a expressão nesta acepção,
não se confunde com a subcultura da classe social dominante ou com a cultura da elite.
Cultura dominante, neste estudo, refere-se ao conjunto dos elementos culturais que em
uma cultura complexa é comum a todas as subculturas que formam a cultura complexa. Na
verdade, a cultura dominante funciona como o cimento que articula e une as subculturas
numa única cultura que, então, é a cultura complexa. Tomando a cultura brasileira, quais
são os elementos que constituem a cultura dominante? Certamente compõem uma
cultura dominante no Brasil, a língua portuguesa, a religião do cristianismo, a história de
formação do Estado brasileiro, certos valores éticos e morais que dão forma à cultura
brasileira, uma típica cultura complexa.
7. Cultura popular
	 Cultura popular não se restringe ao folclore ou às diversões e criações artísticas
do povo. Cultura popular, embora se caracterize por uma presença forte de padrões
culturais tradicionais, refere-se de modo geral ao modo de vida do povo, isto é, ao modo
de pensar, de sentir e de agir próprio das classes populares, portanto, ao contrário do
conceito anterior que não correspondia à cultura erudita, cultura popular corresponde à
cultura vulgar.
8. Cultura de massa
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Unidade1
Estudos Antropológicos e Políticos
	 Cultura de massa é um fenômeno típico das sociedades complexas do tipo urbano-
industrial. Não é uma subcultura porque é constituída de elementos que perpassam todas
as subculturas de uma cultura complexa. Cultura de massa é composta de padrões
de comportamento e de pensamento que são difundidos para todas as subculturas
de uma cultura complexa através da chamada indústria cultural, ou seja, os meios de
comunicação de massa, notadamente, hoje em dia, o rádio, a televisão e a rede mundial
de computadores.
9. Cultura material e Cultura não material
	 Como já se viu, cultura material e cultura não material é apenas uma forma didática
de classificação da cultura, pois na prática não se separam, visto que correspondem a
dois aspectos, concreto e abstrato, da mesma realidade que é a cultura. Por exemplo, o
automóvel não representa apenas um elemento da cultura material mas, em razão dos
indispensáveis conhecimentos necessários para construí-lo e utilizá-lo, percebe-se nele
presente também elementos da cultura não material.
Processos e perspectivas culturais
10. Mudança cultural
	 Mudança cultural é qualquer alteração de traços, complexos, padrões ou mesmo
em toda uma cultura.
	 A mudança cultural pode ocorrer por força de fatores internos ou endógenos, a
exemplo da descoberta e da invenção, ou pode ocorrer por fatores externos ou exógenos,
como no fenômeno da difusão cultural, quando, por exemplo, novos elementos culturais
são agregados a um cultura a partir do contato entre culturas diferentes.
	 Se qualquer alteração na cultura caracteriza uma mudança cultural, o crescimento
cultural se dá quando os elementos novos, acrescentados a uma cultura, forem mais
significativos em relação aos anteriores que caíram em desuso e o declínio cultural
quando os elementos acrescentados são menos significativos que os anteriores que
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Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos
desapareceram.
	 Segundo Murdock, são quatro os fatores modificadores da cultura: inovações,
aceitação social, eliminação seletiva e integração. A inovação pode se dar de cinco
maneiras: variações; descoberta e invenção; tentativa; empréstimo cultural e incentivo. A
aceitação social é a adoção de um novo traço cultural através da imitação. A eliminação
seletiva é quando um traço cultural, torna-se inútil e cai em desuso. A integração é o
ajustamento progressivo entre os elementos de uma cultura.
11. Difusão cultural
	 Difusão cultural é o processo pelo qual elementos ou complexos culturais se
difundem, ou seja, passam de uma sociedade a outra. A difusão ocorre especialmente
através do empréstimo, por imitação ou estímulo; uma troca pacífica de pensamentos
e invenções entre os povos, sendo que quase sempre ocorrem modificações no traço
cultural incorporado, por força da reinterpretação do mesmo pela sociedade que o adota.
12. Endoculturação ou enculturação
	 Endo-cultur-ação, como a própria palavra sugere, é a ação pela qual nós
internalizamos e assimilamos a cultura, desde nossa primeira infância até a hora da morte,
embora, este processo seja obviamente mais intenso nas fases da infância, adolescência
e juventude da pessoa. Trata-se do essencial processo educativo, aquela socialização
que nos humaniza a medida que, pela cultura internalizada, adquirimos as condições de
participar da vida da sociedade.
13. Aculturação
	 A-cultur-ação, como sugere as partes da palavra, é a ação que implica de certo
modo uma negação da cultura. Na verdade é o processo cultural que ocorre quando
duas ou mais culturas diferentes entram em contato e entre elas se dá uma troca de
elementos culturais, modificando uma à outra e, não raro, até provocando o surgimento de
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Unidade1
Estudos Antropológicos e Políticos
uma nova cultura. O melhor exemplo para nós de aculturação é aquele que resultou na
formação da cultura brasileira a partir do encontro de três culturas diferentes: portuguesa,
africana e indígena. Houve um entrelaçamento daquelas matrizes culturais, onde, houve
claramente a dominação da cultura portuguesa, gerando, com o passar dos séculos,
uma nova cultura, também marcada por expressiva presença de elementos indígenas e
africanos.
	 Quando o empréstimo de elementos culturais de uma cultura para outra é
equilibrado, isto é, mais ou menos simétrico, então falamos de aculturação pacífica;
quando uma cultura doa mais do que recebe, como ocorreu com a cultura portuguesa
no processo de formação da cultura brasileira, então tem-se um exemplo de aculturação
conflituosa ou violenta.
14. Deculturação
	 A deculturação é o processo de substituição de determinado traço cultural quando
aquele entra em competição com um traço novo, ou seja, ocorre quando um determinado
elemento cultural, seja por força da evolução desencadeada pela invenção ou pela
difusão, cai em desuso e deixa de fazer parte do modo de vida das pessoas.
Deste modo, a deculturação está associada ao declínio ou decadência de um determinado
traço ou aspecto da cultura. Marconi (2001), neste caso, traz o exemplo da substituição
do fogão a lenha pelo fogão a gás.
15. Etnocentrismo
	 Uma palavra sobre as palavras que terminam em “ismo”. Todo “ismo” refere-se à
exacerbação ou exageramento de um determinado aspecto da realidade. Capitalismo,
por exemplo, refere-se a um sistema que supervaloriza o capital; cientificismo, refere-se
a uma tendência de se exagerar ou até absolutizar o valor e a importância da ciência
para se conhecer e explicar a realidade.
	 Assim, etnocentrismo significa aquela perspectiva em que se coloca a sua própria
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Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos
etnia, cultura ou visão, no centro como referência para avaliar as outras culturas. Trata-se
de uma supervalorização da sua própria cultura; uma atitude que não considera o ponto
de vista ou a lógica de outras culturas e que, no limite, nega a validade da cultura do outro,
tentando impor-lhe a sua própria cultura, como o único modo de vida correto.
	 Registra-se que, por força do processo de socialização ao qual todo ser humano
é submetido desde a primeira infância, o etnocentrismo é um processo “natural”, isto é, o
indivíduo ou o grupo social só pode ver e avaliar o mundo a partir de sua própria cultura,
de suas crenças, valores e normas. Tem-se aqui o etnocentrismo antropológico.
	 Entretanto, quando se exagera esta valorização da sua própria visão, e face ao
estranhamento do diferente, não se reconhece a dignidade e o valor do outro, achando-
se superior a ele, tentando lhe impor sua visão ou até mesmo eliminá-lo, tem-se o
etnocentrismo patológico ou doentio, a exemplo de todas as formas de racismo que se
conhece.
16. Relativismo cultural
	 Olha o “ismo” aqui de novo! Relativismo cultural é o contraponto do etnocentrismo.
O relativismo cultural implica pois naquela perspectiva ou postura em que se reconhece
que toda cultura possui sua própria história, sua própria lógica, portanto, sendo única
deve ser respeitada na sua particularidade. Daí decorre que não há culturas inferiores ou
superiores, mas apenas culturas diferentes.
	 O grande risco aqui é que o relativismo cultural leve a um relativismo ético, isto é, a
uma postura de total indiferença a toda e qualquer prática, mesmo àquelas violentas que
atentam contra a vida, tomando-as como sagradas simplesmente porque se harmonizam
com os padrões de determinada cultura, a exemplo de intervenções oficiais que sacrificam
vidas inocentes mundo a fora.
	 Ribeiro (1987), esposando uma certa perspectiva marxista, faz consistente crítica
ao relativismo cultural afirmando que, apesar de ser generoso ao enaltecer as culturas
mais simples, opondo-se ao etnocentrismo arraigado em toda sociedade humana, trata-
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Unidade1
Estudos Antropológicos e Políticos
se de um raciocínio limitado pois nega a possibilidade de comparar as culturas fazendo
sobre elas algum juízo de valor, enquanto, a seu ver, é plenamente possível, mediante
critérios objetivos, por exemplo quanto à eficácia de seu modo de adaptação à natureza
para prover a subsistência, afirmar que as culturas são mais ou menos desenvolvidas em
seu processo de evolução sócio-cultural.
17. Interculturalismo
	 “Nem tanto ao mar, nem tanto à terra”, a virtude está na praia. O interculturalismo,
mais uma vez o “ismo”, parte daquela convicção de que “todo ponto de vista é a vista
de um ponto”. Cada cultura é um ponto de vista que possui uma lógica própria. Nesta
perspectiva importa abrir-se ao diálogo cultural, ao processo de aculturação pacífica,
procurando compreender as razões de cada cultura, promovendo assim pedagógicas
mudanças culturais com base em valores discernidos no recíproco respeito dos diferentes
que engrandecem o ser humano favorecendo sua crescente humanização.
Nesta perspectiva não há risco ou ameaça, mas promessa e oportunidade de
desenvolvimento cultural, de enriquecimento recíproco do ser humano e de construção
participativa de uma ética universal e de uma política planetária de promoção da vida.
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Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos
Módulo 04 – Teorias da Cultura
	 Considerando que o objetivo de nosso estudo é compreender o ser humano;
considerando que, como já se viu, o ser humano se distingue dos animais não humanos
pelo fato de produzir e consumir cultura; considerando, pois a centralidade do conceito
de cultura para a antropologia, abre-se neste módulo um espaço para o estudo sobre
as teorias da cultura, buscando-se compreender melhor este fenômeno especificamente
humano.
	 Inicialmente, seguindo-se os passos do esquema de Marina de Andrade Marconi
(2001), apresentar-se-ão as teorias do evolucionismo, difusionismo, funcionalismo,
configuracionismo e estruturalismo, e, finalmente, uma breve consideração sobre a
abordagem de Roque de Barros Laraia (2001) sobre o tema.
Evolucionismo cultural
	 Considerando a história da antropologia, a primeira interpretação do fenômeno da
origem e desenvolvimento da cultura recebe o nome de evolucionismo. O evolucionismo é
a teoria segundo a qual toda a vida e o universo se desenvolveram graças ao crescimento
e às mudanças.
	 O evolucionismo cultural, especificamente, é a teoria segundo a qual a cultura se
desenvolve num processo contínuo e progressivo, seguindo uma sequencia básica de um
estágio a outro acumulativamente. Numa palavra, o evolucionismo cultural é a aplicação
da teoria geral da evolução ao fenômeno cultural.
	 É muito comum associar a ideia de evolução ao nome de Charles Darwin (1809-
1882), contudo, os primeiros evolucionistas antecederam a teoria da seleção natural de
Darwin. Herbert Spencer (1820-1903) foi o primeiro a usar a expressão “sobrevivência
do mais apto” fazendo Darwin modificar o título de sua obra de “Origem das Espécies”
para “Seleção Natural”. Maine (1822-1888) sustentou a tese de que o Estado resultara
da organização baseada no parentesco e vinculada a um determinado território. Augusto
Comte (1798-1857) defendeu a existência de três estágios na evolução da humanidade:
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Unidade1
Estudos Antropológicos e Políticos
o teológico, o metafísico e o positivo ou científico.
	 Os principais representantes do evolucionismo cultural no século XIX são Edward
Tylor (1832-1917) da Inglaterra e Morgan (1818-1881) dos Estados Unidos, e no século
XX, representando o neoevolucionismo, o também norte americano, Leslie White (1900-
1975).
	 Edward Tylor em seu livro “Primitive culture” (1865), dando uma nova conotação
ao termo cultura, considerava a humanidade um todo em crescimento, indo da infância
à maturidade. Considerava que os povos primitivos encontravam-se no estágio infantil e
as nações europeias no estágio da maturidade.
	 Morgan em seu “Ancient society” (1877) apresentou a tese de que a família humana
evoluiu passando por três estágios bem marcados: selvageria, barbárie e civilização; tais
estágios evolutivos que se subdividiam em outros eram demarcados por invenções e
caracterizados por um determinado conjunto de traços culturais.
	 O estágio antigo ou da selvageria iniciar-se-ia com a invenção do arco-e-flecha
pelos Polinésios e se estenderia até a fundição do ferro para uso de ferramentas, na
época dos gregos homéricos, quando teria início o estágio intermediário ou da barbárie,
que, por sua vez, estender-se-ia até a invenção do alfabeto fonético, com o uso da
escrita, marco do início do estágio recente da civilização.
	 O neoevolucionista Leslie A. White, entre outros, dá ênfase ao aspecto material e
técnico da cultura. Ele relaciona a evolução social com a evolução tecnológica, e seguindo
o esquema de Morgan (Selvageria, Barbárie e Civilização) adota o critério da quantidade
de energia que uma sociedade dispõe para delimitar os estágios de evolução: grosso
modo, a utilização da energia do próprio corpo caracterizando a selvageria; o uso da
energia originada da domesticação dos animais caracterizando a barbárie e o emprego
da energia da máquina a vapor, o estágio da civilização.
	 Três elementos básicos caracterizam a teoria do evolucionismo cultural: a
sucessão unilinear; o método comparativo e a noção de sobrevivência. A sucessão
unilinear consiste em um esquema hipotético segundo o qual toda a humanidade, mesmo
40
Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos
estando dispersa em localidades isoladas, apresenta uma evolução cultural progressiva
e unilinear, ou seja, todos os grupos humanos percorreriam os mesmos estágios de
evolução, justificando-se as diferenças existentes entre eles pelo fato de uns estarem
mais adiantados do que outros na linha da evolução. O método comparativo consiste
em ordenar os fenômenos observados de acordo com os princípios estabelecidos e
interpretados em uma ordem cronológica, podendo então organizar e classificar os dados
observados em categorias sucessivas. A sobrevivência refere-se a elementos culturais
originários em épocas anteriores e que persistem ainda hoje.
	 Numa apreciação crítica da teoria da evolução cultural destacam-se aspectos
negativos e positivos. Por um lado as restrições mais acentuadas pelos críticos do
evolucionismo são: a não consideração do fator tempo e espaço no estudo da dinâmica
da cultura, ensejando análises descontextualizadas; o emprego indiscriminado e nem
sempre cuidadoso do método comparativo que levava a conclusões questionáveis; e
o conceito de sobrevivência que às vezes inibia o trabalho de campo do investigador.
Por outro lado, destacam-se as contribuições importantes do evolucionismo: a formação
propriamente dita da antropologia como ciência; o desenvolvimento de inúmeros conceitos,
inclusive o de cultura, como se viu; o enriquecimento do vocabulário com vários termos; o
estabelecimento do princípio da continuidade e o desenvolvimento ordenado da cultura.
	 Por fim, compreendendo-se a lógica do evolucionismo cultural, percebe-se como
os princípios desta teoria ou seus elementos básicos ensejam o etnocentrismo, cujo
significado já se viu no módulo anterior.
Difusionismo
	 A teoria do difusionismo explica o desenvolvimento cultural através do processo de
difusão de elementos culturais de uma cultura para outra. Surgiu nas primeiras décadas
do século XX como uma reação ao evolucionismo do século XIX.
	 Para o difusionismo as semelhanças e diferenças culturais entre os povos devem-se
muito mais à presença ou ausência dos processos de difusão do que às raras invenções.
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Unidade1
Estudos Antropológicos e Políticos
	 Conhecido também como historicismo, o difusionismo como corrente antropológica
relevante nas primeiras décadas do século XX pode ser visto em três perspectivas de
pesquisa: o difusionismo inglês, o difusionismo alemão-austríaco e o difusionismo norte-
americano.
	 A escola difusionista inglesa, também chamada de heliocêntrica, representada
por G. Elliot Smith e W.J. Perry, desenvolveu ao extremo as ideias da pouca criatividade
humana; acreditava que a cultura do mundo todo, em consequência da difusão cultural,
era idêntica. Impressionados com as descobertas arqueológicas no Egito, os difusionistas
ingleses julgavam que aí tivesse sido o berço da civilização. O Egito teria sido o grande
sol cultural que se irradiara por todas as regiões do globo, daí a escola difusionista ser
chamada de heliocêntrica.
	 A escola difusionista alemã-austríaca, também chamada de histórico-cultural
ou de histórico-geográfica, representada por Friedrich Ratzel, Willi Roy, Fritz Grabner
e Pe. Wilhem Schmidt, caracteriza-se por uma visão pluralista da origem da cultura,
aceitando vários locais de evolução, donde se originou a totalidade da mesma. A
principal contribuição do difusionismo alemão-austríaco é a noção de “círculos culturais”
kulturcreise. Assim, a cultura humana ter-se-ia desenvolvido na Ásia e daí se difundido
para as mais longínquas partes do mundo, em círculos cada vez mais amplos, através
das imigrações.
	 A escola difusionista norte-americana, também chamada de historicismo,
representada por Franz Boas, Clark Wissler e Alfred L. Kroeber, caracteriza-se por
focalizar a atenção antropológica na análise específica da história cultural; condição
para se compreender uma determinada cultura. Caracteriza-se ainda por desenvolver
conceitos como traço cultural, complexo cultural, padrão cultural e área cultural e por
optar pelo estudo de áreas limitadas e pequenas, valorizando numa perspectiva histórica
a invenção e a difusão na constituição das culturas que então deveriam ser vistas como
diversas e individuais. Assim, os representantes do difusionismo norte-americano são
os precursores do relativismo cultural, conceito este também já estudado no modulo
42
Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos
anterior.
	 Os postulados básicos do difusionismo são: o método histórico que possibilita a
reconstituição histórica pela observação do passado e do presente, estabelecendo-se
links significativos; a pesquisa de campo que é altamente aplicada para coleta de dados
e a formulação de inúmeros conceitos que enriqueceram a teoria antropológica.
	 Uma apreciação crítica do difusionismo destaca aspectos negativos e positivos.
São aspectos negativos do historicismo: excessivo tratamento unitário da cultura;
manipulação estatística dos traços culturais, abusando-se de um lógica mecanicista; e o
determinismo cultural ensejando que o indivíduo é um elemento passivo no processo. São
aspectos positivos do historicismo: valorização do trabalho de campo e desenvolvimento
da metodologia e da técnica da observação; a importância atribuída aos estudos de
culturas específicas, conhecendo assim suas respectivas identidades; o estabelecimento
de normas críticas para a reconstituição histórica; por fim, uma criteriosa consideração da
interação de forças envolvidas no processo de desenvolvimento e transformação cultural.
Funcionalismo
	 O funcionalismo, uma teoria antropológica da década de 30, do século passado,
diferentemente do evolucionismo e do difusionismo, preocupava-se não mais com a
origem ou com a história da cultura, mas com a lógica do sistema cultural focalizado,
ou seja, preocupava-se com a visão sincrônica, sistêmica ou orgânica da sociedade,
procurando conhecer a cultura em um dado momento, bem como a função dos elementos
que a compõem.
	 Sobre o funcionalismo, Marconi (2001) cita Leslie White:
“A essência, a natureza fundamental ou característica do funcionalismo
pode ser exposta com rapidez e simplicidade: as sociedades humanas
e suas respectivas culturas existem como todos orgânicos, constituídos
de partes interdependentes. As partes não podem ser plenamente
compreendidas separadamente do todo, e o todo deve ser compreendido
em termos de suas partes, suas relações umas com as outras e com o
sistema sociocultural em conjunto”. (LESLIE WHITE apud MARCONI,
2001, 263)
43
Unidade1
Estudos Antropológicos e Políticos
	 Os pioneiros da análise funcionalista da realidade sócio-cultural foram Herbert
Spencer e Émile Durkheim. A estes sociólogos seguiram antropólogos como: Malinowski
(1884-1942) e Radcliffe-Brown (1881-1955), formuladores da teoria funcional para o
estudo da cultura.
	 Malinowski em “Uma teoria científica da cultura” (1944) expõe os fundamentos do
funcionalismo. Partindo dos conceitos de natureza humana e de cultura, desenvolveu a
teoria das necessidades humanas que, uma vez atendidas, dão origem à cultura.
	 As necessidades humanas, consideradas universais, segundo Malinowski, são
de três ordens: as necessidades primárias ou biológicas, a exemplo da nutrição e da
excreção; as necessidades derivadas ou instrumentais, a exemplo da organização
econômica; e as necessidades integrativas ou sintéticas, a exemplo da religião ou da
arte.
	 Assim, cada parte da cultura, com suas instituições, tem sua forma específica e
desempenha uma função determinada para atendimento das necessidades humanas,
não existindo isoladamente.
	 Radcliffe Brown, a partir dos conceitos de sociedade e de sistema, faz uma
abordagem estrutural-funcional e considerando a cultura como um sistema adaptativo,
enfatiza a importância da função e da estrutura social como contribuintes para a
manutenção do equilíbrio da sociedade, havendo, segundo sua visão, sociedades
eunômicas e disnômicas, ou seja, sociedades equilibradas, com uma integração social
saudávelesociedadescaracterizadaspeloconflitoepelanãointegração,respectivamente.
	 Segundo Marconi (2001) são elementos teóricos básicos do funcionalismo: a
cultura é um todo sistêmico que pode ser estudado em um dado momento; a cultura
constitui-se de partes interdependentes que se relacionam entre si e com o sistema
sociocultural em conjunto; o conceito de natureza humana e cultura levaram à concepção
de um mundo natural e um mundo artificial em correspondência mútua; afirma-se a
fundamentalidade da teoria das “necessidades”; valoriza-se a função desempenhada
pelos elementos culturais; as instituições e as estruturas sociais são unidade de análise
44
Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos
do fenômeno cultural.
	 Assim, o funcionalismo constituiu-se numa reação positiva ao evolucionismo e
ao difusionismo, valorizando mais ainda a prática de pesquisa de campo, introduzindo-
se também o relativismo cultural, reconhecendo-se a lógica própria das sociedades e
culturas diferentes.
Configuracionsimo
	 O configuracionismo pode ser considerado um prolongamento do difusionismo
norte-americano em razão de seu interesse por culturas particulares. Destaca a integração
e a singularidade do todo, tendo por tema básico a integração da cultura.
	 O configuracionismo concebe a cultura como um conjunto integrado de elementos
encontrados em determinado tempo e espaço, entrelaçados e formando um todo coeso e
uniforme, de tal modo que se uma das partes for afetada todas as outras resentem.
	 Os principais representantes do configuracionismo são Edward Sapir que defendeu
a ideia de que todo comportamento tem uma configuração inconsciente e que todo
comportamento cultural é simbólico; e Ruth F. Benedict para quem a cultura é um modelo
mais ou menos consistente de pensamento e ação, com objetivos característicos que
pautam a consolidação da experiência de um povo, integrando o comportamento e as
instituições de uma dada sociedade.
Estruturalismo
	 O estruturalismo é a teoria antropológica mais recente; desenvolveu-se
paralelamente ao funcionalismo e teve seu apogeu nas décadas de 40 e 50 do século XX.
O estruturalismo tem mais pontos de convergência com o funcionalismo do que de
divergência. A visão sincrônica, sistêmica e globalizante da cultura, a adoção do termo
estrutura e as influências da escola francesa são algumas das principais convergências.
	 O principal representante do estruturalismo é o Belga, Claude Lévi-Strauss (1908),
e , segundo Marconi (2001), é um antropólogo dentre os mais proeminentes e discutidos.
45
Unidade1
Estudos Antropológicos e Políticos
	 O conceito de estrutura é, naturalmente, o conceito central do estruturalismo.
Entendendo-se por estrutura o conjunto de elementos que formam um sistema, um todo
ordenado; um modelo de análise construído a partir da observação das relações sociais.
Assim, não raro se confundem as noções de estrutura social e relações sociais, contudo,
as relações sociais são a matéria-prima para elaboração dos modelos que evidenciam
a estrutura social a qual reflete a realidade social ou cultural, seu funcionamento e as
alterações a que está sujeita.
	 Os modelos para serem de fato estruturas devem satisfazer aos seguintes
quesitos: possuírem um caráter de sistema; pertencerem a um determinado grupo de
transformações; apresentarem previsibilidade de reação; funcionarem de modo a explicar
todos os fatos observados.
	 Lévi-Strauss foi grandemente influenciado em suas elaborações teóricas pelo
pensamento de Freud e de Marx, especialmente pelas noções de inconsciente e de
ideologia.
	 Lévi-Strauss supervaloriza a natureza e a ordem natural ao avaliar as culturas.
Para ele, a história é produto da natureza. Enquanto Marx, embora pessimista em face
da exploração, valoriza a história em detrimento da natureza e a considera o móvel de
aprimoramento da condição humana.
	 Para melhor perceber as estruturas mentais inconscientes básicas e, então,
compreender os modelos conscientes, Lévi-Strauss fala em culturas ou sociedades
frias e culturas ou sociedades quentes. Sociedades frias, como já se viu, são aquelas
sociedades simples, mais próximas do estado de natureza, com contingente populacional
restrito e pequeno dinamismo cultural, oferecendo assim melhores condições para a
identificação das estruturas mentais míticas e inconscientes. Sociedades quentes são
as sociedades complexas que já se sabem históricas, industrializadas, todas afetadas
pela civilização e pelo progresso, cada vez mais distantes da ordem natural.
	 Os modelos inconscientes são as estruturas mentais inconscientes básicas
que, segundo Lévi-Strauss, explicam as causas que determinaram as representações
46
Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos
conscientes, concretas de um grupo humano.
	 Os modelos conscientes são as ideias, regras, crenças e valores que vigem em uma
sociedade; constituem a parte da cultura facilmente observada, seja material ou imaterial,
que retém atrás de si os modelos inconscientes que lhe deram origem. Conhecer estes
modelos inconscientes é o desafio a que se propôs o estruturalismo straussiano.
	 Conforme Marconi (2001), os elementos teóricos básicos do estruturalismo, em
síntese, são os seguintes: visão sincrônica e sistêmica da cultura; visão globalizante do
fenômeno cultural, convicto de que o conhecimento do todo leva à compreensão das
partes; adoção das noções de estrutura social e relações sociais; utilização de modelos
na análise cultural; adoção das estruturas mentais inconscientes como unidade de análise
e, por fim, a compreensão ampla da realidade cultural.
47
Unidade2
Estudos Antropológicos e Políticos
Resumo da Unidade
	 Nesta unidade, vimos como se deu a evolução da definição do objeto de estudo
da antropologia cultural sob a influência da metodologia das ciências da natureza: das
sociedades primitivas a um novo olhar sobre o homem em sua integralidade. Vimos algo
sobre algumas polêmicas que atravessam a antropologia cultural, desde a concepção
de seu nome, antropologia ou etnologia, passando pelos questionamentos sobre sua
cientificidade e culminando com a querela acerca de sua aplicabilidade.
	 Contemplou-se também a reflexão sobre o fenômeno e o conceito de cultura,
desde sua natureza material e imaterial, histórica e social, pensando-se sobre os seus
componentes cognitivos: conhecimentos, crenças, valores, normas e símbolos, bem
como sobre sua estrutura, desde o traço cultural, passando pelo complexo, pelo padrão
e chegando à configuração e área culturais.
	 Sempre resgatando o conceito central da antropologia cultural, ampliaram-se
os estudos para os conceitos afins de cultura: subcultura, aculturação, etnocentrismo,
relativismo cultural e interculturalismo.
	 Por fim, para melhor compreensão do antropológico conceito de cultura, dedicou-
se a conhecer as teorias principais sobre a cultura: o evolucionismo de Edward Tylor; o
difusionismo de Franz Boas; o funcionalismo de Malinovski; o configuracionismo de Ruth
Benedict e o estruturalismo de Levi-Strauss.
48
Unidade2 Estudos Antropológicos e Políticos
UNIDADE 2 – O SER HUMANO, UM SER CULTURAL II
	 Nesta unidade será apresentada uma visão panorâmica dos conteúdos do livro
“Cultura, um conceito antropológico”, da autoria de Roque de Barros Laraia, onde se
retomará, sob um novo enfoque, temas contemplados na unidade I, a exemplo da relação
cultura e natureza; conceitos afins de cultura e teorias da cultura; depois, à luz de conceitos
anteriormente vistos, dedicar-se-á, a uma visão da cultura brasileira, nosso contexto
existencial e palco de nossa atuação profissional, procurando perceber e compreender
suas principais características.
	 Ademais, espaço considerável será dedicado ao estudo da histórica participação
dos negros e indígenas na formação da cultura e do povo brasileiro, bem como ao
estudo da situação dos negros e indígenas no Brasil; uma abordagem que despertará
uma visão crítica sobre aspectos fundamentais da vida brasileira que frequentemente
são escamoteados conforme interesses das elites de nossa sociedade, alienando-nos de
nossa realidade.
Módulo 05 – Cultura, um conceito antropológico
Introdução
	 Posto que cultura é o que distingue o ser humano de outros animais, depois de
tudo o que vimos nos módulos anteriores, propomos aqui uma visão panorâmica do
pequeno grande livro “Cultura: um conceito antropológico” da autoria de Roque de Barros
Laraia, publicado em 1986, e que desde então tem sido leitura obrigatória para todos
quantos querem se iniciar no misterioso horizonte da cultura que envolve o ser humano
do nascimento à morte.
Para não se sacrificar a visão geral da citada obra, admitimos que alguns temas já
tratados nos módulos anteriores reaparecerão aqui, mas cuidaremos de abordá-los sob
novo aspecto.
	 Iniciando com uma palavra sobre o autor, Roque de Barros Laraia, autor de Índios
e castanheiros (com Roberto da Mata, 1976), Tupi, índios do Brasil atual (1987) e Los
49
Unidade2
Estudos Antropológicos e Políticos
índios de Brasil (1993) e de inúmeros artigos publicados em revistas especializadas,
foi antropólogo do Museu Nacional da UFRJ e professor titular de antropologia da
Universidade de Brasília.
	 Na obra em tela, o autor faz uma abordagem didática, fluente e agradável,
propondo iniciar seus leitores na compreensão do conceito de cultura, tema fundamental
da antropologia. Em duas partes, subdivididas em onze pequenos capítulos, encontram-
se, respectivamente, um breve histórico do desenvolvimento do conceito de cultura,
desde os iluministas até autores contemporâneos, e uma abordagem da influência da
cultura no comportamento social e seu peso na diversificação da humanidade. Ademais,
ao final do livro encontram-se dois relevantes textos que ilustram sua temática.
Da natureza da cultura ou da natureza à cultura
	 O autor introduz a primeira parte de seu trabalho anunciando o clássico dilema
da antropologia formulado por Clifford Geertz: a “conciliação da unidade biológica e a
grande diversidade cultural da espécie humana” (LARAIA, 2001,10). Na esteira deste
dilema mostra como autores da antiguidade à modernidade ocuparam-se em descrever
os diversos modos de vida das gentes que habitam o planeta e enumera uma série
de costumes que revelam a diversidade cultural mesmo dentro do chamado mundo
civilizado.
	 Esta diversidade pode ser exemplificada pelo sentido do trânsito na Inglaterra que
é oposto ao sentido do trânsito em nossa cultura; pelas rãs tão apreciadas na culinária
francesa, enquanto em muitos outros causa nojo; o nudismo praticado em alguns países
em contrate com a vestimenta das mulheres nos países islâmicos que usam a burca;
o sentido da gravidez e do ato de parir nas regiões do norte do Brasil, que destoa das
outras regiões: por exemplo, quando uma mulher dá à luz no nordeste brasileiro, diz-se
que a mulher descansou, enquanto, em nossa região sudeste esta expressão é reservada
para dizer que alguém faleceu depois de um certo período em sofrimento, e, assim, são
praticamente infinitas as diferenças entre os modos de vida dos povos.
50
Unidade2 Estudos Antropológicos e Políticos
	 No primeiro capítulo da primeira parte do livro, resgatando o determinismo
biológico como a teoria segundo a qual diferenças biológicas e genéticas seriam a causa
da pluralidade cultural da espécie humana, registra-se como os antropólogos hoje estão
convencidos de que as diferenças biológicas, genéticas ou sexuais não são determinantes
das diferenças culturais, estas são antes determinadas pela história de cada povo e pelo
processo de endoculturação ou socialização. Um dos exemplos utilizados por Laraia é
aquele da divisão do trabalho em tribos indígenas do Xingu: a tarefa do transporte de água
para a aldeia é uma atividade feminina. Considerando que carregar cerca de vinte litros
de água sobre a cabeça, demanda um esforço físico muito maior do que o necessário
para manejo de um arco, arma de uso exclusivo dos homens, percebe-se que a divisão
de tarefas não obedece a uma racionalidade biológica, mas é definida culturalmente.
Neste sentido, quantas atividades em nossa cultura, até pouco tempo eram exclusivas
dos homens?
	 No segundo capítulo, para demonstrar a fragilidade da tese do determinismo
geográfico que consiste em afirmar que as forças da natureza exercem uma ação mecânica
sobre a humanidade puramente receptiva, o que justificaria a pluralidade de culturas, o
autor cita três exemplos, comparando aspectos da cultura dos Esquimós com aspectos
da cultura dos Lapões; aspectos da cultura dos índios Pueblo com a cultura dos índios
Navajo e confrontando os modos de vida dos índios do parque Xingu, argumenta que
aqueles pares, apesar de viverem no mesmo ambiente geográfico desenvolveram culturas
ou modos de vida distintos, o que prova a limitação da influência da geografia sobre a
vida humana. Reporta-se aqui apenas o primeiro exemplo dado por Laraia: Esquimós
e Lapões, vivendo ambos na calota norte do planeta, em temperatura situada a muitos
graus abaixo de zero, tem modos de vida distintos. Enquanto os Esquimós fazem suas
casas de blocos de gelo, forradas com peles de animais, os Lapões vivem em tendas de
peles de rena, sem falar que, enquanto estes são excelentes criadores de renas, aqueles
se limitam a caçá-las, de modo que o determinismo geográfico não procede.
	 No terceiro capítulo, o autor apresenta os antecedentes do conceito de cultura,
51
Unidade2
Estudos Antropológicos e Políticos
afirmando que antes de Edward Tylor, em 1871, elaborar a primeira definição do conceito
de cultura, a ideia de cultura já estava de certo modo presente em John Locke que, em
1690, refutava as ideias inatas de Descartes, alegando que o ser humano adquire os
conteúdos mentais a partir de suas experiências vitais, de modo que ao nascer nossa
mente é como uma folha em branco. A ideia de cultura também já estava presente em
Jacques Turgot, no século XVIII, que afirmara ser o homem capaz de reter suas ideias
e transmiti-las para os seus descendentes e, mesmo, em Jean Jacques Rousseau que,
em 1775, atribuiu um grande papel à educação, chegando mesmo a acreditar que pela
educação os grandes macacos poderiam se humanizar.
	 No quarto capítulo, para evidenciar o desenvolvimento do conceito de cultura,
o autor, a partir da definição de Edward Tylor (1832-1917), “cultura como um todo
complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer
outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”
fala da influência do evolucionismo sobre Tylor que afirma a igualdade da natureza
humana e explica a diversidade como o resultado da desigualdade de estágios
existentes no processo de evolução. Desta concepção etnocêntrica do evolucionismo
cultural de Tylor, o autor passa ao relativismo cultural de Franz Boas (1858-1949), para
quem a antropologia deve reconstruir a história dos povos e perceber que cada cultura
segue os seus próprios caminhos em função dos diferentes eventos históricos que
enfrentou. Por fim, trata de Alfred Kroeber (1876-1960) que demonstrou em seu artigo “O
Superorgânico” como a humanidade, graças à cultura, distanciou-se do mundo animal.
A cultura, mais do que a herança genética, determina o comportamento do homem; é
um equipamento superorgânico pelo qual o homem se adapta aos diferentes ambientes
ecológicos, tornando a terra inteira seu habitat natural. Daí, a importância da educação
ou do processo de endoculturação pelo qual a cultura se propaga e se enriquece ao
longo da história. Ao ensejo, registra-se a pertença de Franz Boas e Alfred Kroeber à
escola antropológica difusionista.
	 No quinto capítulo, enfrentando uma das primeiras preocupações da antropologia,
52
Unidade2 Estudos Antropológicos e Políticos
a questão da origem da cultura, LARAIA (2001) resume como antropólogos físicos a
exemplo de Richard Leackey, Roger Lewin, David Pilbeam e Kenneth Oakley associaram o
surgimento da cultura ao crescimento do cérebro, modificado pelo processo evolutivo dos
primatas, desde a vida arborícola ao bipedismo; e como antropólogos sociais, a exemplo
de Claude Lévi-Strauss e Leslie White, afirmam que a cultura surgiu no momento em
que o homem convencionou a primeira norma (proibição do incesto) e quando o cérebro
do homem foi capaz de gerar símbolos, reciprocamente; supondo tanto os antropólogos
físicos como os sociais que a cultura aparecera de repente, que teria havido um ponto
crítico em que a cultura eclodira como um acontecimento súbito. Esta teoria do ponto
crítico é, hoje, uma teoria superada, visto que a teoria mais aceita é a de que a cultura
se desenvolveu simultaneamente com o equipamento biológico, pois a natureza não
age por saltos. Neste sentido, Laraia (2001) cita Clifford Geertz em “A transição para a
humanidade” que, a partir das evidências em relação ao Australopiteco Africano, o qual
existiu há mais de 2 milhões de anos, e possuía um cérebro 1/3 menor que o nosso, mas
já manufaturava objetos e caçava pequenos animais; concluiu que o ser humano não
só produz a cultura, mas é por ela produzido; visto que o seu cérebro se desenvolveu
também a partir da cultura.
	 No sexto e último capítulo da primeira parte de seu livro, Laraia (2001) trata do tema
das teorias da cultura servindo-se de um artigo de Roger Keesing intitulado “Theories
of culture”, apresentando não apenas sua classificação das teorias modernas sobre
cultura, mas reproduzindo suas críticas a elas; uma abordagem que resume as teorias
antropológicas apresentadas no módulo anterior.
	 Numa síntese apertada, as teorias modernas sobre cultura são classificadas
em teorias que, por um lado, consideram a cultura como um sistema adaptativo das
comunidades humanas aos seus embasamentos biológicos que inclui organização
econômica, sociopolítica e ideológica, como defendem os autores neoevolucionistas, a
exemplo de Leslie White; por outro lado, teorias idealistas de cultura que se subdividem
em três diferentes abordagens: 1ª) cultura como sistema cognitivo, ou seja, cultura como
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Unidade2
Estudos Antropológicos e Políticos
um sistema de conhecimento que inclui tudo que alguém tem de conhecer para operar
em uma dada sociedade, conforme pensou W. Goodnough; 2ª) cultura como sistemas
estruturais, ou seja, um sistema simbólico que é uma criação acumulativa da mente
humana, embasadas nas regras inconscientes do pensamento humano, conforme pensou
o estruturalista Claude Lévi-Strauss; por fim, 3ª) cultura como sistemas simbólicos, ou
seja, cultura não é um complexo de comportamentos concretos, mas um conjunto de
mecanismos de controle, ou seja, programas, planos, receitas, regras e instruções
para governar o comportamento humano, conforme pensaram Clifford Geertz e David
Schneider.
Como opera a cultura
	 Na segunda parte de seu livro o autor, em cinco capítulos, desenvolve uma
reflexão pretendendo mostrar como a cultura opera influenciando a vida dos humanos. A
cultura que é dinâmica, possuindo uma lógica própria, define a diferenciada participação
dos indivíduos e condiciona a visão de mundo do ser humano, interferindo até no plano
biológico de sua vida.
	 No primeiro capítulo desta parte, Laraia (2001) começa citando Ruth Benedict para
quem a cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo. Daí, a floresta
amazônica ser vista de modo muito diferente por um antropólogo e por um índio tupi; daí,
as reações depreciativas face àqueles que agem fora dos padrões convencionados pela
cultura como, por exemplo, os homossexuais. O modo de ver o mundo, as apreciações
de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas
corporais são assim produtos de uma herança cultural. O modo de rir, os motivos do riso,
o sentar-se à mesa, as técnicas de obstetrícia, ou seja, as formas ou posições adotadas
pelas mulheres ao darem à luz seus bebês; as formas múltiplas de alimentação, enfim, o
comportamento humano em geral depende do aprendizado que se dá no âmbito de uma
determinada cultura; um aprendizado que ocorre desde a primeiríssima infância, quando
se inicia o processo de endoculturação, ou seja, internalização e assimilação, através da
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Unidade2 Estudos Antropológicos e Políticos
convivência social, dos hábitos, costumes, valores e crenças que vão formando a nossa
identidade e nossa visão do mundo. Esta é a condição do ser humano que o faz ver o
mundo através de sua própria cultura, levando-o a crer que o seu modo de vida é o mais
correto e o mais natural, enquanto, muitas vezes, percebe as práticas diferentes, próprias
de outras culturas, como absurdas, deprimentes e imorais. Tal tendência, como se viu em
módulos anteriores, é chamada etnocentrismo que em muitos casos chega à xenofobia,
ou seja, o medo ou estranheza em relação ao diferente ou estrangeiro, gerando, não raro,
numerosos conflitos sociais.
	 No segundo capítulo o autor relaciona vários exemplos de como a cultura opera
condicionando o plano biológico da vida humana, inclusive decidindo sobre a vida e a
morte dos membros de um sistema social. A apatia, reação oposta do etnocentrismo,
que consiste no abandono da crença nos valores de sua própria cultura, caindo assim
num estado de anomia que leva ao suicídio ou a algum mal moral, como o banzo que
acometera, por exemplo, os africanos arrancados de sua pátria e escravizados no Brasil.
Outros exemplos: a crença dos indios Kaapor, segundo a qual quando uma pessoa vê
um fantasma ela logo morrerá; as mortes causadas por feitiçaria conforme a etnografia
africana; as doenças psicossomáticas; a sensação de fome ao meio dia, em nossa cultura;
e a cura de doenças reais ou imaginárias através de rituais xamânicos ou celebrações
religiosas; todos estes são exemplos do poder de influência da cultura sobre o plano
biológico da vida humana.
	 No terceiro capítulo, Laraia (2001) mostra que tanto nas sociedades complexas
como nas simples a participação dos indivíduos na cultura é limitada. Ninguém é capaz de
participar de todos os elementos de sua cultura. Fatores como o sexo, a idade e mesmo o
processo de socialização limitam a participação dos indivíduos na cultura. Contudo, há um
mínimo de participação a que o indivíduo deverá ter acesso a fim de permitir-lhe articular-
se com os demais membros da sociedade, pois todos necessitam saber como agir em
determinadas situações e como prever o comportamento dos outros. Dizer “por favor”
ou “muito Obrigado”, por exemplo, faz parte dos padrões de comportamento em nossa
55
Unidade2
Estudos Antropológicos e Políticos
cultura, dos quais todos devemos participar pois não se os rompe impunemente. Como
já se viu, em nossa sociedade de cultura machista a participação da mulher em vários
aspectos de nossa cultura, até pouco tempo, era vedada; observa-se, por exemplo, a
grande sensação gerada com a eleição da primeira presidenta do Brasil.
	 No quarto capítulo vê-se que não há cultura lógica e cultura pré-lógica. Toda
cultura possui uma lógica própria e julgar elementos de uma determinada cultura a
partir de critérios estranhos àquela constitui prática etnocêntrica grotesca. Apoiando-se
em Lévi-Strauss, Laraia (2001) exemplifica como as concepções culturais dependem
da disponibilidade de instrumentos de observação que condicionam as associações
lógicas. Daí, a procedência do geocentrismo (a terra como centro) para o homem
medieval que não dispunha dos meios de observação que possibilitaram a construção
da lógica heliocêntrica (o sol como centro); a pertinência da possessão de seres
sobrenaturais malignos e dos consequentes exorcismos para a cura de doenças ou
das diversas explicações sobre a reprodução humana para certos grupos humanos
que não conhecem os modernos equipamentos ópticos. Destaca-se aqui a diferente
concepção da reprodução humana, base da estrutura do parentesco, dos índios Jê, do
Brasil. Para eles não basta uma relação sexual para formar o novo ser. São necessárias
várias relações para que a criança seja totalmente formada e se ocorrer de a mulher
se relacionar com outros homens naquele período, todos serão considerados pais da
criança e agirão socialmente como tal (Laraia,2001,90). Assim, a rigor, a cultura é uma
forma de classificação da realidade que só pode ser compreendida a partir de sua lógica
específica, de tal modo que, segundo Rodney Needham, citado por Laraia (2001), um
etnólogo, ao iniciar o seu estudo de um povo estranho, pode ser comparado a um cego
de nascença que sofre uma cirurgia e começa a ver, ou seja, não consegue ver direito é
necessário ir se familiarizando pouco a pouco com a nova realidade vislumbrada.
	 No quinto capítulo, aborda-se a questão do dinamismo da cultura. Toda cultura está
em contínua transformação. Propondo-nos comparar as observações de um imaginário
missionário jesuíta do século XVI, no Brasil, com aquelas de um antropólogo atual sobre
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Unidade2 Estudos Antropológicos e Políticos
o comportamento dos indígenas e das formigas saúvas, o autor leva-nos a concluir que
as formigas não mudam seus hábitos enquanto os índios, por mais isolados que estejam,
questionam os seus próprios hábitos e os modificam. Entretanto, é amplo o consenso de
que aquelas culturas de povos ou tribos que vivem mais isoladas mudam mais lentamente
do que aquelas que mantém contados mais intensos com as civilizações, assim como
se sabe que as mudanças em uma cultura podem ocorrer a partir de fatores internos,
como invenções do próprio povo, ou a partir de fatores externos, como o contato com
culturas diferentes que ocasionará a aculturação. Analisando o fenômeno da mudança
o autor contempla a moda, o padrão cultural do baile dos anos 50, padrões de beleza,
regras morais acerca do comportamento sexual das mulheres brasileiras e o conflito de
gerações.
	 Ao final do livro, a título de anexo, Laraia (2001) faz uma longa citação do artigo
“O superorgânico” de Alfred Kroeber, onde se refere a duas experiências narradas por
Heródoto, uma sobre o rei egípcio que pretendia descobrir qual era a língua originária da
humanidade e aquela outra que fala do imperador mongol Akbar que pretendia averiguar
qual era a religião natural da humanidade, e, partindo da incongruência do rei egípcio e da
frustração do imperador mongol, concluiu LARAIA citando Clifford Geertz para quem não
existe uma natureza humana independente da cultura, pois é esta com seus sistemas de
símbolos significantes que orientam a vida humana.
	 Encerrando sua obra, com o que chamou de anexo 2, para ilustrar como a difusão
da cultura, apesar dos exageros das escolas antropológicas difusionistas, realmente
contribuiu para o desenvolvimento atual da humanidade, Laraia (2001) cita um belíssimo
e irônico texto do antropólogo Ralph Linton sobre o começo do dia do homem americano,
desde o seu despertar sobre um leito construído segundo padrão originário do Oriente
Próximo até o seu agradecimento a uma divindade hebraica, numa língua indo-europeia
pelo fato de ser cem por cento americano. Vale a pena lê-lo na íntegra!1
1	 LARAIA, Roque de Barros. Cultura, um conceito antropológico. 14. ed. Rio de Janeiro: Jorge Za-
har Editor, 2001, pp. 105-108.
57
Unidade2
Estudos Antropológicos e Políticos
Módulo 06 – A cultura brasileira
Introdução
	 Como se define a cultura brasileira? Cultura brasileira é algo que existe, mesmo
na multiplicidade de nossas manifestações regionais? Não seria o caso de falarmos de
culturas brasileiras, no plural, assumindo assim, certo dilaceramento de nossa identidade?
O que caracteriza a cultura brasileira, no singular?
	 Regis de Morais trabalha essas questões a partir da seguinte afirmação: “abordar
uma realidade cultural é tomar para estudo exatamente a transformabilidade de algo
dinâmico que se cumpre na dialética entre continuidade e ruptura, inovação e tradição”
(MORAIS, 1989, 11).
	 O Brasil de hoje pouco recorda suas origens coloniais. Entretanto, embora as
coisas tenham mudado muito, na descontinuidade das transformações, encontramos a
insistência de um rosto nacional que paulatinamente amadurece e se mostra.
	 Uma cultura constituída de subculturas insinua o dilaceramento de sua identidade
cultural. Contudo, uma análise mais profunda nos possibilita descobrir as características
estruturadoras que articulam as subculturas, constituindo uma cultura complexa, como é
o caso da cultura brasileira.
	 Segundo Morais (1989), para se falar em culturas brasileiras seria necessário
que as diferenças entre as subculturas que constituem a cultura brasileira fossem mais
radicais do que são, e que as semelhanças básicas entre elas fossem menos evidentes.
Deste modo, entre tantas discussões acerca do conceito de cultura brasileira, Morais
(1989) estabelece alguns referenciais para sua concepção de cultura brasileira no
singular: temos uma história peculiar; somos desiguais de culturas até bem vizinhas;
vivemos elementos básicos de assemelhação das regiões, e temos produções ideológicas
consideradas peculiares; falamos o mesmo idioma, apesar da vastidão do país; o que
aponta para condições mais ou menos comuns de elaboração de uma visão de mundo.
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Apostila estudos antropológicos e políticos

  • 1. ESTUDOS ANTROPOLÓGICOS E POLÍTICOS Agostinho Carlos de Oliveira
  • 2.
  • 3. Diretora Geral Débora Cristina Brattas Andrade Guerra Diretor Acadêmico Gustavo Hoffmann Leão Coelho Vice Diretora Acadêmica Samira Maria Araújo
  • 4.
  • 5. Todos os direitos em relação ao design deste material didático são reservados à FACEB. Todos os direitos quanto ao conteúdo deste material didático são reservados ao autor. Todos os direitos de Copyright deste material didático são reservados à FACEB OLIVEIRA, Agostinho Carlos Estudos Antropológicos e Políticos. 1ª ed. Bom Despacho; FACEB – Cursos de graduação. 184p. Bibliografia
  • 7. Estudos Antropológicos e Políticos HUMANIDADES II UNIDADE I – O SER HUMANO, UM SER CULTURAL I 10 Módulo 01 – Introdução ao estudo da antropologia cultural 10 Módulo 02 – Cultura, um fenômeno antropológico 17 Módulo 03 – Outros conceitos antropológicos 28 Módulo 04 – Teorias da Cultura 37 Resumo da Unidade 46 UNIDADE 2 – O SER HUMANO, UM SER CULTURAL II 47 Módulo 05 – Cultura, um conceito antropológico 47 Módulo 06 – A cultura brasileira 56 Módulo 07 – As culturas negras no Brasil 67 Módulo 08 – O indígena brasileiro 77 Resumo da Unidade 88 UNIDADE 03 – O SER HUMANO, UM SER ÉTICO 90 Módulo 09 – Ética I – A existência ética 90 Módulo 10 – Ética II – A filosofia moral 98 Módulo 11 – A liberdade 112 Módulo 12 – A vida política 121 Resumo da Unidade 131 UNIDADE 04 – O SER HUMANO, UM SER POLÍTICO 132 Módulo 13 – As filosofias políticas antigas e medievais 132 Módulo 14 – As filosofias políticas modernas 143 Módulo 15 – As teorias socialistas e a questão democrática 153 Módulo 16 – Democracia, Direitos Humanos e meio ambiente 167 Resumo da Unidade 181 Referências bibliográficas 182
  • 8. Estudos Antropológicos e Políticos  
  • 10. 10 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos Ementa: O fenômeno humano estudado a partir da questão ética: os valores, a consciência e a liberdade. O fenômeno e o conceito de cultura: natureza, estrutura e finalidade da cultura; como a cultura opera; etnocentrismo, relativismo cultural e interculturalismo; formação e desenvolvimento da cultura brasileira, destacando-se a contribuição das culturas negras e indígenas. O fenômeno e o conceito de poder, na filosofia e na ciência política: desde a polissemia do termo, passando pela discussão sobre sua origem e finalidade; as filosofias políticas, o significado do Estado, e a reflexão sobre a ideologia e a questão da democracia com seus desafios no âmbito da sociedade brasileira face à questão dos direitos humanos e da questão ambiental.  
  • 11. 11 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos UNIDADE I – O SER HUMANO, UM SER CULTURAL I Nesta unidade, a título de introdução, estudar-se-á, primeiramente, a antropologia cultural como ciência, procurando contextualizar sua origem, definir o seu objeto de estudo, mapeando sua evolução epistemológica. Depois, far-se-á uma análise da cultura como fenômeno e conceito antropológico, ou seja, uma manifestação da própria essência do ser humano. Em seguida, retomando brevemente o conceito principal da antropologia cultural, contemplar-se-á alguns outros conceitos correlatos ao conceito de cultura, tal como subcultura, aculturação, etnocentrismo, relativismo cultural e interculturalismo. Por fim, abrir-se-á espaço para o estudo das teorias sobre cultura, passo importante para compreensão mais profunda da cultura como aspecto essencial do ser humano. Módulo 01 – Introdução ao estudo da antropologia cultural Nós vivemos em uma sociedade pertencente à chamada civilização ocidental marcada pela presença da religião cristã, baseada na revelação; uma civilização cujos elementos culturais fundantes remontam à antiguidade grega e romana. Assim, temos e cultivamos a instituição da família monogâmica, baseada na norma segundo a qual o homem ou a mulher só podem ter um único cônjuge ao qual se deve fidelidade e respeito. Apesar de ser esta uma norma sagrada, ou seja, estruturante de nossa sociedade, na prática, não é raro encontrar pessoas, mais frequentemente homens, que ousam assumir a poligamia, mantendo, então, ao mesmo tempo, vínculo conjugal com mais de uma mulher. Esta situação não é uma situação confortável para quem ousa assumi-la. Geralmente, por se tratar de uma afronta a uma norma socioantropologicamente considerada sagrada, a pessoa que assume aquele comportamento, vive em conflito não apenas com sua consciência, mas também com outras pessoas, variando a intensidade do mesmo conforme seja a personalidade dos atores, mais ou menos socioculturalmente integrada, ou conforme a proximidade com as outras pessoas. Entretanto, graças a antropologia cultural, sabemos que há vários povos
  • 12. 12 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos pertencentes à chamada civilização oriental, marcada pela presença de várias religiões baseadas na iluminação, uma civilização cujos elementos culturais fundantes são diferentes daqueles da civilização greco-romana. A instituição da família monogâmica é estranha para vários povos do oriente. Há entre eles aqueles que cultivam a família poligâmica ou poliândrica, baseada na norma segundo a qual a pessoa pode ter tantos cônjuges quantos puder assistir de forma digna, ou seja, o homem ou a mulher mantêm o vínculo conjugal com tantas mulheres ou homens que lhes for possível; sem falar dos povos que adotam o casamento grupal, sendo os filhos, filhos da comunidade. Nesta mesma perspectiva, tratando do comportamento sexual dos povos, o que dizer dos esquimós que vivem na região do polo norte que possuem o costume de, assim como nós oferecemos um cafezinho quentinho para o amigo que nos visita, manifestando simpatia e cortezia, oferecem suas esposas àqueles que os visitam? Então, considerando que do ponto de vista físico-biológico é o mesmo ser humano que vive no ocidente e no oriente, como considerar esses diferentes comportamentos referentes ao relacionamento afetivo-sexual? Poder-se-ia dizer que um comportamento é certo e outro é errado? Como você os avalia? Será que a antropologia cultural fornece luzes para se compreender a diversidade cultural da humanidade? O objeto de estudo da antropologia Desde que o homem é homem, há quem se interrogue sobre o ser humano e elabore um discurso artístico, teológico ou filosófico sobre o homem, entretanto, uma ciência, no sentido moderno, do ser humano é bastante recente, data dos fins do século XVIII e inícios do século XIX na Europa. A antropologia como ciência afirmar-se-ia mesmo apenas na segunda metade do século XIX. A metodologia científica de então exige uma radical dualidade entre o observador e o observado, ou seja, uma separação clara entre sujeito observante e objeto observado tal como havia na física ou na biologia. Na antropologia aquele distanciamento exigido entre sujeito e objeto só poderia
  • 13. 13 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos ser alcançado com um efetivo distanciamento geográfico, de tal modo que os primeiros antropólogos tomaram as sociedades longínguas, de dimensões restritas e com poucos contatos com os vizinhos como objeto de estudo. Sociedades simples e bastante diferentes se comparadas à complexidade de nossas sociedades. Estabelecido que o objeto da antropologia era o estudo das populações não pertencentes à civilização ocidental, quando a antropologia, no início do século XX, define os seus próprios métodos de pesquisa, descobre-se que o seu objeto, as sociedades primitivas, por força da evolução social, está desaparecendo; uma circunstância crítica que permite indagar se seria o fim da antropologia como ciência, já que seu objeto tendia ao desaparecimento. Eis que surgem três caminhos face àquela crise: primeiro, aceita-se a morte da antropologia migrando-se seus estudiosos para outras ciências humanas, particularmente para a sociologia; segundo, busca-se um novo objeto para a antropologia, mudando-se o foco do “selvagem” em extinsão para o “camponês”, ainda largamente encontrado, adotando-se o distanciamento socio-cultural interno ao invés da distancia geográfica das sociedades primitivas; por fim, o caminho mais promissor: a antropologia não depende de um espaço geográfico ou cultural mas consiste em um certo olhar sobre o homem inteiro em todas as sociedades de todos os tempos. O estudo do homem inteiro Marconi (2001), concebendo a Antropologia como a ciência da humanidade e da cultura, dilata seu campo de investigação a toda a terra habitada e a, pelo menos, dois milhões de anos, bem como a todas as sociedades organizadas, dividindo seu campo de estudo em Antropologia Física e Antropologia Cultural, subdividindo estes dois campos de modo a abranger os diversos aspectos do ser humano. Laplantine (2000) afirma que só é antropológica uma abordagem integrativa das múltiplas dimensões do ser humano. Para ele relacionar campos de investigação frequentemente separados, sempre visando o ponto de vista da totalidade, é uma das
  • 14. 14 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos maiores vocações da antropologia. Em razão da vastidão do campo de investigação da antropologia bem como da impossibilidade de um pesquisador dominá-lo integralmente, surge a necessidade de dividi-lo para depois integrar os saberes produzidos. Segundo Laplantine são cinco áreas principais de estudo: antropologia biológica; antropologia pré-histórica; antropologia linguística; antropologia psicológica e antropologia social e cultural. A antropologia biológica também chamada de antropologia física estuda as características biológicas do ser humano no espaço e no tempo, sempre atenta à interação da genética com o meio geográfico, ecológico e socio-cultural, procurando descobrir as influências recíprocas daqueles campos, mapeando o que diz respeito ao inato, isto é, aquilo que é natural, e mapeando o que se refere ao adquiro, ou seja, aquilo que é cultural. A antropologia pré-histórica estuda o ser humano e as sociedades desaparecidas, suas técnicas, organizações sociais e produções artístico-culturais através de vestígios materiais enterrados no solo (sítios arqueológicos). A antropologia psicológica estuda os processos e o funcionamento do psiquismo humano. Trata-se, segundo Laplantine, de um campo importante da antropologia pois todos os saberes sobre a totalidade humana visada pela antropologia passam, em razão de sua metodologia, pelo confronto com os comportamentos conscientes e inconscientes dos seres humanos individuais. A antropologia social e cultural também conhecida como etnologia (estudo da cultura) possui uma considerável abrangência pois estuda tudo o que constitui uma sociedade: modos de produção econômica; técnicas; organização politico-jurídica; sistemas de parentesco, de conhecimento, de crenças religiosas, lingua, psicologia e artes em geral. Deste modo, sem se esquecer que as cinco áreas relacionadas se articulam para produzir a visão do ser humano integral, toda vez que neste estudo se referir à antropologia é à antropologia social e cultural, ou simplesmente, antropologia cultural que se estará referindo.
  • 15. 15 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos O estudo do homem em sua diversidade A antropologia enquanto etnologia não é apenas o estudo de tudo o que compõe uma sociedade, mas o estudo das culturas da humanidade como um todo, em sua rica diversidade geográfica e histórica. A antropologia desenvolveu um modo de conhecer a partir do estudo das sociedades primitivas: a observação direta, por impregnação lenta e contínua de grupos humanos diferentes com os quais se mantém uma relação pessoal. Fazendo- se assim a experiência da alteridade, ou seja, a experiência do alter ou do outro, do diferente, descobre-se que aquilo que julgávamos ser natural é, de fato, cultural. Daí que o “estranhamento” em relação às culturas diferentes modifica o nosso olhar sobre a nossa própria cultura. Presos a uma única cultura, passamos a considerá-la natural e não percebemos que os nossos gestos, posturas, sentimentos, reações ou comportamentos são todos culturais. “O conhecimento (antropológico) da nossa cultura passa inevitavelmente pelo conhecimento das outras culturas” (LAPLANTINE, 2000, 21). O conhecimento de culturas diferentes, obviamente, leva-nos a perceber que a nossa cultura é apenas uma cultura possível e não a única. Nesta perspectiva descobrimos também que se há algo natural no ser humano, algo que caracteriza a unidade do ser humano, tal algo é a capacidade de inventar modos de vida ou formas de organização social diversas. Assim, a antropologia visa o reconhecimento e o conhecimento da humanidade em sua pluralidade, ou seja, a antropologia tematiza o dilema da “conciliação da unidade biológica e a grande diversidade cultural da espécie humana” de que falava Clifford Geertz (LARAIA, 2001,10). Isto posto, há de se imaginar o quanto a abordagem antropológica pode contribuir para o amadurecimento do ser humano no sentido de romper com uma visão estreita, aquela que concebe a existência de um “centro do mundo” a partir de sua própria cultura, e se adotar uma perspectiva mais reflexiva e crítica, sempre questionada pelo confronto da multiplicidade cultural que nos possibilita superar aquela tendência à naturalização do
  • 16. 16 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos social. Abordagens antropológicas François Laplantine, em “Aprender Antropologia” (1988) fala de quatro aspectos em relação aos quais os antropólogos divergem em suas abordagens antropológicas. O primeiro aspecto refere-se à própria denominação da ciência: etnologia ou antropologia? Se se opta por acompanhar os franceses que adotam etnologia, então, enfocar-se-á especialmente a pluralidade irredutível das etnias ou culturas; se se acompanha os anglo-saxônicos, adotando-se antropologia, ressalta-se a unidade do gênero humano; sendo antropologia social que foca, como fazem os britânicos, o estudo das instituições, ou antropologia cultural que prioriza o estudo dos comportamentos, conforme os norte-americanos. O segundo aspecto problemático da abordagem antropológica é a suspeita que recai sobre sua cientificidade em razão da coincidência entre sujeito e objeto: seria possível uma abordagem objetiva do ser humano, atendendo assim à exigência do método das ciências da natureza? Enquanto para Radcliffe-Brown e seus seguidores as sociedades são sistemas naturais e devem ser estudadas com o método das ciências da natureza, para Evans-Pritchard e seus adeptos as sociedades são sistemas simbólicos e não orgânicos, de modo que a antropologia não é uma ciência, mas uma arte. Neste contexto, Levi-Strauss substitui o modelo orgânico dos ingleses por um modelo linguístico, mostrando como a antropologia trabalha no encontro da natureza com a cultura e que, portanto, é uma ciência social, mas que pode e deve aspirar ser uma ciência natural. O terceiro aspecto polêmico é a relação entre antropologia e história. Enquanto uma corrente de antropológos em seus estudos não leva a história em consideração pois não reconhece sua contribuição, outra empenha-se em mostrar como a antropologia pode se enriquecer com o conhecimento da história, como fez Gilberto Freire no Brasil. A propósito é oportuno lembrar, os conceitos de “sociedades frias” e “sociedades quentes” de Levi-Strauss, nem sempre bem entendidos: sociedades frias são aquelas sociedades
  • 17. 17 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos primitivas que vivenciam sua historicidade presente cultivando as estórias a respeito de sua origem, enquanto sociedades quentes são aquelas que a exemplo das nossas, vivenciam sua historicidade, apoiadas na concepção de história como motor de seu desenvolvimento. (GOLDMAN, 1999). Por fim, um quarto aspecto conflitivo que envolve a antrologia refere-se ao papel da antropologia face à realidade. Afinal, “o antropólogo” deve contribuir, enquanto antropólogo, para a transformação das sociedades que ele estuda?” (LAPLANTINE, 2000,29). Na hipótese positiva, não estaria deixando de ser antropólogo e tornando-se um militante político? O fato é que ao longo da história, os antropólogos tem-se dividido, determinando a existência de uma antropologia pura e de uma antropologia aplicada. Laplantine defende que o antropólogo não deve trabalhar para transformação das sociedades que estuda, mas contribuir para que uma determinada cultura explicite para ela mesma sua própria diferença. Neste sentido, percebe-se que se filia à antropologia pura. Contudo, por outro lado, sustenta que o antropólogo se vê confrontado por uma dupla urgência à qual tem o dever de responder: urgência de preservação dos patrimônios culturais locais ameaçados e a urgência de análise das mutações culturais impostas pelo desenvolvimento contemporâneo urbano-industrial marcado pelo racionalismo social, perspectiva que enseja a atuação no campo da antropologia aplicada.
  • 18. 18 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos Módulo 02 – Cultura, um fenômeno antropológico O que é cultura? Qual a natureza da cultura? Quais os sentidos da palavra cultura? O que é natureza? Existe uma natureza humana? Em que sentido podemos falar de natureza humana? Qual a diferença entre natureza e cultura? Como é a cultura? Como analisar a cultura? Estas são algumas questões que serão trabalhadas neste módulo. Marilena Chauí, em seu “Convite à Filosofia”, aborda o tema de uma forma muito inteligente. Para nos ajudar a compreender o que é cultura, provoca nossa reflexão fazendo-nos pensar sobre a natureza, especialmente sobre a ideia de “natureza humana”. Apresenta-nos questões contraditórias que ao serem analisadas nos levam a concluir que não existe exatamente uma natureza humana. Por exemplo: “as mulheres são naturalmente frágeis e sensíveis, porque nasceram para a maternidade e para a lida doméstica” e “os homens são naturalmente fortes e racionais, feitos para o comando e a vida pública”. Dizer que algo é natural é dizer que o mesmo ocorre por força da natureza, ou seja, significa dizer que tal coisa não depende da ação intencional dos seres humanos. A natureza é o reino da necessidade, nela as coisas existem e funcionam seguindo uma causalidade necessária e universal. Considerando que há sociedades onde, enquanto os homens assumem a elaboração da alimentação e o cuidado da casa, as mulheres se ocupam em fazer a guerra e comandar a comunidade, não se pode admitir que haja uma natureza humana, como sugerem as frases acima, determinando o que os seres humanos devem pensar e sentir ou como devem agir. Portanto, do ponto de vista das ciências humanas e da filosofia não se admite a existência de uma natureza humana universal e intemporal, determinando previamente o ser do ser humano. A “natureza” dos seres humanos é a de ser seres históricos, econômicos, políticos, sociais e culturais. Eles vivem não sob o jugo da causalidade necessária e universal, característica da natureza, mas sim, em condições existenciais concretas, sob a inspiração da inteligência e da liberdade, distintivo da cultura face à natureza.
  • 19. 19 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos Natureza da cultura A palavra cultura é uma palavra polissêmica, isto é, uma palavra que possui vários sentidos. O primeiro sentido de cultura é o sentido etimológico, derivado do termo latim “colere” que significa cultivo, daí o significado de agricultura: o cultivo do campo, da terra ou das lavouras, ou seja, o cuidado que as pessoas do campo dispensam a suas plantações para que floresçam e produzam frutos. Daí, falar-se de cultura de arroz, de feijão ou de milho. Osensocomumcostumaidentificarculturacomacervoouvolumedeconhecimento. Assim, é frequente se ouvir dizer: “Fulano é uma pessoa culta, inclusive fala várias linguas”, ou ainda, “Siclano não tem cultura para ocupar aquele cargo”. Observa-se que cultura neste sentido restrito refere-se a algo que as pessoas podem ou não possuir; deste modo, pode-se dizer que alguém é culto ou inculto. Como já se viu em estudos anteriores, para a sociologia, cultura é uma perspectiva ou visão de mundo compartilhada pelas pessoas em uma determinada organização social a partir de suas crenças, valores, objetivos e normas, ou seja, o horizonte de sentido pelo qual as pessoas se orientam na vida individual, comunitária e social. Como se vê, uma concepção que destoa das anteriores. No âmbito da antropologia, como registra Marconi (2001), mais de uma centena e meia de definições de cultura já foram elaboradas, sem que os antropólogos chegassem a um acordo sobre a adequação satisfatória de uma única elaboração. Analisando as definições mais encontradas, destacam-se aqui algumas mais expressivas: a primeira definição de cultura que predominou no campo da antropologia por várias décadas, foi a de Edward Tylor, segundo a qual cultura é “aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade” (TYLOR apud MARCONI, 2001, 43), um conceito que ressalta claramente como a cultura não é inata, mas adquirida pelo ser humano. Para Franz Boas, cultura é “a totalidade das reações e atividades mentais e físicas que caracterizam o comportamento dos indivíduos que
  • 20. 20 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos compõem um grupo social...” (BOAS apud MARCONI, 2001,43); uma definição sintética, mas abrangente, pois quando fala de “reações e atividades mentais e físicas” aponta dois aspectos fundamentais da cultura, o abstrato e o concreto, o interno e o externo, ou ainda, o subjetivo e o objetivo. Para Malinowski, cultura é “o todo global consistente de implementos e bens de consumo, de cartas constitucionais para os vários agrupamentos sociais, de ideias e ofícios humanos, de crenças e costumes” (MALINOWSKI apud MARCONI, 2001, 43); uma definição importante, pois quando fala de implementos e bens de consumo ressalta a participação também de elementos materiais na concepção de cultura. Para Clifford Geertz “a cultura deve ser vista como um conjunto de mecanismos de controle – planos, receitas, regras, instituições – para governar o comportamento” (GEERTZ apud MARCONI, 2001,44); uma concepção em que a cultura é comparável ao software face ao hardware, ou seja, comparável ao programa que faz funcionar o computador. Neste sentido a cultura equivaleria a um conjunto de programas que vão sendo implantados no ser humano desde a sua primeira infância através do processo de socialização para que o mesmo possa funcionar bem na sociedade. Percebe-se que entre tantos sentidos da palavra cultura, o antropológico é mais amplo e englobante. Para a antropologia, numa palavra, cultura é o modo de vida de um povo, compreendendo esta expressão “modo de vida”, em latim, modus vivendi, um conjunto de elementos materiais e não materiais que possibilitam, em todos os aspectos, a vida dos seres humanos numa sociedade concreta. Isto posto, percebe-se que cultura, do ponto de vista antropológico, pode ser analisada sob vários enfoques: cultura como ideia; cultura como abstração do comportamento; cultura como comportamento aprendido; cultura como coisa extra- somática, ou seja, fora do corpo humano, e cultura como mecanismo de controle. Tomando-se a cruz como exemplo para análise, tem-se a cruz como ideia ou imagem na mente; tem-se a cruz como abstração, enquanto símbolo dos cristãos; tem-se a cruz como comportamento aprendido quando, por exemplo, o católico faz o sinal da cruz; tem- se a cruz por si mesma, independente da ação humana, como coisa extra-somática, e,
  • 21. 21 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos por fim, como mecanismo de controle, quando usada para se obter a reverência dos fiéis ou no rito de exorcismo. Para Leslie White os elementos que constituem a cultura são coisas e acontecimentos que se encontram nos espaço e no tempo, assim quanto a sua localização podem ser classificados em intraorgânico”, “interorgânico” e “extraorgânico”. Conceitos, crenças, emoções e atitudes são intraorgânicos, ou seja, estão dentro dos organismos; os processos de interação social entre os seres humanos são interorgânicos, isto é, entre os organismos; e objetos como machados, ferrovias ou computadores são extraorgânicos; isto é, estão obviamente fora do corpo humano. Uma concepção frequentemente encontrada entre os antropólogos é aquela segundoaqualaessênciadaculturasãoideias,abstraçõesecomportamento.LeslieWhite tem uma postura crítica em relação a esta concepção. Para ele, ideias ou conhecimentos fazem parte da cultura, mas não são a totalidade da cultura, que inclui também atos evidentes e objetos materiais. A concepção de cultura apenas como ideias é, para White, uma concepção pré-científica e ingênua pois, por ser abstração, algo intangível e imperceptível, localiza-se fora do campo científico. Também a ideia de cultura como comportamento humano é ponderada por White, pois, para ele, atos ou acontecimentos, objetos ou coisas que integram a cultura não são meros comportamentos, mas uma concretização do comportamento humano, portanto, possuindo necessariamente uma dimensão extra-somática. Refletindo sobre a cultura, os estudiosos classificam-na sob vários aspectos. Uma classificação comumente encontrada é a de cultura material e cultura imaterial (espiritual), ou ainda, cultura real e cultura ideal. Cultura material consiste em coisas materiais, instrumentos, artefatos e outros bens tangíveis fruto da criação humana, por exemplo: machados de pedra, alimentos, habitações, vestuários, máquinas, carros, aviões, celulares, computados e etc. Cultura imaterial é constituída por elementos sem substância material, por exemplo: crenças, conhecimentos, hábitos, normas, valores e etc. Na verdade, uma distinção apenas
  • 22. 22 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos didática, para se pensar e compreender o fenômeno da cultura, pois material e imaterial referem-se, na prática, a dois aspectos distintos da mesma realidade, visto que estão efetivamente entrelaçados. Para constatação deste fato, basta imaginar quanto de conhecimento, elemento imaterial, por exemplo, é necessário para construção de uma casa ou de um carro, expressões da cultura material. Cultura real é aquela que todos os membros de uma sociedade praticam, pensam ou testemunham em suas atividades cotidianas, embora não possa ser percebida em sua totalidade. Cultura ideal é a cultura normativa, um conjunto de comportamentos considerados bons, perfeitos, mas, muitas vezes, além do alcance comum. Exemplos: o casamento indissolúvel como cultura ideal e o casamento nem sempre indissolúvel como cultura real. Componentes da cultura Segundo Marconi (2001), a cultura, de um modo geral, possui os seguintes componentes cognitivos: conhecimentos, crenças, valores, normas e símbolos. Conhecimentos são saberes práticos ou teóricos que possibilitam a sobrevivência das pessoas. Crenças consistem em atitudes mentais do indivíduo face a uma proposição verdadeira ou falsa, e que servem de base à ação voluntária. Valores são qualidades que indicam que objetos e situações são considerados bons, desejáveis ou não. Normas são regras que indicam o modo certo dos indivíduos agirem em determinadas situações. Símbolos são realidades físicas ou sensoriais às quais os indivíduos atribuem valores e significados específicos. Analisando melhor esses componentes cognitivos da cultura, uma crença é uma ideia sobre o que é ou que não é verdade, ou seja, é a aceitação de uma determinada proposição, como verdadeira ou como falsa. Consiste numa atitude mental com conotação emocional do indivíduo, servindo, portanto, de base para sua ação. Há três tipos de crenças: pessoais, declaradas e públicas. Pessoais são aquelas aceitas por um indivíduo independente dos demais indivíduos; por exemplo: acreditar em lobisomem. Declaradas
  • 23. 23 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos são aquelas que uma pessoa aparenta aceitar como verdadeiras em seu comportamento público, apenas para se justificar; por exemplo: ser favorável à democracia e à igualdade dos sexos. Públicas são aquelas aceitas por um grupo como suas crenças comuns, por exemplo, o mistério da encarnação para os cristãos, ou seja, Deus nasceu neste mundo como um ser humano, assumindo a condição humana no tempo e no espaço. Por fim, as crenças podem ser verdadeiras ou falsas. As crenças falsas correspondem ao conceito de ideologia criado por Karl Marx, como ideias sem fundamento na realidade, ideias que iludem o indivíduo, falseando a realidade. Quanto aos valores, o termo valor refere-se a algo que não nos é indiferente, algo, portanto, que consideramos mais ou menos relevante. Algo que geralmente nos mobiliza, desde nosso interior, em nossas ações. Há valores dominantes e valores secundários. Por exemplo, o direito à vida e o direito à liberdade são valores dominantes, enquanto “lavar as mãos antes das refeições” ou “saudar um conhecido na rua” são valores secundários em nossa cultura. Quanto à qualidade, há seis tipos de valor: tecnológico, econômico, moral, ritual, estético e associativo. Nota-se o quanto os valores são também constitutivos fundamentais da cultura! As normas são regras ou princípios que nos obrigam a agir de determinado modo, quer dizer, definem o jeito certo de agir no grupo ou na sociedade, de tal modo que elas (as normas) implicam em expectativas de comportamento. Graças às normas vigentes, as quais internalizamos por força da educação que tivemos, sabemos como agir e sabemos como os outros agirão em dada situação, assim, a vida fica no “automático”, não precisamos gastar muita energia e nos estressar imaginando como devemos nos comportar ou como as pessoas se comportarão. Isto posto, há normas ideais e comportamentais. As ideais são aquelas que os membros de uma sociedade deveriam praticar: enterrar ou cremar os mortos. As comportamentais são os comportamentos reais dos indivíduos que fogem às normas ideais, por exemplo, a pulseira no tornozelo. As normas ideais podem ser classificadas em cinco categorias: obrigatórias, preferenciais, típicas, alternativas, restritas.
  • 24. 24 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos Por fim, talvez o conceito de símbolo seja o mais básico conceito para se entender o que é cultura. Símbolo é o primeiro elemento constitutivo da cultura, ou seja, é o átomo, a menor parte constitutiva da cultura. Símbolo é qualquer realidade física ou sensorial a que os indivíduos atribuem coletivamente um valor ou significado específico. Por exemplo, tomemos as letras “a”, “m”, “o” e “r”, associemos estas letras e teremos a palavra “amor”, uma palavra extremamente significativa em nossa vida cotidiana, pois, em nossa cultura, designa o próprio sentido ou razão de ser da vida. Se as associarmos na sequência contrária teremos “roma”, uma palavra também significativa pois nos designa uma das mais antigas cidades do mundo, entretanto, não tem o peso em nossa vida cotidiana da palavra “amor”. Veja, então, o poder do símbolo e sua fundamentalidade na constituição da cultura. Somos capazes de, pelas nossas crenças e valores, simbolizar o mundo e assim produzir e transmitir conhecimento, dando sentido à vida e ao mundo. De acordo com o significado os símbolos podem ser arbitrários, partilhados e referenciais. O símbolo é arbitrário à medida que não têm relação intrínseca ou obrigatória entre o objeto e o símbolo; por exemplo, a propriedade física da cruz e os valores simbólicos que lhe são atribuídos pelos cristãos. O símbolo é partilhado quando tem o mesmo significado para diferentes culturas; por exemplo, a palma como aplauso. O símbolo é referencial quando se refere a uma coisa específica; por exemplo, o hino nacional brasileiro. O símbolo, ao lado da crença, está na base da vida humana. Como já se viu, possibilita a comunicação simbólica através especialmente da linguagem, sendo a palavra o símbolo por excelência. O símbolo possibilita, pois, o pensamento e a liberdade humana, assim como possibilita toda a organização da sociedade através das estruturas, da cultura e instituições sociais. Estrutura da Cultura Para se analisar e compreender a estrutura da cultura os antropólogos desenvolveram conceitos como traços culturais, complexos culturais, padrões culturais,
  • 25. 25 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos configurações culturais, áreas culturais e subcultura. Vamos entender esses conceitos! Segundo Marconi (2001), todos os elementos que constituem a cultura possuem, cada um deles, forma e função. A forma é o feitio ou maneira como uma coisa se apresenta ou se manifesta, enquanto a função é o tipo de ação ou procedimento de um elemento em relação com outros dentro da cultura; por exemplo, um anel pode ter várias formas (materiais diferentes, medidas diferentes) e várias funções (enfeite, compromisso, status). Os elementos culturais, também chamados de traços culturais, referem-se à menor unidade ou componente significativo da cultura que pode ser isolado no comportamento cultural. Todo elemento cultural tem dois aspectos, objetivo e subjetivo, ou seja: o objeto em si e o seu significado. Traços ou elementos culturais são constituídos de itens, os quais, por si sós, não têm valor. Por exemplo, tomando a caneta como um traço cultural, seus itens (carcaça, refil, tinta, tampa) isoladamente não têm valor. São exemplos de elementos culturais: caneta, mesa, vestido, aperto de mão, oração e festa. O que são complexos culturais? Segundo Marconi (2001), consistem no conjunto de traços associados, formando um sistema ou um todo funcional que agrupa em torno de um foco de interesse determinadas características culturais. Por exemplo, o carnaval brasileiro é um complexo cultural que integra vários elementos ou traços culturais: carros alegóricos, música, dança, instrumentos musicais, desfile, organização e etc. Outros exemplos de complexos culturais: o café; o fumo; o casamento a tecelagem caseira. O que são padrões culturais? Padrões culturais são “os contornos adquiridos pelos elementos de uma cultura e as coincidências dos padrões individuais de conduta que dão coerência, continuidade e forma diferenciada ao modo de vida em uma determinada sociedade” (HERSKOVITS apud MARCONI, 2001,55). Assim, o padrão consiste em uma norma comportamental generalizada que reflete as maneiras de pensar, sentir e agir, estabelecendo o que é aceitável ou não na conduta das pessoas em uma dada sociedade. O padrão cultural, tal como o padrão social já estudado, surge da interação das
  • 26. 26 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos pessoas em circunstâncias concretas da vida humana, quando então definem um modo de interpretar aquela situação e um modo de agir; daí pela repetição contínua daquele comportamento por parte de várias pessoas na sociedade desenvolve-se o padrão cultural. São alguns exemplos de padrões culturais que constituem a cultura total no Brasil: batizar as crianças; ir à igreja aos domingos; tomar cerveja com os amigos no final de semana; comer três vezes ao dia; assistir ao futebol ou à novela. O que são configurações culturais e qual a importância deste conceito para a antropologia? Configuração cultural consiste na integração dos diferentes traços e complexosculturais,formandoumaculturaespecífica;ouseja,éoqueresultadeumarranjo único que articula as diferentes partes de uma cultura. A importância deste conceito está vinculada ao fato de ser a configuração cultural uma qualidade específica que caracteriza uma cultura, pois os mesmos elementos ou complexos culturais combinados de outra maneira, ou seja, tendo uma outra configuração, resultam em culturas diferentes. Por fim, qual o significado do conceito de área cultural e qual sua importância para antropologia? Área cultural são territórios geográficos onde a cultura apresenta uma mesma configuração, isto é: os indivíduos compartilham os mesmos padrões de comportamento. Trata-se de um conceito importante para o conhecimento dos povos ágrafos ou mesmo para se descobrir a origem de uma cultura, perceber e analisar os fenômenos da mudança cultural e da difusão da cultura. Natureza e cultura Para se fechar este módulo, retoma-se a reflexão proposta em sua introdução, buscando-se compreender a natureza da cultura através da explicitação da diferença, do ponto de vista filosófico, entre natureza e cultura. Segundo Marilena Chauí (2000), no pensamento ocidental, natureza também possui vários sentidos: natureza como princípio vital ou uma força espontânea capaz de gerar e cuidar da vida, ou seja, a natureza como a substância dos seres; natureza como essência própria de um ser ou o conjunto de qualidades, propriedades e atributos
  • 27. 27 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos que definem um ser, ou seja, aquilo que faz com que o ser seja o que é; natureza como uma organização universal dos seres por força das necessárias relações de causalidade entre eles; natureza como tudo aquilo que existe no universo e se mantém sem qualquer interferência humana, ou seja, o natural é aquilo que se opõe ao artificial; natureza como o conjunto das condições físicas onde vivemos, ou seja, o meio ambiente que existe fora de nós; por fim, um sentido destoante: natureza como objeto de conhecimento produzido pelas ciências, ou seja, um campo objetivo produzido pela atividade do conhecimento, com o auxílio de instrumentos tecnológicos, de modo que a ideia de natureza torna-se uma construção ou um objeto cultural. A cultura no âmbito da antropologia pode ser considerada, como se viu, sob vários aspectos: objetivo, subjetivo e intersubjetivo; como realidade material ou espiritual; como algo que está necessariamente vinculado ao ser humano, embora não lhe seja inato, mas é produzida ou adquirida por ele no convívio social e que vai sendo transmitida e enriquecida de geração em geração; portanto, a cultura revela-se como um fenômeno antropológico. Sendo assim, percebe-se claramente alguns aspectos da natureza da cultura, isto é, alguns aspectos característicos ou próprios do seu ser. Em primeiro lugar, a cultura, assim como o seu sujeito, o ser humano, é, uma realidade histórica e inacabada; está no tempo e no espaço, e vai se constituindo progressivamente conforme a dialética que rege as ações humanas, sempre pautadas pelas necessidades humanas e refletindo os altos e baixos da economia e o movimento das relações de poder. Em segundo lugar, a cultura é, tal como o seu sujeito, o ser humano, um fenômeno social, pois se constitui a partir da interação entre os seres humanos; sem dizer que é social porque se difunde de região para região e de geração para geração graças também à interação social. Por fim, numa palavra, a cultura é artificial, ou seja, a cultura não é natural no sentido de que é necessária ou que possa se dar sem a intervenção do ser humano; a cultura é arte. Hegelianisticamente, a cultura é a manifestação do espírito, isto é, concretização da inteligência e liberdade do ser humano.
  • 28. 28 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos Pode-se afirmar que a cultura é o contraponto da natureza. Destacando-se o sentido de natureza como tudo aquilo que existe e se mantém sem qualquer interferência humana, a cultura, por sua vez, engloba tudo aquilo da realidade que possui o toque humano, ou seja, tudo aquilo que resulta de alguma intervenção do ser humano, um ser inteligente e livre, numa palavra, um ser cultural por natureza.
  • 29. 29 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos Módulo 03 – Outros conceitos antropológicos Será que os conceitos nos ajudam a compreender a realidade? Segundo o filósofo Ludwig Wittgenstein, o nosso mundo tem as dimensões de nosso vocabulário. A crer no filósofo da linguagem, vale a pena nos empenharmos em conhecer alguns outros conceitos, ampliando assim o nosso vocabulário antropológico. Considerando a aplicabilidade da antropologia na própria vida pessoal e nas mais diversas áreas de atuação profissional, importa entender claramente o conceito de cultura que é o conceito básico da antropologia, mas também uma série de outros conceitos relacionados ao de cultura para que nas situações concretas da vida profissional, saiba- se, com a ajuda daqueles conceitos, contextualizar e resolver competentemente os problemas. Portanto, apresentam-se aqui, de modo objetivo, alguns outros conceitos do campo da antropologia que lhe serão úteis, não só para compreender a cultura brasileira, palco de sua atuação cidadã e profissional, mas lhe possibilitarão, no confronto das realidades concretas, analisá-las, compreendê-las e nelas intervir de forma competente: cultura, cultura simples, cultura complexa, subcultura, contracultura, cultura dominante, cultura de massa, cultura popular, mudança cultural, difusão cultural, endoculturação, aculturação, deculturação, etnocentrismo, relativismo cultural e interculturalismo. Conceitos correlatos de cultura 1. Cultura Considerando a reflexão do módulo anterior sobre o fenômeno e o conceito de cultura, limita-se aqui a recordar a diferença entre a acepção de cultura para o senso comum, geralmente interpretada como erudição, ou seja, volume ou acervo de conhecimento, e a acepção de cultura para as ciências sociais, especialmente para a antropologia, como modus vivendi de um povo com sua história específica, suas crenças, seus valores e normas encarnadas nas diversas instituições que mantém a vida do indivíduo, da comunidade ou da sociedade.
  • 30. 30 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos 2. Cultura simples Cultura simples é uma cultura homogênea, isto é, uma cultura da qual toda a comunidade participa. A divisão dos trabalhos e tarefas simples, necessárias à vida cotidiana das pessoas, é feita praticamente apenas em relação ao sexo e à idade das pessoas. Assim, uma cultura simples é própria de organizações sociais pequenas, a exemplo de nossas comunidades ou tribos indígenas que ainda vivem um tanto isoladas. Logo, cultura simples existe apenas em uma sociedade simples, classificadas por Levi- Strauss como sociedades ou culturas frias. 3. Cultura complexa Cultura complexa é uma cultura heterogênea, isto é, uma cultura da qual não é possível ao indivíduo participar de todos os seus aspectos. São múltiplos os trabalhos que devem ser realizados para se atender às necessidades cotidianas da vida das pessoas. Assim, uma cultura complexa é formada por várias subculturas, levando-se em conta as dimensões da sociedade. Por exemplo, temos no Brasil, uma cultura complexa formada por diversas subculturas. Logo, ao contrário da cultura simples, a cultura complexa existe nas sociedades complexas, denominadas por Levi-Strauss de sociedades ou culturas quentes. 4.Subcultura Embora, este conceito já tenha sido abordado no módulo anterior, vale ressaltar que subcultura, alertam-nos todos os autores, não se refere a uma cultura inferior. Aliás, não existe cultura inferior ou superior, o que existem são culturas diferentes. Uma subcultura refere-se à cultura de uma parcela específica de pessoas dentro de uma determinada sociedade. Assim, tem-se vários tipos de subculturas: etária, regional, profissional, religiosa, de classe. Uma subcultura etária refere-se ao modo de vida das pessoas conforme suas idades; o jovem, por exemplo, tem um modo de vestir, um gosto musical, um jeito de se
  • 31. 31 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos divertir, um ritmo de vida próprio de sua idade ou de seu tempo, diferente do adulto ou do idoso. Uma subcultura regional refere-se ao modo de vida próprio das regiões. O Brasil de dimensões continentais apresenta várias culturas regionais; por exemplo, para ficarmos no campo da culinária, enquanto o sulista aprecia churrasco ou chimarrão, o nordestino preza a buchada de bode, o cuscuz e o acarajé. Uma subcultura profissional refere-se ao jeito de ser desenvolvido pelos profissionais de determinada área, inclui desde vestimentas próprias, um linguajar específico até aspectos mais sutis como a forma de pensar, de sentir e de agir. Quanto maior a divisão do trabalho na sociedade maior o número de subculturas profissionais. Se a diferença é evidente entre o modo de ser de um médico e de um pedreiro, se prestar atenção perceberá também a diferença do modo de ser médico e o modo de ser advogado. Uma subcultura religiosa refere-se ao modo de pensar, de sentir e de agir ou ao modo de se comportar das pessoas conforme as crenças religiosas que ela cultiva. Dois clássicos estudos sociológicos revelam este fato, “A ética protestante e o espírito capitalista” de Max Weber e “O suicídio” de Émile Durkheim. Não se precisa ir tão longe, basta observar as pessoas que conhecemos e que participam de Igrejas diferentes e perceberemos as diferentes culturas ou os diferentes modos de ser. Uma subcultura de classe refere-se ao modo de vida das pessoas que pertencem a classes sociais diferentes. Óbvio, conforme a classe social as pessoas tem oportunidades de vida diferentes e desenvolvem hábitos, costumes ou estilos de vida diferentes. Enquanto o empresário vai trabalhar no seu carro importado ou até em seu helicóptero, seus empregados se apertam no coletivo, viajando horas para chegar a tempo de bater o ponto; estes diferentes ritmos de vida acabam por desenvolver modos de ser humano também diferentes. 5. Contracultura
  • 32. 32 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos A contra-cultura, como a análise da palavra indica, refere-se a uma cultura contrária à cultura dominante. Diferentemente das subculturas que, de algum modo, afirmam os valores da cultura complexa a que pertence, a contracultura é um modo de ser, ou seja, de pensar, de sentir e de agir que contesta ou critica os valores dominantes em uma dada cultura. O exemplo mais comum é a contracultura dos hippies nos anos de 1960, que com seus cabelos grandes, vestimentas diferentes, falavam de paz e amor, reivindicando o fim das guerras e contestando o materialismo do sonho americano. 6. Cultura dominante Cultura dominante, apesar de alguns autores usarem a expressão nesta acepção, não se confunde com a subcultura da classe social dominante ou com a cultura da elite. Cultura dominante, neste estudo, refere-se ao conjunto dos elementos culturais que em uma cultura complexa é comum a todas as subculturas que formam a cultura complexa. Na verdade, a cultura dominante funciona como o cimento que articula e une as subculturas numa única cultura que, então, é a cultura complexa. Tomando a cultura brasileira, quais são os elementos que constituem a cultura dominante? Certamente compõem uma cultura dominante no Brasil, a língua portuguesa, a religião do cristianismo, a história de formação do Estado brasileiro, certos valores éticos e morais que dão forma à cultura brasileira, uma típica cultura complexa. 7. Cultura popular Cultura popular não se restringe ao folclore ou às diversões e criações artísticas do povo. Cultura popular, embora se caracterize por uma presença forte de padrões culturais tradicionais, refere-se de modo geral ao modo de vida do povo, isto é, ao modo de pensar, de sentir e de agir próprio das classes populares, portanto, ao contrário do conceito anterior que não correspondia à cultura erudita, cultura popular corresponde à cultura vulgar. 8. Cultura de massa
  • 33. 33 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos Cultura de massa é um fenômeno típico das sociedades complexas do tipo urbano- industrial. Não é uma subcultura porque é constituída de elementos que perpassam todas as subculturas de uma cultura complexa. Cultura de massa é composta de padrões de comportamento e de pensamento que são difundidos para todas as subculturas de uma cultura complexa através da chamada indústria cultural, ou seja, os meios de comunicação de massa, notadamente, hoje em dia, o rádio, a televisão e a rede mundial de computadores. 9. Cultura material e Cultura não material Como já se viu, cultura material e cultura não material é apenas uma forma didática de classificação da cultura, pois na prática não se separam, visto que correspondem a dois aspectos, concreto e abstrato, da mesma realidade que é a cultura. Por exemplo, o automóvel não representa apenas um elemento da cultura material mas, em razão dos indispensáveis conhecimentos necessários para construí-lo e utilizá-lo, percebe-se nele presente também elementos da cultura não material. Processos e perspectivas culturais 10. Mudança cultural Mudança cultural é qualquer alteração de traços, complexos, padrões ou mesmo em toda uma cultura. A mudança cultural pode ocorrer por força de fatores internos ou endógenos, a exemplo da descoberta e da invenção, ou pode ocorrer por fatores externos ou exógenos, como no fenômeno da difusão cultural, quando, por exemplo, novos elementos culturais são agregados a um cultura a partir do contato entre culturas diferentes. Se qualquer alteração na cultura caracteriza uma mudança cultural, o crescimento cultural se dá quando os elementos novos, acrescentados a uma cultura, forem mais significativos em relação aos anteriores que caíram em desuso e o declínio cultural quando os elementos acrescentados são menos significativos que os anteriores que
  • 34. 34 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos desapareceram. Segundo Murdock, são quatro os fatores modificadores da cultura: inovações, aceitação social, eliminação seletiva e integração. A inovação pode se dar de cinco maneiras: variações; descoberta e invenção; tentativa; empréstimo cultural e incentivo. A aceitação social é a adoção de um novo traço cultural através da imitação. A eliminação seletiva é quando um traço cultural, torna-se inútil e cai em desuso. A integração é o ajustamento progressivo entre os elementos de uma cultura. 11. Difusão cultural Difusão cultural é o processo pelo qual elementos ou complexos culturais se difundem, ou seja, passam de uma sociedade a outra. A difusão ocorre especialmente através do empréstimo, por imitação ou estímulo; uma troca pacífica de pensamentos e invenções entre os povos, sendo que quase sempre ocorrem modificações no traço cultural incorporado, por força da reinterpretação do mesmo pela sociedade que o adota. 12. Endoculturação ou enculturação Endo-cultur-ação, como a própria palavra sugere, é a ação pela qual nós internalizamos e assimilamos a cultura, desde nossa primeira infância até a hora da morte, embora, este processo seja obviamente mais intenso nas fases da infância, adolescência e juventude da pessoa. Trata-se do essencial processo educativo, aquela socialização que nos humaniza a medida que, pela cultura internalizada, adquirimos as condições de participar da vida da sociedade. 13. Aculturação A-cultur-ação, como sugere as partes da palavra, é a ação que implica de certo modo uma negação da cultura. Na verdade é o processo cultural que ocorre quando duas ou mais culturas diferentes entram em contato e entre elas se dá uma troca de elementos culturais, modificando uma à outra e, não raro, até provocando o surgimento de
  • 35. 35 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos uma nova cultura. O melhor exemplo para nós de aculturação é aquele que resultou na formação da cultura brasileira a partir do encontro de três culturas diferentes: portuguesa, africana e indígena. Houve um entrelaçamento daquelas matrizes culturais, onde, houve claramente a dominação da cultura portuguesa, gerando, com o passar dos séculos, uma nova cultura, também marcada por expressiva presença de elementos indígenas e africanos. Quando o empréstimo de elementos culturais de uma cultura para outra é equilibrado, isto é, mais ou menos simétrico, então falamos de aculturação pacífica; quando uma cultura doa mais do que recebe, como ocorreu com a cultura portuguesa no processo de formação da cultura brasileira, então tem-se um exemplo de aculturação conflituosa ou violenta. 14. Deculturação A deculturação é o processo de substituição de determinado traço cultural quando aquele entra em competição com um traço novo, ou seja, ocorre quando um determinado elemento cultural, seja por força da evolução desencadeada pela invenção ou pela difusão, cai em desuso e deixa de fazer parte do modo de vida das pessoas. Deste modo, a deculturação está associada ao declínio ou decadência de um determinado traço ou aspecto da cultura. Marconi (2001), neste caso, traz o exemplo da substituição do fogão a lenha pelo fogão a gás. 15. Etnocentrismo Uma palavra sobre as palavras que terminam em “ismo”. Todo “ismo” refere-se à exacerbação ou exageramento de um determinado aspecto da realidade. Capitalismo, por exemplo, refere-se a um sistema que supervaloriza o capital; cientificismo, refere-se a uma tendência de se exagerar ou até absolutizar o valor e a importância da ciência para se conhecer e explicar a realidade. Assim, etnocentrismo significa aquela perspectiva em que se coloca a sua própria
  • 36. 36 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos etnia, cultura ou visão, no centro como referência para avaliar as outras culturas. Trata-se de uma supervalorização da sua própria cultura; uma atitude que não considera o ponto de vista ou a lógica de outras culturas e que, no limite, nega a validade da cultura do outro, tentando impor-lhe a sua própria cultura, como o único modo de vida correto. Registra-se que, por força do processo de socialização ao qual todo ser humano é submetido desde a primeira infância, o etnocentrismo é um processo “natural”, isto é, o indivíduo ou o grupo social só pode ver e avaliar o mundo a partir de sua própria cultura, de suas crenças, valores e normas. Tem-se aqui o etnocentrismo antropológico. Entretanto, quando se exagera esta valorização da sua própria visão, e face ao estranhamento do diferente, não se reconhece a dignidade e o valor do outro, achando- se superior a ele, tentando lhe impor sua visão ou até mesmo eliminá-lo, tem-se o etnocentrismo patológico ou doentio, a exemplo de todas as formas de racismo que se conhece. 16. Relativismo cultural Olha o “ismo” aqui de novo! Relativismo cultural é o contraponto do etnocentrismo. O relativismo cultural implica pois naquela perspectiva ou postura em que se reconhece que toda cultura possui sua própria história, sua própria lógica, portanto, sendo única deve ser respeitada na sua particularidade. Daí decorre que não há culturas inferiores ou superiores, mas apenas culturas diferentes. O grande risco aqui é que o relativismo cultural leve a um relativismo ético, isto é, a uma postura de total indiferença a toda e qualquer prática, mesmo àquelas violentas que atentam contra a vida, tomando-as como sagradas simplesmente porque se harmonizam com os padrões de determinada cultura, a exemplo de intervenções oficiais que sacrificam vidas inocentes mundo a fora. Ribeiro (1987), esposando uma certa perspectiva marxista, faz consistente crítica ao relativismo cultural afirmando que, apesar de ser generoso ao enaltecer as culturas mais simples, opondo-se ao etnocentrismo arraigado em toda sociedade humana, trata-
  • 37. 37 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos se de um raciocínio limitado pois nega a possibilidade de comparar as culturas fazendo sobre elas algum juízo de valor, enquanto, a seu ver, é plenamente possível, mediante critérios objetivos, por exemplo quanto à eficácia de seu modo de adaptação à natureza para prover a subsistência, afirmar que as culturas são mais ou menos desenvolvidas em seu processo de evolução sócio-cultural. 17. Interculturalismo “Nem tanto ao mar, nem tanto à terra”, a virtude está na praia. O interculturalismo, mais uma vez o “ismo”, parte daquela convicção de que “todo ponto de vista é a vista de um ponto”. Cada cultura é um ponto de vista que possui uma lógica própria. Nesta perspectiva importa abrir-se ao diálogo cultural, ao processo de aculturação pacífica, procurando compreender as razões de cada cultura, promovendo assim pedagógicas mudanças culturais com base em valores discernidos no recíproco respeito dos diferentes que engrandecem o ser humano favorecendo sua crescente humanização. Nesta perspectiva não há risco ou ameaça, mas promessa e oportunidade de desenvolvimento cultural, de enriquecimento recíproco do ser humano e de construção participativa de uma ética universal e de uma política planetária de promoção da vida.
  • 38. 38 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos Módulo 04 – Teorias da Cultura Considerando que o objetivo de nosso estudo é compreender o ser humano; considerando que, como já se viu, o ser humano se distingue dos animais não humanos pelo fato de produzir e consumir cultura; considerando, pois a centralidade do conceito de cultura para a antropologia, abre-se neste módulo um espaço para o estudo sobre as teorias da cultura, buscando-se compreender melhor este fenômeno especificamente humano. Inicialmente, seguindo-se os passos do esquema de Marina de Andrade Marconi (2001), apresentar-se-ão as teorias do evolucionismo, difusionismo, funcionalismo, configuracionismo e estruturalismo, e, finalmente, uma breve consideração sobre a abordagem de Roque de Barros Laraia (2001) sobre o tema. Evolucionismo cultural Considerando a história da antropologia, a primeira interpretação do fenômeno da origem e desenvolvimento da cultura recebe o nome de evolucionismo. O evolucionismo é a teoria segundo a qual toda a vida e o universo se desenvolveram graças ao crescimento e às mudanças. O evolucionismo cultural, especificamente, é a teoria segundo a qual a cultura se desenvolve num processo contínuo e progressivo, seguindo uma sequencia básica de um estágio a outro acumulativamente. Numa palavra, o evolucionismo cultural é a aplicação da teoria geral da evolução ao fenômeno cultural. É muito comum associar a ideia de evolução ao nome de Charles Darwin (1809- 1882), contudo, os primeiros evolucionistas antecederam a teoria da seleção natural de Darwin. Herbert Spencer (1820-1903) foi o primeiro a usar a expressão “sobrevivência do mais apto” fazendo Darwin modificar o título de sua obra de “Origem das Espécies” para “Seleção Natural”. Maine (1822-1888) sustentou a tese de que o Estado resultara da organização baseada no parentesco e vinculada a um determinado território. Augusto Comte (1798-1857) defendeu a existência de três estágios na evolução da humanidade:
  • 39. 39 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos o teológico, o metafísico e o positivo ou científico. Os principais representantes do evolucionismo cultural no século XIX são Edward Tylor (1832-1917) da Inglaterra e Morgan (1818-1881) dos Estados Unidos, e no século XX, representando o neoevolucionismo, o também norte americano, Leslie White (1900- 1975). Edward Tylor em seu livro “Primitive culture” (1865), dando uma nova conotação ao termo cultura, considerava a humanidade um todo em crescimento, indo da infância à maturidade. Considerava que os povos primitivos encontravam-se no estágio infantil e as nações europeias no estágio da maturidade. Morgan em seu “Ancient society” (1877) apresentou a tese de que a família humana evoluiu passando por três estágios bem marcados: selvageria, barbárie e civilização; tais estágios evolutivos que se subdividiam em outros eram demarcados por invenções e caracterizados por um determinado conjunto de traços culturais. O estágio antigo ou da selvageria iniciar-se-ia com a invenção do arco-e-flecha pelos Polinésios e se estenderia até a fundição do ferro para uso de ferramentas, na época dos gregos homéricos, quando teria início o estágio intermediário ou da barbárie, que, por sua vez, estender-se-ia até a invenção do alfabeto fonético, com o uso da escrita, marco do início do estágio recente da civilização. O neoevolucionista Leslie A. White, entre outros, dá ênfase ao aspecto material e técnico da cultura. Ele relaciona a evolução social com a evolução tecnológica, e seguindo o esquema de Morgan (Selvageria, Barbárie e Civilização) adota o critério da quantidade de energia que uma sociedade dispõe para delimitar os estágios de evolução: grosso modo, a utilização da energia do próprio corpo caracterizando a selvageria; o uso da energia originada da domesticação dos animais caracterizando a barbárie e o emprego da energia da máquina a vapor, o estágio da civilização. Três elementos básicos caracterizam a teoria do evolucionismo cultural: a sucessão unilinear; o método comparativo e a noção de sobrevivência. A sucessão unilinear consiste em um esquema hipotético segundo o qual toda a humanidade, mesmo
  • 40. 40 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos estando dispersa em localidades isoladas, apresenta uma evolução cultural progressiva e unilinear, ou seja, todos os grupos humanos percorreriam os mesmos estágios de evolução, justificando-se as diferenças existentes entre eles pelo fato de uns estarem mais adiantados do que outros na linha da evolução. O método comparativo consiste em ordenar os fenômenos observados de acordo com os princípios estabelecidos e interpretados em uma ordem cronológica, podendo então organizar e classificar os dados observados em categorias sucessivas. A sobrevivência refere-se a elementos culturais originários em épocas anteriores e que persistem ainda hoje. Numa apreciação crítica da teoria da evolução cultural destacam-se aspectos negativos e positivos. Por um lado as restrições mais acentuadas pelos críticos do evolucionismo são: a não consideração do fator tempo e espaço no estudo da dinâmica da cultura, ensejando análises descontextualizadas; o emprego indiscriminado e nem sempre cuidadoso do método comparativo que levava a conclusões questionáveis; e o conceito de sobrevivência que às vezes inibia o trabalho de campo do investigador. Por outro lado, destacam-se as contribuições importantes do evolucionismo: a formação propriamente dita da antropologia como ciência; o desenvolvimento de inúmeros conceitos, inclusive o de cultura, como se viu; o enriquecimento do vocabulário com vários termos; o estabelecimento do princípio da continuidade e o desenvolvimento ordenado da cultura. Por fim, compreendendo-se a lógica do evolucionismo cultural, percebe-se como os princípios desta teoria ou seus elementos básicos ensejam o etnocentrismo, cujo significado já se viu no módulo anterior. Difusionismo A teoria do difusionismo explica o desenvolvimento cultural através do processo de difusão de elementos culturais de uma cultura para outra. Surgiu nas primeiras décadas do século XX como uma reação ao evolucionismo do século XIX. Para o difusionismo as semelhanças e diferenças culturais entre os povos devem-se muito mais à presença ou ausência dos processos de difusão do que às raras invenções.
  • 41. 41 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos Conhecido também como historicismo, o difusionismo como corrente antropológica relevante nas primeiras décadas do século XX pode ser visto em três perspectivas de pesquisa: o difusionismo inglês, o difusionismo alemão-austríaco e o difusionismo norte- americano. A escola difusionista inglesa, também chamada de heliocêntrica, representada por G. Elliot Smith e W.J. Perry, desenvolveu ao extremo as ideias da pouca criatividade humana; acreditava que a cultura do mundo todo, em consequência da difusão cultural, era idêntica. Impressionados com as descobertas arqueológicas no Egito, os difusionistas ingleses julgavam que aí tivesse sido o berço da civilização. O Egito teria sido o grande sol cultural que se irradiara por todas as regiões do globo, daí a escola difusionista ser chamada de heliocêntrica. A escola difusionista alemã-austríaca, também chamada de histórico-cultural ou de histórico-geográfica, representada por Friedrich Ratzel, Willi Roy, Fritz Grabner e Pe. Wilhem Schmidt, caracteriza-se por uma visão pluralista da origem da cultura, aceitando vários locais de evolução, donde se originou a totalidade da mesma. A principal contribuição do difusionismo alemão-austríaco é a noção de “círculos culturais” kulturcreise. Assim, a cultura humana ter-se-ia desenvolvido na Ásia e daí se difundido para as mais longínquas partes do mundo, em círculos cada vez mais amplos, através das imigrações. A escola difusionista norte-americana, também chamada de historicismo, representada por Franz Boas, Clark Wissler e Alfred L. Kroeber, caracteriza-se por focalizar a atenção antropológica na análise específica da história cultural; condição para se compreender uma determinada cultura. Caracteriza-se ainda por desenvolver conceitos como traço cultural, complexo cultural, padrão cultural e área cultural e por optar pelo estudo de áreas limitadas e pequenas, valorizando numa perspectiva histórica a invenção e a difusão na constituição das culturas que então deveriam ser vistas como diversas e individuais. Assim, os representantes do difusionismo norte-americano são os precursores do relativismo cultural, conceito este também já estudado no modulo
  • 42. 42 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos anterior. Os postulados básicos do difusionismo são: o método histórico que possibilita a reconstituição histórica pela observação do passado e do presente, estabelecendo-se links significativos; a pesquisa de campo que é altamente aplicada para coleta de dados e a formulação de inúmeros conceitos que enriqueceram a teoria antropológica. Uma apreciação crítica do difusionismo destaca aspectos negativos e positivos. São aspectos negativos do historicismo: excessivo tratamento unitário da cultura; manipulação estatística dos traços culturais, abusando-se de um lógica mecanicista; e o determinismo cultural ensejando que o indivíduo é um elemento passivo no processo. São aspectos positivos do historicismo: valorização do trabalho de campo e desenvolvimento da metodologia e da técnica da observação; a importância atribuída aos estudos de culturas específicas, conhecendo assim suas respectivas identidades; o estabelecimento de normas críticas para a reconstituição histórica; por fim, uma criteriosa consideração da interação de forças envolvidas no processo de desenvolvimento e transformação cultural. Funcionalismo O funcionalismo, uma teoria antropológica da década de 30, do século passado, diferentemente do evolucionismo e do difusionismo, preocupava-se não mais com a origem ou com a história da cultura, mas com a lógica do sistema cultural focalizado, ou seja, preocupava-se com a visão sincrônica, sistêmica ou orgânica da sociedade, procurando conhecer a cultura em um dado momento, bem como a função dos elementos que a compõem. Sobre o funcionalismo, Marconi (2001) cita Leslie White: “A essência, a natureza fundamental ou característica do funcionalismo pode ser exposta com rapidez e simplicidade: as sociedades humanas e suas respectivas culturas existem como todos orgânicos, constituídos de partes interdependentes. As partes não podem ser plenamente compreendidas separadamente do todo, e o todo deve ser compreendido em termos de suas partes, suas relações umas com as outras e com o sistema sociocultural em conjunto”. (LESLIE WHITE apud MARCONI, 2001, 263)
  • 43. 43 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos Os pioneiros da análise funcionalista da realidade sócio-cultural foram Herbert Spencer e Émile Durkheim. A estes sociólogos seguiram antropólogos como: Malinowski (1884-1942) e Radcliffe-Brown (1881-1955), formuladores da teoria funcional para o estudo da cultura. Malinowski em “Uma teoria científica da cultura” (1944) expõe os fundamentos do funcionalismo. Partindo dos conceitos de natureza humana e de cultura, desenvolveu a teoria das necessidades humanas que, uma vez atendidas, dão origem à cultura. As necessidades humanas, consideradas universais, segundo Malinowski, são de três ordens: as necessidades primárias ou biológicas, a exemplo da nutrição e da excreção; as necessidades derivadas ou instrumentais, a exemplo da organização econômica; e as necessidades integrativas ou sintéticas, a exemplo da religião ou da arte. Assim, cada parte da cultura, com suas instituições, tem sua forma específica e desempenha uma função determinada para atendimento das necessidades humanas, não existindo isoladamente. Radcliffe Brown, a partir dos conceitos de sociedade e de sistema, faz uma abordagem estrutural-funcional e considerando a cultura como um sistema adaptativo, enfatiza a importância da função e da estrutura social como contribuintes para a manutenção do equilíbrio da sociedade, havendo, segundo sua visão, sociedades eunômicas e disnômicas, ou seja, sociedades equilibradas, com uma integração social saudávelesociedadescaracterizadaspeloconflitoepelanãointegração,respectivamente. Segundo Marconi (2001) são elementos teóricos básicos do funcionalismo: a cultura é um todo sistêmico que pode ser estudado em um dado momento; a cultura constitui-se de partes interdependentes que se relacionam entre si e com o sistema sociocultural em conjunto; o conceito de natureza humana e cultura levaram à concepção de um mundo natural e um mundo artificial em correspondência mútua; afirma-se a fundamentalidade da teoria das “necessidades”; valoriza-se a função desempenhada pelos elementos culturais; as instituições e as estruturas sociais são unidade de análise
  • 44. 44 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos do fenômeno cultural. Assim, o funcionalismo constituiu-se numa reação positiva ao evolucionismo e ao difusionismo, valorizando mais ainda a prática de pesquisa de campo, introduzindo- se também o relativismo cultural, reconhecendo-se a lógica própria das sociedades e culturas diferentes. Configuracionsimo O configuracionismo pode ser considerado um prolongamento do difusionismo norte-americano em razão de seu interesse por culturas particulares. Destaca a integração e a singularidade do todo, tendo por tema básico a integração da cultura. O configuracionismo concebe a cultura como um conjunto integrado de elementos encontrados em determinado tempo e espaço, entrelaçados e formando um todo coeso e uniforme, de tal modo que se uma das partes for afetada todas as outras resentem. Os principais representantes do configuracionismo são Edward Sapir que defendeu a ideia de que todo comportamento tem uma configuração inconsciente e que todo comportamento cultural é simbólico; e Ruth F. Benedict para quem a cultura é um modelo mais ou menos consistente de pensamento e ação, com objetivos característicos que pautam a consolidação da experiência de um povo, integrando o comportamento e as instituições de uma dada sociedade. Estruturalismo O estruturalismo é a teoria antropológica mais recente; desenvolveu-se paralelamente ao funcionalismo e teve seu apogeu nas décadas de 40 e 50 do século XX. O estruturalismo tem mais pontos de convergência com o funcionalismo do que de divergência. A visão sincrônica, sistêmica e globalizante da cultura, a adoção do termo estrutura e as influências da escola francesa são algumas das principais convergências. O principal representante do estruturalismo é o Belga, Claude Lévi-Strauss (1908), e , segundo Marconi (2001), é um antropólogo dentre os mais proeminentes e discutidos.
  • 45. 45 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos O conceito de estrutura é, naturalmente, o conceito central do estruturalismo. Entendendo-se por estrutura o conjunto de elementos que formam um sistema, um todo ordenado; um modelo de análise construído a partir da observação das relações sociais. Assim, não raro se confundem as noções de estrutura social e relações sociais, contudo, as relações sociais são a matéria-prima para elaboração dos modelos que evidenciam a estrutura social a qual reflete a realidade social ou cultural, seu funcionamento e as alterações a que está sujeita. Os modelos para serem de fato estruturas devem satisfazer aos seguintes quesitos: possuírem um caráter de sistema; pertencerem a um determinado grupo de transformações; apresentarem previsibilidade de reação; funcionarem de modo a explicar todos os fatos observados. Lévi-Strauss foi grandemente influenciado em suas elaborações teóricas pelo pensamento de Freud e de Marx, especialmente pelas noções de inconsciente e de ideologia. Lévi-Strauss supervaloriza a natureza e a ordem natural ao avaliar as culturas. Para ele, a história é produto da natureza. Enquanto Marx, embora pessimista em face da exploração, valoriza a história em detrimento da natureza e a considera o móvel de aprimoramento da condição humana. Para melhor perceber as estruturas mentais inconscientes básicas e, então, compreender os modelos conscientes, Lévi-Strauss fala em culturas ou sociedades frias e culturas ou sociedades quentes. Sociedades frias, como já se viu, são aquelas sociedades simples, mais próximas do estado de natureza, com contingente populacional restrito e pequeno dinamismo cultural, oferecendo assim melhores condições para a identificação das estruturas mentais míticas e inconscientes. Sociedades quentes são as sociedades complexas que já se sabem históricas, industrializadas, todas afetadas pela civilização e pelo progresso, cada vez mais distantes da ordem natural. Os modelos inconscientes são as estruturas mentais inconscientes básicas que, segundo Lévi-Strauss, explicam as causas que determinaram as representações
  • 46. 46 Unidade1 Estudos Antropológicos e Políticos conscientes, concretas de um grupo humano. Os modelos conscientes são as ideias, regras, crenças e valores que vigem em uma sociedade; constituem a parte da cultura facilmente observada, seja material ou imaterial, que retém atrás de si os modelos inconscientes que lhe deram origem. Conhecer estes modelos inconscientes é o desafio a que se propôs o estruturalismo straussiano. Conforme Marconi (2001), os elementos teóricos básicos do estruturalismo, em síntese, são os seguintes: visão sincrônica e sistêmica da cultura; visão globalizante do fenômeno cultural, convicto de que o conhecimento do todo leva à compreensão das partes; adoção das noções de estrutura social e relações sociais; utilização de modelos na análise cultural; adoção das estruturas mentais inconscientes como unidade de análise e, por fim, a compreensão ampla da realidade cultural.
  • 47. 47 Unidade2 Estudos Antropológicos e Políticos Resumo da Unidade Nesta unidade, vimos como se deu a evolução da definição do objeto de estudo da antropologia cultural sob a influência da metodologia das ciências da natureza: das sociedades primitivas a um novo olhar sobre o homem em sua integralidade. Vimos algo sobre algumas polêmicas que atravessam a antropologia cultural, desde a concepção de seu nome, antropologia ou etnologia, passando pelos questionamentos sobre sua cientificidade e culminando com a querela acerca de sua aplicabilidade. Contemplou-se também a reflexão sobre o fenômeno e o conceito de cultura, desde sua natureza material e imaterial, histórica e social, pensando-se sobre os seus componentes cognitivos: conhecimentos, crenças, valores, normas e símbolos, bem como sobre sua estrutura, desde o traço cultural, passando pelo complexo, pelo padrão e chegando à configuração e área culturais. Sempre resgatando o conceito central da antropologia cultural, ampliaram-se os estudos para os conceitos afins de cultura: subcultura, aculturação, etnocentrismo, relativismo cultural e interculturalismo. Por fim, para melhor compreensão do antropológico conceito de cultura, dedicou- se a conhecer as teorias principais sobre a cultura: o evolucionismo de Edward Tylor; o difusionismo de Franz Boas; o funcionalismo de Malinovski; o configuracionismo de Ruth Benedict e o estruturalismo de Levi-Strauss.
  • 48. 48 Unidade2 Estudos Antropológicos e Políticos UNIDADE 2 – O SER HUMANO, UM SER CULTURAL II Nesta unidade será apresentada uma visão panorâmica dos conteúdos do livro “Cultura, um conceito antropológico”, da autoria de Roque de Barros Laraia, onde se retomará, sob um novo enfoque, temas contemplados na unidade I, a exemplo da relação cultura e natureza; conceitos afins de cultura e teorias da cultura; depois, à luz de conceitos anteriormente vistos, dedicar-se-á, a uma visão da cultura brasileira, nosso contexto existencial e palco de nossa atuação profissional, procurando perceber e compreender suas principais características. Ademais, espaço considerável será dedicado ao estudo da histórica participação dos negros e indígenas na formação da cultura e do povo brasileiro, bem como ao estudo da situação dos negros e indígenas no Brasil; uma abordagem que despertará uma visão crítica sobre aspectos fundamentais da vida brasileira que frequentemente são escamoteados conforme interesses das elites de nossa sociedade, alienando-nos de nossa realidade. Módulo 05 – Cultura, um conceito antropológico Introdução Posto que cultura é o que distingue o ser humano de outros animais, depois de tudo o que vimos nos módulos anteriores, propomos aqui uma visão panorâmica do pequeno grande livro “Cultura: um conceito antropológico” da autoria de Roque de Barros Laraia, publicado em 1986, e que desde então tem sido leitura obrigatória para todos quantos querem se iniciar no misterioso horizonte da cultura que envolve o ser humano do nascimento à morte. Para não se sacrificar a visão geral da citada obra, admitimos que alguns temas já tratados nos módulos anteriores reaparecerão aqui, mas cuidaremos de abordá-los sob novo aspecto. Iniciando com uma palavra sobre o autor, Roque de Barros Laraia, autor de Índios e castanheiros (com Roberto da Mata, 1976), Tupi, índios do Brasil atual (1987) e Los
  • 49. 49 Unidade2 Estudos Antropológicos e Políticos índios de Brasil (1993) e de inúmeros artigos publicados em revistas especializadas, foi antropólogo do Museu Nacional da UFRJ e professor titular de antropologia da Universidade de Brasília. Na obra em tela, o autor faz uma abordagem didática, fluente e agradável, propondo iniciar seus leitores na compreensão do conceito de cultura, tema fundamental da antropologia. Em duas partes, subdivididas em onze pequenos capítulos, encontram- se, respectivamente, um breve histórico do desenvolvimento do conceito de cultura, desde os iluministas até autores contemporâneos, e uma abordagem da influência da cultura no comportamento social e seu peso na diversificação da humanidade. Ademais, ao final do livro encontram-se dois relevantes textos que ilustram sua temática. Da natureza da cultura ou da natureza à cultura O autor introduz a primeira parte de seu trabalho anunciando o clássico dilema da antropologia formulado por Clifford Geertz: a “conciliação da unidade biológica e a grande diversidade cultural da espécie humana” (LARAIA, 2001,10). Na esteira deste dilema mostra como autores da antiguidade à modernidade ocuparam-se em descrever os diversos modos de vida das gentes que habitam o planeta e enumera uma série de costumes que revelam a diversidade cultural mesmo dentro do chamado mundo civilizado. Esta diversidade pode ser exemplificada pelo sentido do trânsito na Inglaterra que é oposto ao sentido do trânsito em nossa cultura; pelas rãs tão apreciadas na culinária francesa, enquanto em muitos outros causa nojo; o nudismo praticado em alguns países em contrate com a vestimenta das mulheres nos países islâmicos que usam a burca; o sentido da gravidez e do ato de parir nas regiões do norte do Brasil, que destoa das outras regiões: por exemplo, quando uma mulher dá à luz no nordeste brasileiro, diz-se que a mulher descansou, enquanto, em nossa região sudeste esta expressão é reservada para dizer que alguém faleceu depois de um certo período em sofrimento, e, assim, são praticamente infinitas as diferenças entre os modos de vida dos povos.
  • 50. 50 Unidade2 Estudos Antropológicos e Políticos No primeiro capítulo da primeira parte do livro, resgatando o determinismo biológico como a teoria segundo a qual diferenças biológicas e genéticas seriam a causa da pluralidade cultural da espécie humana, registra-se como os antropólogos hoje estão convencidos de que as diferenças biológicas, genéticas ou sexuais não são determinantes das diferenças culturais, estas são antes determinadas pela história de cada povo e pelo processo de endoculturação ou socialização. Um dos exemplos utilizados por Laraia é aquele da divisão do trabalho em tribos indígenas do Xingu: a tarefa do transporte de água para a aldeia é uma atividade feminina. Considerando que carregar cerca de vinte litros de água sobre a cabeça, demanda um esforço físico muito maior do que o necessário para manejo de um arco, arma de uso exclusivo dos homens, percebe-se que a divisão de tarefas não obedece a uma racionalidade biológica, mas é definida culturalmente. Neste sentido, quantas atividades em nossa cultura, até pouco tempo eram exclusivas dos homens? No segundo capítulo, para demonstrar a fragilidade da tese do determinismo geográfico que consiste em afirmar que as forças da natureza exercem uma ação mecânica sobre a humanidade puramente receptiva, o que justificaria a pluralidade de culturas, o autor cita três exemplos, comparando aspectos da cultura dos Esquimós com aspectos da cultura dos Lapões; aspectos da cultura dos índios Pueblo com a cultura dos índios Navajo e confrontando os modos de vida dos índios do parque Xingu, argumenta que aqueles pares, apesar de viverem no mesmo ambiente geográfico desenvolveram culturas ou modos de vida distintos, o que prova a limitação da influência da geografia sobre a vida humana. Reporta-se aqui apenas o primeiro exemplo dado por Laraia: Esquimós e Lapões, vivendo ambos na calota norte do planeta, em temperatura situada a muitos graus abaixo de zero, tem modos de vida distintos. Enquanto os Esquimós fazem suas casas de blocos de gelo, forradas com peles de animais, os Lapões vivem em tendas de peles de rena, sem falar que, enquanto estes são excelentes criadores de renas, aqueles se limitam a caçá-las, de modo que o determinismo geográfico não procede. No terceiro capítulo, o autor apresenta os antecedentes do conceito de cultura,
  • 51. 51 Unidade2 Estudos Antropológicos e Políticos afirmando que antes de Edward Tylor, em 1871, elaborar a primeira definição do conceito de cultura, a ideia de cultura já estava de certo modo presente em John Locke que, em 1690, refutava as ideias inatas de Descartes, alegando que o ser humano adquire os conteúdos mentais a partir de suas experiências vitais, de modo que ao nascer nossa mente é como uma folha em branco. A ideia de cultura também já estava presente em Jacques Turgot, no século XVIII, que afirmara ser o homem capaz de reter suas ideias e transmiti-las para os seus descendentes e, mesmo, em Jean Jacques Rousseau que, em 1775, atribuiu um grande papel à educação, chegando mesmo a acreditar que pela educação os grandes macacos poderiam se humanizar. No quarto capítulo, para evidenciar o desenvolvimento do conceito de cultura, o autor, a partir da definição de Edward Tylor (1832-1917), “cultura como um todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” fala da influência do evolucionismo sobre Tylor que afirma a igualdade da natureza humana e explica a diversidade como o resultado da desigualdade de estágios existentes no processo de evolução. Desta concepção etnocêntrica do evolucionismo cultural de Tylor, o autor passa ao relativismo cultural de Franz Boas (1858-1949), para quem a antropologia deve reconstruir a história dos povos e perceber que cada cultura segue os seus próprios caminhos em função dos diferentes eventos históricos que enfrentou. Por fim, trata de Alfred Kroeber (1876-1960) que demonstrou em seu artigo “O Superorgânico” como a humanidade, graças à cultura, distanciou-se do mundo animal. A cultura, mais do que a herança genética, determina o comportamento do homem; é um equipamento superorgânico pelo qual o homem se adapta aos diferentes ambientes ecológicos, tornando a terra inteira seu habitat natural. Daí, a importância da educação ou do processo de endoculturação pelo qual a cultura se propaga e se enriquece ao longo da história. Ao ensejo, registra-se a pertença de Franz Boas e Alfred Kroeber à escola antropológica difusionista. No quinto capítulo, enfrentando uma das primeiras preocupações da antropologia,
  • 52. 52 Unidade2 Estudos Antropológicos e Políticos a questão da origem da cultura, LARAIA (2001) resume como antropólogos físicos a exemplo de Richard Leackey, Roger Lewin, David Pilbeam e Kenneth Oakley associaram o surgimento da cultura ao crescimento do cérebro, modificado pelo processo evolutivo dos primatas, desde a vida arborícola ao bipedismo; e como antropólogos sociais, a exemplo de Claude Lévi-Strauss e Leslie White, afirmam que a cultura surgiu no momento em que o homem convencionou a primeira norma (proibição do incesto) e quando o cérebro do homem foi capaz de gerar símbolos, reciprocamente; supondo tanto os antropólogos físicos como os sociais que a cultura aparecera de repente, que teria havido um ponto crítico em que a cultura eclodira como um acontecimento súbito. Esta teoria do ponto crítico é, hoje, uma teoria superada, visto que a teoria mais aceita é a de que a cultura se desenvolveu simultaneamente com o equipamento biológico, pois a natureza não age por saltos. Neste sentido, Laraia (2001) cita Clifford Geertz em “A transição para a humanidade” que, a partir das evidências em relação ao Australopiteco Africano, o qual existiu há mais de 2 milhões de anos, e possuía um cérebro 1/3 menor que o nosso, mas já manufaturava objetos e caçava pequenos animais; concluiu que o ser humano não só produz a cultura, mas é por ela produzido; visto que o seu cérebro se desenvolveu também a partir da cultura. No sexto e último capítulo da primeira parte de seu livro, Laraia (2001) trata do tema das teorias da cultura servindo-se de um artigo de Roger Keesing intitulado “Theories of culture”, apresentando não apenas sua classificação das teorias modernas sobre cultura, mas reproduzindo suas críticas a elas; uma abordagem que resume as teorias antropológicas apresentadas no módulo anterior. Numa síntese apertada, as teorias modernas sobre cultura são classificadas em teorias que, por um lado, consideram a cultura como um sistema adaptativo das comunidades humanas aos seus embasamentos biológicos que inclui organização econômica, sociopolítica e ideológica, como defendem os autores neoevolucionistas, a exemplo de Leslie White; por outro lado, teorias idealistas de cultura que se subdividem em três diferentes abordagens: 1ª) cultura como sistema cognitivo, ou seja, cultura como
  • 53. 53 Unidade2 Estudos Antropológicos e Políticos um sistema de conhecimento que inclui tudo que alguém tem de conhecer para operar em uma dada sociedade, conforme pensou W. Goodnough; 2ª) cultura como sistemas estruturais, ou seja, um sistema simbólico que é uma criação acumulativa da mente humana, embasadas nas regras inconscientes do pensamento humano, conforme pensou o estruturalista Claude Lévi-Strauss; por fim, 3ª) cultura como sistemas simbólicos, ou seja, cultura não é um complexo de comportamentos concretos, mas um conjunto de mecanismos de controle, ou seja, programas, planos, receitas, regras e instruções para governar o comportamento humano, conforme pensaram Clifford Geertz e David Schneider. Como opera a cultura Na segunda parte de seu livro o autor, em cinco capítulos, desenvolve uma reflexão pretendendo mostrar como a cultura opera influenciando a vida dos humanos. A cultura que é dinâmica, possuindo uma lógica própria, define a diferenciada participação dos indivíduos e condiciona a visão de mundo do ser humano, interferindo até no plano biológico de sua vida. No primeiro capítulo desta parte, Laraia (2001) começa citando Ruth Benedict para quem a cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo. Daí, a floresta amazônica ser vista de modo muito diferente por um antropólogo e por um índio tupi; daí, as reações depreciativas face àqueles que agem fora dos padrões convencionados pela cultura como, por exemplo, os homossexuais. O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de uma herança cultural. O modo de rir, os motivos do riso, o sentar-se à mesa, as técnicas de obstetrícia, ou seja, as formas ou posições adotadas pelas mulheres ao darem à luz seus bebês; as formas múltiplas de alimentação, enfim, o comportamento humano em geral depende do aprendizado que se dá no âmbito de uma determinada cultura; um aprendizado que ocorre desde a primeiríssima infância, quando se inicia o processo de endoculturação, ou seja, internalização e assimilação, através da
  • 54. 54 Unidade2 Estudos Antropológicos e Políticos convivência social, dos hábitos, costumes, valores e crenças que vão formando a nossa identidade e nossa visão do mundo. Esta é a condição do ser humano que o faz ver o mundo através de sua própria cultura, levando-o a crer que o seu modo de vida é o mais correto e o mais natural, enquanto, muitas vezes, percebe as práticas diferentes, próprias de outras culturas, como absurdas, deprimentes e imorais. Tal tendência, como se viu em módulos anteriores, é chamada etnocentrismo que em muitos casos chega à xenofobia, ou seja, o medo ou estranheza em relação ao diferente ou estrangeiro, gerando, não raro, numerosos conflitos sociais. No segundo capítulo o autor relaciona vários exemplos de como a cultura opera condicionando o plano biológico da vida humana, inclusive decidindo sobre a vida e a morte dos membros de um sistema social. A apatia, reação oposta do etnocentrismo, que consiste no abandono da crença nos valores de sua própria cultura, caindo assim num estado de anomia que leva ao suicídio ou a algum mal moral, como o banzo que acometera, por exemplo, os africanos arrancados de sua pátria e escravizados no Brasil. Outros exemplos: a crença dos indios Kaapor, segundo a qual quando uma pessoa vê um fantasma ela logo morrerá; as mortes causadas por feitiçaria conforme a etnografia africana; as doenças psicossomáticas; a sensação de fome ao meio dia, em nossa cultura; e a cura de doenças reais ou imaginárias através de rituais xamânicos ou celebrações religiosas; todos estes são exemplos do poder de influência da cultura sobre o plano biológico da vida humana. No terceiro capítulo, Laraia (2001) mostra que tanto nas sociedades complexas como nas simples a participação dos indivíduos na cultura é limitada. Ninguém é capaz de participar de todos os elementos de sua cultura. Fatores como o sexo, a idade e mesmo o processo de socialização limitam a participação dos indivíduos na cultura. Contudo, há um mínimo de participação a que o indivíduo deverá ter acesso a fim de permitir-lhe articular- se com os demais membros da sociedade, pois todos necessitam saber como agir em determinadas situações e como prever o comportamento dos outros. Dizer “por favor” ou “muito Obrigado”, por exemplo, faz parte dos padrões de comportamento em nossa
  • 55. 55 Unidade2 Estudos Antropológicos e Políticos cultura, dos quais todos devemos participar pois não se os rompe impunemente. Como já se viu, em nossa sociedade de cultura machista a participação da mulher em vários aspectos de nossa cultura, até pouco tempo, era vedada; observa-se, por exemplo, a grande sensação gerada com a eleição da primeira presidenta do Brasil. No quarto capítulo vê-se que não há cultura lógica e cultura pré-lógica. Toda cultura possui uma lógica própria e julgar elementos de uma determinada cultura a partir de critérios estranhos àquela constitui prática etnocêntrica grotesca. Apoiando-se em Lévi-Strauss, Laraia (2001) exemplifica como as concepções culturais dependem da disponibilidade de instrumentos de observação que condicionam as associações lógicas. Daí, a procedência do geocentrismo (a terra como centro) para o homem medieval que não dispunha dos meios de observação que possibilitaram a construção da lógica heliocêntrica (o sol como centro); a pertinência da possessão de seres sobrenaturais malignos e dos consequentes exorcismos para a cura de doenças ou das diversas explicações sobre a reprodução humana para certos grupos humanos que não conhecem os modernos equipamentos ópticos. Destaca-se aqui a diferente concepção da reprodução humana, base da estrutura do parentesco, dos índios Jê, do Brasil. Para eles não basta uma relação sexual para formar o novo ser. São necessárias várias relações para que a criança seja totalmente formada e se ocorrer de a mulher se relacionar com outros homens naquele período, todos serão considerados pais da criança e agirão socialmente como tal (Laraia,2001,90). Assim, a rigor, a cultura é uma forma de classificação da realidade que só pode ser compreendida a partir de sua lógica específica, de tal modo que, segundo Rodney Needham, citado por Laraia (2001), um etnólogo, ao iniciar o seu estudo de um povo estranho, pode ser comparado a um cego de nascença que sofre uma cirurgia e começa a ver, ou seja, não consegue ver direito é necessário ir se familiarizando pouco a pouco com a nova realidade vislumbrada. No quinto capítulo, aborda-se a questão do dinamismo da cultura. Toda cultura está em contínua transformação. Propondo-nos comparar as observações de um imaginário missionário jesuíta do século XVI, no Brasil, com aquelas de um antropólogo atual sobre
  • 56. 56 Unidade2 Estudos Antropológicos e Políticos o comportamento dos indígenas e das formigas saúvas, o autor leva-nos a concluir que as formigas não mudam seus hábitos enquanto os índios, por mais isolados que estejam, questionam os seus próprios hábitos e os modificam. Entretanto, é amplo o consenso de que aquelas culturas de povos ou tribos que vivem mais isoladas mudam mais lentamente do que aquelas que mantém contados mais intensos com as civilizações, assim como se sabe que as mudanças em uma cultura podem ocorrer a partir de fatores internos, como invenções do próprio povo, ou a partir de fatores externos, como o contato com culturas diferentes que ocasionará a aculturação. Analisando o fenômeno da mudança o autor contempla a moda, o padrão cultural do baile dos anos 50, padrões de beleza, regras morais acerca do comportamento sexual das mulheres brasileiras e o conflito de gerações. Ao final do livro, a título de anexo, Laraia (2001) faz uma longa citação do artigo “O superorgânico” de Alfred Kroeber, onde se refere a duas experiências narradas por Heródoto, uma sobre o rei egípcio que pretendia descobrir qual era a língua originária da humanidade e aquela outra que fala do imperador mongol Akbar que pretendia averiguar qual era a religião natural da humanidade, e, partindo da incongruência do rei egípcio e da frustração do imperador mongol, concluiu LARAIA citando Clifford Geertz para quem não existe uma natureza humana independente da cultura, pois é esta com seus sistemas de símbolos significantes que orientam a vida humana. Encerrando sua obra, com o que chamou de anexo 2, para ilustrar como a difusão da cultura, apesar dos exageros das escolas antropológicas difusionistas, realmente contribuiu para o desenvolvimento atual da humanidade, Laraia (2001) cita um belíssimo e irônico texto do antropólogo Ralph Linton sobre o começo do dia do homem americano, desde o seu despertar sobre um leito construído segundo padrão originário do Oriente Próximo até o seu agradecimento a uma divindade hebraica, numa língua indo-europeia pelo fato de ser cem por cento americano. Vale a pena lê-lo na íntegra!1 1 LARAIA, Roque de Barros. Cultura, um conceito antropológico. 14. ed. Rio de Janeiro: Jorge Za- har Editor, 2001, pp. 105-108.
  • 57. 57 Unidade2 Estudos Antropológicos e Políticos Módulo 06 – A cultura brasileira Introdução Como se define a cultura brasileira? Cultura brasileira é algo que existe, mesmo na multiplicidade de nossas manifestações regionais? Não seria o caso de falarmos de culturas brasileiras, no plural, assumindo assim, certo dilaceramento de nossa identidade? O que caracteriza a cultura brasileira, no singular? Regis de Morais trabalha essas questões a partir da seguinte afirmação: “abordar uma realidade cultural é tomar para estudo exatamente a transformabilidade de algo dinâmico que se cumpre na dialética entre continuidade e ruptura, inovação e tradição” (MORAIS, 1989, 11). O Brasil de hoje pouco recorda suas origens coloniais. Entretanto, embora as coisas tenham mudado muito, na descontinuidade das transformações, encontramos a insistência de um rosto nacional que paulatinamente amadurece e se mostra. Uma cultura constituída de subculturas insinua o dilaceramento de sua identidade cultural. Contudo, uma análise mais profunda nos possibilita descobrir as características estruturadoras que articulam as subculturas, constituindo uma cultura complexa, como é o caso da cultura brasileira. Segundo Morais (1989), para se falar em culturas brasileiras seria necessário que as diferenças entre as subculturas que constituem a cultura brasileira fossem mais radicais do que são, e que as semelhanças básicas entre elas fossem menos evidentes. Deste modo, entre tantas discussões acerca do conceito de cultura brasileira, Morais (1989) estabelece alguns referenciais para sua concepção de cultura brasileira no singular: temos uma história peculiar; somos desiguais de culturas até bem vizinhas; vivemos elementos básicos de assemelhação das regiões, e temos produções ideológicas consideradas peculiares; falamos o mesmo idioma, apesar da vastidão do país; o que aponta para condições mais ou menos comuns de elaboração de uma visão de mundo.