Desafios da vocação pastoral e a importância da identidade
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VOCAÇÃO E IDENTIDADE
* Bispo João Alves de Oliveira Filho.
“Temos dois modos de funcionamento mental, duas maneiras básicas de perceber:
pela razão e pela emoção. A adaptação ao mundo externo se dá pela percepção através dos órgãos
do sentido. Origina-se o pensamento lógico, racional. Este configura o racionalismo extrovertido, o
qual, na ciência, origina-se o positivismo.
No mundo interior, psíquico, uma outra orientação se faz necessária. Esta baseia-se na
emoção e no significado. É a capacitação de perceber e de criar por meio de imagens: o
pensamento analógico. As perguntas racionais são causais: como? de onde?, por que? As
perguntas emocionais mostram interesse, desejo: o quanto eu quero?
Simbolizar representa o processo de dar forma a um significado profundo.” (Liliana
Liviano Wahba- Profª do departamento de Psicologia da PUC – Psicologia, Saúde e Religião –
Estudos de Religião 16 – UMESP)
Se simbolizar representa o processo de dar forma, como nós, pastores (as) estamos
dando forma ao símbolo da vocação? Da identidade?
Ao procurarmos discorrer sobre o tema da vocação, a primeira pergunta que surge é
esta: O que é vocação?
Creio, que todos(as) nós temos ouvido e também presenciado a seguinte pergunta: “O
que você vai ser quando crescer?”
Em nosso cotidiano, existe uma pressão quanto à definição da vocação, pois a escolha
tem importância crucial, não é nada fácil, há indefinições e se eu “acertar”, serei bem sucedido(a), se
eu “errar”, estarei perdido(a).
Confesso a vocês, que não é fácil definir “vocação”. Vocação, do latim “vocatione”, ato
de chamar, escolha, chamamento, tendência, disposição, aptidão. O termo é amplo, com vários
significados e que muitas vezes nos “embaralham” na procura de uma definição que nos esclareça.
Em minha dedução, pude compreender que o termo vocação, procura expressar o seguinte: Dono
do Supermercado. A vocação: Dono do Supermercado, uma condição, a respeito da qual, aplica-se
a habilidade, a aptidão, etc.
Porém, do ponto de vista religioso, vocação, também possui um sentido muito forte
como “chamar”, “convidar”, “escolher”. Ao pesquisarmos alguns textos bíblicos, encontraremos o
termo chamar, como um ato de Deus, de Jesus Cristo, que vocaciona, chama pessoas para fazerem
parte do seu ministério, ou para ingressarem no ato da salvação. (Abrão – Gn. 12.1-2; Moisés – Ex.
3.4; Samuel: I Sm. 3.4; Discípulos: Mt. 4.18-22).
Ressalto, porém, que ao pesquisar o sentido específico da vocação, defendo a idéia,
que uns dos princípios que me leva a compreender a vocação, é a vocação do indivíduo se
conhecer, ou seja, saber quem é, suas potencialidades, suas fraquezas, suas características. As
idéias acerca de nós mesmos, transmitidas pelo processo educacional, em especial familiar,
determinam quem somos, e onde poderemos chegar. A falta de conhecimento da própria pessoa,
poderá torná-la insegura, ainda que se esforce para fugir deste comportamento. Desta forma,
qualquer tipo de influência sobrecarregará: “você tem jeito para ser médico(a)...” “o seu jeito de ser
poderá levá-lo(a) ao pastorado”, etc. são influências, que infelizmente, não determinam o verdadeiro
chamado, ou vocação.
Felizmente os(as) indivíduos(as) têm poder de romper com estas influências e
deixarem de serem vítimas deste tipo de condicionamento. As pessoas mudam e ao mudarem tem
que ser para o melhor. O(A) indivíduo(a) tem que ser honesto(a) consigo mesmo, para colocar na
prática o relacionamento saudável e plausível em todas as suas instâncias.
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Portanto, vocação é a nossa formação, o que somos, o que poderemos ser e até onde
poderemos chegar. Vocação é o conteúdo do nosso ser, a imagem gravada em nós.
A vida cristã é uma vocação, porque fomos forjados(as) nela pela influência e presença
da graça de Deus em nossas vidas, em nossos corações. Por ser nascida e forjada na graça e na
ação do Espírito há no nascedouro desta vocação, diversidade de dons, de ministérios, etc... Desta
forma poderemos compreender a vocação como chamado, dentro da perspectiva do chamado que
Jesus faz aos nossos corações capacitando-nos para ações que correspondem às nossas aptidões.
Entre elas, evidentemente a ação pastoral.
Portanto, vocação, como vivência cristã, é o meio pelo qual Deus reúne o seu povo e o
convida para segui-lo: “Se alguém quer vir após mim...”(Mt. 16.24). Assim a vocação aponta-nos a
idéia de que o chamado de Deus é a todos os que crêem para serem salvos e serem cristãos em
tudo o que fazem. Tudo o que fazemos inclui a nossa vocação.
Há de se ressaltar que muitas vezes utilizamos o termo vocação, para especificar uma
área definida da ocupação de uma pessoa. Aqui podemos incluir a vocação pastoral como uma
ocupação do nosso ser, ou afirmarmos como o nosso cotidiano: sou vocacionado(a) para o
pastorado.
Entendo que ao afirmar que sou vocacionado(a) para o pastorado, estou dizendo que
possuo um íntegro conhecimento de mim mesmo(a), em outras palavras a decisão que estou
tomando está relacionada, integrada com minhas aptidões. Não se trata do que estão falando de
mim, porém eu mesmo(a) estou consciente do ser pastor(a). A partir daí vislumbro o conceito de
identidade, freqüentemente confundido com fantasia, que muitas vezes assola o nosso ser. Desta
forma:
a) Minhas ações têm que reforçar quem sou. Não adianta nada agir com delicadeza se estou
irado(a);
b) Tenho que me ouvir, aceitar a ser eu mesmo; ser capaz de compreender que falhei, errei,
etc;
c) Tenho que permitir compreender outra pessoa. Muitas vezes emitimos juízo e não
compreensão;
VOCAÇÃO, CHAMADO, SER PASTOR (A)
O convite de Deus, no ato do chamamento é um convite que o próprio Deus faz para
Ele mesmo. Deus não quer que o homem viva separado, exilado, perdido, mal humorado, no mundo
das trevas, etc... “Vinde a mim todos(as) que estais cansados(as) e sobrecarregados(as)...” Este é o
convite de Jesus, o convite para o Reino: “Bem aventurados aqueles que são chamados à Ceia das
bodas do Cordeiro”. (Ap. 19.9).
O apóstolo Paulo afirma categoricamente: “Mas para os que foram chamados, tanto
judeus como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus”. (I Cor. 1.24)
Vamos partir do princípio que no âmbito da vida cristã, isto é, nossa vocação, temos sido
chamados(as) para o ministério pastoral. Um dia algo tocou o meu coração e eu disse: vou ser
um(a) pastor(a), ou em outras palavras, Deus me chamou para o Ministério Pastoral. Esta afirmação
é muito forte, pois quando Deus chama, Ele chama para tarefas específicas, e ser pastor(a) é uma
tarefa específica. O chamado procede da graça misteriosa e soberana de Deus, manifestada em
Jesus Cristo e no Evangelho. Vejamos o exemplo de Paulo: “Quando, porém, ao que me separou
antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, aprouve revelar o seu Filho em mim...” (Gl.
1.15ss). Aqui, percebe-se que o apóstolo testemunha o seu chamado, está envolvido, convicto,
consciente de que está no caminho certo. Paulo afirma que pela Graça foi lhe revelado Jesus Cristo.
Portanto, a vocação pastoral como chamado de Deus, tem sua finalidade específica de anunciar o
amor de Deus, anunciar a vida, anunciar a salvação, anunciar a redenção. O(A) pastor(a) visto desta
forma, é uma voz profética, pois será comissionado(a) não por ele(a) mesmo(a), mas por Deus. Ser
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voz profética, é colocar na prática, no trabalho, no serviço as tarefas que Deus tem colocado em
nossas mãos, é falar da vida, em um mundo espremido pela morte; é falar da justiça, em um mundo
marcado pela injustiça; é falar do amor, em um mundo que não ama, etc...
INFLUÊNCIAS NEGATIVAS NO VOCACIONADO (A)
Ao pensarmos na tarefa de ser pastor(a) não podemos nos iludir que encontraremos
algumas barreiras que prejudicarão a identificação com o chamado. Caso não ocorra identificação
com a vocação, o(a) pastor(a) será presa fácil e cairá em armadilhas. Falo da igreja, do ser
pastor(a), da imagem e suas conseqüências. Não há de se negar que a presença pastoral se
oportuniza na esfera da Igreja Local. A Igreja local é o seu mundo, o seu trabalho, a sua família, a
sua “roda viva”. Como espelhar o “chamado” em um mundo tão circunscrito? Deste pequeno mundo
emergem os comentários, que podem ser positivos ou negativos e diante do que poderá ocorrer, é
bem provável que recorrerei ao pensamento analógico: o que fazer?
Há de ser ressaltar que pelas funções que desempenha, o(a) pastor(a) se constitui em uma
figura de destaque, pois acaba sendo o “dono da Palavra”, seja aconselhando, opinando ou
pregando. A Palavra pastoral molda opiniões, pois domingo após domingo, a congregação ouve,
medita, escuta, etc., e em alguns casos, não foi o(a) pastor(a) quem falou, mas sim um anjo através
da ação pastoral.
Começam a se misturar identidade com fantasia. Destaco a influência pastoral e suas
múltiplas ações: ele ora, impõe as mãos, celebra a ceia, é pregador e muitas vezes é tido como
“Palavra que vem de Deus”, “Palavras inspiradas por Deus”, etc. A idéia do onipotente e do “super-
homem”, ou do infalível, nega a sua humanidade. Negar a sua humanidade seus sentimentos de
fraquezas, angústias, dúvidas, ressentimentos e ocultar-se na fantasia do todo poderoso, é
despersonalizar-se, é viver nas cavernas.
Para muitos viver assim é muito bom, porém um dia a crise pode bater às portas. Muitos(as)
desconhecem as razões que levam a assumir este papel, pois ignoram que eles estão presentes no
seu inconsciente que de lá enviam informações para o seu agir, apesar das racionalizações que se
emitem, para justificar as ações. Então pergunto: É realidade? É fantasia?
Outrossim, destaco a idéia do impermeável, ou seja, uma ação pastoral imposta pelo próprio
pastor não aceitando qualquer ponderação dos demais, ocultando a sua fraqueza em cima de
afirmações pré-decoradas passando a falsa imagem de um(a) vocacionado(a). Não consegue
perceber que um dia a ridicularidade pode bater às portas. E aqueles(as) que se sentem inferiores?
A sociedade cobra uma postura que se equivale à proposta contida na Palavra de Deus, pois em
nossos dias o questionamento sobre o papel da religião é muito forte, diante de um mundo complexo
e questionador. O que faço? É bem provável que para sair do sufoco tenho que reduzir o meu
ministério pastoral apenas no papel da manutenção, isto é, se conseguir.
CONCLUSÃO:
Chamado e identidade caminham juntos. No momento que houver a separação haverá
necessidade de se criar mecanismos que apenas projetarão e não darão sustentação ao que Deus
requer do pastorado. A identificação com o chamado, uso uma linguagem angelical, é o ouvir a voz
de Deus, é o caminhar junto, é a disponibilidade de ir sabendo que não está sozinho. Sozinhos(as)
jamais conseguiremos causar qualquer tipo de impacto na sociedade em que vivemos. Ao
eliminarmos as fantasias que norteiam as ações pastorais, saberemos distinguir o que significa ser
chamado(a) e estar identificado com o todo de nossa vocação. Desta forma, “vem e segue-me”
acaba sendo o modelo de nossa conduta pastoral. O chamado de Deus exige decisão da parte
daquele(a) a quem ele é dirigido. O chamamento da parte de Deus é o meio pelo qual transforma
homens e mulheres isentos(a) de qualificações em instrumentos de sua vontade.
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Bibliografia
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ALLMEN, Jean-Jacques Von. Vocabulário Bíblico. 2ª Edição. ASTE: São Paulo. 1972.
BROWN, Colin. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. 1ª Edição.
Sociedade Religiosa Edições Vida Nova: São Paulo. 1981.
Obs: Reprodução autorizada pelo autor