1) O documento discute projetos de vida de jovens brasileiros e como eles constroem perspectivas para o futuro.
2) É apresentado um painel com opiniões de diversos jovens sobre seus projetos, que variam entre querer ser líder de uma tribo indígena, mobilizador social e buscar uma vida espiritual longe da cidade.
3) O documento destaca a importância de compreender como jovens entre 15 e 24 anos, que somam recorde de 35 milhões no Brasil, planejam e pensam seu futuro.
O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...
Proj2
1. PROJETO DE VIDA
ano 1 – número 1 – março 2005
Como os jovens brasileiros
constroem no presente
suas perspectivas de futuro
2. sonar
A recomendação da ONU para adoção do Programa Mundial de
Ação para a Juventude faz dez anos
25% dos jovens brasileiros que buscam
trabalho estão desempregados
20% DOS BEBÊS NASCIDOS EM 2002, NO BRASIL,
ERAM DE MÃES DE 15 A 19 ANOS
Somente 45% dos jovens freqüentam a escola no país
NESTE ANO, OS BRASILEIROS ENTRE
3. Tornar 2005 o Ano Nacional da Juventude é um item de
política pública pág. 64
Um projeto rural na Bahia ajuda a fixar
os jovens no campo pág. 18
INICIATIVAS EM SÃO PAULO, RECIFE E BELÉM REDUZEM
CASOS DE GRAVIDEZ PRECOCE PÁG. 46
Milhares de jovens estudam segundo a pedagogia de três educadores juvenis pág. 14
15 E 24 ANOS SERÃO 35,139 MILHÕES 3
4. âncoras
“O projeto de vida envolve a definição do lugar do
jovem no mundo e na sociedade.”
Margarida Serrão e Maria Clarice Baleeiro,
autoras do livro Aprendendo a Ser e a Conviver (editora FTD)
“Escolhi ter um projeto de vida buscando prazer
em estar sempre inquieta, buscando aprimorar o
que já se tem ou indo atrás do que está por vir.”
Renata Florentino,
21 anos, fundadora da ONG Interagir
FELIPE BARRA
“O jovem precisa ter uma oportunidade para conseguir elaborar seu
projeto de vida e precisa também conhecer a realidade na qual está
inserido. Só assim ele vai conseguir ter um norte.”
Cleodemar Viana Alves,
ANDERSON OLIVEIRA
25 anos, estudante de Manaus, integrante da ONG Agência Uga-Uga de Comunicação
“Quero algo mais do que seguir o caminho que a
maioria trilha, que é nascer, crescer, casar e ter
filhos. Gostaria de testemunhar mudanças sociais
e ver os jovens mais participativos.”
Carlos Jordaki,
19 anos, estudante paulistano
“O projeto de vida atrelado à maternidade é uma
busca da aprovação grupal. As meninas tentam
criar vínculos e prender o namorado.”
Albertina Duarte Takiuti,
HENK NIEMAN
ginecologista, responsável pelo programa Saúde do Adolescente, do
governo do Estado de São Paulo
5. “O projeto de vida é a ação do indivíduo de escolher um dentre os futuros
possíveis, transformando os desejos e as fantasias em objetivos a serem
perseguidos.”
Juarez Dayrell,
coordenador do Observatório de Juventude da UFMG
“Treino quatro horas por dia. Para realizar
meu projeto, não posso ficar parado. ”
Luiz Júlio,
23 anos, estudante carioca, quer jogar basquete na Seleção
Brasileira de Deficientes Físicos
“Engravidei para poder sair de casa, ter minha
própria família, virar adulta.”
H.S.S.
17 anos, estudante carioca,
grávida de um “soldado” do tráfico 5
“Você vê o pessoal chegar no segundo colegial e ainda não saber o que quer
ser. A escola tinha de despertar, mexer mais com criatividade, dar mais
opções pra pessoa poder procurar dentro dela o que gostaria de ser.”
Negra Li,
25 anos, rapper paulistana
“Projeto de vida é um caminho a ser percorrido entre o ser e o querer-ser na
vida de cada pessoa.”
Antônio Carlos Gomes da Costa,
pedagogo, consultor especialista em juventude e ação educativa
6. HAROLDO P. NETO
editorial
Caro leitor,
Temos a satisfação de apresentar a revista Onda Jovem, publicação que vem ocupar um
HENK NIEMAN
espaço editorial focado no segmento juventude, na perspectiva de quem lida com o jovem –
educadores, profissionais de diversos setores sociais, especialistas e estudiosos – e do pró-
prio jovem que deseja influir no modo como é percebido pela sociedade.
Pela coerência dessa proposta em relação à estratégia adotada pelo Instituto Votorantim,
08
a publicação ganha o seu patrocínio a partir do primeiro número. Esse apoio ao projeto
desenvolvido pela empresa Olhar Cidadão reflete nossa crença no potencial da juventude
brasileira, cuja força demográfica se destacará nas próximas duas décadas, totalizando uma
população inédita de quase 36 milhões de jovens em 2025.
A cada edição, Onda Jovem abordará um tema específico, colocando o desen volvimento
integral do jovem como eixo principal, buscando a diversidade de perspectivas e a multipli-
cidade de abordagens. Por meio de reportagens, ensaios e entrevistas com jovens e profissio-
nais especializados, a publicação pretende trazer para a agenda pública temas que valem
reflexões, contribuindo para enriquecer o debate e avançar nas soluções.
MÁRCIA ZOET
Esperamos que o conhecimento gerado por esse instrumento estratégico de comunicação
seja utilizado por todos os públicos envolvidos direta ou indiretamente nas questões relaciona-
das à juventude, de modo a aprimorar sua atuação e a beneficiar nossos jovens. Um objetivo que,
por si só, justifica o apoio dado pelo Instituto Votorantim à Onda Jovem que se lança agora.
14
foto: Anderson Oliveira, Cristiane Silva, Carlos
Cavalcante, Cláudio Nascimento, Davilym Dourado,
MARIA LUIZA D’ALBERGARIA
ano 1 – número 1 Edmmar Souza, Felipe Barra, Francisco Valdean,
março-junho 2005 Gustavo Lourenção, Henk Nieman, Karlos Rikáryo,
Um projeto de comunicação apoiado
pelo Instituto Votorantim
Projeto editorial e realização
Levi Silva, Lorena Cruz, Luiz Prado, Luludi, Marcelo
Elias, Márcia Zoet, Márcio Júlio, Marco Fernandes,
Maria Luiza D´Albergaria, Paulo Emílio Andrade,
Penna Prearo, Risonaldo Cruz, Sadraque Santos
18
Fátima Falcão e Marcelo Nonato ilustração: Cárcamo, Haroldo Paranhos Neto,
Olhar Cidadão – Estratégias para o Marcelo Pitel
Desenvolvimento Humano
www.olharcidadao.com.br revisão: Eugênio Vinci de Moraes
Direção editorial Direção de Layout
Josiane Lopes Silvina Gattone Liutkevicius
D´Lippi Editorial
Secretaria editorial
Sebastião Aguiar Fotolito
D´Lippi Editorial
Projeto gráfico
RISONALDO CRUZ
Artur Lescher e Ricardo van Steen Impressão
Tempo Design
Colaboradores
texto: Aydano André Motta, Antonio Carlos Gomes
da Costa, Antonio Moreno, Beatriz Portugal, Bronia
Gráfica Sag
Como entrar em contato com Onda Jovem:
E-mail ondajovem@olharcidadao.com.br
Endereço: Rua Dr. Neto de Araújo, 320 - conj. 403,
22
Liebesny, Cuca Fromer, Daniela Rocha, Edna São Paulo, CEP 04111 001.
Kahhale, Iara Biderman, Jairo Bouer, James Allen, Tel. 55 11 5083-2250 e 55 11 5579-4464
Juarez Dayrell, Karina Yamamoto, Sérgio A. P.
Esteves, Yuri Vasconcelos, Vasconcelos Quadros, www.ondajovem.com.br: vem aí um portal para
Vera de Sá quem quer saber da juventude
7. 8 - Navegantes
Um grupo de jovens brasileiros comenta seus projetos de vida
14 - Mestres
A inspiração de três educadores para a educação juvenil
18 - Banco de Práticas
Quatro iniciativas que estimulam a reflexão sobre o futuro
22 - Caminho das Pedras
Como a superação de obstáculos ajudou a definir o sucesso
da ONG baiana Cipó
26 - Horizonte Global
Um projeto muda a vida de jovens bolivianos em Santa Cruz
de la Sierra
28 - Sextante
O personalismo dos projetos individuais atrasa a construção
de um projeto de país
30 - 90 Graus
Projeto de vida e família: o contexto familiar é orientador
dos planos de futuro
20 é o número
de projetos com jovens que você
verá nesta edição
34 - 180 Graus
Projeto de vida e escola: a instituição escolar desconsidera o Sonar 02
jovem por trás do aluno
Pistas do todo e de alguns
38 - 270 Graus
aspectos da situação juvenil
Projeto de vida e trabalho: o empreendedorismo é uma
atitude a ser moldada
42 - 360 Graus Âncoras 04
Projeto de vida e mídia: Os meios de comunicação geram
falsos modelos de sucesso Algumas definições
46 - Sem Bússola da expressão “projeto de vida”
As estratégias de sobrevivência que geram riscos
52 - O Sujeito da Frase Links 72
A rapper paulistana Negra Li diz que a gente acaba atraindo
o que deseja muito Notícias sobre juventude e
56 - Luneta sobre o terceiro setor
Religião: a intensa e variada vida religiosa dos jovens brasileiros
60 - Ciência Fato Positivo 74
Cérebro: um lento amadurecimento, que influencia a forma
de pensar Mídia juvenil também é
64 - .gov.com monitorada pela Andi
Fazer de 2005 o Ano Nacional da Juventude é uma das
propostas dos poderes públicos
68 - Chat de Revista
Navegando 76
Quatro jovens debatem, por escrito, a relação entre projeto Um projeto de vida traduzido na
de vida e felicidade arte de rua de Haroldo P. Neto
8. navegantes No ano em que somam 35,14 milhões e atingem um recorde
de participação no conjunto da população, brasileiros
entre 15 e 24 anos falam sobre seus projetos de vida
por_ Yuri Vasconcelos
PROPOSTAS DE
FUTURO
LEVI SILVA
CARLOS JORDAKY, 19 O índio guarani Karaí Tukumbó, de 24 anos, tem No ano em que jovens entre 15 e
Inconformado com a pouca um objetivo na vida: tornar-se o cacique de sua tri- 24 anos pela primeira vez somarão
participação política da juventude, bo. É um projeto antigo, que surgiu, diz ele, quando 35,139 milhões – atingindo um re-
o paulistano quer ser tinha apenas 10 anos. “Na cultura do meu povo, cri- corde e iniciando a grande onda jo-
um “mobilizador social” anças dessa idade já começam a pensar no futuro. vem que o Brasil viverá nos próximos
e testemunhar Eu sempre pensei em ser líder da tribo”, diz Tukumbó, 20 anos –, torna-se ainda mais signi-
transformações sociais que nasceu numa aldeia perto de Criciúma, em San- ficativo compreender como eles pla-
ta Catarina. nejam o futuro. Um grupo de brasi-
O jovem índio de fala mansa explica que seu desejo leiros de diferentes origens sociais,
KARAÍ TUKUMBÓ, 24 cresceu à medida que conhecia outras aldeias e via culturas e regiões geográficas expõe
E MARIA GIOVANNA, 22 as dificuldades enfrentadas por seu povo. “Por trás aqui suas percepções do tema. For-
Casados, um filho, planejam da minha decisão está a vontade de trabalhar para mam um painel diversificado, mos-
viver numa aldeia: ele quer ser melhorar a situação das pessoas da minha comuni- trando que a formulação de um pro-
cacique dos guaranis; ela procura dade.” O projeto de vida de Tukumbó, cujo nome quer jeto de vida não é uma questão fecha-
uma vida espiritualizada, longe dizer “protetor da casa de reza”, volta-se para a sua da, uma receita pronta, mas algo mui-
das cidades coletividade. Ele se considera capaz de ser um agen- to mais complexo e abrangente do que
te de melhoria das condições de seu povo. simplesmente pensar “o que vou ser
Projetos de vida com esse perfil, porém, não são co- quando crescer”.
muns entre a juventude brasileira. Embora os jovens se-
jam sempre pródigos em expectativas de mudança, os Entre o sonho e a ação
especialistas dizem que, na prática, eles tendem a se con- Planejar o futuro profissional está
centrar em projetos voltados para a realização pessoal, no centro da questão, mas outras di-
com pouco poder de transformação social. Mas qual é, mensões também são levadas em
então, o conceito que os jovens têm de seu projeto de conta quando os jovens estabelecem
vida? Como ele se esboça? O que o determina? metas para suas vidas, como o papel >>
10. navegantes
Família, escola e grupo influenciam
os projetos de vida, que exigem
escolhas baseadas no conhecimento
de si mesmo e da realidade
ANDERSON OLIVEIRA
LUIZ JÚLIO, 23 a desempenhar na sociedade, as relações afetivas que ponsabilidades e deveres de um caci-
pretendem criar e o espaço que darão à espiritualidade, que. Mas nem tudo em sua vida é
Um acidente mudou seu rumo,
entre outras. Como afirmam as educadoras Margarida reafirmação da tradição. Para compa-
mas não eliminou o sonho do
Serrão e Maria Clarice Baleeiro, autoras do livro Apren- nheira, ele escolheu a paulistana Ma-
garoto de Duque de Caxias, na
dendo a Ser e a Conviver (editora FTD), “o projeto de ria Giovanna Guimarães, 22 anos, com
Baixada Fluminense, de ser um
vida envolve a definição do lugar do jovem no mundo e quem tem um filhinho, Yamandu.
grande jogador de basquete
na sociedade”. De uma família de classe alta de São
É o conhecimento – de si mesmo e da realidade em Paulo, Giovanna por sua vez pretende
PAULA JIMENEZ, 24 torno – que orienta as escolhas. Inicialmente, o pro- dedicar-se ao aprimoramento espiri-
A bióloga do Ceará está iniciando cesso é dirigido pela família, e depois influenciado pela tual. Para ela, a questão profissional
doutorado em farmacologia escola e pelas relações de grupo. Aptidões naturais, não é a mais relevante. “Minha meta
marinha e diz que seu projeto percalços, golpes de sorte, o imponderável, enfim, é conseguir viver em harmonia comi-
tomou corpo ao longo do tempo, também temperam opções de vida. Mas, esboçadas go mesma, praticando meditação e
aproveitando as oportunidades e o as escolhas, é preciso esforço para a tarefa de realizá- tentando adquirir silêncio interior. Para
estímulo familiar las. Um estudo sobre projeto de vida realizado por psi- isso, quero morar perto da natureza,
cólogos da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de longe da cidade”, diz. Recentemente,
São Paulo, com 400 jovens paulistas da 8ª série ao 3º o casal se mudou para Santa Catarina,
ano do ensino médio, mostra a dificuldade em con- para se estabelecer numa reserva in-
cretizar o projetado, algo que exige perseverança e dígena no Parque Estadual da Serra do
superação de desafios. Tabuleiro. “Sei que não é saindo da ci-
O índio Tukumbó tem essa clareza: “Não existe uma dade que eu vou ter mais paz”, diz
idade certa para ser cacique, mas sei que estou che- Giovanna, chamada pelos guaranis de
gando perto. E tenho me preparado para isso”. Há al- Kunha Taguá, que significa “aquela
guns anos, ele vem freqüentando encontros de lide- que dita o ritmo”. “Mas estou confian-
ranças guaranis a fim de aprender quais são as res- te que esse é o meu caminho.”
11. CARLOS CAVALCANTE
SADRAQUE SANTOS
Volta por cima NÁGELA SOUSA, 15 11
Confiança é mesmo elemento fun- A garota de Fortaleza faz planos
damental para concretizar um projeto para seguir uma carreira
de vida. E se ela pode ser abalada, acadêmica, com apoio da família
pode também ser reconquistada. Que
o diga o estudante Luiz Júlio de Sousa
Pereira, 23 anos, morador de Duque
de Caxias, na Baixada Fluminense. Há
SOBRE
quatro anos, ele sofreu um acidente
PROJETO VÍDEO CULTURA E TRABALHO
de trem, que lhe amputou a perna es- REGIÃO DE ATUAÇÃO ÁREA METROPOLITANA DE SÃO PAULO (SP)
querda. Depois de um período de aba- INSTITUIÇÃO AÇÃO EDUCATIVA (ONG)
PROPOSTA Construir possibilidades de inserção dos jovens como mediadores culturais especializados na
timento, Luiz reergueu-se e definiu
PARA SABER MAIS
técnica do vídeo e na linguagem vídeo-cinematográfica
seus novos objetivos: entrar na facul- JOVENS ATENDIDOS 40
APOIO INSTITUTO CREDICARD E FUNDAÇÃO VITAE
dade e ingressar na seleção brasileira CONTATO Rua General Jardim 660 – Vila Buarque – 01223-010 – São Paulo (SP) – Fone: 11/3151-2333 -
de basquete de deficientes físicos. Ele e-mail: acaoeduca@acaoeducativa.org.br
sabe que precisará vencer ainda mais
obstáculos do que os que se atraves-
SOBRE
sam no caminho de qualquer jovem. JORNAL UGA-UGA
“Se tiver força e interesse, as coisas REGIÃO DE ATUAÇÃO ESCOLAS DAS ZONAS URBANA E RURAL DE MANAUS (AM)
vão acontecer. Treino cerca de quatro INSTITUIÇÃO AGÊNCIA UGA-UGA DE COMUNICAÇÃO (ONG)
PROPOSTA Incentivar o protagonismo juvenil e promover a educação pela comunicação. Alunos do ensino
horas três vezes por semana e estu-
PARA SABER MAIS
médio da rede municipal de Manaus participam da produção do jornal, distribuído em mais de 200 escolas
do bastante”, afirma Luiz, que está JOVENS ATENDIDOS 15 MIL (que recebem diretamente o jornal)
APOIO EM 2004, SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE MANAUS
concluindo o 2º ano do ensino médio. CONTATO Rua Diogo Bernardes, 72 – Jardim Espanha 3 Aleixo – 69060-020 –Manaus (AM) –
“Para realizar meu projeto, não posso Fone/Fax: 92/642-8013/642-9003 – e-mail: agencia@agenciagauga.org.br
ficar parado.” >>
12. navegantes
Uma pesquisa com jovens paulistas
confirma que a concretização de um projeto
CRISTIANE SILVEIRA DA SILVA
de vida é árdua, exigindo persistência
DIVULGAÇÃO
CLÉO ALVES, 25 A bióloga cearense Paula Jimenez, 24 anos, também esboçar seu projeto de vida. Ela pre-
Depois de uma adolescência tem suado muito para atingir seu maior objetivo: tor- tende cursar uma faculdade – está em
vivida em meio à pobreza e à nar-se pesquisadora na área de farmacologia marinha. dúvida entre Direito, História e Mate-
violência, em Manaus, um “Preciso estudar muitos anos para chegar onde que- mática – e depois seguir a carreira aca-
projeto social o ajudou a dar uma ro”, diz. Filha de uma família de classe média, ela já con- dêmica. Nágela é filha da funcionária
guinada na própria vida cluiu o mestrado e está iniciando o doutorado. Seu pro- doméstica da família da bióloga Paula,
jeto foi tomando corpo ao longo de sua vida, à medida com a qual sempre conviveu intima-
que as oportunidades foram surgindo. “Mas confesso mente. “Fui influenciada pela minha
ÉRIKA DE OLIVEIRA, 21 que recebi forte influência de minha mãe para seguir a família para definir esses objetivos”,
Criada no campo, ela quer ajudar carreira de pesquisadora”, diz. A mãe é professora uni- diz. Ecoando uma convicção generali-
a melhorar a condição dos versitária, com vários títulos em educação. zada, ela justifica: “O único jeito de
lavradores capixabas A mesma influência familiar é um dos fatores conseguir alguma coisa na vida é fa-
determinantes para a estudante Nágela Sousa, 15 anos, zendo faculdade. Conseguir emprego
já está difícil hoje em dia, imagine sem
ter um curso superior”.
SOBRE
PROJETO ALIANÇA COM O ADOLESCENTE
REGIÃO DE ATUAÇÃO MICRORREGIÃO DO MÉDIO JAGUARIBE, COMPOSTA PELOS MUNICÍPIOS DE ACOPIARA, IGUATU,
Contra a corrente
JUCÁS, ORÓS E QUIXELÔ (CE) Projetos de vida centrados no indi-
INSTITUIÇÃO INSTITUTO ELO AMIGO (OSCIP) víduo e construídos a partir das con-
PROPOSTA Promover, por meio do protagonismo juvenil, mudanças na percepção e no enfrentamento do
dições e demandas da atualidade são
PARA SABER MAIS
quadro econômico e social do Nordeste, com capacitação técnica empresarial, noções de agroecologia
familiar e estímulo do espírito de solidariedade e cidadania os mais comuns entre os jovens bra-
JOVENS ATENDIDOS 1.000
APOIO INSTITUTO VOTORANTIM, FUNDAÇÃO W. K. KELLOGG, INSTITUTO ALIANÇA COM O ADOLESCENTE E SEBRAE sileiros. Na pesquisa conduzida pelos
CONTATO Rua 21 de abril s/n, Prado – 63500-000 – Iguatu (CE) – Fone: 88/3581-6575 – Fax: 88/3581-0292 psicólogos da PUC, por exemplo, o
e-mail: eleudson@eloamigo.org.br
ideal do homem bem-sucedido eco-
nomicamente predominou entre os
13. O FUTURO É AGORA
jovens entrevistados. Ser rica, porém, não é a tônica do
projeto da capixaba Érica Fernanda Montemor de Oli-
veira. A estudante, de 21 anos, moradora do trevo de
Iúna, localidade rural às margens da rodovia BR-262,
no Espírito Santo, quer atuar numa associação de as-
sistência a trabalhadores rurais. “Quem vive no campo
tem uma vida difícil. Meus pais trabalham de sol a sol e
não vêem a renda do seu trabalho. Quero ajudar pes-
soas como eles”, diz Érica, que recentemente foi bene-
ficiada pelo programa Nossa Primeira Terra, do gover-
no federal, e recebeu um lote de terra para construir
uma casa.
É também um projeto transformador que ocupa o
amazonense Cleudomar Viana Alves, o Cléo, 25 anos.
“Quero poder ajudar pessoas que vivem hoje como eu
vivia antigamente.” Ele nasceu num dos bairros mais
KARLOS RIKÁRYO
pobres de Manaus e passou a infância convivendo com
roubos, drogas e todo tipo de violência. “Até entrar na
Agência Uga-Uga de Comunicação, uma ONG que aten-
de crianças, adolescentes e jovens, eu me encontrava
em situação de risco”, diz ele. “Depois que me engajei
no projeto, há sete anos, tudo mudou. Consegui esca-
“Sei aonde quero chegar e conheço os caminhos que preciso
par do sistema que me expunha à violência e comecei
trilhar. Mas nem sempre foi assim. Participar dos 13
a planejar minha vida. Hoje, percebo que o jovem preci-
programas do Instituto Elo Amigo, em Iguatu, no Ceará,
sa ter uma oportunidade para conseguir elaborar seu
voltado para incentivar o protagonismo juvenil, mudou
projeto. E necessita também conhecer a realidade na
minha maneira de ver o mundo e pensar meu futuro. Os
qual está inserido. Só assim, ele vai conseguir ter um
programas aguçaram meu senso crítico, estimularam
norte”. Hoje Cléo é coordenador do jornal Uga-Uga.
minha curiosidade e me ajudaram a desenvolver meu lado
O paulista Carlos Jordaky Siqueira, 19 anos, tem como
empreendedor. Comecei a refletir sobre minha vida. Não
objetivo trabalhar em favor da “politização da juventu-
fiquei mais tão preso à idéia de cursar uma faculdade, sem
de”, promovendo a integração entre jovens de diferen-
mesmo saber para quê, e ampliei meu leque de possibilida-
tes classes e tribos. “Quero algo mais do que seguir o
des. Hoje, meu projeto envolve três atividades: cursar
caminho que a maioria trilha, que é nascer, crescer, ca-
Administração, consolidar a minha empresa, a Inventtive
sar e ter filhos. Gostaria de presenciar mudanças so-
Tecnologia, de sites e softwares, e apoiar as ações do Elo,
ciais e ver os jovens mais participativos”, diz o membro
do qual agora sou também coordenador. Quero que minha
do projeto Vídeo, Cultura e Trabalho, da ONG Ação
empresa tenha forte atuação social e ajude a desenvolver o
Educativa. Para Jordaky, “há 30 anos, os jovens iam para
capital humano da região. A execução do projeto depende
a rua e reivindicavam. Hoje, não tem isso. Eles pensam
do meu nível de comprometimento e de um bom planeja-
que todas as coisas já foram feitas. Mas estão engana-
mento. Mas de uma coisa estou certo: a vida fica mais fácil
dos. É preciso que a juventude seja mais participativa e
quando temos clareza para onde queremos ir e como
tenha uma postura mais crítica em relação à socieda-
fazemos para chegar lá.”
de”. Segundo ele próprio, porém, não será fácil concre-
tizar seu desejo. “Além de fazer o que gosto, tenho de
pensar na questão financeira e na minha sobrevivên- MARCOS ALVES DA SILVA, 20 ANOS,
cia”, observa, realista, para de novo levantar vôo rumo empresário de Iguatu, CE
aos sonhos: “Eu sinto que tenho vontade, perseveran-
ça e entusiasmo para atingir meu objetivo”.
15. INQUIETOS E CONFIANTES, TRÊS EDUCADORES INSPIRAM UMA
NOVA EDUCAÇÃO JUVENIL
A DIDÁTICA DO SONHO
por_ Cuca Fromer
“O professor ensina; o educador Tião reuniu amigos que, como ele, também buscavam ética, vale tudo para dar às pessoas a
aprende”, diz Tião Rocha, para expli- novos caminhos. Assim, em volta da roda, surgiu o pro- possibilidade de construir um projeto
car por que deixou a sala da Universi- jeto Sementinha, com atividades que visavam desen- de vida. “O importante é investir nos
dade Federal de Ouro Preto para volver nas crianças a auto-estima e a identidade pes- pontos luminosos e não ficar denun-
“aprender” com jovens e crianças soal, incluindo cuidados de higiene e saúde, além de ciando as mazelas”, aprendeu Tião.
debaixo de um pé de manga em estimular o respeito mútuo. Da “pedagogia da roda”
Curvelo, sertão de Minas Gerais. O conclui-se que até é possível uma educação sem esco- Contra as expectativas
fundamental é a “crença no poten- la – debaixo de um pé de manga –, mas que educação Quando nasceu o seu quarto filho,
cial humano”, afirma Abdalaziz de boa é feita por bons educadores. Abdalaziz de Moura viu-se diante de um
Moura, sobre seu envolvimento com Foi também no espaço da roda que surgiu a pergun- diagnóstico terrível. O garoto, deficien-
a educação juvenil no sertão pernam- ta fundamental: “É possível uma escola prazerosa?”. A te, não andaria nem falaria, segundo os
bucano. A “aflição de não saber como resposta veio com o Bornal de Jogos, uma coleção de médicos. Mas, como diz o pai, o funda-
o jovem aprende” foi o que moveu mais de 180 jogos educativos, confeccionados por jo- mental é a “crença no potencial huma-
Carmem Capitão a criar um grupo vens e crianças. Mas foi Denílson que, aos 11 anos, “per- no”. Hoje, com 18 anos, no curso mé-
com professores da Zona Leste de sistentemente na 1ª série”, permitiu o feliz encontro dio e especializado em informática, o 15
São Paulo para buscar respostas. O da escola com o Bornal. O garoto jogava damas divina- rapaz é autônomo, dono de seu desti-
que Tião, Carmem e Moura têm em mente, mas não aprendia uma só conta na escola. no. Foi assim que Moura começou em
comum? A capacidade de perceber Inconformado, Tião resolveu transformar o jogo de da- Gravatá, na microrregião da Bacia do
que um sonho vira um projeto de vida mas em operações aritméticas. Em uma semana, Goitá, interior de Pernambuco, um tra-
no momento em que o sonhador Denílson era “outro aluno”. Sua professora quis conhe- balho com famílias de portadores de
acredita nele e age. Cada um a seu cer o projeto. Assim o Bornal de Jogos chegou à escola deficiência.
modo e em seu tempo, eles acredi- de Curvelo e hoje se espalha pelo Brasil e por países A experiência o levou a outros pro-
taram que a educação é a arma mais como Guiné-Bissau e Moçambique. jetos. É um dos fundadores da Serta
poderosa para a realização dos so- Um dia, uma professora, dona Margarida, procurou Tião (Serviço de Tecnologia Alternativa),
nhos. Acreditaram e agiram. e disse: “Desde que os garotos se animaram a lavar-se, que, desde 1989, propõe que a juven-
Foi da necessidade de aprender de temos gastado muito sabão e a escola não tem dinheiro tude possa se ver e ser vista como
Tião que surgiu o CPDC (Centro Po- para isso. É tão fácil fazer sabão. Vamos fazer?”. Nascia parte integrante e importante da co-
pular de Cultura e Desenvolvimento), ali a “pedagogia do sabão”. Em volta do caldeirão, mu- munidade. “É preciso despertar a con-
em 1984. Sentados em uma roda, lheres, jovens e crianças preparam o sabão. E cozinhan- fiança, fazer com que o jovem se veja
do o sabão, conversam, trocam experiências. Na roda do na sua potencialidade”, diz Moura.
sabão, outras técnicas de produção de baixo custo fo- Mas, para isso, era necessário que os
ram sendo desenvolvidas, ocupando as crianças que iam professores das escolas rurais imple-
crescendo. Os jovens começaram a recuperar o artesa- mentassem “uma visão integral das
Carmem Capitão, professora do nato típico da região em fabriquetas de doces cristaliza- coisas, que ensinassem a geração de
grupo Enigmas Juvenis, de São dos, licores, papéis, escultura de metal. renda integrada ao meio ambiente e
Paulo: “Como a juventude aprende?” As propostas do CPDC já se espalham por dezenas de ao desenvolvimento sustentado das
cidades. Em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, MG, a ins- comunidades”.
tituição ocupa a Secretaria de Educação. “A cidade está A escola passou, então, a trabalhar
numa UTI pedagógica”, diz o educador. Segundo ele, com com as referências básicas: primeiro,>>
16. Tião Rocha, com rapazes que a casa – nome completo dos pais, dos irmãos, quanti- los um pouco mais, decidiu-se fazer
trabalham em uma das fabriquetas do dade de galinhas, de pés de couve. Com esse material, uma pesquisa sobre os grupos juve-
Centro Popular de Cultura e o aluno forma a sua identidade e aprende a ler, a es- nis e as escolas. O objetivo era saber
Desenvolvimento que ele fundou em crever, e aritmética. Depois, o estudo se estende ao mais sobre os estudantes e também
Minas Gerais ambiente, ao município, à cultura local. “Ele conseguirá colher subsídios para incluir o tema
pensar o seu entorno”, diz Moura, para quem o conhe- da juventude no planejamento esco-
cimento provoca a ação, cria novos valores, promove lar de 2004.
Abdalaziz Moura, um dos fundadores
novas relações. “O professor passa a líder, e a juventu- Alguns dos resultados da pesquisa:
da Serta: esforço para mudar a
de passa a ter um papel relevante para si e para a co- 82% dos alunos fazem parte de gru-
educação rural no interior
munidade. O jovem já não precisa partir”, alegra-se pos, principalmente esportivos, religio-
de Pernambuco
Moura, um desses raros homens capazes de dizer: “Sin- sos e artístico-culturais. Embora a es-
to-me profundamente feliz e realizado”. cola seja um espaço de encontro des-
ses grupos, 41% dos jovens acham que
Decifrando enigmas a instituição desconhece sua existên-
Há dois anos, a aflição com questões que enfrentava cia. Segundo os estudantes, os temas
dentro da sala de aula – como o jovem aprende e o que mais discutidos por eles – esportes,
é significativo no processo educacional? – levou religião, produção artística, sexualida-
Carmem Cristina Beluzo Capitão, professora de Histó- de e preconceito, nesta ordem – são
ria na Escola Estadual Caetano Miele, na Zona Leste de praticamente ignorados em sala. Mas
São Paulo, a se unir com colegas igualmente inquietos. 65% gostariam de desenvolver as ati-
A busca por respostas gerou o Enigmas Juvenis, um vidades de seu grupo na escola.
grupo de 11 professores de dez escolas da região. Os professores propuseram, então,
A primeira constatação: quase não há informação so- novas formas de atuação pedagógi-
bre a educação juvenil. “Pouco se sabe sobre os inte- ca, abrindo espaço para as manifes-
resses desses alunos”, observa Carmem. Para conhecê- tações dos grupos e a discussão dos
17. assuntos de seu interesse. Algumas
SOBRE
escolas estimularam a leitura compa- 17
rada das revistas preferidas dos jo- SERTA - SERVIÇO DE TECNOLOGIA ALTERNATIVA (OSCIP)
REGIÃO DE ATUAÇÃO BACIA DO RIO GOITÁ - PE
vens; outras realizaram festivais de NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 600
PARA SABER MAIS
música. Houve dois encontros inte- APOIO DIVERSOS PATROCINADORES
CONTATO Campo da Sementeira, Rod. PE. 50 – Km 14 – Zona Rural – 55620-000 – Glória do Goitá (PE) Fone: 81/
rescolares. No primeiro, os grêmios 3658-1265 – e-mail: serta@serta.org.br
estudantis foram convidados a co-
nhecer as propostas do Enigmas Ju-
venis, para facilitar o trânsito de in-
SOBRE
formações. Depois, foi a vez dos
grupos artísticos. “Teve hip hop, axé, CPDC - CENTRO POPULAR DE CULTURA E DESENVOLVIMENTO (ONG)
REGIÃO DE ATUAÇÃO MINAS GERAIS; BAHIA, ESPÍRITO SANTO, SÃO PAULO, MARANHÃO, PARÁ. AMAPÁ, GUINÉ BISSAU,
sapateado. Uma turma encenou uma MOÇAMBIQUE
peça sobre o preconceito que existe, PROPOSTA Criar um espaço para educação conectado com a realidade local, com o objetivo de promover
PARA SABER MAIS
educação popular e o desenvolvimento comunitário a partir da cultura
dentro da própria Zona Leste, em re- APOIO DIVERSOS PATROCINADORES
lação à origem dos estudantes”, con- CONTATO SEDE Rua Paraisópolis, 80 – Santa Tereza – 31010-330 – Belo Horizonte (MG)
Fone: 31/3463-6357 – Fax: 31/3463-0012 – e-mail: cpcd@cpcd.org.br
ta Carmen. “Foi emocionante ver a
alegria dos alunos. Agora eles se
achegam mais”, diz.
É claro que na compreensão des-
SOBRE
ses “enigmas” ainda há tudo por des- ENIGMAS JUVENIS - GRUPO DE PROFESSORES DA REDE ESTADUAL DE SÃO PAULO
REGIÃO DE ATUAÇÃO ZONA LESTE DA CAPITAL
cobrir, mas a caminhada já começou. PROPOSTA Reconhecer as culturas juvenis, estudar o processo de aprendizagem do jovem e propor atividades
O que Carmem quer é que seja “a que o motivem e o aproximem da escola
PARA SABER MAIS
busca de um caminho novo, que dê NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS AS ESCOLAS SOMAM 3 MIL ALUNOS
APOIO ONG AÇÃO EDUCATIVA E DELEGACIA REGIONAL DE ENSINO
um respiro aos jovens”. E isso é tudo CONTATO Local dos encontros: Fone: 11/6682-6705 – Fax: 11/6682-7677 –
que um educador precisa querer. e-mail: nrteleste1@bol.com.br
18. banco de práticas
QUATRO DIFERENTES
PROJETOS COLOCAM EM
QUESTÃO O QUE FAZER DA
LORENA CRUZ
PRÓPRIA VIDA
ESCOLHAS E AÇÃO
por_ Iara Biderman Ser o autor e o ator no teatro da vida pressupõe es-
colhas — e leva à ação. Não por acaso, dois reconheci-
dos programas de formação juvenil têm essas palavras
em seus nomes. Um deles é o Jovens Escolhas em Rede
com o Futuro, do Instituto Credicard (braço social das
empresas Credicard Administradora de Cartões de Cré-
LUIZ PRADO/AGÊNCIA LUZ
dito S.A e Orbital Serviços de Processamento de Infor-
mações Ltda.), que estimula o empreendedorismo ju-
venil, não apenas no sentido econômico, mas nas di-
versas dimensões da vida – cultural, social e pessoal. O
outro programa é o Jovens em Ação, iniciativa da Aracati
– Agência de Mobilização Jovem e da Ashoka Empre-
endedores Sociais, que apóia os participantes na ela-
boração e implementação de um projeto social em sua
comunidade, com ênfase no protagonismo juvenil.
Ambos servem como âncoras para variados projetos
de ONGs espalhados pelo Brasil.
Os dois programas têm como princípio resguardar a
autonomia dos projetos participantes. Educadores,
facilitadores e instituições coordenadoras fornecem o
conjunto de conhecimentos e ferramentas necessári-
os para que os jovens desenvolvam um plano de ação,
de modo a transformar seus anseios em realidade. Os
An a Luis a D´Alber g aria
grupos discutem e planejam o que e como fazer, não
só para eles, mas também para os que estão fora da
organização.
“No exercício da participação social, a juventude se
apropria do que a cerca, adquire uma postura pró-ativa
em relação a tudo”, diz Carla Duarte, uma das funda-
doras da Aracati. “Isso promove a autonomia, a auto-
estima, o autoconhecimento, a reflexão sobre valores
que vão ajudar na elaboração de um projeto de vida”,
completa Paulo Gonçalves de Freitas, coordenador do
Jovens em Ação. “Em áreas de interesse diversas, como
PAULO EMILIO CASTRO ANDRADE
arte, comunicação, cultura, meio ambiente, desenvol-
vimento local e economia solidária, o pano de fundo é
sempre elaborar e realizar um projeto de interesse pú-
blico e coletivo”, diz Silvia Esteves, coordenadora do Jo-
vens Escolhas. “A metáfora em questão é a construção
do próprio projeto de vida”, conclui. Veja a seguir qua-
tro dos projetos apoiados pelos referidos programas.
19. Quando concluiu o ensino médio, Daniela Mercês
Queiroz, hoje com 19 anos, achava que sua única op-
ção era sair da região sisaleira da Bahia, onde nasceu e
Região sisaleira da Bahia cresceu, e cursar uma faculdade. A participação em um
projeto do MOC – Movimento de Organização Comuni-
Projeto Ater Jovens, tária – levou-a a encontrar outras perspectivas. O MOC
do MOC - Movimento atua na região do semi-árido baiano há 37 anos, com
vários grupos etários. Um de seus projetos é voltado
de Organização para a faixa de 16 a 20 anos: o Ater Jovens, cujo objeti-
Comunitária vo é formar empreendedores rurais na linha de assis- >>
Imagine o antigo Programa Livre que o apresentador
e jornalista Serginho Groisman comandou na TV aberta
até o fim dos anos 90. Agora coloque a tônica do pro-
grama – jovens se expressando, trocando informações,
debatendo – num dos bairros mais periféricos de
Diadema, São Paulo. O que você vai ver e ouvir são os
Diadema, SP Gritos Urbanos. Esse é o nome do projeto realizado pela
Projeto Gritos Fundação Criança em Risco – CARF (Children At Risk
Foundation) Brasil, do programa Jovens em Ação, pro-
Urbanos, no Espaço movido pelas ONGs Aracati – Agência de Mobilização
Cultural Beija-Flor Jovem e Ashoka Empreendedores Sociais. No Espaço>>
Eles ainda são poucos e não têm muitos recursos. 19
Mas o grupo Incentivadores de Consciência Jovem, li-
gado à ONG Curumim, de Atibaia (SP), não deixa a pe-
teca cair. Querem criar um Centro de Juventude em
Atibaia, SP uma região da periferia da cidade, onde a juventude
não tem espaço nem acesso às atividades de cultura,
Projeto lazer e informação. Cerca de dez jovens, muitos deles
Incentivadores de já atendidos desde criança na Curumim, sentiram ne-
cessidade de um projeto mais específico para a ju-
Consciência Jovens, ventude e se mobilizaram para isso. Em 2003, passa-
na ONG Curumim ram a participar do programa Jovens em Ação, da >>
Na tradição angolana, Humbiumbi é um pássaro que
voa alto e chama os outros pássaros para voarem jun-
tos, tão alto quanto ele. Em Belo Horizonte, Humbiumbi
– Arte, Cultura e Educação é uma ONG que dá a um
Belo Horizonte, MG grupo de jovens a possibilidade de alçar vôo. No Centro
Projeto O Ato, a Cultural Maria Lívia de Castro, onde a Humbiumbi de-
senvolve suas ações, 40 jovens se reúnem no projeto
Rua, a Lua, na O Ato, a Rua, a Lua, participante do programa Jovens
ONG Humbiumbi Escolhas em Rede com o Futuro, do Instituto Credicard. >>
20. BOAS PRÁTICAS >> tência técnica e convivência com o
semi-árido, integrante do programa
Jovens Escolhas em Rede com o Fu-
turo, do Instituto Credicard. Com uma
programação de oficinas, viagens de
intercâmbio, pesquisas etc., os 47
participantes aprendem sobre agri-
cultura familiar, segurança alimentar,
agroecologia e cooperativismo, entre
outros temas. A capacitação não é só
>> Cultural Beija-Flor (ECBF), inaugurado
em 2001 pela CARF Brasil no bairro
Eldorado, de Diadema, no ABC, 20 jo-
vens empreendedores comunitários,
trabalhando com 18 jovens bolsista-
multiplicadores, além dos voluntários,
promovem alternativas de comunica-
ção social com o uso de diversas lin-
guagens artísticas – música, vídeo etc.
– e muita interação e debate com o
público. A idéia é realizar o programa
>> Aracati – Agência de Mobilização Jo-
vem. O pequeno grupo e suas pro-
postas ganharam contornos mais de-
finidos. A meta de criar o Centro de
Juventude não ficou no papel, elabo-
raram os passos para atingir esse
objetivo, da captação de recursos ao
tipo de atividade que pretendem pro-
mover com a comunidade. Fizeram,
por exemplo, uma parceria com uma
pizzaria da região: o grupo fornece
>> A proposta é desenvolver o potencial
juvenil por meio da educação pela co-
municação e promover o empreende-
dorismo social desses jovens. A pro-
dução de programas de rádio (veicu-
lados por rádios comunitárias) e de
fanzines (revistas temáticas), além de
oficinas de leitura e interpretação crí-
tica da mídia estão entre suas ativi-
21. técnica. “Inclui compreender o univer- mundo, repercute nos projetos de fu-
so do desenvolvimento sustentável, turo dos participantes. A promoção da
SOBRE
ATER JOVENS
REGIÃO DE ATUAÇÃO REGIÃO SISALEIRA DA BAHIA
das políticas públicas, das relações cultura e de oportunidades de traba- INSTITUIÇÃO MOC - MOVIMENTO DE ORGANIZAÇÃO
sociais e de gênero, da dimensão da lho mudam a idéia de que, para reali- COMUNITÁRIA (ONG)
PROPOSTA Formação de jovens em assistência técnica
juventude rural”, diz o antropólogo zar-se, o jovem tem de sair de sua
PARA SABER MAIS
rural e convivência com a região do semi-árido baiano
Márcio Mascarenhas, coordenador do terra. Eles percebem, como aconte- JOVENS ATENDIDOS 47
Ater. A valorização da atividade rural ceu com Daniela, que é possível viver APOIO INSTITUTO CREDICARD
(R$ 300.000) E ONG EVERYCHILD (R$ 30.000)
unida ao princípio de empreende- na roça e transformá-la; estar perto CONTATO www.moc.org.br
dorismo juvenil com valores de cida- de seus pares e alcançar seus objeti- Fones: 75/221-1393 e 75/626-6502
dania, solidariedade e visão crítica do vos sem deixar o campo.
a cada dois meses e trazer a juven- explica Djalma dos Santos, monitor de
SOBRE
tude para participar ativamente. A es- percussão do ECBF e participante do GRITOS URBANOS/INSTITUTO CULTURAL BEIJA-FLOR
LOCAL DIADEMA (SP)
colha do tema para o primeiro pro- projeto. É, também, uma forma de INSTITUIÇÃO FUNDAÇÃO CRIANÇA EM RISCO - CARF
grama realizado já diz muito sobre o “abrir caminhos diferentes para aque- BRASIL (ONG)
PROPOSTA Criar uma programação que dê meios
PARA SABER MAIS
“pensar no futuro” dos envolvidos: Vi- les que não têm acesso, além de pro- para a comunidade se expressar
das – faces e forças de um povo. É porcionar atividades socializadoras, de- JOVENS ATENDIDOS 38
APOIO CARF NORUEGA
uma tentativa de refletir sobre “como senvolvendo iniciativa, respeito, criativi- CONTATO www.carfweb.net
é a vida de um brasileiro que luta para dade, tolerância, espírito de equipe e Fone: 11/4047-2231
ser bem-sucedido, que consegue de liderança”, diz Gregory John Smith,
isso, ou não consegue, e por quê”, fundador da CARF Brasil.
cardápios de papel reciclado e a como palestras, oficinas de teatro, 21
pizzaria dá metade da renda obtida hip hop, capoeira e dança, estão nos
SOBRE INCENTIVADORES DE CONSCIÊNCIA JOVEM
REGIÃO DE ATUAÇÃO ATIBAIA (SP)
em uma noite por mês. Uma tentati- planos. “São eles mesmos que defi- INSTITUIÇÃO CURUMIM, ONG
va de obter espaço em uma antiga nem as ações, o educador só facili- PROPOSTA Criar o Centro de Juventude, um espaço
estação de trem onde funcionava de lazer e cultura de jovens e para jovens
ta. Querem um centro para jovens
PARA SABER MAIS
JOVENS ATENDIDOS 8
uma escola municipal fracassou. Mas feito pelos próprios jovens. Acredi- APOIO PARCERIA COM
eles tocam seus eventos onde é pos- tam que podem fazer algo de bom e O ARMAZÉM DA PIZZA, EM ATIBAIA
CONTATO contato@curumim.org.br.
sível – como uma tarde de hip hop com isso mudar a visão, em geral ne- Fone: 11/4411-5988
em uma escola estadual que abre gativa, que se tem da juventude da
nos fins de semana para o programa periferia”, diz a pedagoga Ana Luisa
Escola da Família. Outras atividades, Dalbergaria, educadora do projeto.
SOBRE
dades. As práticas são formas de para ser concretizado na comunida- O ATO, A RUA, A LUA.
REGIÃO DE ATUAÇÃO BELO HORIZONTE (MG)
capacitação profissional, mas não é de (“a rua”). Em 2004, os jovens ela- INSTITUIÇÃO HUMBIUMBI - ARTE, CULTURA E
isso o fundamental, segundo o coor- boraram planos de ação nas áreas de EDUCAÇÃO (ONG)
PROPOSTA Criar oportunidades em comunicação e
denador, Paulo Emílio Castro Andrade. cultura, educação, saúde e esporte
PARA SABER MAIS
educação para o desenvolvimento
“O mais importante é o processo de e lazer. Agora, as metas são implan- JOVENS PARTICIPANTES 40
participação, discussão, construção. tar os planos de ação e triplicar o nú- APOIO INSTITUTO CREDICARD
CONTATO ccmlc@uai.com.br
No fazer (“o ato”) eles vão entenden- mero de participantes – para que Fone: 31/3378-8470 – Fax: 31/3377-2864
do o que é a criação de um projeto muitos mais possam voar, cada vez
de vida.” Eles têm um sonho (“a lua”) mais alto.
23. COMO A SUPERAÇÃO DE DIFICULDADES
PAVIMENTOU O SUCESSO DA CIPÓ, ONG BAIANA
QUE TRABALHA COM COMUNICAÇÃO EDUCATIVA
VEJO,
OUÇO
“Era uma vez, três macaquinhos...” A história da Cipó - Comunicação Interativa
E
FALO!
vem de valores éticos e humanitários para que ele possa
pode até começar como um singelo conto infantil, mas logo abandona a fantasia se posicionar como cidadão, sem desprezar o treinamento
para mergulhar fundo na mais complexa realidade social brasileira. Já madura às de habilidades visando ao mercado de trabalho.
vésperas dos seis anos de vida, a ONG baiana tem demonstrado com fatos, nú-
meros e prêmios a sua competência em utilizar tecnologias da comunicação para Nascimento e glória 23
promover ações de educação e de mobilização social de jovens. Juntamente com Isabele Câmara e Bárbara Pérsia,
Por trás dos objetivos e dos bons resultados conseguidos até agora, po- Anna Penido fundou a Cipó em 8 de março de 1999. Foi
rém, existe uma história de dificuldades. A Cipó percorreu um árduo caminho um começo de muitas idéias e pouquíssimos recursos.
para consolidar sua tecnologia educativa e se tornar a referência nacional No primeiro dia, nada funcionou. O fornecimento de luz
que é hoje entre as organizações do terceiro setor voltadas para o público e água estava suspenso, os poucos equipamentos en-
juvenil. “Foram anos de aprendizado, obstáculos e muitos desafios”, diz a comendados não tinham chegado, e o mobiliário não pas-
jornalista e diretora-executiva da Cipó, Anna Penido. sava de peças de segunda mão precisando de conserto.
Os macaquinhos que compõem a logomarca da instituição subvertem a tradi- Mas logo conseguiria o apoio de instituições como a Andi
cional imagem dos bichinhos incapazes de ver, ouvir e falar: têm olhos bem aber- (Agência de Notícias dos Direitos da Infância), Instituto
tos, ouvidos apurados e palavras afiadas, e estão ativos na defesa dos direitos Ayrton Senna e Unicef.
sociais de seu público. Na prática, isso se traduz em programas que partem da O ano de 2000 marcou o florescimento da organiza-
Educação pela Comunicação e envolvem sete áreas: melhoria da escola, inserção ção. Atuante, começou a ocupar espaços com projetos
no trabalho, acesso às tecnologias, garantia de direitos, participação política, acesso inovadores de ação social, atraindo diversos patrocínios.
à cultura e desenvolvimento pessoal e social. O objetivo geral é impregnar o jo- Passou a contar com 31 profissionais e 17 estagiários.
Surgiram novas idéias. Mais jovens foram mobilizados. As
duas salas comerciais foram trocadas por uma casa.
“Ficou clara a nossa função social”, diz Anna, que re-
sume assim a atuação da Cipó: “Queremos o desenvol-
vimento integral do jovem. Usamos as tecnologias da
comunicação para melhorar leitura e expressão. Investi-
mos na comunicação digital. E garantimos o que chamo
de ‘kit básico de cultura’, que é acesso ao teatro, ao mu-
por_ Antonio Moreno seu, a uma atividade cultural. Dos que entram em con-
fotos_ Risonaldo Cruz e Edmmar Souza tato conosco, 90% nunca foram ao cinema”.
24. A PERDA DO PRINCIPAL meio desconfiado. Depois, tudo deu certo, pois estamos
promovendo uma causa que interessa a todos”, diz Anna.
Entre as iniciativas da Cipó há o Estúdio Mix, que faci-
PARCEIRO LEVOU A UMA lita o acesso à cultura a jovens de 13 a 24 anos, por
meio de oficinas, visitas e encontros com artistas, e a
CRISE FINANCEIRA QUE Kabum!, uma escola de artes e computação gráficas,
vídeo e fotografia, desenvolvida pelo Instituto Telemar.
OBRIGOU A CIPÓ A SE Os autores das fotos que ilustram esta reportagem são
monitores dela. Já a Escola Interativa busca a melhoria
REESTRUTURAR da qualidade das escolas públicas pela capacitação de
professores e alunos multiplicadores.
INTEIRAMENTE Outro projeto de sucesso é o Sou de Atitude, que
monitora, via internet, a aplicação das políticas no se-
tor. A tarefa cabe a 15 rapazes e moças, de 17 a 21
Pedras no caminho anos, como Andreza, de 17, e Gilson, de 20. Eles rece-
Mas logo a Cipó enfrentaria alguns percalços. O mais drástico deles: em bem informações, cadastram e-mails, enviam relatos,
2001, perdeu inesperadamente o seu principal parceiro, o portal IG, contami- muitos deles frutos de um trabalho feito pessoalmente
nado pela crise que atingiu a internet. “Criou-se um clima de grande instabi- nas ruas. Gilson, por exemplo, resolveu verificar a situa-
lidade. Tivemos de fazer ajustes operacionais e ao mesmo tempo buscar novos ção das escolas no bairro do Uruguai, em Salvador. “Des-
parceiros. Foi preciso criar estratégias de captação e geração de recursos”, cobri que a mais bem cuidada é uma creche criada pe-
lembra Anna. Os problemas puseram os ideais à prova. “A equipe se uniu los moradores. As escolas públicas estão em péssimo
mais ainda e se dispôs a doar 10% de sua remuneração para ajudar na manu- estado”, relatou a outros internautas.
tenção”, conta a diretora. Na área de negócios, a Cipó Produções funciona como
Dando a volta por cima, a instituição seguiu enfrentando os problemas de uma agência de comunicação, profissional, voltada para
sempre: a indiferença de alguns órgãos públicos, a resistência de outros às o terceiro setor. Produz sites e faz programação visual,
idéias novas, um certo descompasso entre quem decide e quem executa as como a do Programa Geração, do Instituto Votorantim,
políticas na área da educação: “Às vezes, você consegue a adesão dos profes- para o qual criou a logomarca e o slogan.
sores e alunos, mas não sensibiliza a Secretaria do Estado, por exemplo. Outras
vezes, é o contrário”, observa Anna, para quem “o segredo é não desanimar e Lições da crise
estar sempre tentando criar alternativa para as coisas darem certo”. Até 2003, a Cipó contabilizava 7 mil jovens formados,
E começaram a dar já no fim de 2001: a Cipó venceu o Prêmio Empreende- mais de 50 mil mobilizados e 1.000 professores capaci-
dor Social Ashoka-Mckinsey. Em 2002, o apoio da Fundação Avina permitiu a tados. Mas os bons resultados não tranqüilizam inteira-
mudança para a atual casa no bairro da Pituba e novos projetos foram inicia- mente a direção. “Ainda enfrentamos muitos problemas
dos, com melhor infra-estrutura. estruturais. Sonhamos, por exemplo, com uma sede pró-
pria e estamos trabalhando para isso. E lutamos sem-
Seguindo em frente pre para sensibilizar novos parceiros, ampliando assim
No fim de 2003, a Cipó já contava com 86 integrantes, entre profissionais o alcance do nosso trabalho”, diz Anna.
e estagiários, e consolidou sua política de sistematização de conhecimentos Entre as muitas lições aprendidas nessa trajetória, a
e descentralização de decisões. Novos prêmios coroaram esse processo. Ao diretora da Cipó extrai pelo menos duas que considera
mesmo tempo, o projeto Estúdio Aprendiz, que coloca estagiários entre 14 e muito importantes: “A primeira é que nunca devemos de-
17 anos no mercado, engrenou uma parceria com a Delegacia Regional do pender de um só parceiro, o que limita nossas possibili-
Trabalho. Um total de 114 aprendizes está agora em atividade, acompanha- dades quando ele resolve sair. A segunda é que é funda-
dos por educadores. mental termos uma equipe formada por pessoas que não
Outro avanço diz respeito à Central Cipó de Notícias, que observa a cobertura trabalhem só pelo salário, mas sobretudo pela causa”.
da mídia sobre infância e adolescência. No início, havia certa resistência das
redações às sugestões de pautas e análises de matérias. “O pessoal ficava Alunos da Cipó no laboratório de
computadores: capacitação
profissional
SOBRE
CIPÓ - COMUNICAÇÃO INTERATIVA (ONG) Grupo trabalha em mural:
REGIÃO DE ATUAÇÃO SALVADOR (BA) desenvolvimento de capacidades e de
PROPOSTA Criar condições para o pleno desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens, por
meio do uso educativo da comunicação formas de expressão
Garota usa o computador: acesso
PARA SABER MAIS
JOVENS ATENDIDOS 947
APOIO 64% DE PARCEIROS NACIONAIS, COMO INSTITUTO TELEMAR E INSTITUTO UNIBANCO; 36% DE
à tecnologia
PARCEIROS INTERNACIONAIS, COMO UNICEF E SAVE THE CHILDREN.
CONTATO Rua Amazonas, 782 – Pituba – 41.830-380 – Salvador (BA) – cipo@cipo.org.br – Uma filmagem no estúdio: o
Fone: 71/240-4477 conhecimento técnico habilita para o
mercado e para a participação
26. horizonte global
VOZES DA
BOLÍVIA
No Distrito Municipal 8, zona mais pobre de Santa área que foi ocupada por 3 mil desabri-
Cruz de la Sierra, a cidade mais populosa da Bolívia, um gados da enchente do rio Piray, em
grupo de 670 moradores entre 14 e 29 anos está pro- 1982, e hoje concentra 150 mil pes-
jetando um futuro diferente para suas vidas e sua co- soas. A maioria é de migrantes, que
munidade. Há dois anos, eles integram a Promoção da vivem em condições precárias. Nesse
Participação Cidadã de Jovens para o Desenvolvimen- cenário, a implementação do projeto
to Comunitário, projeto coordenado pelo sociólogo era um grande desafio, mas em
Miguel Ángel Vespa Jiménez, 28 anos. “As vozes dos sintonia com a proposta da COIJ, de
jovens são pouco ouvidas pelas autoridades da Bolívia, promover o desenvolvimento integral
ainda mais se eles forem de populações pobres”, diz do jovem, criaram-se espaços de par-
Vespa Jiménez, membro da COIJ (Coordinadora de ticipação democrática e aprendizagem
Organizaciones e Instituciones Juveniles de Santa Cruz), para a mudança social.
organização dirigida por jovens e para os jovens boli- “O objetivo é também fortalecer a
vianos, em atividade desde 1995. juventude, num processo participa-
Os participantes do programa são todos residentes tivo de formação de lideranças nos
nas chamadas “zonas vermelhas”, bairros que se desta- bairros e comunidades. Para isso, é
cam por seus altos índices de pobreza e violência, numa necessário desenvolver o capital so-
27. Um projeto põe a participação
social no horizonte da juventude
de Santa Cruz de la Sierra desportivas, artísticas e culturais.
“Eles identificaram suas prioridades
e uma delas vem sendo executada
com êxito: a implementação dos
Centros Juvenis de Internet”, diz
Jiménez. Muitas atividades vêm sen-
do realizadas para a geração de ren-
por_ Daniela Rocha cial dos jovens, não apenas no exercício de direitos e da local, incluindo o funcionamento
ilustração_ Cárcamo deveres, mas garantindo acesso às tecnologias de in- do cinema comunitário.
formação e comunicação e melhoria da educação. Ci- O projeto tem ainda um enfoque de
dadãos com visão crítica e propositiva da realidade po- gênero: mais de 60% dos beneficiários
dem exigir tudo isso do governo”, diz Jiménez. são garotas líderes, com idades entre
14 e 18 anos. Segundo Jiménez, nes-
Articulando iniciativas sa faixa etária as mulheres dos bairros
Os participantes foram selecionados têm um importante papel público, que
num universo de 35 organizações ju- é fundamental nas articulações. “A pró-
venis e oito colégios de ensino secun- pria Rede Social Juvenil é presidida por
dário. “A finalidade era articular esfor- uma jovem, Silvana Hutado.”
ços para que os jovens trabalhassem Para Vespa Jiménez, nas sociedades
com as associações locais, na tomada latino-americanas, é essencial promo-
de decisões políticas – por exemplo, ali- ver um processo sistemático de for-
anças com o Sindicato das Organiza- mação de líderes do futuro. “É preciso
ções de Moradores do Distrito Munici- preparar os jovens para o exercício de 27
pal 8, para o gerenciamento conjunto seus direitos e deveres de cidadãos, e
do orçamento da cidade. Essa isso somente é possível com informa-
integração deu tão certo que, hoje, 70 ção. Temos de formá-los sobre os va-
jovens são dirigentes de associações lores democráticos profundos, recupe-
de moradores”, diz o sociólogo. rar a ética, a transparência, o princípio
A metodologia do projeto está baseada no pro- do serviço à comunidade como um
cesso de formação cidadã, com atividades como exercício cotidiano.” É esse espírito que
oficinas, seminários, encontros. A possibilidade de anima os jovens do Distrito Municipal
se informar e de debater com seus pares reorienta 8 a integrarem-se à juventude bolivia-
as perspectivas desses jovens. Eles passam a fa- na e engajar-se no processo de trans-
zer articulações entre si, ampliando suas capaci- formação de seu próprio futuro e da
dades não apenas administrativas, mas também realidade do seu país.
PROMOÇÃO DA PARTICIPAÇÃO CIDADÃ DE JOVENS PARA O DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO
SOBRE
INSTITUIÇÃO OPERADORA COORDINADORA DE ORGANIZACIONES E INSTITUCIONES JUVENILES DE SANTA CRUZ - COIJ
REGIÃO DE ATUAÇÃO CIUDAD DE SANTA CRUZ DE LA SIERRA, DISTRITO MUNICIPAL N 8 (ZONA DEL PLAN 3.000),
BOLIVIA.
TIPO DE INSTITUIÇÃO ASSOCIAÇÃO DE JOVENS, SEM FINS LUCRATIVOS
PROPOSTA Incrementar a participação cidadã dos jovens, desenvolvendo capacidades de liderança e de gestão,
PARA SABER MAIS
fortalecendo as organizações juvenis, e promovendo uma efetiva participação de mulheres jovens
JOVENS ATENDIDOS 670
APOIO FUNDAÇÃO AVINA, COIJ, SERVIÇO HOLANDÊS DE COOPERAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO, IGREJA CATÓLICA E
PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTA CRUZ DE LA SIERRA
CONTATO Coordinadora de Organizaciones e Instituciones Juveniles de Santa Cruz – COIJ. Calle Bautista Saavedra
N 2.200 – Santa Cruz de la Sierra – Bolivia – Fone: 591/3-346-5069. e-mail: coij@hotmail.com
28. SEXTANTE por_ Sérgio A. P. Esteves
Diretor-presidente da consultoria
AMCE Negócios Sustentáveis e um
dos coordenadores dos Fóruns
Empresariais promovidos em
parceria pela AMCE/FGV e
CES -Centro de Estudos de
QUE PROJETO É ESTE?
Sustentabilidade
recursos finitos e não suportaria um
comportamento predador indefinida-
mente. As regras do jogo atual não
A SUPREMACIA DA PERSPECTIVA PESSOAL podem ser estendidas a todos e, nes-
se sentido, não se sustentam. Con-
SOBRE A COLETIVA AJUDA A EXPLICAR A tudo, a construção de modelos eco-
nômicos que valorizem a eqüidade
FALTA DE UM PROJETO DE PAÍS não será possível enquanto estiver-
mos empenhados em garantir nosso
emprego em uma sociedade com
cada vez menos empregos formais.
E o jogo social atual valoriza iniciati-
vas únicas, projetos pessoais, tanto
para grandes corporações como para
Tanto tempo lidando com a questão cado de trabalho e posso ser substituído por alguém mais indivíduos: a vida se tornou uma es-
da sustentabilidade e da responsabili- eficaz”. Alcançar nossos objetivos “a qualquer preço”, para pécie de projeto personalista. Em
dade no plano das empresas tem me usar o clichê, significa que não consideramos o outro nem qualquer posição da pirâmide social,
permitido compreender a necessidade o bem comum na nossa realidade imediata. Não há espa- vivemos um modelo caracterizado
de desconstruir, de desaprender e de ço para isso. pelo “pensar em mim”.
ter acesso a outras referências que não No meu trabalho, enfrento sempre a questão: “Como Nas empresas, é comum que as pes-
apenas as de mercado para que seja estimular a inclusão do outro e do bem comum no hori- soas sigam ordens, concordem ou não
possível pensar – e construir – uma so- zonte imediato das organizações?”. Somos preparados – com elas. As justificativas são várias, e
ciedade mais justa e mais equânime. e nos preparamos – para dar certo dentro dos padrões de até legítimas. Mas seguir ordens não é
Não há novas perspectivas se insistir- sucesso vigentes. Somos como que projetos pessoais que suficiente como código de conduta.
mos nos mesmos caminhos, nas mes- devem funcionar. A finalidade do processo de educação é Precisamos, em vez disso, construir e
mas soluções, no mesmo modelo men- nos tornar o mais competitivo possível para o mercado. fortalecer uma interioridade, um
tal e de desenvolvimento que nos trou- “Ninguém é insubstituível”, dizem, e isso transforma to- posicionamento pessoal a partir de va-
xeram até aqui. dos em peças. Substituíveis. A educação cria em nós um lores que expressem a nossa identida-
Adotar a sustentabilidade e a respon- sentimento difuso de que precisamos (e podemos!) ser de. E essa construção precisa ser sufi-
sabilidade como premissas do desen- insubstituíveis. ciente para dizermos, quando neces-
volvimento, em qualquer plano, mesmo Essa educação voltada somente para o mercado tira sário: “Não vou nessa, não é a minha,
o de uma nação, implica, sobretudo, va- de foco questões essenciais, como a sustentabilidade, que não quero ser cooptado nem cooptar”.
lorizar o bem comum. Requer uma ati- é um conceito de natureza relacional. Ela é fruto de cons- Isso é importante porque o traba-
tude de respeito a uma outra identida- truções coletivas em torno de dados bem objetivos do lho é o veículo de desenvolvimento
de, de inclusão, com impactos nos pla- mundo físico mas, principalmente, em torno de valores humano por excelência. É por meio
nos macroeconômico, microeconômico que interessam a todos. Pressupõe inclusão, e também dele que expressamos a nossa
e, sobretudo, pessoal. complexidade. Penso que um projeto de país não pode espiritualidade, que diminuímos nos-
Pensar a sustentabilidade reclama prescindir dessa perspectiva. Sem ela, nem ao menos po- sa área de sombra e aumentamos a
uma reconexão com o universo, pois demos conceber um legado para as futuras gerações. nossa área de luz, que nos assegu-
leva para o horizonte afetivo tudo que No plano macroeconômico, são inúmeras as críticas ramos de estar a serviço de algo que
envolve nossa ação no mundo. Isso é ao modelo de desenvolvimento global, principalmente vale o esforço. Por isso é tão relevan-
difícil porque o pensamento dominan- em tópicos como eqüidade social e sustentabilidade te que as pessoas possam fazer do
te é este: “Eu tenho objetivos e devo ambiental. A desigualdade entre os povos está assen- seu trabalho uma contribuição ao de-
fazer o necessário para alcançá-los, tada em valores que não interessam ao conjunto de senvolvimento do país. É uma espé-
porque há uma enorme oferta no mer- uma sociedade em permanente vir-a-ser; o planeta tem cie de contrapartida.
29. O fato de o jovem não dispor de ambi-
entes adequados para refletir sobre a
relevância de sua contribuição é
preocupante. De fato, ele se vê pressio-
nado pelo mote contemporâneo do
imediatismo e por ameaças, por vezes
fantasiosas, de que se ficar pensando em
“trivialidades” vai ficar para trás. Isso aba-
la a formação de sua interioridade e des-
trói muitas de suas potencialidades, da
sociedade e do país.
Construir e fortalecer uma interiori-
dade significa, portanto, construir e
fortalecer a afirmação da individuali-
dade no coletivo, no desenvolvimen-
to do espaço comum. Significa supe-
rar o padrão escolar formal, a mergu-
lhar em outras possibilidades, expandir
horizontes, reinventar nossa percepção
de mundo. Interagir, estabelecendo co-
nexões sólidas com o bem comum. A 29
partir dessa conexão, penso que será
mais factível um projeto de país. Acho
que já não basta a máxima segundo a
qual tudo dará certo se cada um fizer a
sua parte. Só há parte quando se tem
algum acordo em relação ao todo. Não
temos esse acordo, e o todo está ape-
nas esboçado na Constituição. É neces-
sário assentá-lo como realidade.
Não temos um projeto de país, mas
podemos nos mobilizar para tê-lo. Se
há várias possibilidades de futuro, pre-
cisamos examiná-las e escolher as me-
lhores alternativas para a sociedade. So-
bretudo, devemos fortalecer a demo-
cracia, e isso se faz por meio de nossa
ação no mundo. O que acontece conos-
co, e às vezes nos desanima a seguir
lutando por algo, não são problemas
ED VIGIANNI/SAMBAPHOTO
seus ou meus, mas de todos. Precisa-
mos, pois, investir na mudança da reali-
dade que experimentamos a partir da
nossa própria mudança. Esse é um belo,
e viável, desafio.