1. REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228
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Volume 14 - Número 2 - 2º Semestre 2014
ASPECTOS DA ALIMENTAÇÃO E ESTÁGIOS GONADAIS DE Triportheus signatus
(GARMAN, 1890) EM UM AÇUDE PÚBLICO NO SEMIÁRIDO, BRASIL
Francimário da Silva Feitosa1, Daniel de Holanda Silva2, Artur Henrique Freitas Florentino de Souza3
RESUMO
O presente estudo trata da alimentação e dos estágios de maturação das gônadas de Triportheus
signatus (Garman, 1890), coletados entre fevereiro e julho de 2012 no açude de Bocaina, Piauí, Brasil.
Houve predominância de fêmeas, sexualmente maduras e de tamanho maior em relação aos machos.
Poucos exemplares estavam com o estômago totalmente repleto de alimento e atribui-se isso ao fato
de que a maioria deles estava com as gônadas maduras e em pleno processo de desova. Os principais
itens encontrados foram “ração” e “músculo”, embora outros como escamas, materiais vegetais,
insetos e detritos também foram observados. A espécie é considerada onívora com tendência à
carnivoria, visto que a grande maioria dos itens verificados é de origem animal.
Palavras-chave: Sardinha, semiárido, peixes, dieta, reprodução.
ASPECTS OF FOOD AND INTERNSHIPS GONADAL Triportheus signatus (GARMAN,
1890) IN A RESERVOIR PUBLIC IN SEMIARID, BRAZIL
ABSTRACT
This study deals with the feeding and the stages of maturation of the gonads Triportheus signatus
(Garman, 1890), collected between february and july 2012 in Bocaina Dam, Piauí, Brazil. There was
a predominance of females, sexually mature and larger size than males. Few specimens were
completely filled the stomach with food and it attaches itself to the fact that most with mature gonads
were and in the process of spawning. The main items were found "ration" and "muscle", although
others like scales, plant material, insect and debris also been found. The omnivorous species is
considered with carnivorous tendency, since the vast majority of items checked are of animal origin.
Keywords: Sardine, semiarid, fish, diet, reproduction.
2. 30
INTRODUÇÃO
O gênero Triportheus Cope, 1872 é
composto por 16 espécies que se distribuem pela
América do Sul, na maioria das grandes bacias
hidrografias (MALABARBA, 2004).
Apresentam médio porte, até 25 cm de
comprimento padrão, corpo alongado e bastante
comprimido lateralmente, nadadeiras peitorais
bem desenvolvidas e ventrais atrofiadas, peito
expandido e quilhado devido à hipertrofia dos
ossos coracóides, escamas bem desenvolvidas,
que se soltam facilmente e dentes
multicuspidados dispostos em duas séries,
firmemente implantados em ambas as maxilas
(SANTOS et al, 2006).
Triportheus singatus (Garman, 1890)
popularmente conhecida como sardinha é
endêmica da bacia do rio Parnaíba (BUCKUP et
al, 2007) e constitui importante fonte de proteína
animal para diversas populações ribeirinhas. É
uma espécie bastante apreciada, sendo
amplamente comercializada em mercados e
feiras regionais em toda área de distribuição
(SOARES, et al, 2012).
No Açude de Bocaina, Piauí, ambiente
alterado pelo barramento do rio Guaribas, a
sardinha se destaca pela sua notável abundância.
Segundo Yamamoto et al (2004) as espécies de
Triportheus são altamente adaptáveis à diferentes
biótopos e provavelmente isso tem se refletido na
área de estudo, notadamente quanto à elevada
abundância observada para a população de T.
signatus.
Devido à carência de trabalhos sobre
alimentação e reprodução de peixes na Caatinga
(ROSA et al, 2003), somada às alterações
ambientais provocadas pelo homem nos poucos
corpos d’água na região, torna-se urgente a
implementação de estudos que demonstrem os
principais aspectos ecológicos da sua ictiofauna.
Tais conhecimentos são de suma importância
para a tomada de decisões no que se refere aos
usos comuns desse recurso.
Os objetivos desse estudo foram i)
investigar a alimentação da sardinha observando
os itens que compõe sua dieta na área de estudo,
ii) identificar o nível trófico da espécie e iii)
verificar e identificar os estágios de maturação
gonadal para a espécie no período amostrado.
MATERIAIS E MÉTODOS
Os exemplares analisados foram
coletados entre fevereiro e julho de 2012, no
Açude de Bocaina, Piauí. Foram utilizadas redes
de espera (malhas 4, 6, 8 e 12 cm entre nós
opostos), operadas expostas por 12h, com
despescas sendo realizadas ao amanhecer na área
sem influência dos tanques-rede da cooperativa
local de piscicultores, e tarrafa com malha 1,5 cm
entre nós opostos, na área de influência direta do
referido empreendimento (Figura 1).
Figura 1. Área de coleta de Triportheus signatus no açude
de Bocaina, Piauí, entre os meses de fevereiro a julho de
2012. Em destaque, os sítios de coleta: retângulo = área sob
influência dos tanques-rede; círculo oval = sem influência
dos tanques-rede.
Para verificar e identificar os principais
itens alimentares executou-se uma incisão no
abdômen, externalizando o trato digestivo dos
exemplares com comprimento padrão (CP)
previamente conhecido. Assim, os estômagos
eram examinados visualmente, a fim de definir o
grau de repleção estomacal conforme seguinte
escala: 0% (vazio), 25%, 50%, 75% e 100%; em
seguida eram abertos com uma incisão
longitudinal visando a extração dos itens numa
placa de Petri para observação no
estereomicroscópio (YAMAMOTO et al, 2004).
As gônadas foram examinadas
visualmente, sendo levados em consideração a
cor, tamanho e flacidez. Os estágios foram
determinados segundo escala adotada por
Vazzoler (1996) e foram classificados como (1)
imaturos, (2) em dormência ou maturação
precoce, (3) maduros ou (4) esgotados.
3. 31
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram analisados 52 exemplares de
sardinha (Triportheus signatus), divididos em
quatro classes de tamanho conforme figura 2. A
média de tamanho encontrada foi de 112,5 mm
de CP, sendo considerada uma espécie de
pequeno porte. Com esses dados T. signatus se
configura como uma das menores espécies do
gênero (SANTOS et al, 2006; BUCKUP et al,
2007).
Santos et al (2006) verificou uma média
um pouco maior para outras duas espécies do
gênero, cerca de 200 mm de CP; entretanto, uma
delas é a que alcança o maior tamanho registrado:
T. elongatus, 250 mm de comprimento padrão.
Martins-Queiroz et al (2008) analisaram
exemplares de T. trifurcatus oriundos do médio
rio Araguaia com até 190 mm.
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Figura 2. Classes de tamanho encontradas para
Triportheus signatus no Açude de Bocaina-PI.
Apesar de serem de pequeno a médio
porte, as espécies do gênero Triportheus são
bastante consumidas por populações ribeirinhas,
sendo amplamente vendidas em mercados e
feiras de toda sua área de ocorrência. Em
Manaus-AM, as sardinhas figuram em posição de
destaque, representando grau de importância
econômica da ordem de mais 20% em relação ao
pescado comercializado na região (SANTOS et
al, 2006).
Na bacia do rio Parnaíba, Soares et al
(2012) pontuam que a sardinha teve uma
biomassa capturada de cerca de 400 kg na lagoa
de Parnaguá, no sul do Piauí; esse valor
representa pouco mais de 1% do pescado no ano
de 2003. Despontaram nessa lista a “corvina”
(Plagioscion squamosissimus) com 38,2% e o
“surubim” (Pseudoplatystoma sp.) com 30,6%.
Em relação aos consumidores de pescado
na região da bacia do Parnaíba, convém pontuar
que existe uma evidente preferência por peixes
lisos (popularmente chamados de peixes-de-couro)
da ordem Siluriformes, ao contrário dos
amazônidas (FEITOSA et al, 2012).
Provavelmente os baixos estoques naturais
desses peixes vêm impedindo ano após ano uma
maior produção pesqueira. Além do surubim,
somente o mandubé (Hemisorubim
plathyrinchus) com 1,1%, o bico-de-pato
(Sorubim lima) e o mandi (Hassar affinis), estes
com menos de 1%, apareceram na amostragem
feita Soares et al (2012).
Quanto à proporção sexual de
Triportheus signatus em Bocaina, as fêmeas
foram mais abundantes que os machos,
representando mais que o dobro destes na
amostra (Figura 3). Martins-Queiroz et al (2008)
encontraram uma proporção de cerca de 50%
para machos e fêmeas de T. trifurcatus no rio
Araguaia, indicando ainda que ambos estavam
maduros sexualmente com 110 e 119 mm,
respectivamente.
Fêmeas
Figura 3. Proporção de machos e fêmeas de T. signatus no
Açude de Bocaina-PI.
As fêmeas de T. signatus de Bocaina
também foram maiores e, segundo Martins-
Queiroz et al (2008) esse dimorfismo pode ser
uma estratégia benéfica para a espécie, pois um
maior tamanho em fêmeas pode indicar uma
maior taxa de fecundidade, visto que a
quantidade de ovócitos é relacionada com o
aumento do peso (HOJO et al, 2004).
Quanto aos estágios de maturação
observados, a maioria das fêmeas de T. signatus
(89%) se encontravam sexualmente maduras
(estágio 3); quanto aos machos, 44% estavam
com as gônadas esgotadas (estágio 4). A figura 4
ilustra esses dados de maneira compilada para
ambos os sexos.
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Macho
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Figura 4. Estágios de maturação encontrados para machos
e fêmeas de T. signatus no Açude de Bocaina-PI.
Geralmente as espécies de peixes de água
doce da região neotropical não se alimentam
durante o período reprodutivo, principalmente
quando se encontram nos estágios 3 e 4
(VAZZOLER, 1996). No entanto, parece que no
Açude de Bocaina, T. signatus apresenta uma
espécie de comportamento agonístico,
principalmente no sítio de coleta onde existe
maior disponibilidade de alimento (área de
influência das gaiolas).
Para verificar a alimentação de T.
signatus foram consideradas cinco categorias
para representar os graus de repleção
encontrados nos espécimes (YAMAMOTO et al,
2004). Cada uma representou uma estimação
percentual de preenchimento de cada estômago
(0%, 25%, 50%, 75% e 100%) e os resultados se
encontram sintetizados na figura 5. Poucos
exemplares tiveram 100% de repleção estomacal,
enquanto a grande maioria tinha poucos itens
alimentares, preenchendo parcialmente o
estômago.
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Figura 5. Graus de repleção estomacal encontrados em T.
signatus. Exemplares com menos de 25% de repleção
estomacal tiveram seu conteúdo considerado como vazio
(0%).
Apesar de não ter sido feita nenhum tipo
de análise estatística com itens alimentares
encontrados nos espécimes, visualmente
percebeu-se que dois deles foram os mais
importantes, sendo observados na maioria dos
exemplares e apresentando volume maior que os
demais itens. “Ração” e “Músculo” (Figura 6)
foram amplamente consumidos por Triportheus
signatus e atribui-se isso ao fato da espécie ter a
mesma fonte alimentar que as tilápias
(Oreochromis niloticus), confinadas em tanque-rede
na área de estudo.
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Figura 6. Itens encontrados nos estômagos dos exemplares
de Triportheus signatus.
Baseado em observações feitas na área de
coleta, tanto a sardinha quanto outras espécies
(Astianax bimaculatus, Moenkausia cf.
intermedia e Leporinus piau) consomem
vorazmente a ração oferecida às tilápias no
momento do arraçoamento destas, já que parte da
alimentação sai das gaiolas através das malhas
que têm diâmetro maior que o grão de ração
oferecido.
Os músculos observados nos estômagos
foram de dois tipos: estriado esquelético e liso,
sendo que este foi visualmente mais abundante
que aquele. Tal fato ganha suporte em outra
observação de campo, já que as tilápias dos
tanques-rede são limpas para venda próximo às
gaiolas, atraindo diversas outras espécies, entre
elas a sardinha. Parte das sardinhas analisadas foi
coletada com tarrafa, na margem do lago e
provavelmente consomem tanto vísceras quanto
outras partes descartáveis das tilápias, como
escamas e pedaços de nadadeiras que são
retiradas no momento da limpeza.
Provavelmente só os músculos e outras
partes são consumidos na área de limpeza das
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Em maturação
Maduros
Esgotados
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Ração
Músculo
Escamas
Material inorgânico
Material vegetal
Insetos
Detritos
5. 33
tilápias já que estas passam por uma espécie de
“quarentena” antes de serem limpas para venda
direta ao consumidor, que geralmente faz a
compra no local de criação. Um fato curioso é
que grande parte das sardinhas que tiveram o
item “ração” no estômago, tinha também outra
grande proporção de tecido muscular associado,
totalizando o bolo estomacal. Por isso, as
populações de peixes que dependem dessas
fontes fazem o percurso entre as gaiolas e a
margem do lago onde as tilápias são limpas para
utilizar os recursos disponíveis.
Já nas sardinhas coletadas com as redes
de espera, num dos braços do lago com pouca
influência dos tanques-rede, foi observado uma
variedade maior de itens. Nessa parcela da
população, itens como “materiais vegetais”,
“insetos”, “materiais inorgânicos” e “detritos”
tiveram relevante importância visual.
Os principais materiais vegetais
encontrados foram cascas de pequenas sementes
e troncos. Nos insetos foram visualizados,
principalmente, partes como a cabeça,
cefalotórax, asas, pernas e antenas. Linhas de
nylon de diversas cores, provavelmente oriundas
das embalagens da ração oferecida às tilápias,
foram observadas, compondo a parte inorgânica
dos itens observados. Os detritos foram todos os
itens, parcial ou inteiramente digeridos, que não
puderam ter sua origem identificada.
Os insetos foram identificados e
pertencem às Ordens Coleoptera (Dytiscidae),
Diptera (Chauboridae e Chironomidae) e
Ephemeroptera (Polymitarcidae), além de
representantes da Subordem Heteroptera
(BOUCHARD-JR, 2004). Com esses resultados
observa-se que as sardinhas buscam ativamente
suas presas, visto que parte dos insetos vivem na
coluna d’água, fazendo migração vertical, como
o caso dos Chaoboridae, fase larval, que podem
encontrados tanto enterrados no sedimento
aquático (ESTEVES, 2011) quanto sendo
predadores de Zooplâncton na coluna d’água
(FREITAS et al, 2007).
Outros organismos, como os
Chironomidae (SOUZA; ABÍLIO, 2006;
ABÍLIO et al, 2007), que, em fase larval, vivem
associados ao sedimento aquático, também
foram encontrados no conteúdo estomacal dos
referidos peixes.
As sardinhas são tão ativas que exploram
diversos outros micro-habitat na área de estudo.
Prova disso são os percevejos e besouros
aquáticos (Heteroptera e Coleoptera,
respectivamente) encontrados nos estômagos.
Esses insetos habitam principalmente locais onde
existe vegetação, por apresentarem hábitos
terrestres quando adultos, apesar de serem bons
nadadores.
Somente um representante da Ordem
Ephemeroptera foi visualizado, sendo
identificado em nível de família
(Polymitarcidae).
Segundo Bouchard-Jr (2004) os efêmeros
são muitas vezes bons indicadores da qualidade
da água por não tolerarem poluição. Por isso,
ressalta-se aqui a preocupação com a área de
estudo em virtude da pouca abundância desse
grupo que se configura como importante recurso
alimentar de peixes.
CONCLUSÕES
O Triportheus signatus é considerada
como uma espécie onívora, visto que foram
encontrados itens de origem animal e vegetal. No
entanto, observa-se que existe uma tendência à
carnivoria, já que visualmente percebeu-se uma
maior quantidade de itens de origem animal.
Para uma precisa determinação do
período reprodutivo da espécie, necessita-se de
mais amostras ao longo do tempo, visando
contemplar pelo menos um ciclo hidrológico
completo. Entretanto, suspeita-se que a sardinha
tenha desova parcelada na região, resultado da
alteração ambiental provocada pela construção
da barragem no rio Guaribas e posterior
adaptação às novas condições.
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Camaleão, Manaus, AM, Brasil. Acta
Amazonica,Manaus, v. 34, n. 4, p. 653-659,
2004.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos aos responsáveis pela
Cooperativa de Piscicultores de Bocaina-PI, em
especial os senhores Francisco (vulgo
“Pantico”), João Bernardo, Chico Bombeiro e
demais funcionários, por permitir o uso das
instalações na associação pela equipe de coleta;
ao Sr. Neres, motorista da UESPI, pela prazerosa
companhia e ajuda no deslocamento entre Picos
e Bocaina; à Nágila Alexandre Zuchi pela
criteriosa correção e valiosas sugestões para o
manuscrito.
______________________________________
[1] Doutorando pela Universidade Federal do
Ceará; Mestre em Biologia de Água Doce e
Pesca Interior/INPA. Graduado em Licenciatura
Plena em Biologia/IFPI – Floriano.
francimario.feitosa@gmail.com;
7. 35
[2] Graduação em Ciências biológicas pela
Universidade estadual do Piauí – Picos.
danielholanda2010@hotmail.com
[3] Professor Assistente do curso de Ciências
Biológicas da UFPI, Campus Senador Helvídio
Nunes de Barros, Picos-PI; Doutorando em
Ecologia de Ecossistemas Aquáticos
Continentais UEM; Mestre em Desenvolvimento
e Meio Ambiente/UFPB e Bacharel/Licenciado
em Ciências Biológicas pela UFPB.
ahffs@ufpi.edu.br