1. A Zara do
chocolate
Ao seguir passos semelhantes aos da gigante
espanhola do varejo de moda, a Cacau Show
se tornou a maior franquia de alimentos do país
JOÃO WERNER GRANDO
discurso do paulistano Alexandre
O
leiro do setor de chocolates, com o dobro do
Costa, dono da rede de lojas de tamanho de sua maior concorrente direta
chocolate Cacau Show, sempre — a octogenária Kopenhagen faturou 160
soou um tanto megalomaníaco. milhões de reais em 2009. com 256 l o j a s ,
Aos 17 anos de idade, apenas com a expe- Costa traçou sua estratégia de crescimento
riência de quem via os pais venderem de praticamente sozinho. Nunca contratou con-
porta em porta cremes da Avon e potes da selheiros nem consultores. Jamais teve só-
Tupperware. decidiu seguir o exemplo. Em cios investidores — um amigo de infância,
1988, às vésperas da Páscoa, ele peregrinou com 2.5% de participação na empresa, é seu
pelas ruas da zona norte de São Paulo, onde único parceiro. Desistiu de se tomar um em-
morava, para oferecer chocolates aos mo- preendedor apoiado pela Endeavor, ONG
radores. Bom de lábia, conseguiu 2 000 voltada para o estímulo a pequenas e médias
encomendas. Para dar conta dos pedidos, empresas com potencial de expansão, quan-
contratou uma senhora que o ajudou a pre- do soube que teria de ceder 2% do capital
parar os ovos em apenas três dias. Desde da Cacau Show em troca do apoio. Costa,
então, a disposição de Costa para estabele- que abandonou o curso de administração na
cer metas aparentemente impossíveis não Faap no terceiro ano para se dedicar a seu
parece ter arrefecido. Em 2001, após a aber- negócio, considera-se um autodidata. Con-
tura de sua primeira loja com a marca Cacau versa informalmente em média uma vez a
Show, propôs-se a criar a maior franquia de cada dois meses com três mentores — Lírio
alimentos do Brasil. Chegou lá em 2009, Parisotto, fundador da Videolar. Artur Gryn-
com 750 lojas que faturaram 272 milhões baum, presidente do Boticário, e Pedro
de reais. (A comparação considera número Passos, um dos controladores da Natura.
de lojas. Em vendas, a maior rede é o Também busca referên-
McDonald's. com 575 unidades e fatura- cias em empresas estran-
mento de 3,3 bilhões de reais.) Agora, aos geiras. A mais recente
39 anos, Alexandre Costa trabalha para delas é a gigante espanho-
abrir sua milésima loja em 2010. Para isso, la do varejo de meda Zara.
terá de inaugurar 250 pontos de venda até "Quero ser a Zara do cho-
dezembro — e bater seu recorde de 234 colate", "diz ele.
novas lojas num único ano, em 2008. O que despertou sua
Para se tornar o maior empresário brasi- atenção para a Zara em
2. primeiro lugar foram as coincidências
na origem das duas companhias. Criada
em 1975 pelo empresário Amancio Or-
tega, a varejista espanhola só deixou de
ser uma fabriqueta de roupões em La
Coruña ao produzir cópias mais baratas
de modelos sofisticados e vendê-las em
lojas parecidas com as de redes famo-
sas. Em três décadas, Ortega espalhou
l 500 lojas por 72 países da Europa,
Ásia e Américas. Do mesmo modo, a
Cacau Show cresceu ao inaugurar um
nicho de mercado até então inexplora-
do. Com lojas e embalagens semelhan-
tes às de marcas de primeira linha.
Costa aliou um certo ar de sofisticação
a um preço mais baixo — em média um
Foto
quarto do que cobra a Kopenhagen. "A
Cacau Show preencheu o vácuo entre
a Kopenhagen c as marcas artesanais,
que até são mais baratas, mas não têm
apresentação atraente", diz o consultor
de franquias Marcelo Cherto.
No caso da Cacau Show. garantir o
preço baixo é resultado da vigilância
obsessiva de seu dono. Para lembrar a
todos da importância de cortar custos,
nas reuniões anuais de orçamento Cos-
ta mantém sobre a mesa um facão com
cabo de madeira e lâmina enferrujada,
presente de um cortador de cacau de
Ilhéus. O próprio time de executivos é
um exemplo de seu esforço para man-
ter a empresa com uma estrutura enxu-
3. ta. Abaixo dele há
apenas dois diretores,
um de operações e
outro comercial. Cos-
ta também cuida pes- Foto
soalmente de cada
negociação, desde a
compra de máquinas
até o acerto com
agências de publicidade. "Ele não dei-
xa escapar nada", diz Parisotto, dono
da Videolar. No ano passado, recusou-
se a contratar uma construtora para quia para concorrer no mercado de Cos-
gerenciar as obras de expansão da fá- ta. Hoje a rede possui 50 lojas. "Quere-
brica de Itapevi. em São Paulo, com mos chegar a 500 até o final de 2011'",
36 000 metros quadrados de área e ca- afirma Renata Vichi. vice-presidente do
pacidade de produção de 10 000 tone- grupo CRM. Para se destacar diante das
ladas de chocolate por ano. Decidiu ele concorrentes, a Cacau Show também
mesmo supervisionar a construção. vem ampliando os investimentos em
''Economizamos 20% em uma obra or- marketing. Em 2006, fez o primeiro
çada em 20 milhões de reais", afirma. anúncio em televisão. Desde então, o
orçamento da área (não revelado pela
PARA MANTER AS LOJAS abastecidas, empresa) dobrou a cada ano. Em 2010.
a Cacau Show segue outro mandamen- parte da publicidade vai ser espontânea.
to da Zara: a rapidez na entrega de pro- A escola de samba paulista Rosas de
dutos. A empresa espanhola garante a Ouro adotou como tema de seu desfile
chegada de suas peças na Europa em 24 de 2010 o livro lançado por Costa em
horas e em até 48 horas no restante do 2008, O Cacau é Show, sobre a história
mundo. Desde 2005, a Cacau Show con- do cacau. O empresário afirma que en-
segue atender a maioria dos franqueados viou no ano passado um exemplar da
em dois dias, enquanto os concorrentes obra resultado de uma viagem da Ama-
levam até duas semanas. Para tanto, ope- zônia à Bahia, para diversas escolas de
ra um sistema em que os franqueados samba de São Paulo. À empresa de Cos-
têm dia e hora a cada semana para fazer ta caberá investir 25 000 reais no desfi-
pedidos, despachados por meio de uma le, com a compra de 50 fantasias.
frota terceirizada de até 40 caminhões. Agora, ele avalia duas possibilidades
O rigor não permite concessões — nem para expandir a Cacau Show. A primei-
à própria mãe. Vilma. Dona de uma ra é comprar uma chocolateira na Bél-
franquia da rede, ela costumava perder gica. "Poderíamos criar franquias na
a data dos pedidos. Em 2008, Costa pe- Europa ou vender chocolate belga no
diu que se desfizesse da loja. "Minha Brasil", diz ele. A outra opção é com-
mãe queria privilégios. Recomendei que prar uma fábrica de sorvetes no Brasil.
passasse o negócio adiante e desde então Em parceria com a paulista Sottozero.
ela se aposentou", diz. a Cacau Show já vende sorvetes desde
Inspirado na rede espanhola, Costa o ano passado. "Antes de decidir, vou
pretende renovar as prateleiras com valer de artifícios que vão de simples considerar as vendas deste verão", diz
maior freqüência neste ano. Sua meta é mudanças de embalagens a lançamen- ele. Costa garante que terá fôlego para
lançar até dez novidades a cada 15 dias, tos de novos sabores de produtos. "'Au- seguir sozinho, sem investidores. Pode
mesmo tempo com que a Zara troca mentar a renovação nas prateleiras faz parecer um passo grande demais. Ou.
suas coleções. Até o ano passado, os com que o cliente volte à loja mais ve- para alguns, até uma certa dose de ar-
lançamentos na Cacau Show se limita- zes", afirma Costa. rogância. Mas quem saiu da zona norte
vam a datas comemorativas, com menos A mudança é uma tentativa de manter de São Paulo com seus ovos de Páscoa
de dez coleções por ano — o mesmo a concorrência a distância. Em 2009, o caseiros para construir a maior rede de
modelo adotado pela concorrência. Pa- grupo CRM, que controla a Kopenha- lojas de chocolates do mundo acha que
ra atingir essa meta, ele pretende se gen, montou a Brasil Cacau, uma fran- ainda pode fazer mais. Sozinho. •
Fonte: Exame, São Paulo, ano 44, n. 1, p. 56-58, 27 jan. 2010.