Ética pastoral e relacionamento com a igreja local
1. ÉTICA PASTORAL COMO FRUTO DA VOCAÇÃO
RELACIONAMENTO COM A IGREJA LOCAL
(Perspectiva psicológica de alguns aspectos do relacionamento Pastor-Igreja)
I - 0 CONHECIMENTO DE SI
0 conhecimento de si mesmo e o primeiro passo na direção de um relacionamento adequado com a
realidade. Quanto maior conhecimento tem uma pessoa de suas motivações, habilidades e interesses, maiores
são suas possibilidades de ser um agente consciente de seu estar no mundo. O "conhecer a si mesmo" reveste-
se da maior importância quando se trata de pessoas que desempenham papel de lideres. Aqueles que estão a
frente de grupos, inevitavelmente estabelecem um relacionamento com as pessoas que estão sob sua
orientação. Este relacionamento é determinado não apenas por uma intenção deliberada e consciente, como
também em grande parte por processos que escapam a percepção daqueles que estão neles envolvidos. Muitas
de nossas aspirações e comportamentos são motivados por processos inconscientes. No caso do pastor
deveríamos citar, a titulo de exemplo, uma ênfase doutrinaria ou uma forma de dirigir a congregação como
satisfazendo muito mais a necessidades pessoais inconscientes, que suprindo necessidades reais da
congregação. Conhecer a si próprio não é tão fácil como a princípio pode parecer. Sem perceber, enganamos a
nós mesmos com bastante freqüência. Para se entender melhor esta afirmação podemos considerar por outro
lado que a imagem que fazemos de nos mesmos, pode em muitos momentos estar em desacordo com o que
fazemos e sentimos. Por outro lado a expectativa que temos sobre como os outros nos vêem e o que esperam de
nós, pode orientar nosso comportamento tanto para corresponder como para negar o que imaginamos que se
espera de nós. Entretanto, por ser doloroso tomar consciência destas e outras coisas evitamos e resistimos
inconscientemente a um confronto com nós mesmos. Diante disto as reflexões que uma pessoa pode fazer
isoladamente sobre seu próprio comportamento, apesar de necessárias, não são suficientes para um
conhecimento integral dele mesmo. Por isto é recomendável para um conhecimento adequado de si, que o
individuo aprenda a sair dele mesmo diante de outra(s) pessoa(s).
É necessário a coragem de, sem defesas, se expor em sentimentos, idéias e problemas pelos quais se
passa, diante de outro que possa nos ajudar no confronto e reflexão sobre nossa conduta e a historia de nossa
vida.
II - O CONHECIMENTO DA CONGREGAÇÃO
Também a congregação tem a sua historia, e, portanto determinadas motivações, tendências,
condicionamentos e possibilidades estão presentes no modo como ela se relaciona com suas lideranças ou vive
o evangelho. Os fatores específicos de cada igreja local não podem ser ignorados: realidade econômica,
sociocultural, pastorados anteriores, lideranças leigas, origens da igreja no lugar, situação geográfica, etc. Ao
lado dessa realidade especifica da Congregação, há que se considerar ainda a sociedade como um todo, no qual
a igreja esta inserida. Se a história da sociedade na qual a igreja existe for marcada, por exemplo, por uma
tradição de acomodação e não participação do povo no seu destino, a congregação sentirá os reflexos disto.
Como sentirá também o momento que vive. Exemplificando ainda mais, poderíamos dizer que uma sociedade
tecnológica burocrática, cuja publicidade oferece soluções prontas e fáceis para todos os problemas, certamente
imprimiria sua marca nos diversos setores que compõem, e a igreja não será exceção. E tanto mais profunda
será a marca, quanto menos consciência e discernimentos se tiver sobre estas influencias.
Ao lado desta visão mais globalizante da igreja é importante ressaltar que, em última analise, ela é
composta por indivíduos que também tem suas próprias historias. Será, então, a mescla e interação destas
historias individuais, com a historia da Congregação e da sociedade que comporão a complexa realidade que
esta presente em todo grupo humano.
III - VÍNCULOS ENTRE O PASTOR E A CONGREGAÇÃO
No relacionamento do Pastor com a Congregação vínculos psicológicos de diversas naturezas e formas
podem nortear a conduta de ambas as partes. Um destes vínculos, que é de vital importância para a maturidade
da igreja, é o de dependência. Este pode chegar ao ponto de fazer com que a congregação só caminhe a
reboque do seu líder. Geralmente esta dependência é mantida e reforçada por formas autoritárias de governo,
bem como por "técnicas sugestivas", que estão presentes em algumas formas de "apelos" e "campanhas". Muitas
vezes obreiros bem intencionados, no seu afã de obterem "frutos", substituem, sem se darem conta, a Graça de
Deus por um relacionamento que manipula a congregação. As formas autoritárias e manipulativas de
2. relacionamento impedem continuamente o amadurecimento da igreja, já que a oportunidade de caminhar por si
lhe é negada. Negada porque o líder como pessoa "melhor preparada”, antevê que a caminhada da comunidade
por si só, será trôpega e não haverá segurança de que ela percorra os caminhos pré-traçados e alcance as
metas propostas. Então, para que o caminho proposto seja percorrido com mais objetividade, o líder assume
integralmente a direção. Muitas vezes, esta postura de "pessoa melhor preparada", reflete um desrespeito pelo
outro, ao julgá-lo inferior e incapaz. Por trás disto pode estar um sentimento de "poder e superioridade, que é
justificado mediante argumentos como "ignorância e falta de cultura do povo", "apatia", etc. O que se esquece,
entretanto, é que esta suposta "ignorância" e "apatia" se deve ao fato destas pessoas serem tratadas como são.
Ao se Ihes obstruírem os caminhos e oportunidades de se expressarem e conduzirem a si mesmas , cria-se
sempre a condição de rotulá-las como "ignorantes" e "dependentes". Lamentavelmente temos, então, um circulo
vicioso que impede a grei de crescer. Por não desenvolver uma visão responsável da vida crista, ela fica sempre
na dependência, para qualquer forma de ação, de um pastor que tome a liderança. São conhecidos os problemas
de "orfandade" que a saída de um pastor provoca numa igreja, em que estes vínculos de dependência são muito
fortes. E, deve-se distinguir aqui (embora eles costumam se mesclar), os sentimentos naturais de pesar e tristeza
que uma pessoa ao partir desperta naqueles com quem conviveu, com o sentimento de impotência, desamparo,
desanimo e mesmo a desagregação, na qual uma comunidade (ou parte dela) pode mergulhar com a retirada do
líder. Ainda pode suceder que a dor da perda do "pai" leve a uma postura de resistência novo pastor.
No relacionamento autoritário esta sempre presente também o risco de impingir aos outros alternativas que
nada mais são que preferenciais pessoais revestidas do caráter de melhor alternativa e verdade absoluta. Se
analisarmos um pouco mais em profundidade as motivações do líder autoritário e possível que se descubra
associada a esta necessidade egotista de" satisfação, uma insegurança básica que consiste no medo de perder o
controle da situação.
De um outro lado desta questão do vinculo de dependência temos a Congregação ou grupos dela que
desenvolvem um poder de controle muito grande sobre o pastor. Por alguma dificuldade pessoal em assumir o
papel de líder e as responsabilidades nele implicadas, o obreiro pode tornar-se vulnerável a grupos que, por
estabelecerem vínculos "especiais" com o pastor, terminam por exercer autoridade sobre ele. E conveniente
aclarar que isto pode se dar tanto em relação a grupos de pressão mais ou menos definidos ou mesmo de
oposição aberta, bem como com grupos dentro dos quais o pastor se sente melhor e "mais a vontade" e pode,
por tanto, sem perceber, ter a tendência a agrada-los. 0 que ocorre é que o líder e os grupos se relacionam
dentro de "espaços psicológicos" que atendem a necessidades de ambas as partes. Um pastor, por exemplo,
devido a suas dificuldades de assumir seu papel pode se apoiar em grupos que o rodeiam para tomar decisões (o
que e bem diferente de uma atitude democrática consciente). Assim, o apoio que o grupo que dá compensa sua
insegurança diante de seu papel e da a oportunidade ao grupo de realizar seu desejo de poder.
IV - A IMAGEM DO PASTOR
Outro aspecto que embora esteja intimamente ligado aos anteriores, merece destaque devido a sua
importância e diz respeito a imagens idealizadas que a Congregação pode ter do pastor. Imagens que torna-se
um pesado fardo quando o obreiro ao assumir a postura de cristão ideal que a Congregação lhe atribui passa a
agir de acordo com as expectativas que ele pensa que os outros têm a seu respeito. Contribuindo assim para a
manutenção desta imagem , ele desumaniza-a. Pressionado a não viver sua humanidade, nega seu cansaço,
seus sentimentos de tristeza e fracasso, seu sofrimento, descuida de aspectos importantes da sua vida e
submete-se em nome da "Obra do Senhor" (e de acordo com sua visão de ministério) a um ativismo alienante
que pode leva-lo a uma vida extremamente solitária. Embora cercado de tantos irmãos, sente-se impedido de
expressar seus autênticos sentimentos e sua vida diante deles.
Os problemas familiares de pastores são muito ilustrativos neste aspecto. Elevados ao papel de "super-
homens" ou de "homens espirituais", procuram atender a todas as necessidades da igreja, menos as de si
mesmo e de sua família. Raramente ha tempo para estar só, meditar, estar com a esposa e filhos. E muitas
vezes, o que se vive nestes raros momentos juntos e a ansiedade de ter que ordenar e disciplinar a família em
função da expectativa que a igreja tem (ou que se pensa que ela tem) sobre ela.
Perde-se, então, as ocasiões de viver descontraidamente o amor e a companhia das pessoas da própria
casa.
Vendo o problema de um outro lado pode ser que esta ausência da família esteja ligada a dificuldades
pessoais de relacionamento que conduzem então o pastor (ou qualquer pessoa) a mergulhar no seu trabalho
como uma fora (inconsciente) de não ter tempo para estar em casa e enfrentar os limites de sua própria
personalidade, e da sua esposa e filhos, nesta complexa, rica e delicada experiência, que e o relacionamento
humano.
V - CONCLUSÕES E SUGESTÕES
3. Por este pequeno esboço do relacionamento pastor-igreja fica claro que o tema não é simples. Envolve
todas as sutilezas e nuances que estão presentes nas pessoas e suas relações. Certamente não será somente a
capacidade que tenhamos de analisá-lo, entendê-lo e propor alternativas que fará com que seja depurado e
possa promover um verdadeiro crescimento da Igreja. Isto seria reduzir a Igreja a uma instituição ou grupo
meramente de origem e propósitos humanos. Acima de qualquer conhecimento esta a Graça de Deus e seu
espírito que impulsiona a igreja para os propósitos que Ele mesmo estabeleceu para ela. Se porém a Igreja
deixar a margem o conhecimento e considerá-lo secundário para seu crescimento, estará incorrendo em erro
contra si própria. O conhecimento, em ultima analise, provém de Deus e a consciência e preocupação que se tem
em determinados momentos históricos com aspectos da igreja pode ter sua origem no próprio Espírito de Deus
orientando a Igreja para questões que ela deve dar atenção.
Neste espírito, algumas propostas de trabalho que visem cuidar do relacionamento do pastor com a
Congregação e consigo mesmo podem ser sugeridas:
a) - a inclusão nos currículos dos Cursos de Teologia, a exemplo do que já fazem alguns seminários, da
"Formação Pessoal". Formação Pessoal não seria, evidentemente, uma matéria nos moldes tradicionais, mas a
possibilidade que os estudantes teriam de, em grupo, e com a participação de uma pessoa especializada,
confrontarem-se consigo mesmo para entenderem melhor suas motivações mais profundas. Conhecendo mais
de si mesmos, maiores possibilidades teriam de agir conscientemente na futura direção de uma igreja;
b) - aprofundar o estudo da concepção de ministério pastoral e rever como esta concepção tem sido
transmitida nos seminários;
c) - criar possibilidades para que os pastores em exercício, tenham encontros periódicos em pequenos
grupos, nos quais possam discutir suas idéias e expressarem seus sentimentos diante da experiência que vivem
em suas igrejas, para que, alem de um saudável confronto" mútuo, possam buscar formas mais adequadas de
exercer o ministério;
d) - estimular e favorecer o aconselhamento de pastores junto a outro colega, ou pessoa capacitada.
A participação em programas desta natureza não pode ser imposta. Entretanto, e importante criar estas
possibilidades e fazer um trabalho de conscientização sobre a importância delas. A Comunidade Cristã deve ser
um local onde as pessoas possam se expressar livremente, sem receios de ocultar que são e o que vivem. "Onde
está o espírito do Senhor ali há liberdade" (II Cor. 3:17).
Se vivermos integralmente o evangelho teremos nossas igrejas transformadas em comunidades
terapêuticas onde um leva a carga do outro (Gal. 6:2) e o amor possibilita o "instrui?" e aconselhar mutuo (Col.
3:16), que conduz ao perdão e ao crescimento.
Almir Linhares de Faria
Pastoral Universitária
UNIMEP/ABRIL- 80