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FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL

PRESIDENTE
JACQUES DE OLIVEIRA PENA

DIRETORES EXECUTIVOS
ELENELSON HONORATO MARQUES
FRANCISCO ASSIS MACHADO SANTOS

DIRETOR DE EDUCAÇÃO E DESPORTOS
MARCOS FADANELLI RAMOS

ASSESSORES
ADEMIR VIEIRA DOS SANTOS
CLAUDIO ALVES RIBEIRO BRENNAND
GERMANA AUGUSTA DE M. M. L. MACENA


PETROBRAS

PRESIDENTE
JOSÉ SERGIO GABRIELLI

GERENTE EXECUTIVO DA COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL                               COORDENAÇÃO GERAL
WILSON SANTAROSA                                                             SCHUMA SCHUMAHER

GERENTE DE RESPONSABILIDADE SOCIAL                                           COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO
LUIS FERNANDO NERY                                                           FLÁVIA DIAB
                                                                             STANLEY WHIBBE
GERENTE DE PATROCÍNIOS
ELIANE COSTA                                                                 COORDENAÇÃO DE ADMINISTRAÇÃO
                                                                             CLÉO ASSIS
GERENTE DE PATROCÍNIOS CULTURAIS
GILBERTO BARROS                                                              TEXTO
                                                                             CONSTÂNCIA LIMA DUARTE
COORDENADOR DE TECNOLOGIAS SOCIAIS
LENART NASCIMENTO                                                            REVISÃO DE TEXTOS
                                                                             BEATRIZ DI PAOLI

REDEH – REDE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO                                       PROJETO GRÁFICO E EDIÇÃO DE IMAGENS
                                                                             LULA RICARDI – XYZDESIGN
COORDENADORA GERAL
THAIS RODRIGUES CORRAL                                                       ASSISTÊNCIA DE PRODUÇÃO

COORDENADORA EXECUTIVA
                                                                             NOÊMIA INOHAN                                UMA MULHER À FRENTE DO SEU TEMPO
SCHUMA SCHUMAHER                                                             PRODUÇÃO
                                                                             MERCADO CULTURAL
CONSELHO CONSULTIVO
BETH VARGAS, EDUARDO CUSTÓDIO MARTINS,
HELENA TEODORO, JOIS ORTEGA,
LUCIA XAVIER, MARISTELA BEZERRA BERNARDO,
MOEMA VIEZZER




             Duarte, Constância Lima
      D812n		 Nísia Floresta: uma mulher à frente do seu tempo:
             fotobiografia / Constância Lima Duarte; ilustrações de Luiz Fernando Ricardi. Brasília:
             Mercado Cultural, 2006.		
             	 120 p.

                        	   ISBN 978-85-98757-05-5
                        	   ISBN 978-85-98757-05-6
                        	   Projeto Memória

                        	 1. Literatura brasileira 2. Augusta, Nísia Floresta Brasileira – Biografia – Obras ilustradas
                        3. Augusta, Nísia Floresta Brasileira – Vida e obra – Fotografia 4. Augusta, Nísia Floresta
                        Brasileira - Genealogia
                        I. Título
                        								
                        		                                      CDD 21.ed.       869.092
Por que a ciência
nos é inútil? Porque
somos excluídas dos
cargos públicos; e por
que somos excluídas
dos cargos públicos?
Porque não temos
ciência.

Nísia Floresta,
em Direitos das mulheres e
injustiça dos homens.
O preço por tal pioneirismo foi alto: seu nome foi envolvido pelo esquecimento e durante al-
                                                                                                   gumas décadas não se ouviu falar dela. O pouco que se ouvia estava marcado pelo preconceito
                                                                                                   ou impregnado da surpresa dos que se deparavam com uma história de vida como a sua e a
                                                                                                   novidade de suas reflexões. Viver à frente de seu tempo custou-lhe o não-reconhecimento de
                                                                                                   seu talento e, por isso, até hoje não é citada na história da literatura brasileira, como escritora
                                                                                                   romântica, nem na história da educação feminina, como educadora.
                                                                                                   Seu pensamento, no que diz respeito à condição das mulheres, extremamente subjugadas em
                                                                                                   seu tempo, ajudou na formação de uma consciência mais crítica em relação ao que era tido
                                                                                                   como um dos maiores atrasos do País naquela época: a negação ao sexo feminino do direito a
                                                                                                   uma educação tal qual a que era oferecida aos homens, impedindo assim seu acesso a espaços
                                                                                                   de poder na sociedade.
                                                                                                   Mais do que nunca se faz importante a escolha de Nísia Floresta como a homenageada da déci-
                                                                                                   ma edição do Projeto Memória. A divulgação de suas idéias contribuirá, de forma inequívoca,
Na história da mulher brasileira, o nome de Nísia Floresta se impõe e ocupa as primeiras pá-       para nos fazer lembrar da história das mulheres brasileiras na luta pelo reconhecimento de seus
ginas, tanto pela coragem revelada em seus escritos, como pelo ineditismo e ousadia de suas        direitos e de sua capacidade intelectual.
idéias. No tempo em que a grande maioria das mulheres vivia recolhida em suas casas sem            Idealizado em 1997 pela Fundação Banco do Brasil, o Projeto Memória tem como objetivo ho-
nenhum direito, e o ditado popular dizia que “o melhor livro é a almofada e o bastidor”, ela       menagear e levar ao conhecimento do público a trajetória de importantes nomes da história
dirigia colégios para moças, colaborava em jornais e escrevia livros e mais livros defendendo      do nosso país. A iniciativa conta desde 2004 com a parceria da Petrobras e nesta edição com a
os direitos das mulheres, dos índios e dos escravizados.                                           Redeh – Rede de Desenvolvimento Humano.
Nascida em 1810, em Papari, Rio Grande do Norte, Nísia Floresta publicou seu primeiro livro,       O Projeto é ainda composto por uma exposição itinerante, que percorre cerca de 800 municípios
“Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens”, em 1832, quando tinha apenas 22 anos. Abor-        brasileiros, um kit-pedagógico, que é distribuido em aproxidamente 18.000 escolas públicas,
dou também, em seus textos, temas como a opressão aos índios, iniciada com a colonização           um website, que pode ser acessado pelo link www.fundacaobancodobrasil.org.br, e, além deste
portuguesa, a escravidão e a imagem distorcida e preconceituosa que o Brasil possuía em ou-        livro foto-biográfico, um vídeo-documentário, estes últimos enviados a 5 mil bibliotecas nos 27
tros países, tendo escrito aquele que é considerado o primeiro artigo em defesa dos aspectos po-   estados da Nação.
sitivos do “gigante do porvir”, como ela definia a nação de extensão continental e com vocação     Esperamos que por meio desta iniciativa possamos levar ao público o conhecimento acerca des-
para se tornar uma das maiores potências do planeta.                                               sa ilustre norte-rio-grandense, com a certeza de estar contribuindo, de maneira decisiva, para o
                                                                                                   fortalecimento da identidade cultural da Nação.



                                                                                                   R E D E H . P E T R O B R A S . F U N DA Ç Ã O B A N C O D O B R A S I L
SUMÁRIO
  .Nasce uma ilustre brasileira . 10
  .O primeiro livro feminista de que se tem notícia . 18
  .A educadora . 24
  .A indianista . 32
    .A viajante ilustrada . 38
        .O retorno à pátria, – novas publicações . 42
                  .A abolicionista . 46
                    .A nacionalista . 52
                    .Mais viagens... França, Alemanha,
                    Itália, Grécia...   . 56
                  .Obras da maturidade – os livros em
              língua estrangeira   . 62
              .Última viagem ao Brasil . 68
             .Retorno à Europa – os últimos anos . 72
             .A redescoberta da escritora . 78
         .Primeiras homenagens . 82
         .O Rio Grande do Norte acolhe a filha ilustre . 88
  .Por uma história da mulher brasileira: suas
     	                    . 98
         lutas e conquistas
    .Rumo à cidadania . 108
  .Referências Bibliográficas . 122
NASCE UMA
ILUSTRE
BRASILEIRA   Em um longínquo 12 de outubro de 1810, às nove horas da noite, nascia a primeira
             filha do casal Dionísio Gonçalves Pinto Lisboa e Antônia Clara Freire, no sítio Floresta,
             em Papari, interior do Rio Grande do Norte. A menina ganhou o nome do pai: Dionísia
             Gonçalves Pinto, conforme consta no Assento de Batismo da Igreja de Papari.
             O pai, um advogado português de idéias liberais que ali havia chegado nos primeiros
             anos do século XIX, também fazia esculturas, como a figura de uma índia sustentando
             na cabeça a pia batismal, que realizou para a antiga igreja de Papari. Como ele chegou a
             essa povoação do nordeste brasileiro não se sabe. Apenas, que ali conheceu e desposou
             uma jovem viúva de nome Antônia, filha do Capitão-mor Bento Freire do Revorêdo e
             de Mônica da Rocha Bezerra, mãe de Maria Izabel do Sacramento, fruto do primeiro
             matrimônio. Além de Dionísia, o casal teve ainda dois filhos: Clara e Joaquim. Sobre
             a mãe, sabe-se muito pouco: apenas o que ficou nos escritos da filha – que era uma
             mulher carinhosa, inteligente e enérgica nos momentos necessários.




                                                                                                  11
À direita, a igreja matriz da cidade de
                                                                    Papari, que, desde 1948, passou a
                                                                    chamar-se Nísia Floresta em homenagem
                                                                    à ilustre filha da terra.
                                                                    Na página ao lado, vista parcial da praça e
VLADEMIR ALEXANDRE




                                                                    do antigo casario da cidade,




                                                                                                                       VLADEMIR ALEXANDRE
                                                                    em foto de 2006.




                     Em novembro de 1810, quando Dionísia contava um mês de vida, o sítio Floresta recebeu a ilustre
                     visita de Henry Koster. Em sua viagem pelo interior do Rio Grande do Norte, o inglês travou
                     conhecimento com o pai de Dionísia e se hospedou em sua residência, conforme consta no livro
                     Viagens ao Nordeste do Brasil:
                                                                                                                                            Nísia vai levar consigo as imagens da Floresta de sua meninice não só no nome, mas em inúmeras
                                                      Senhor Dionísio apresentou-me a sua mulher.                                           referências que faz em seus livros. Os “jardins balsâmicos” da “risonha” Floresta a acompanham em
                                                      Ele é português e ela brasileira. Têm uma                                             reminiscências até o Velho Mundo e contribuem para impregnar seu espírito de saudades da terra
                                                      pequena propriedade no vale, que me pareceu                                           natal. Em alguns anos, grandes mudanças sofrerá a próspera Floresta e os dias tranqüilos da infância
                                                      prosperamente colocada. (...) Jantei à moda                                           estavam no fim. A pequena Dionísia logo saberia disso.

                                                      brasileira, numa mesa colocada a seis polegadas                                       Nos primeiros meses de 1817, chegaram notícias de uma rebelião iniciada em Recife contra
                                                                                                                                            os abusos do poder estrangeiro, mais tarde conhecida como Revolução de 17, que visava
                                                      do solo, ao redor da qual nos sentamos ou
                                                                                                                                            principalmente ao estabelecimento de um governo local e autônomo. Cansado das perseguições,
                                                      melhor, nos deitamos, sobre as esteiras. Não
                                                                                                                                            Dionísio muda-se com a família para Goiana – um centro cultural do interior pernambucano – e
                                                      havia garfos e as facas, em número de duas ou
                                                                                                                                            lá espera o fim dos acontecimentos.
                                                      três, eram destinadas a cortar unicamente os
                                                                                                                                            Segundo alguns historiadores, a Revolução de 17 fracassou por excesso de idealismo dos dirigentes.
                                                      maiores pedaços de carne. Os dedos deviam                                             Mas há quem não pense assim. E a repressão não tardou: corpos foram mutilados e cabeças dos
                                                      fazer o resto. (KOSTER: 1978, 85)                                                     líderes exibidas nas praças. Dentre os revoltosos, o nome de Bárbara Pereira de Alencar (1767-1837?)
                                                                                                                                            tornou-se conhecido, por ter sido encarcerada com os filhos e sofrido privação. Em Alagoas, Ana Lins
                                                                                                                                            também aderiu à causa liberal e foi ardorosa defensora da revolução pernambucana de 17.

               12                                                                                                                                                                                                                            13
PUBLICAÇÃO UM RIO DE MULHERES/REDEH
                     Dona Leopoldina (1797-1826),




                                                                                                                                                   MUSEU PAULISTA - UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
                       primeira imperatriz do Brasil,
                    desempenhou importante papel
                               nos rumos do Brasil.




Em Goiana, Nísia ouviu as primeiras vozes liberais que a marcariam por toda a vida. Além de um centro
intelectual irradiador de novidades, a cidade abrigava o Convento das Carmelitas, onde as jovens de
famílias abastadas podiam estudar e aprender trabalhos manuais. É provável que Nísia tenha usufruído
dessas regalias, pois logo estará dominando línguas estrangeiras e se oferecendo como mestra de
primeiras letras.
Em 4 de maio de 1819, nascia o irmão Joaquim Pinto Brasil, na vila de Goiana. A irmã Clara já havia                                                                                               Após a Independência, era preciso criar uma identidade
nascido, não se sabe se em Floresta ou em Goiana. De Joaquim teremos mais informações porque o livro                                                                                             própria para o Brasil. Assim como Pedro Américo, na tela
Fragments d’un ouvrage inédit: notes biographiques [Fragmentos de uma obra inédita: notas biográficas]                                                                                          “O Grito do Ipiranga”, Nísia se utiliza da estética romântica
(Paris, 1878) revela traços de sua personalidade. Meses depois a família voltava para Floresta. O ambiente                                                                                                       para criar uma imagem grandiosa do país.

em Pernambuco, mesmo abafada a revolução, tornou-se pesado aos portugueses.
Um fato pouco esclarecido marcará o ano de 1823. Aos treze anos, Dionísia casa-se com Manuel Alexandre
Seabra de Melo, mas logo se separa e volta a residir com os pais. Tal atitude, inédita para a época, vai                                                                                        No Rio Grande do Norte, as demonstrações de ódio aos portugueses se aproximam da residência do
contribuir para as opiniões desabonadoras de conterrâneos a seu respeito.                                                                                                                       senhor Dionísio, que decide deixar definitivamente o sítio. Após rápida passagem por Goiana, ele se
A Província de Pernambuco é foco de mais uma tentativa de separatismo de caráter republicano –                                                                                                  instala em Olinda, onde passa a exercer a advocacia. E não era sem tempo. Ao final de 1824, um grupo
conhecida como Confederação do Equador –, dois anos após a Independência do Brasil. A retórica de Frei                                                                                          depreda a propriedade e saqueia os bens da família. O sítio, que tanta admiração causou a Koster, palco
Caneca inflamava os pernambucanos, dando-lhes forças para resistir, mesmo quando as tropas imperiais                                                                                            dos primeiros anos de Nísia Floresta, não existia mais. Permanecerá vivo apenas no nome da escritora e
invadiam as cidades.                                                                                                                                                                            em sua memória.


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FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO




                          Vista de Recife às margens
                           do Rio Capiberibe, em fins   O destino de Dionísio estava por se cumprir e, em 17 de agosto de 1828, ele era assassinado quando
                                       do século XIX.   retornava para casa, após haver ganho a causa de um cliente. Segundo Nísia, os poderosos de Olinda não
                                                        toleravam aquele advogado agindo contra seus interesses e o mandaram matar.
                                                        Mas a vida não será só luto e dor. Enamorada de um jovem acadêmico, Manuel Augusto de Faria Rocha,
                                                        Nísia passa a residir em sua companhia. Mais tarde, quando a escritora vai viver na França e viajar pela
                                                        Europa, ela será conhecida como Mme. de Faria, como, ainda hoje, a Biblioteca Nacional de Paris registra
                                                        seu nome.
                                                        Em 12 de janeiro de 1830, nascia Lívia Augusta de Faria Rocha, a filha a quem a mãe dedicará livros, a
                                                        companheira de viagens e futura tradutora. No ano seguinte, 1831, nasceria um segundo filho, mas “cedo
                                                        arrebatado pela morte”, segundo suas palavras, e do qual não existem outras informações.


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O ano de 1831 foi o ano da estréia de Nísia Floresta nas letras. No Espelho das Brasileiras, um
                   jornal dedicado às pernambucanas, ela publica os primeiros artigos sobre a mulher em antigas
                   culturas. As reflexões sobre a condição feminina estavam, portanto, entre as primeiras que
                   motivaram e levaram Nísia Floresta a escrever. E essas mesmas questões – utilidade social
                   das mulheres, atitude injusta dos homens – serão retomadas em diversos outros escritos.
                   Em 1832, vem a público Direitos das mulheres e injustiça dos homens, assinado com o nome

O PRIMEIRO LIVRO   que tornará famosa a norte-rio-grandense: Nísia Floresta Brasileira Augusta, que, ao invés


FEMINISTA DE QUE
                   de ocultar sob o pseudônimo, revela as opções existenciais da autora. Nísia, de Dionísia;
                   Floresta, para lembrar o local de sua infância; Brasileira, para afirmar o sentimento nativista;

SE TEM NOTÍCIA     e Augusta, em homenagem ao companheiro Manuel Augusto.
                   Direitos das mulheres e injustiça dos homens foi inspirado na obra de Mary Wollstonecraft –
                   Vindication of the rights of woman [Reivindicação dos direitos da mulher], de 1792 –, conforme
                   ela mesma declarou, mas também em livros de outros autores europeus. A novidade é que, ao
                   invés de simplesmente fazer uma tradução, Nísia assimila antropofagicamente as concepções
                   estrangeiras e escreve um livro denunciando os preconceitos existentes no Brasil contra a
                   mulher e desmistificando a idéia dominante da superioridade masculina.
                   Ao mesmo tempo em que constrói a defesa de seu sexo, ela denuncia e desmascara os artifícios
                   masculinos de dominação. E indaga:


                                  Se este sexo altivo quer fazer-nos acreditar
                                  que tem sobre nós um direito natural de
                                  superioridade, por que não nos prova
                                  o privilégio, que para isso recebeu da
                                  Natureza, servindo-se de sua razão para se
                                  convencerem? (FLORESTA: 1989a, 24)




                                                                                                               19
Capa da quarta edição,
                                                                                                    São Paulo, 1989.




                                                                                  Têm por ventura eles alguns títulos para justificar
                                                                                  o direito com que reclamam os nossos serviços,
                                                                                  que nós igualmente não tenhamos contra eles?
                                                                                  (FLORESTA: 1989a, 42)


                                                                  Por isso Direitos das mulheres e injustiça dos homens deve ser considerado o texto fundante do feminismo
     CONSTÂNCIA LIMA DUARTE




                                                                  brasileiro, pois não há notícia de outro anterior. Quando Manuel de Macedo publica A moreninha, em
                                                                  1844, romance de valor documental pela hábil fixação de tipos humanos e da vida social da época, ele
                                                                  faz referências explícitas ao Direitos das mulheres, o que comprova sua divulgação.
                                                                  Em novembro de 1832, Manuel Augusto conclui o bacharelado em Direito na Academia de Olinda e se
                                                                  transfere com Nísia, a filha, D. Antônia, Clara e Izabel, para Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Apenas
                                   Capa da segunda edição de
                                                                  Joaquim Pinto Brasil permaneceu em Olinda, pois estava ingressando na Faculdade de Direito.
                              Direitos das mulheres e injustiça
                                    dos homens, publicado em      A mudança aparentemente repentina de Olinda para Porto Alegre deu motivo a muitas especulações. Uns
                                        Porto Alegre em 1833.     acharam que Nísia foi obrigada a sair de Pernambuco devido às ameaças do primeiro marido de processá-
                                                                  la por adultério. Outros divulgaram que Manuel Augusto foi para o sul a convite de um irmão que lá

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“Proclamação da
                                                                                                                                                                                                                                                     República de Piratini”,




                                                                                                                MUSEU ANTÔNIO PARREIRA, NITERÓI, RJ
                                                                                                                                                                                                                                                     de Antônio Parreira
                                                                                                                                                                                                                                                     (1836), retrata um
                                                                                                                                                                                                                                                     momento importante da
                                                                                                                                                                                                                                                     Revolução Farroupilha.
                                                                                                                                                                                                                                                     Com a guerra, o clima
                                                                             A inglesa Mary Wollstonecraft
                                                                                                                                                                                                                                                     em Porto Alegre torna-
                                                                             (1759-1797) é autora do livro
                                                                             Vindication of the rights of                                                                                                                                            se hostil para uma
                                                                             woman, de 1792, que defende                                                                                                                                             família de mulheres
                                                                             a igualdade entre os sexos. Essa                                                                                                                                        e crianças, e Nísia se
                                                                             foi uma das obras que inspirou                                                                                                                                          muda, em 1837, para
                                                                             as reflexões de Nísia Floresta                                                                                                                                          o Rio de Janeiro.
                                                                             sobre o papel da mulher
                                                                             na sociedade.

morava. Mas não importa se foi este ou aquele o motivo da mudança. Importa que, em Porto Alegre, nova
vida a aguardava. E, em 12 de janeiro de 1833, nascia o outro filho, Augusto Américo de Faria Rocha,
coincidentemente no mesmo dia em que Lívia havia nascido três anos antes. O fato de no Assento de
Batismo ele estar registrado como filho legítimo do casal – Nísia e Manuel Augusto – parece confirmar a
existência do segundo casamento da escritora.                                                                                                                   Anita Garibaldi (1821-1849), natural de Santa
Em 29 de agosto, um infeliz acontecimento marcará Nísia Floresta: Manuel Augusto morre repentinamente,                                                       Catarina, participou ao lado de seu companheiro,
                                                                                                                                                       o italiano Giuseppe Garibaldi (1807-1882), da Revolta
aos vinte e cinco anos, deixando-a com os filhos pequenos. A dor pela morte prematura do marido e as
                                                                                                                                                               dos Farrapos, no sul do País, iniciada em 1835.
saudades da mulher apaixonada pontuarão seus escritos, como a testemunhar a fidelidade ao companheiro
                                                                                                                                                               Neste período Nísia manteve amizade com eles,
morto. Muitos anos depois, e vivendo em terras italianas, ela escrevia:                                                                                            que, mais tarde, ficariam conhecidos como
                                                                                                                                                                             “heroína e herói de dois mundos”.
                  Dia de eterno luto para o meu coração. Esta aurora surge
                  aos meus olhos depois de uma série de longos anos,
                  sempre carregada de tristeza! É excessivo deplorar a
                  perda, mesmo prematura, de um esposo, pensarão talvez.                                                                              O espírito revolucionário – Nísia logo o saberia – não era privilégio dos nordestinos. O pensamento liberal

                  Mas eu sinto com toda a minha alma que é cedo demais                                                                                se espalhava com rapidez e chegava aos campos gaúchos, semeando o descontentamento e aguçando

                  para esquecer um anjo que não fez mais do que passar                                                                                a rivalidade entre portugueses e nativistas, simpatizantes do partido republicano. Era a guerra civil,

                  um momento sobre a terra para difundir em minha alma                                                                                pejorativamente chamada Farroupilha, por alusão aos farrapos com que os rebeldes se vestiam. Em 20 de

                  o encanto de uma felicidade cujo segredo ele levou para                                                                             setembro de 1835, os revolucionários ocupam Porto Alegre e Rio Grande, as mais importantes vilas da

                  o céu! (FLORESTA: 1871, 48)                                                                                                         região, obrigando a população a se posicionar a favor ou contra um dos lados.
                                                                                                                                                      É desse período o início da amizade de Nísia com Anita e Giuseppe Garibaldi, o italiano responsável pelo
A vida continua. Nos quatro anos em que reside em Porto Alegre, Nísia dedica-se ao magistério e reedita                                               comando da marinha da República Rio-Grandense. Muitos anos depois, Nísia reencontrará Garibaldi na
Direitos das mulheres e injustiça dos homens. Uma das irmãs, Maria Izabel, casa-se com um jovem da                                                    Itália e, no livro escrito na ocasião, dedicará páginas elogiosas ao herói.
família Silva Arouca; o irmão, Joaquim Pinto Brasil, casa-se com uma moça de Pernambuco; e Clara vai                                                  Com o o avanço da Revolução, o clima tenso na capital gaúcha torna-se difícil para uma mulher chefe
casar-se no Rio de Janeiro com o Dr. José Henrique de Medeiros, um português fidalgo da Casa Real de                                                  de família. Por isso, em fins de 1837, Nísia se transfere com os filhos e a mãe para o Rio de Janeiro. Mais
Portugal, depois convertido à homeopatia.                                                                                                             uma vez, nova cidade, nova vida.

22                                                                                                                                                                                                                                                            23
O Rio, apesar de ser a capital do país, tinha graves problemas. O lixo se acumulava nas ruas,
              a iluminação era deficiente, os chafarizes eram poucos, e volta e meia a cidade era assolada
              por epidemias. Em compensação, havia grande interesse pelo ensino, o que se constata nas
              dezenas de escolas que aí funcionavam, dirigidas em sua maioria por estrangeiros. Nísia
              não perdeu tempo. Em 31 de janeiro de 1838, estampa, no Jornal do Comércio, o anúncio
              do estabelecimento de ensino que estava inaugurando:


A EDUCADORA                    D. Nísia Floresta Brasileira Augusta tem a honra de
                               participar ao respeitável público que ela pretende abrir
                               no dia 15 de fevereiro próximo, na rua Direita n° 163,
                               um colégio de educação para meninas, no qual, além
                               de ler, escrever, contar, coser, bordar, marcar e tudo o
                               mais que toca à educação doméstica de uma menina,
                               ensinar-se-á a gramática da língua nacional por um
                               método fácil, o francês, o italiano, e os princípios mais
                               gerais da geografia. Haverão igualmente neste colégio
                               mestres de música e dança. Recebem-se alunas internas
                               e externas. A diretora, que há quatro anos se emprega
                               nesta ocupação, dispensa-se de entreter o respeitável
                               público com promessas de zelo, assiduidade e aplicação
                               no desempenho dos seus deveres, aguardando ocasião
                               em que possa praticamente mostrar aos pais de família
                               que a honrarem com a sua confiança, pelos prontos
                               progressos de suas filhas, que ela não é indigna da árdua
                               tarefa que sobre si toma.




                                                                                                       25
Fachada do Colégio Augusto,
       Em 18 de dezembro de 1846                                                                                                                                                                       que ficava situado no centro
           era publicada no Jornal do                                                                                                                                                                  do Rio de Janeiro.
        Comércio, do Rio de Janeiro,                                                                                                                                                                   Desenho retirado do Mapa
       a lista da banca examinadora                                                                                                                                                                    Arquitetural da Cidade do
                   e das alunas que se                                                                                                                                                                 Rio de Janeiro, 1874.
              destacaram nos exames
            finais do Colégio Augusto.
                   A filha Lívia aparece




                                                                                                                                               CONSTÂNCIA LIMA DUARTE
            como uma das premiadas
                          em latinidade.




                                                                                                    CONSTÂNCIA LIMA DUARTE
                                                                                                                             ao Rio de Janeiro com a família. Após residir em várias cidades, decide-se pela capital, onde exerce a
                                                                                                                             advocacia e leciona no Colégio D. Pedro II. Mais tarde, torna-se chefe de Secretaria do Ministério da
                                                                                                                             Agricultura e fundador do Instituto Psicológico.
A Rua Direita foi o primeiro endereço do Colégio Augusto, cujo nome revela uma homenagem ao
                                                                                                                             Esses serão anos particularmente agitados para a jovem escritora. Em plena capital do Império, Nísia
companheiro falecido. Depois foi transferido para a Rua Dom Manuel nº. 20, com entrada pela Travessa
                                                                                                                             Floresta fez conferências defendendo a emancipação dos escravos, a liberdade de cultos religiosos e a
do Paço, nº. 23, bem em frente ao Palácio da Justiça. As novidades pedagógicas adotadas pela diretora
                                                                                                                             federação das províncias. Todos que escreveram sobre ela referiram-se a tais palestras, com elogios ao seu
enfrentavam resistências, e não foram poucas as notas anônimas nos jornais ironizando o ensino do
                                                                                                                             liberalismo. Segundo Ignez Sabino, em Mulheres Illustres do Brazil, os espectadores:
latim, por exemplo, e a ênfase no estudo de línguas estrangeiras. Os mais conservadores relutavam em
aceitar uma mulher que ousava competir com as estrangeiras, que escrevia livros defendendo os direitos
de seu sexo e, ainda, publicava em jornais. Um dia, um jornalista, surpreso com a qualidade do ensino                                                                   Saíam dali deslumbrados não só pela presença
que ali era ministrado, escreveu o seguinte: “Trabalhos de língua não faltaram; os de agulha ficaram no
                                                                                                                                                                        agradável da jovem senhora, como pela audácia
escuro. Os maridos precisam de mulher que trabalhe mais e fale menos”.
Em 1839, surge no Rio de Janeiro a terceira edição de Direitos das mulheres e injustiça dos homens,
                                                                                                                                                                        da sua inteligência de primeira água e ainda
conforme o anúncio do Jornal do Comércio de 25 de abril desse ano, informando que o livro se encontrava                                                                 mais... um horror para aquele tempo!... por
à venda na Casa do Livro Azul, na rua do Ouvidor, 121, por 55 réis.                                                                                                     ousar a ilustre dama falar em abolição e em
Em janeiro de 1840, o irmão Joaquim Pinto Brasil, tendo terminado o Curso de Direito em Olinda, chega
                                                                                                                                                                        federalismo. (SABINO: 1996, 172)

26                                                                                                                                                                                                                                    27
Capa da edição italiana de
                                          Conselhos à minha filha,
                                 publicada em Florença, em 1858.
                                      À esquerda, segunda edição
                                               brasileira, de 1845.




                                                                                                                 CONSTÂNCIA LIMA DUARTE
                         É de 1842 a publicação de Conselhos à minha filha, dedicado a Lívia como presente de aniversário. Ao
                         concebê-lo, a mãe-escritora com certeza não imaginou que esse seria seu livro mais editado e traduzido.
                         Em 1845, saía a segunda edição acrescida de quarenta pensamentos em versos; mais tarde, surgem
                         duas em italiano, em 1858 e em 1859, e outra em francês, em 1859. As virtudes e os deveres filiais aí
                         apresentados podem ser assim resumidos: a menina educada deve ser simples, modesta, obediente aos
                         pais, respeitosa com os idosos e decidir-se sempre pelo oprimido.
                         Em 1847, três novas publicações vêm à luz no Rio de Janeiro, e todas dirigidas às alunas do Colégio:
CONSTÂNCIA LIMA DUARTE




                         Daciz ou a jovem completa, Fany ou o modelo das donzelas e o Discurso que às suas educandas dirigiu
                         Nísia Floresta Brasileira Augusta. Nos anos seguintes, surgem mais escritos dedicados à educação, como
                         Opúsculo humanitário, de 1853, “O abismo sob as flores da civilização”, “Um passeio no Jardim de
                         Luxemburgo” e “A mulher”, sendo que os três últimos foram escritos em italiano e publicados no volume
                         Scintille d’un’anima brasiliana [Cintilações de uma alma brasileira], de 1859.




                                                                                                                                          29
Capa da segunda edição do
                                                                                                                                                                                           Opúsculo humanitário, de 1989.




                                                                                                                               Por fim, trata do Brasil e defende a tese de que o progresso de uma sociedade depende da educação
                                                                                                                               oferecida à mulher. E provoca:
                                                                                                     Edição bilíngüe de
                                                                                                     Cintilações de uma alma                                 Povos do Brasil, que vos dizeis civilizados!
                                                                                                     brasileira, de 1997.
                                                                                                                                                             Governo, que vos dizeis liberal! Onde está
                                                                                                                                                             a doação mais importante dessa civilização,
CONSTÂNCIA LIMA DUARTE




                                                                                                                                                             desse liberalismo? (FLORESTA: 1989b, 43).

                                                                                                                               “Um passeio no Jardim de Luxemburgo” é o único que contém referências explícitas à doutrina positivista,
                                                                                                                               por valorizar a função social da mulher, e expressões elogiosas ao filósofo Auguste Comte, justamente por
                                                                                                                               tê-la concebido. E em “A mulher” Nísia trata do costume francês de se enviar os filhos para serem criados
                  Opúsculo humanitário consiste na reunião de artigos que foram publicados nos jornais do Rio e contém a       longe da casa materna, em casa de mulheres pagas para isso. Os altos índices de mortalidade infantil,
                  síntese do pensamento de Nísia Floresta sobre a educação formal e informal de meninas. Revela ainda a        ou as tristes histórias de crianças abandonadas, não eram suficientes para sensibilizar as famílias, que
                  erudição da autora, sua experiência no magistério e na direção de escolas. Neste livro, ela recupera parte   continuavam enviando os filhos para as amas-de-leite. Ao condenar com veemência tal costume e valorizar
                  da história da condição feminina em diversas civilizações, relacionando o desenvolvimento intelectual e      a função materna, Nísia se antecipa ao debate que só ocorrerá na França nas últimas décadas do século
                  material do país – ou o seu atraso – com o lugar ocupado pelas mulheres na sociedade.                        XIX e dá uma contribuição para a reflexão e para a mudança de comportamento da mulher francesa.


           30                                                                                                                                                                                                                       31
No livro A lágrima de um Caeté, a
                 escritora retrata o índio inconformado
                    com a colonização de suas terras,
                              em flagrante rompimento
                  com os ideais românticos da época.




                                                                                                      FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO
A INDIANISTA
               Outros temas – como a causa indígena e o negro escravo – também mobilizaram Nísia
               Floresta e foram tratados com paixão em seus escritos. O poema intitulado “A lágrima
               de um Caeté”, de 1849, que assinou com o pseudônimo de Telesila, por exemplo, revela
               o posicionamento da autora frente à questão indígena. Nele encontram-se alguns
               traços inconfundíveis da estética romântica, como o elogio da natureza e a exaltação
               de valores indígenas. Sua grande novidade é trazer o ponto de vista do índio vencido
               e inconformado com a opressão de sua raça pelo branco invasor e não a visão do índio
               herói, como a maioria dos textos indianistas do período romântico.


                                  Era da natureza o filho altivo,
                                  Tão simples como ela, nela achando
                                  Toda a sua riqueza, o seu bem todo...
                                  O bravo, o destemido, o grão selvagem,
                                  O Brasileiro era... – era um Caeté!
                                  (FLORESTA, 1997a, 36)




                                                                                               33
Capa da primeira edição
                              do poema A Lágrima de
                              um Caeté, de 1849.
                              A terceira edição
                              ocorreu em 1897.




                                                        Além disso, o poema reúne ainda duas tendências românticas – a questão indígena e os conflitos
                                                        político-sociais – ao tratar também da derrota dos liberais na Revolução Praieira, ocorrida em
                                                        Pernambuco, em 1848. A Lágrima de um Caeté lamenta tanto a dizimação das tribos, como o
                                                        fim melancólico da revolução, a partir de uma mesma perspectiva: a do oprimido pela força dos
                                                        dominantes. E o discurso da narradora – às vezes até se confundindo com o do índio – acentua um
                                                        dado fundamental, que é o da perda de identidade do “silvícola”:




                                                                                Indígenas do Brasil, o que sois vós?
                                                                                Selvagens? os seus bens já não gozais...
CONSTÂNCIA LIMA DUARTE




                                                                                Civilizados? não... vossos tiranos
                                                                                Cuidosos vos conservam bem distantes
                                                                                Dessas armas com que ferido tem-vos.
                                                                                De sua ilustração, pobres caboclos!
                                                                                Nenhum grau possuís!... Perdestes tudo,
                                                                                Exceto de covarde o nome infame...
                                                                                (FLORESTA, 1997a, 39)




                         34                                                                                                                               35
Antes de 1500, os índios no
                               Brasil possuíam uma cultura de
                               interdependência com a natureza.
                               Com a colonização, começaram a ser
                               expulsos de suas terras, provocando
                               até hoje conflitos territoriais
                               e a ameaça aos importantes
                               valores culturais indígenas.




                                                                     FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO
                                                                                               O índio de Nísia Floresta não é inocente, nem personifica a bondade natural idealizada nas teorias
                                                                                               filosóficas européias. E seu pranto representa não apenas o epitáfio poético da Revolução Praieira, mas,
                                                                                               principalmente, o fim da resistência indígena frente ao branco invasor.



                                                                                                                                      Onde estão, fero Luso ambicioso,
                                                                                                                                      Estes bens, que eram nossos?
                                                                                                                                      Porangaba perdi, perdi os filhos...
FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO




                                                                                                                                      Ai de mim! Inda vivo!
                                                                                                                                      Com a Pátria lá foram esses tesouros!
                                                                                                                                      O pranto só me resta!
                                                                                                                                      (FLORESTA, 1997a, 42)

                                                                                               Ao assinar esse trabalho como Telesila, Nísia parece revelar a intenção de sempre resistir, como fez a
                                                                                               heroína grega de quem tomou de empréstimo o nome. Como ela, Nísia também era uma guerreira que
                                                                                               lutava contra a opressão do colonizador, pela liberdade dos povos oprimidos e pelos direitos da mulher.



                          36                                                                                                                                                                       37
A VIAJANTE                       O romance Dedicação



ILUSTRADA
                              de uma amiga, publicado
                              em Niterói, em 1850, em
                               dois volumes, assinados




                                                                                                        CONSTÂNCIA LIMA DUARTE
                                      com as iniciais B.




             Em novembro de 1849, Nísia embarcou com os filhos rumo ao Velho Mundo, a bordo da
             galera Ville de Paris. Lívia havia sofrido um acidente com um cavalo nas comemorações
             do 7 de setembro, e o médico aconselhou a mudança de ares. Houve quem dissesse que
             a saúde da filha era um pretexto para que ela se ausentasse do país, incomodada com a
             campanha difamatória dos jornais contra seu colégio, e o sucesso do livro que elogiava uma
             revolução contrária aos interesses do Imperador. Pode ser. Afinal, a mãe preocupada era
             também a escritora polêmica.
             Assim, após cinqüenta e dois dias em alto mar, Nísia Floresta chegava na mais importante
             capital européia daquele tempo, e, na Seção de Passaportes dos Arquivos Nacionais da
             França, entre os passageiros estrangeiros, ainda hoje lê-se o seguinte: “Mme. Augusta, Nísia
             Floresta Brasileira – 39 anos, acompanhada de seu filho e sua filha. Origem: Rio de Janeiro.
             Domicílio real: Rio de Janeiro. Destino: Paris. Profissão: Rendas”.




                                                                                                     39
Vista do Rio Sena e da Catedral
                                                                         de Notre Dame, de Paris, uma das
                                                                         cidades onde Nísia residiu após 1849.
                                                                         À direita, uma das poucas imagens
                                                                         conhecidas da escritora.




CONSTÂNCIA LIMA DUARTE




         No início de 1850, apesar de a autora estar a milhares de quilômetros do Brasil, era publicado em
         Niterói um romance seu – Dedicação de uma amiga – em dois volumes, assinado com as iniciais B.
         A. Segundo Inocêncio, no Dicionário Bibliográfico, esta obra devia se compor de quatro volumes, mas
         apenas dois teriam sido publicados.
         Entre os contatos com intelectuais, cientistas e aristocratas que Nísia fez no Velho Mundo, o mais
         conhecido foi a amizade que manteve com Auguste Comte. Em 1851, a brasileira era uma das pessoas
         que afluíam ao Auditório do Palácio Cardinal para assistir às conferências do Curso de História
         Geral da Humanidade, que Comte ministrava para divulgar suas idéias. Mas apenas em 1856 ela se
         aproxima do filósofo e pode manifestar suas impressões acerca da filosofia positivista. Em julho de
         1851, decide visitar Portugal, onde permanece até janeiro do ano seguinte, quando embarca no navio
         Treviot, rumo ao Brasil.

        40                                                                                                       41
A chegada de Nísia não foi festejada apenas pelos familiares. O Jornal das Senhoras, de
                  Joana Paula Manso de Noronha, em 22 de fevereiro de 1852, saudou a escritora e deu
                  notícias de sua vida na Europa, nestes termos:


O RETORNO                       Sentimos vivo prazer em anunciar às nossas


À PÁTRIA, NOVAS
                                assinantes a chegada da Sra. D. Nísia Augusta
                                Floresta, brasileira, tão conhecida entre nós pela

PUBLICAÇÕES                     sua inteligência e ilustração; tão respeitada pelo
                                seu longo magistério, há 16 anos empregado
                                com desvelos na educação de suas patrícias; e
                                tão louvável e digna de nossa admiração por sua
                                dedicada constância ao amor e à sabedoria e ao
                                engrandecimento de sua pátria. A sra. D. Nísia
                                estava ausente de nós há dois anos e meio, viajando
                                neste intervalo à França e à Inglaterra, onde
                                visitou os melhores colégios de instrução, os mais
                                abalizados literatos, donde voltou a nossos braços,
                                admirando os Herculanos, Garrets, Castilhos e
                                outros varões respeitáveis na ciência.
                                Está pois entre nós a Sra. D. Nísia, demos-lhe um
                                abraço de viva amizade e gratidão, em nome do
                                nosso sexo.




                                                                                                     43
E ela permanece no país por alguns anos. Assim, quando sua mãe D. Antônia Clara Freire adoece, vindo
                                                                                        a falecer em 25 de agosto de 1855, ela estava a seu lado. Esta morte, somada à do pai e à do companheiro,
                                                                                        será constantemente lembrada pela autora como a “tríplice perda”, que passa a considerar o mês de
                                                                                        agosto um mês funesto para si. No texto intitulado “O pranto filial”, depois publicado em O Brasil
                                                                                        Ilustrado, de 1856, Nísia expõe abertamente a sua dor. Aliás, tornar público o que é privado será
                                                                                        uma constante na vida desta autora.
FOTO MARC FERREZ - ACERVO BIBLIOTECA NACIONAL




                                                                                                                        Lágrimas de íntima dolorosa saudade, correi
                                                                                                                        livremente na solidão deste quarto funerário,
                                                                                                                        santuário de meus tristes pensamentos, onde
                                                                                                                        ofereço em holocausto as dores de um coração
                                                                                                                        contraído, de um espírito torturado, depois que
                                                                                                                        não respira mais aquela que me amamentou na
                                                                                                                        infância e me consolou na vida de mulher!
                                                     Nísia retorna ao Rio de Janeiro
                                                                                                                        Correi até que a alma encontre em vós um lenitivo
                                                     em 1852, onde permanece por
                                                                    quase três anos.                                    às angústias que a oprimem!...
                                                          Vista da cidade em que se
                                                        vêem a Praia de Botafogo e
                                                                 antigas edificações.   Nessa época, a febre amarela mais uma vez se abatia sobre a cidade do Rio de Janeiro, interrompendo as
                                                                                        atividades sociais. Movida pela solidariedade, Nísia Floresta se apresenta como voluntária e trabalha por
                                                                                        todo o semestre na Enfermaria do Hospital de Nossa Senhora da Conceição, situada na rua da Quitanda,
                                                                                        nº. 40. Também foi enfermeira, neste mesmo hospital, Maria Josephina Matilde Durocher – a primeira
                                                                                        parteira a se formar em Obstetrícia pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1832.
                                                                                        E em 1856 é editado um livro de versos intitulado “Pensamentos”.




                                                44                                                                                                                                           45
Entre os títulos atribuídos a Nísia Floresta, encontra-se com destaque o de abolicionista.
                  Aliás, foi justamente este – junto com o de defensora dos direitos das mulheres – o que mais


A ABOLICIONISTA   lhe granjeou estima e admiração.




                                       Realmente, o repúdio à
                                       escravidão e a denúncia das
                                       injustas relações entre senhores
                                       e escravizados constituem um
                                       dos temas mais frequentes de sua
                                       obra e também das conferências
                                       que teria realizado no Rio de
                                       Janeiro, na década de 1840.




                                                                                                          47
O potiguar Henrique
                                                                   Castriciano era admirador
                                                                 de Nísia Floresta e foi quem
                                                                iniciou as pesquisas sobre a                                                          Abaixo:
                                                                       trajetória da escritora.                                                       Caderno manuscrito que




                                                                                                                     ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL - RN
                                                                                                                                                      pertenceu a Henrique Castriciano,
                                                                                                                                                      contendo o texto “Páginas de uma
                                                                                                                                                      vida obscura”, de Nísia Floresta,
                                                                                                                                                      entre outras anotações.




                                                                 Inês Sabino, em 1899, Henrique Castriciano, em 1909, e Oliveira Lima, em 1919, por exemplo, destacaram
                                                                 seu ineditismo em pregar publicamente o abolicionismo naqueles tempos tão remotos. Infelizmente,
                                                                 são apenas estes os registros sobre o fato, pois não há notícias na imprensa, nem se as conferências
                                                                 teriam sido publicadas. Restam seus escritos para testemunhar que Nísia Floresta foi realmente uma das
                                                                 primeiras mulheres no Brasil a se manifestar contra o sistema escravocrata, ao lado apenas da professora
                                                                 negra maranhense Maria Firmina dos Reis, autora de Ursula, de 1859.




FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO



                          Tela de Johann Moritz Rugendas,
                          pintor alemão que retratou o Brasil
                          no século XIX. Em sua obra, Nísia
                          também chamou a atenção para
                          a crueldade com que os
                          negros eram tratados.




                                                                                                                                                                               ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL - RN
                                                                                                                                                                              49
FOTOGRAFIA DE CONSTANTINO BARZA, PE, C.1880. ACERVO FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO




                                                                               CONSTÂNCIA LIMA DUARTE




                                                                                                                                                     FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO
                                                                                                        Ama de leite, uma das atividades
                                                                                                        desempenhadas pelas mulheres escravizadas,
                                                                                                        preocupação constante na obra de Nísia.
                                                                                                        Acima, Ursula, da maranhense negra Maria
                                                                                                        Firmina dos Reis, considerado um dos
                                                                                                        primeiros romances escrito por uma mulher                                                                                     A tragédia da escravidão retratada por Rugendas no século XIX.
                                                                                                        brasileira, em 1859.
                                                                                                                                                                               seguidos de uma viagem à Grécia, de 1864 e 1871 –, ela faz referências ao cativeiro. Mas é natural que a
                                                                                                                                                                               autora, em tão grande espaço de tempo – de 1849 a 1871 –, tenha alterado substancialmente seu modo
Outras mulheres – como Narcisa Amália, Ana Aurora do Amaral Lisboa, Luciana de Abreu, Benedita                                                                                 de ver o problema. Enquanto no poema de 49 há uma condenação rápida ao tráfico dos africanos e, no
Bormann, Maria Amélia de Queiróz, Ismênia Santos, Revocata de Melo, Luiza Regadas, Corina Coaracy,                                                                             Opúsculo humanitário, as referências já são extensas, a pregação explícita da abolição só ocorrerá em Três
Chiquinha Gonzaga e Maria Josephina Mathilde Durocher, por exemplo – também denunciaram                                                                                        anos na Itália, seguidos de uma viagem à Grécia, quando a escravidão será considerada “a vergonha da
literariamente o cativeiro ou participaram de campanhas abolicionistas. Mas, apesar do empenho                                                                                 civilização moderna”.
dessas autoras, e da repercussão que seus trabalhos alcançaram na época, nenhuma logrou obter o
reconhecimento público, como aconteceu com os escritores homens, que inscreveram seus nomes no                                                                                                                Ó minha pátria querida, Éden desse mundo imenso

movimento, independentemente até do mérito dos trabalhos realizados. Mas quando essa mobilização                                                                                                              e extraordinário, reaparecido ao olhar deslumbrado

ocorreu, a década de 1870 estava no fim e se aproximava a de 1880. A opinião pública internacional havia                                                                                                      de   Colombo,       deixa,      ah!     deixa       livremente          explodir

se posicionado contra a escravatura e era evidente a contradição do Império, que se dizia liberal mas                                                                                                         de teu nobre peito o grito humanitário, que sufocas

mantinha o regime escravocrata.                                                                                                                                                                               penosamente, por força dos deploráveis preconceitos

E aí está o mérito de Nísia Floresta e de Maria Firmina dos Reis, como vozes precursoras contra a                                                                                                             transmitidos por teus antigos dominadores de além-

escravatura, ainda em 1840 e 1850. No caso de Nísia, desde os primeiros escritos – A lágrima de um Caeté,                                                                                                     mar! Sê conseqüente com as instituições livres que te

de 1849; Opúsculo humanitário, de 1853; Passeio ao Aqueduto da Carioca, de 1855; e Páginas de uma                                                                                                             regem, com a religião que professas: quebra, oh! quebra

vida obscura, de 1855 –, ela toca na questão nevrálgica da escravidão. Também nos livros que se seguiram                                                                                                      os grilhões de teus escravos! (FLORESTA: 1998b, 41)

– Cintilações de uma alma brasileira, de 1859; O Brasil, de 1871; os dois volumes de Três anos na Itália,


50                                                                                                                                                                                                                                                                                              51
A NACIONALISTA                 Desenho feito por
                 Manuel Bandeira, publicado em
                 Livro do Nordeste, Pernambuco,
                                       em 1925.




                       Nísia viveu intensamente o seu tempo. Como os demais escritores, ela também se
                       considerava portadora de uma “missão” e queria contribuir para dotar o país de uma
                       literatura, mesmo residindo fora e escrevendo em línguas estrangeiras. A opção pelo
                       nacional era ostentada com orgulho tanto na forma como assinava os escritos como no
                       título – Mme. Brasileira – com que se tornou conhecida na Europa.




                                                                                                      53
“Entrada do Porto por
                                Laranjeiras”, obra de
                    William Gore Ouseley, diplomata
                         e pintor inglês que também
                     retratou o Brasil no século XIX.




                                                                                                         FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL




                                                                                                                                        FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO
                                                                                                                                                                        Nísia projetava um Brasil de futuro grandioso –
                                                                                                                                                                  o “gigante do porvir”. Apesar de todos os contrastes
Uma narrativa resume essa declaração de amor à pátria. Conhecedora dos equívocos e preconceitos                                                                   e desigualdades, o país pode se orgulhar hoje de ser
divulgados no exterior sobre o Brasil e os brasileiros, ela publica um texto – primeiro em italiano, depois                                                                    uma das maiores economias do mundo.
em francês – intitulado “O Brasil”, com entusiasmadas descrições da natureza, das lutas pela libertação,
e com projeções de um futuro grandioso para o país. A intenção era influenciar o leitor estrangeiro e                                                                     Todos os povos civilizados da terra precisam conhecer
também se alinhar aos que construíam uma imagem positiva para a pátria, mediante o tom ufanista na                                                                        este amplo e rico país da América meridional, que se
abordagem das coisas do Brasil.                                                                                                                                           estende desde o majestoso Amazonas, o maior rio do
                                                                                                                                                                          mundo, até o Prata. Aí se encontram, além de uma
           O Brasil de hoje em dia não inveja                                                                                                                             infinidade de outros rios navegáveis, grandiosas
           nenhuma nação do mundo; já                                                                                                                                     florestas, reclinadas, a maior parte, por todo o seu
           que, tal como observamos, ele                                                                                                                                  perímetro em forma de admiráveis curvas: excelsos
           encerra em seu seio todos os                                                                                                                                   montes, cujos cumes parecem tocar o céu; pradarias
                                                                                                                                                                          risonhas de uma eterna vegetação: cheios uns e
           materiais para tornar-se uma
                                                                                                                                                                          outras de quanto têm de flores e frutos o antigo e
           das mais importantes entre                                                                                                                                     o novo mundo. A essas magnificências da natureza
           elas. (FLORESTA: 1997b, 53)                                                                                                                                    juntam-se os prazeres de uma civilização progressiva,
                                                                                                                                                                          espalhada em muitas de suas partes.
                                                                                                                                                                          (FLORESTA: 1997b, 09)
54                                                                                                                                                                                                                           55
Auguste Comte (1798-1857),
                                 fundador da filosofia positivista
                                    – que, no seu início, atribuía
                                          à mulher um papel de
                                      destaque junto à família –

MAIS VIAGENS...                    e um dos grandes amigos de
                                               Nísia na Europa.

FRANÇA, ALEMANHA,
ITÁLIA, GRÉCIA...   Em 10 de abril de 1856, Nísia Floresta seguiu com a filha Lívia para a segunda viagem
                    por terras estrangeiras. Seu filho Augusto Américo permaneceu no Rio estudando.
                    Naquele momento, talvez ela não imaginasse como seria longa essa ausência, pois
                    só depois de dezesseis anos tornará a ver a paisagem carioca de que tanto gostava,
                    bem como os parentes que ficavam no cais. O Colégio Augusto anunciou pela última
                    vez os seus cursos e, após dezessete ou dezoito anos de funcionamento, fechava
                    finalmente as portas.
                    No ano de 1856, e no seguinte, a escritora se aproximará de Auguste Comte, recebendo-
                    o algumas vezes em sua residência: primeiro à Rua d’Enferm, 11, e depois à Rua Royer
                    Collard, 9, que, por sinal, ficava próxima do Jardim de Luxemburgo, da Universidade
                    de Sorbonne e da Rua Monsieur Le Prince, 10, endereço de Comte. Também é dessa
                    época a correspondência trocada entre eles, zelosamente guardada pelos adeptos do
                    Positivismo no Brasil e na França.




                                                                                                     57
O parque que ficava próximo das
                                                                                                                    residências de Nísia e Comte, em Paris,
                                                                                                                                 que serviu de cenário para
                                                                                                                   “Um Passeio ao Jardim de Luxemburgo”,
                                                                                                                            de 1859, um dos poucos textos
                                                                                                                                    em que ela se utiliza de
                        Último endereço de                                                                                            conceitos positivistas.
             Nísia Floresta em Paris, à rua
                        Royer Collard, nº 9.
                                               CONSTÂNCIA LIMA DUARTE




Na Igreja da Humanidade, ou Apostolado Positivista do Brasil, no Rio de Janeiro, encontram-se as sete
cartas que Comte dirigiu a Nísia Floresta, datadas de 19 de agosto, 9 de dezembro e 18 de dezembro de
1856, 18 de abril, 24 de maio, 24 de agosto e 29 de agosto de 1857. E, em Paris, na Maison d’Auguste
Comte, antiga residência do filósofo, hoje transformada em museu, estão as respostas de Nísia, com as
seguintes datas: 19 de agosto e 17 de dezembro de 1856, e 5 de abril, 17 de abril, 23 de maio e 1º de julho
de 1857, num total de seis cartas. Essa correspondência – motivo de orgulho para os positivistas – resume-
se a cartas de cortesia, com agradecimentos pela remessa de um retrato ou de um livro, de pêsames pelo        CONSTÂNCIA LIMA DUARTE


aniversário de morte de Clotilde de Vaux, a mulher por quem Comte foi apaixonado, e alusões a doenças e
a tratamentos. São, sem dúvida, amistosas e revelam a amizade que existiu entre os dois, mas estão longe
de serem cartas íntimas de cunho amoroso, como muitos sugeriram.

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Residência de
                                                                                                                           Auguste Comte, em
                                                                                                                           Paris, situada na rua
                                                                                                                           Monsieur Le Prince, 10,
                                                                                                                           hoje transformada
                                                                                                                           em museu.




                                                   CONSTÂNCIA LIMA DUARTE
  Reprodução de uma
   das cartas de Nísia
    Floresta dirigida a
Auguste Comte, datada
                                                                            A presença de Comte numa reunião em casa de Nísia Floresta, em Paris, foi relatada ao positivista Antônio
        de 17 de abril
             de 1857.                                                       Pereira Simões por um senhor de engenho pernambucano que aí estava. O registro é de Ivan Lins, em
                                                                            História do Positivismo no Brasil. Segundo o relato, o filósofo:


                                                                                             era     recebido        sempre          com        testemunhos      de    profunda
                                                                                             consideração e respeito pelos que freqüentavam o salão
                                                                                             da escritora brasileira. Esta ia pessoalmente recebê-lo à
                                                                                             entrada de seu apartamento e dizia aos presentes, com visível
                                                                                             entusiasmo, formulando um gesto de silêncio: “Aí está o Sr.
                                                                                             Comte, a maior glória da França. Procurem ouvi-lo e me
                                                                                             darão razão. Não é um homem como os outros. É um gênio.
                                                                                             A originalidade de suas concepções é tão sedutora como o
                                                                                             cavalheirismo de que é feito o seu coração. Os clarões de sua
                                                                                             inteligência transfiguram-no num homem belo, quando ele
                                                                                             expõe seus grandes pensamentos sobre a moral, sobre política,
                                                                                             sobre medicina. Sabe tudo, e todos o respeitam como a maior
                                                                                             cabeça do século. Orgulhemo-nos de apertar-lhe a mão. Voilà
                                                                                             un titre de gloire [Eis um título de glória]!”(LINS: 1964, 21-2)
                          CONSTÂNCIA LIMA DUARTE




                                                                            Nísia Floresta foi uma das quatro mulheres que acompanhou o cortejo fúnebre do filósofo até o Cemitério
                                                                            Père Lachaise, ao lado de Sophie Bliaux, filha adotiva de Comte, de Mme. Laveyssière, irmã de Sophie, e
                                                                            de Mme. Maria Robinet, casada com um positivista.


    60                                                                                                                                                                           61
O castelo de Heidelberg,
                                descrito por Nísia em
                          Itinerário de uma viagem à
                                Alemanha, em 1857.

OBRAS DA
MATURIDADE, OS     Em 1857, quando Flaubert publicava Madame Bovary, Baudelaire, As flores do mal, e, no
                   Brasil, Alencar trazia a público O Guarani, Nísia editava em Paris Itinéraire d’un voyage en

LIVROS EM LÍNGUA   Allemagne [Itinerário de uma viagem à Alemanha], assinando Mme. Floresta A. Brasileira. O


ESTRANGEIRA
                   livro foi organizado sob a forma de cartas dirigidas ao filho e aos irmãos e contém o relato da
                   viagem que ela realizou através de cidades alemãs. A primeira carta foi escrita em Bruxelas,
                   em 26 de agosto de 1856, e a última, em Estrasburgo, em 30 de setembro do mesmo ano,
                   num total de trinta e quatro cartas. Nísia privilegia em seu relato não a história das cidades
                   que visita, ou a descrição de cada etapa do percurso, mas a própria subjetividade, pois se
                   coloca de tal forma no centro da narrativa, que tudo o mais parece girar à sua volta.


                                                   Viajar, repito-lhes, é o meio mais seguro
                                                   de aliviar o peso de uma grande dor
                                                   que nos mina lentamente. Desde que
                                                   deixei Paris para visitar a Bélgica e a
                                                   Alemanha, os dias não mais parecem
                                                   ter a lentidão que me matava.
                                                   (FLORESTA: 1998a, 129)




                                                                                                              63
À esquerda, capa da primeira
                              edição de Itinéraire d’un voyage en
                              Allemagne, de 1857. Abaixo e página
                              ao lado, traduções de 1982 e 1998.




                                                                    O que realmente importa – para ela e, por conseqüência, para os leitores – são as suas impressões diante
                                                                    do que vê. E, como ocorre em quase todos os seus livros, a narradora confunde-se com a autora e não
                                                                    esconde a condição biográfica da escritura. Ao contrário, revela-a com informações precisas de sua vida,
                                                                    como o nome dos filhos e irmãos, as datas de morte da mãe e do esposo, além de inúmeras outras
                                                                    referências passíveis de serem confirmadas em sua biografia.
                                                                    E Nísia toma gosto pelas viagens. Nos anos seguintes, ela visita Roma, Nápoles, Florença, Veneza, Verona,
                                                                    Milão, Torino, Livorno, Pádua, Mântua, Pisa, Mombasilio e Mandovi. Também conheceu várias cidades
                                                                    da Sicília e da Grécia, detendo-se sempre nas que mais lhe agradavam.
                                                                    Aos cinqüenta anos de idade, instalou-se em Florença e assistiu a cursos de Botânica ministrados por
CONSTÂNCIA LIMA DUARTE




                                                                    Parlatore, um antigo colaborador de Humboldt. Em Paris ela já havia assistido aulas dessa matéria no
                                                                    Colégio da França e no Museu de História Natural, segundo menciona no livro de viagem. Em Florença,
                                                                    publicou Scintille d’ un’ anima brasiliana [Cintilações de uma alma brasileira], em 1859, assinando
                                                                    Floresta Augusta Brasileira, que contém cinco ensaios: “O Brasil”, “O abismo sob as flores da civilização”,
                                                                    “A mulher”, “Viagem magnética”, “Um passeio no jardim de Luxemburgo”. Alguns deles receberão
                                                                    traduções para outras línguas e edições independentes. No ano seguinte, saía a edição italiana de Le
                                                                    lagrime de un Caeté [A lágrima de um Caeté], cujo tradutor – Ettore Marcucci –, além de um prefácio
                                                                    elogioso, anexou quarenta e uma notas sobre o vocabulário, relacionando o poema nisiano com versos de
                                                                    Dante, de Ariosto, e com a Bíblia.

                         64                                                                                                                                                65
Edição italiana de
 Cintilações de uma alma
          brasileira, 1859.




                                                                                        CONSTÂNCIA LIMA DUARTE




Em junho de 1861, Nísia Floresta decide regressar a Paris e montar residência na cidade após três anos
ausente. Alguns anos depois, em 1864, surge o primeiro volume de Trois ans en Italie, suivis d’un voyage
en Grèce [Três anos na Itália, seguidos de uma viagem à Grécia], assinado “par une Brèsilienne” [por uma




                                                                                                                 CONSTÂNCIA LIMA DUARTE
brasileira]. Neste livro, escrito como um diário de viagem, Nísia descreve o modo de vida, a história e as
manifestações culturais da Itália. Como sua excursão ocorreu justamente no período da revolução pela
unificação do país, o texto se constitui também em importante testemunho de uma estrangeira a respeito
dos principais acontecimentos da história italiana.
Em Londres, em 1865, era publicado Woman [Mulher], um dos ensaios de Cintilações de uma alma                                                 Páginas de Mulher, um dos
brasileira, traduzido pela filha. Em 1867, surge em Paris o romance Parsis, que, apesar de citado em                                           ensaios de Cintilações de
todas as bibliografias da autora, nunca teve um exemplar localizado. Em 1871, também em Paris, outro                                      uma alma brasileira, traduzido
ensaio de Scintille é traduzido por Lívia Augusta – Brésil [Brasil], que, aliás, assina neste livro como                                       para o inglês por sua filha
                                                                                                                                           Lívia Augusta e publicado em
Lívia Augusta Gade. Entre as inúmeras lacunas relativas a Nísia e seus familiares, uma diz respeito ao
                                                                                                                                                      Londres, em 1865.
casamento de Lívia com um alemão de sobrenome Gade. Apenas foi possível saber que ela ficou viúva
com quatro meses de casada, não teve filhos e nem se casou novamente.

66                                                                                                                                                                           67
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Livro nisiafloresta

  • 1.
  • 2.
  • 3. FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL PRESIDENTE JACQUES DE OLIVEIRA PENA DIRETORES EXECUTIVOS ELENELSON HONORATO MARQUES FRANCISCO ASSIS MACHADO SANTOS DIRETOR DE EDUCAÇÃO E DESPORTOS MARCOS FADANELLI RAMOS ASSESSORES ADEMIR VIEIRA DOS SANTOS CLAUDIO ALVES RIBEIRO BRENNAND GERMANA AUGUSTA DE M. M. L. MACENA PETROBRAS PRESIDENTE JOSÉ SERGIO GABRIELLI GERENTE EXECUTIVO DA COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL COORDENAÇÃO GERAL WILSON SANTAROSA SCHUMA SCHUMAHER GERENTE DE RESPONSABILIDADE SOCIAL COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO LUIS FERNANDO NERY FLÁVIA DIAB STANLEY WHIBBE GERENTE DE PATROCÍNIOS ELIANE COSTA COORDENAÇÃO DE ADMINISTRAÇÃO CLÉO ASSIS GERENTE DE PATROCÍNIOS CULTURAIS GILBERTO BARROS TEXTO CONSTÂNCIA LIMA DUARTE COORDENADOR DE TECNOLOGIAS SOCIAIS LENART NASCIMENTO REVISÃO DE TEXTOS BEATRIZ DI PAOLI REDEH – REDE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO PROJETO GRÁFICO E EDIÇÃO DE IMAGENS LULA RICARDI – XYZDESIGN COORDENADORA GERAL THAIS RODRIGUES CORRAL ASSISTÊNCIA DE PRODUÇÃO COORDENADORA EXECUTIVA NOÊMIA INOHAN UMA MULHER À FRENTE DO SEU TEMPO SCHUMA SCHUMAHER PRODUÇÃO MERCADO CULTURAL CONSELHO CONSULTIVO BETH VARGAS, EDUARDO CUSTÓDIO MARTINS, HELENA TEODORO, JOIS ORTEGA, LUCIA XAVIER, MARISTELA BEZERRA BERNARDO, MOEMA VIEZZER Duarte, Constância Lima D812n Nísia Floresta: uma mulher à frente do seu tempo: fotobiografia / Constância Lima Duarte; ilustrações de Luiz Fernando Ricardi. Brasília: Mercado Cultural, 2006. 120 p. ISBN 978-85-98757-05-5 ISBN 978-85-98757-05-6 Projeto Memória 1. Literatura brasileira 2. Augusta, Nísia Floresta Brasileira – Biografia – Obras ilustradas 3. Augusta, Nísia Floresta Brasileira – Vida e obra – Fotografia 4. Augusta, Nísia Floresta Brasileira - Genealogia I. Título CDD 21.ed. 869.092
  • 4. Por que a ciência nos é inútil? Porque somos excluídas dos cargos públicos; e por que somos excluídas dos cargos públicos? Porque não temos ciência. Nísia Floresta, em Direitos das mulheres e injustiça dos homens.
  • 5. O preço por tal pioneirismo foi alto: seu nome foi envolvido pelo esquecimento e durante al- gumas décadas não se ouviu falar dela. O pouco que se ouvia estava marcado pelo preconceito ou impregnado da surpresa dos que se deparavam com uma história de vida como a sua e a novidade de suas reflexões. Viver à frente de seu tempo custou-lhe o não-reconhecimento de seu talento e, por isso, até hoje não é citada na história da literatura brasileira, como escritora romântica, nem na história da educação feminina, como educadora. Seu pensamento, no que diz respeito à condição das mulheres, extremamente subjugadas em seu tempo, ajudou na formação de uma consciência mais crítica em relação ao que era tido como um dos maiores atrasos do País naquela época: a negação ao sexo feminino do direito a uma educação tal qual a que era oferecida aos homens, impedindo assim seu acesso a espaços de poder na sociedade. Mais do que nunca se faz importante a escolha de Nísia Floresta como a homenageada da déci- ma edição do Projeto Memória. A divulgação de suas idéias contribuirá, de forma inequívoca, Na história da mulher brasileira, o nome de Nísia Floresta se impõe e ocupa as primeiras pá- para nos fazer lembrar da história das mulheres brasileiras na luta pelo reconhecimento de seus ginas, tanto pela coragem revelada em seus escritos, como pelo ineditismo e ousadia de suas direitos e de sua capacidade intelectual. idéias. No tempo em que a grande maioria das mulheres vivia recolhida em suas casas sem Idealizado em 1997 pela Fundação Banco do Brasil, o Projeto Memória tem como objetivo ho- nenhum direito, e o ditado popular dizia que “o melhor livro é a almofada e o bastidor”, ela menagear e levar ao conhecimento do público a trajetória de importantes nomes da história dirigia colégios para moças, colaborava em jornais e escrevia livros e mais livros defendendo do nosso país. A iniciativa conta desde 2004 com a parceria da Petrobras e nesta edição com a os direitos das mulheres, dos índios e dos escravizados. Redeh – Rede de Desenvolvimento Humano. Nascida em 1810, em Papari, Rio Grande do Norte, Nísia Floresta publicou seu primeiro livro, O Projeto é ainda composto por uma exposição itinerante, que percorre cerca de 800 municípios “Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens”, em 1832, quando tinha apenas 22 anos. Abor- brasileiros, um kit-pedagógico, que é distribuido em aproxidamente 18.000 escolas públicas, dou também, em seus textos, temas como a opressão aos índios, iniciada com a colonização um website, que pode ser acessado pelo link www.fundacaobancodobrasil.org.br, e, além deste portuguesa, a escravidão e a imagem distorcida e preconceituosa que o Brasil possuía em ou- livro foto-biográfico, um vídeo-documentário, estes últimos enviados a 5 mil bibliotecas nos 27 tros países, tendo escrito aquele que é considerado o primeiro artigo em defesa dos aspectos po- estados da Nação. sitivos do “gigante do porvir”, como ela definia a nação de extensão continental e com vocação Esperamos que por meio desta iniciativa possamos levar ao público o conhecimento acerca des- para se tornar uma das maiores potências do planeta. sa ilustre norte-rio-grandense, com a certeza de estar contribuindo, de maneira decisiva, para o fortalecimento da identidade cultural da Nação. R E D E H . P E T R O B R A S . F U N DA Ç Ã O B A N C O D O B R A S I L
  • 6. SUMÁRIO .Nasce uma ilustre brasileira . 10 .O primeiro livro feminista de que se tem notícia . 18 .A educadora . 24 .A indianista . 32 .A viajante ilustrada . 38 .O retorno à pátria, – novas publicações . 42 .A abolicionista . 46 .A nacionalista . 52 .Mais viagens... França, Alemanha, Itália, Grécia... . 56 .Obras da maturidade – os livros em língua estrangeira . 62 .Última viagem ao Brasil . 68 .Retorno à Europa – os últimos anos . 72 .A redescoberta da escritora . 78 .Primeiras homenagens . 82 .O Rio Grande do Norte acolhe a filha ilustre . 88 .Por uma história da mulher brasileira: suas . 98 lutas e conquistas .Rumo à cidadania . 108 .Referências Bibliográficas . 122
  • 7. NASCE UMA ILUSTRE BRASILEIRA Em um longínquo 12 de outubro de 1810, às nove horas da noite, nascia a primeira filha do casal Dionísio Gonçalves Pinto Lisboa e Antônia Clara Freire, no sítio Floresta, em Papari, interior do Rio Grande do Norte. A menina ganhou o nome do pai: Dionísia Gonçalves Pinto, conforme consta no Assento de Batismo da Igreja de Papari. O pai, um advogado português de idéias liberais que ali havia chegado nos primeiros anos do século XIX, também fazia esculturas, como a figura de uma índia sustentando na cabeça a pia batismal, que realizou para a antiga igreja de Papari. Como ele chegou a essa povoação do nordeste brasileiro não se sabe. Apenas, que ali conheceu e desposou uma jovem viúva de nome Antônia, filha do Capitão-mor Bento Freire do Revorêdo e de Mônica da Rocha Bezerra, mãe de Maria Izabel do Sacramento, fruto do primeiro matrimônio. Além de Dionísia, o casal teve ainda dois filhos: Clara e Joaquim. Sobre a mãe, sabe-se muito pouco: apenas o que ficou nos escritos da filha – que era uma mulher carinhosa, inteligente e enérgica nos momentos necessários. 11
  • 8. À direita, a igreja matriz da cidade de Papari, que, desde 1948, passou a chamar-se Nísia Floresta em homenagem à ilustre filha da terra. Na página ao lado, vista parcial da praça e VLADEMIR ALEXANDRE do antigo casario da cidade, VLADEMIR ALEXANDRE em foto de 2006. Em novembro de 1810, quando Dionísia contava um mês de vida, o sítio Floresta recebeu a ilustre visita de Henry Koster. Em sua viagem pelo interior do Rio Grande do Norte, o inglês travou conhecimento com o pai de Dionísia e se hospedou em sua residência, conforme consta no livro Viagens ao Nordeste do Brasil: Nísia vai levar consigo as imagens da Floresta de sua meninice não só no nome, mas em inúmeras Senhor Dionísio apresentou-me a sua mulher. referências que faz em seus livros. Os “jardins balsâmicos” da “risonha” Floresta a acompanham em Ele é português e ela brasileira. Têm uma reminiscências até o Velho Mundo e contribuem para impregnar seu espírito de saudades da terra pequena propriedade no vale, que me pareceu natal. Em alguns anos, grandes mudanças sofrerá a próspera Floresta e os dias tranqüilos da infância prosperamente colocada. (...) Jantei à moda estavam no fim. A pequena Dionísia logo saberia disso. brasileira, numa mesa colocada a seis polegadas Nos primeiros meses de 1817, chegaram notícias de uma rebelião iniciada em Recife contra os abusos do poder estrangeiro, mais tarde conhecida como Revolução de 17, que visava do solo, ao redor da qual nos sentamos ou principalmente ao estabelecimento de um governo local e autônomo. Cansado das perseguições, melhor, nos deitamos, sobre as esteiras. Não Dionísio muda-se com a família para Goiana – um centro cultural do interior pernambucano – e havia garfos e as facas, em número de duas ou lá espera o fim dos acontecimentos. três, eram destinadas a cortar unicamente os Segundo alguns historiadores, a Revolução de 17 fracassou por excesso de idealismo dos dirigentes. maiores pedaços de carne. Os dedos deviam Mas há quem não pense assim. E a repressão não tardou: corpos foram mutilados e cabeças dos fazer o resto. (KOSTER: 1978, 85) líderes exibidas nas praças. Dentre os revoltosos, o nome de Bárbara Pereira de Alencar (1767-1837?) tornou-se conhecido, por ter sido encarcerada com os filhos e sofrido privação. Em Alagoas, Ana Lins também aderiu à causa liberal e foi ardorosa defensora da revolução pernambucana de 17. 12 13
  • 9. PUBLICAÇÃO UM RIO DE MULHERES/REDEH Dona Leopoldina (1797-1826), MUSEU PAULISTA - UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO primeira imperatriz do Brasil, desempenhou importante papel nos rumos do Brasil. Em Goiana, Nísia ouviu as primeiras vozes liberais que a marcariam por toda a vida. Além de um centro intelectual irradiador de novidades, a cidade abrigava o Convento das Carmelitas, onde as jovens de famílias abastadas podiam estudar e aprender trabalhos manuais. É provável que Nísia tenha usufruído dessas regalias, pois logo estará dominando línguas estrangeiras e se oferecendo como mestra de primeiras letras. Em 4 de maio de 1819, nascia o irmão Joaquim Pinto Brasil, na vila de Goiana. A irmã Clara já havia Após a Independência, era preciso criar uma identidade nascido, não se sabe se em Floresta ou em Goiana. De Joaquim teremos mais informações porque o livro própria para o Brasil. Assim como Pedro Américo, na tela Fragments d’un ouvrage inédit: notes biographiques [Fragmentos de uma obra inédita: notas biográficas] “O Grito do Ipiranga”, Nísia se utiliza da estética romântica (Paris, 1878) revela traços de sua personalidade. Meses depois a família voltava para Floresta. O ambiente para criar uma imagem grandiosa do país. em Pernambuco, mesmo abafada a revolução, tornou-se pesado aos portugueses. Um fato pouco esclarecido marcará o ano de 1823. Aos treze anos, Dionísia casa-se com Manuel Alexandre Seabra de Melo, mas logo se separa e volta a residir com os pais. Tal atitude, inédita para a época, vai No Rio Grande do Norte, as demonstrações de ódio aos portugueses se aproximam da residência do contribuir para as opiniões desabonadoras de conterrâneos a seu respeito. senhor Dionísio, que decide deixar definitivamente o sítio. Após rápida passagem por Goiana, ele se A Província de Pernambuco é foco de mais uma tentativa de separatismo de caráter republicano – instala em Olinda, onde passa a exercer a advocacia. E não era sem tempo. Ao final de 1824, um grupo conhecida como Confederação do Equador –, dois anos após a Independência do Brasil. A retórica de Frei depreda a propriedade e saqueia os bens da família. O sítio, que tanta admiração causou a Koster, palco Caneca inflamava os pernambucanos, dando-lhes forças para resistir, mesmo quando as tropas imperiais dos primeiros anos de Nísia Floresta, não existia mais. Permanecerá vivo apenas no nome da escritora e invadiam as cidades. em sua memória. 14 15
  • 10. FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO Vista de Recife às margens do Rio Capiberibe, em fins O destino de Dionísio estava por se cumprir e, em 17 de agosto de 1828, ele era assassinado quando do século XIX. retornava para casa, após haver ganho a causa de um cliente. Segundo Nísia, os poderosos de Olinda não toleravam aquele advogado agindo contra seus interesses e o mandaram matar. Mas a vida não será só luto e dor. Enamorada de um jovem acadêmico, Manuel Augusto de Faria Rocha, Nísia passa a residir em sua companhia. Mais tarde, quando a escritora vai viver na França e viajar pela Europa, ela será conhecida como Mme. de Faria, como, ainda hoje, a Biblioteca Nacional de Paris registra seu nome. Em 12 de janeiro de 1830, nascia Lívia Augusta de Faria Rocha, a filha a quem a mãe dedicará livros, a companheira de viagens e futura tradutora. No ano seguinte, 1831, nasceria um segundo filho, mas “cedo arrebatado pela morte”, segundo suas palavras, e do qual não existem outras informações. 16 17
  • 11. O ano de 1831 foi o ano da estréia de Nísia Floresta nas letras. No Espelho das Brasileiras, um jornal dedicado às pernambucanas, ela publica os primeiros artigos sobre a mulher em antigas culturas. As reflexões sobre a condição feminina estavam, portanto, entre as primeiras que motivaram e levaram Nísia Floresta a escrever. E essas mesmas questões – utilidade social das mulheres, atitude injusta dos homens – serão retomadas em diversos outros escritos. Em 1832, vem a público Direitos das mulheres e injustiça dos homens, assinado com o nome O PRIMEIRO LIVRO que tornará famosa a norte-rio-grandense: Nísia Floresta Brasileira Augusta, que, ao invés FEMINISTA DE QUE de ocultar sob o pseudônimo, revela as opções existenciais da autora. Nísia, de Dionísia; Floresta, para lembrar o local de sua infância; Brasileira, para afirmar o sentimento nativista; SE TEM NOTÍCIA e Augusta, em homenagem ao companheiro Manuel Augusto. Direitos das mulheres e injustiça dos homens foi inspirado na obra de Mary Wollstonecraft – Vindication of the rights of woman [Reivindicação dos direitos da mulher], de 1792 –, conforme ela mesma declarou, mas também em livros de outros autores europeus. A novidade é que, ao invés de simplesmente fazer uma tradução, Nísia assimila antropofagicamente as concepções estrangeiras e escreve um livro denunciando os preconceitos existentes no Brasil contra a mulher e desmistificando a idéia dominante da superioridade masculina. Ao mesmo tempo em que constrói a defesa de seu sexo, ela denuncia e desmascara os artifícios masculinos de dominação. E indaga: Se este sexo altivo quer fazer-nos acreditar que tem sobre nós um direito natural de superioridade, por que não nos prova o privilégio, que para isso recebeu da Natureza, servindo-se de sua razão para se convencerem? (FLORESTA: 1989a, 24) 19
  • 12. Capa da quarta edição, São Paulo, 1989. Têm por ventura eles alguns títulos para justificar o direito com que reclamam os nossos serviços, que nós igualmente não tenhamos contra eles? (FLORESTA: 1989a, 42) Por isso Direitos das mulheres e injustiça dos homens deve ser considerado o texto fundante do feminismo CONSTÂNCIA LIMA DUARTE brasileiro, pois não há notícia de outro anterior. Quando Manuel de Macedo publica A moreninha, em 1844, romance de valor documental pela hábil fixação de tipos humanos e da vida social da época, ele faz referências explícitas ao Direitos das mulheres, o que comprova sua divulgação. Em novembro de 1832, Manuel Augusto conclui o bacharelado em Direito na Academia de Olinda e se transfere com Nísia, a filha, D. Antônia, Clara e Izabel, para Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Apenas Capa da segunda edição de Joaquim Pinto Brasil permaneceu em Olinda, pois estava ingressando na Faculdade de Direito. Direitos das mulheres e injustiça dos homens, publicado em A mudança aparentemente repentina de Olinda para Porto Alegre deu motivo a muitas especulações. Uns Porto Alegre em 1833. acharam que Nísia foi obrigada a sair de Pernambuco devido às ameaças do primeiro marido de processá- la por adultério. Outros divulgaram que Manuel Augusto foi para o sul a convite de um irmão que lá 20 21
  • 13. “Proclamação da República de Piratini”, MUSEU ANTÔNIO PARREIRA, NITERÓI, RJ de Antônio Parreira (1836), retrata um momento importante da Revolução Farroupilha. Com a guerra, o clima A inglesa Mary Wollstonecraft em Porto Alegre torna- (1759-1797) é autora do livro Vindication of the rights of se hostil para uma woman, de 1792, que defende família de mulheres a igualdade entre os sexos. Essa e crianças, e Nísia se foi uma das obras que inspirou muda, em 1837, para as reflexões de Nísia Floresta o Rio de Janeiro. sobre o papel da mulher na sociedade. morava. Mas não importa se foi este ou aquele o motivo da mudança. Importa que, em Porto Alegre, nova vida a aguardava. E, em 12 de janeiro de 1833, nascia o outro filho, Augusto Américo de Faria Rocha, coincidentemente no mesmo dia em que Lívia havia nascido três anos antes. O fato de no Assento de Batismo ele estar registrado como filho legítimo do casal – Nísia e Manuel Augusto – parece confirmar a existência do segundo casamento da escritora. Anita Garibaldi (1821-1849), natural de Santa Em 29 de agosto, um infeliz acontecimento marcará Nísia Floresta: Manuel Augusto morre repentinamente, Catarina, participou ao lado de seu companheiro, o italiano Giuseppe Garibaldi (1807-1882), da Revolta aos vinte e cinco anos, deixando-a com os filhos pequenos. A dor pela morte prematura do marido e as dos Farrapos, no sul do País, iniciada em 1835. saudades da mulher apaixonada pontuarão seus escritos, como a testemunhar a fidelidade ao companheiro Neste período Nísia manteve amizade com eles, morto. Muitos anos depois, e vivendo em terras italianas, ela escrevia: que, mais tarde, ficariam conhecidos como “heroína e herói de dois mundos”. Dia de eterno luto para o meu coração. Esta aurora surge aos meus olhos depois de uma série de longos anos, sempre carregada de tristeza! É excessivo deplorar a perda, mesmo prematura, de um esposo, pensarão talvez. O espírito revolucionário – Nísia logo o saberia – não era privilégio dos nordestinos. O pensamento liberal Mas eu sinto com toda a minha alma que é cedo demais se espalhava com rapidez e chegava aos campos gaúchos, semeando o descontentamento e aguçando para esquecer um anjo que não fez mais do que passar a rivalidade entre portugueses e nativistas, simpatizantes do partido republicano. Era a guerra civil, um momento sobre a terra para difundir em minha alma pejorativamente chamada Farroupilha, por alusão aos farrapos com que os rebeldes se vestiam. Em 20 de o encanto de uma felicidade cujo segredo ele levou para setembro de 1835, os revolucionários ocupam Porto Alegre e Rio Grande, as mais importantes vilas da o céu! (FLORESTA: 1871, 48) região, obrigando a população a se posicionar a favor ou contra um dos lados. É desse período o início da amizade de Nísia com Anita e Giuseppe Garibaldi, o italiano responsável pelo A vida continua. Nos quatro anos em que reside em Porto Alegre, Nísia dedica-se ao magistério e reedita comando da marinha da República Rio-Grandense. Muitos anos depois, Nísia reencontrará Garibaldi na Direitos das mulheres e injustiça dos homens. Uma das irmãs, Maria Izabel, casa-se com um jovem da Itália e, no livro escrito na ocasião, dedicará páginas elogiosas ao herói. família Silva Arouca; o irmão, Joaquim Pinto Brasil, casa-se com uma moça de Pernambuco; e Clara vai Com o o avanço da Revolução, o clima tenso na capital gaúcha torna-se difícil para uma mulher chefe casar-se no Rio de Janeiro com o Dr. José Henrique de Medeiros, um português fidalgo da Casa Real de de família. Por isso, em fins de 1837, Nísia se transfere com os filhos e a mãe para o Rio de Janeiro. Mais Portugal, depois convertido à homeopatia. uma vez, nova cidade, nova vida. 22 23
  • 14. O Rio, apesar de ser a capital do país, tinha graves problemas. O lixo se acumulava nas ruas, a iluminação era deficiente, os chafarizes eram poucos, e volta e meia a cidade era assolada por epidemias. Em compensação, havia grande interesse pelo ensino, o que se constata nas dezenas de escolas que aí funcionavam, dirigidas em sua maioria por estrangeiros. Nísia não perdeu tempo. Em 31 de janeiro de 1838, estampa, no Jornal do Comércio, o anúncio do estabelecimento de ensino que estava inaugurando: A EDUCADORA D. Nísia Floresta Brasileira Augusta tem a honra de participar ao respeitável público que ela pretende abrir no dia 15 de fevereiro próximo, na rua Direita n° 163, um colégio de educação para meninas, no qual, além de ler, escrever, contar, coser, bordar, marcar e tudo o mais que toca à educação doméstica de uma menina, ensinar-se-á a gramática da língua nacional por um método fácil, o francês, o italiano, e os princípios mais gerais da geografia. Haverão igualmente neste colégio mestres de música e dança. Recebem-se alunas internas e externas. A diretora, que há quatro anos se emprega nesta ocupação, dispensa-se de entreter o respeitável público com promessas de zelo, assiduidade e aplicação no desempenho dos seus deveres, aguardando ocasião em que possa praticamente mostrar aos pais de família que a honrarem com a sua confiança, pelos prontos progressos de suas filhas, que ela não é indigna da árdua tarefa que sobre si toma. 25
  • 15. Fachada do Colégio Augusto, Em 18 de dezembro de 1846 que ficava situado no centro era publicada no Jornal do do Rio de Janeiro. Comércio, do Rio de Janeiro, Desenho retirado do Mapa a lista da banca examinadora Arquitetural da Cidade do e das alunas que se Rio de Janeiro, 1874. destacaram nos exames finais do Colégio Augusto. A filha Lívia aparece CONSTÂNCIA LIMA DUARTE como uma das premiadas em latinidade. CONSTÂNCIA LIMA DUARTE ao Rio de Janeiro com a família. Após residir em várias cidades, decide-se pela capital, onde exerce a advocacia e leciona no Colégio D. Pedro II. Mais tarde, torna-se chefe de Secretaria do Ministério da Agricultura e fundador do Instituto Psicológico. A Rua Direita foi o primeiro endereço do Colégio Augusto, cujo nome revela uma homenagem ao Esses serão anos particularmente agitados para a jovem escritora. Em plena capital do Império, Nísia companheiro falecido. Depois foi transferido para a Rua Dom Manuel nº. 20, com entrada pela Travessa Floresta fez conferências defendendo a emancipação dos escravos, a liberdade de cultos religiosos e a do Paço, nº. 23, bem em frente ao Palácio da Justiça. As novidades pedagógicas adotadas pela diretora federação das províncias. Todos que escreveram sobre ela referiram-se a tais palestras, com elogios ao seu enfrentavam resistências, e não foram poucas as notas anônimas nos jornais ironizando o ensino do liberalismo. Segundo Ignez Sabino, em Mulheres Illustres do Brazil, os espectadores: latim, por exemplo, e a ênfase no estudo de línguas estrangeiras. Os mais conservadores relutavam em aceitar uma mulher que ousava competir com as estrangeiras, que escrevia livros defendendo os direitos de seu sexo e, ainda, publicava em jornais. Um dia, um jornalista, surpreso com a qualidade do ensino Saíam dali deslumbrados não só pela presença que ali era ministrado, escreveu o seguinte: “Trabalhos de língua não faltaram; os de agulha ficaram no agradável da jovem senhora, como pela audácia escuro. Os maridos precisam de mulher que trabalhe mais e fale menos”. Em 1839, surge no Rio de Janeiro a terceira edição de Direitos das mulheres e injustiça dos homens, da sua inteligência de primeira água e ainda conforme o anúncio do Jornal do Comércio de 25 de abril desse ano, informando que o livro se encontrava mais... um horror para aquele tempo!... por à venda na Casa do Livro Azul, na rua do Ouvidor, 121, por 55 réis. ousar a ilustre dama falar em abolição e em Em janeiro de 1840, o irmão Joaquim Pinto Brasil, tendo terminado o Curso de Direito em Olinda, chega federalismo. (SABINO: 1996, 172) 26 27
  • 16. Capa da edição italiana de Conselhos à minha filha, publicada em Florença, em 1858. À esquerda, segunda edição brasileira, de 1845. CONSTÂNCIA LIMA DUARTE É de 1842 a publicação de Conselhos à minha filha, dedicado a Lívia como presente de aniversário. Ao concebê-lo, a mãe-escritora com certeza não imaginou que esse seria seu livro mais editado e traduzido. Em 1845, saía a segunda edição acrescida de quarenta pensamentos em versos; mais tarde, surgem duas em italiano, em 1858 e em 1859, e outra em francês, em 1859. As virtudes e os deveres filiais aí apresentados podem ser assim resumidos: a menina educada deve ser simples, modesta, obediente aos pais, respeitosa com os idosos e decidir-se sempre pelo oprimido. Em 1847, três novas publicações vêm à luz no Rio de Janeiro, e todas dirigidas às alunas do Colégio: CONSTÂNCIA LIMA DUARTE Daciz ou a jovem completa, Fany ou o modelo das donzelas e o Discurso que às suas educandas dirigiu Nísia Floresta Brasileira Augusta. Nos anos seguintes, surgem mais escritos dedicados à educação, como Opúsculo humanitário, de 1853, “O abismo sob as flores da civilização”, “Um passeio no Jardim de Luxemburgo” e “A mulher”, sendo que os três últimos foram escritos em italiano e publicados no volume Scintille d’un’anima brasiliana [Cintilações de uma alma brasileira], de 1859. 29
  • 17. Capa da segunda edição do Opúsculo humanitário, de 1989. Por fim, trata do Brasil e defende a tese de que o progresso de uma sociedade depende da educação oferecida à mulher. E provoca: Edição bilíngüe de Cintilações de uma alma Povos do Brasil, que vos dizeis civilizados! brasileira, de 1997. Governo, que vos dizeis liberal! Onde está a doação mais importante dessa civilização, CONSTÂNCIA LIMA DUARTE desse liberalismo? (FLORESTA: 1989b, 43). “Um passeio no Jardim de Luxemburgo” é o único que contém referências explícitas à doutrina positivista, por valorizar a função social da mulher, e expressões elogiosas ao filósofo Auguste Comte, justamente por tê-la concebido. E em “A mulher” Nísia trata do costume francês de se enviar os filhos para serem criados Opúsculo humanitário consiste na reunião de artigos que foram publicados nos jornais do Rio e contém a longe da casa materna, em casa de mulheres pagas para isso. Os altos índices de mortalidade infantil, síntese do pensamento de Nísia Floresta sobre a educação formal e informal de meninas. Revela ainda a ou as tristes histórias de crianças abandonadas, não eram suficientes para sensibilizar as famílias, que erudição da autora, sua experiência no magistério e na direção de escolas. Neste livro, ela recupera parte continuavam enviando os filhos para as amas-de-leite. Ao condenar com veemência tal costume e valorizar da história da condição feminina em diversas civilizações, relacionando o desenvolvimento intelectual e a função materna, Nísia se antecipa ao debate que só ocorrerá na França nas últimas décadas do século material do país – ou o seu atraso – com o lugar ocupado pelas mulheres na sociedade. XIX e dá uma contribuição para a reflexão e para a mudança de comportamento da mulher francesa. 30 31
  • 18. No livro A lágrima de um Caeté, a escritora retrata o índio inconformado com a colonização de suas terras, em flagrante rompimento com os ideais românticos da época. FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO A INDIANISTA Outros temas – como a causa indígena e o negro escravo – também mobilizaram Nísia Floresta e foram tratados com paixão em seus escritos. O poema intitulado “A lágrima de um Caeté”, de 1849, que assinou com o pseudônimo de Telesila, por exemplo, revela o posicionamento da autora frente à questão indígena. Nele encontram-se alguns traços inconfundíveis da estética romântica, como o elogio da natureza e a exaltação de valores indígenas. Sua grande novidade é trazer o ponto de vista do índio vencido e inconformado com a opressão de sua raça pelo branco invasor e não a visão do índio herói, como a maioria dos textos indianistas do período romântico. Era da natureza o filho altivo, Tão simples como ela, nela achando Toda a sua riqueza, o seu bem todo... O bravo, o destemido, o grão selvagem, O Brasileiro era... – era um Caeté! (FLORESTA, 1997a, 36) 33
  • 19. Capa da primeira edição do poema A Lágrima de um Caeté, de 1849. A terceira edição ocorreu em 1897. Além disso, o poema reúne ainda duas tendências românticas – a questão indígena e os conflitos político-sociais – ao tratar também da derrota dos liberais na Revolução Praieira, ocorrida em Pernambuco, em 1848. A Lágrima de um Caeté lamenta tanto a dizimação das tribos, como o fim melancólico da revolução, a partir de uma mesma perspectiva: a do oprimido pela força dos dominantes. E o discurso da narradora – às vezes até se confundindo com o do índio – acentua um dado fundamental, que é o da perda de identidade do “silvícola”: Indígenas do Brasil, o que sois vós? Selvagens? os seus bens já não gozais... CONSTÂNCIA LIMA DUARTE Civilizados? não... vossos tiranos Cuidosos vos conservam bem distantes Dessas armas com que ferido tem-vos. De sua ilustração, pobres caboclos! Nenhum grau possuís!... Perdestes tudo, Exceto de covarde o nome infame... (FLORESTA, 1997a, 39) 34 35
  • 20. Antes de 1500, os índios no Brasil possuíam uma cultura de interdependência com a natureza. Com a colonização, começaram a ser expulsos de suas terras, provocando até hoje conflitos territoriais e a ameaça aos importantes valores culturais indígenas. FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO O índio de Nísia Floresta não é inocente, nem personifica a bondade natural idealizada nas teorias filosóficas européias. E seu pranto representa não apenas o epitáfio poético da Revolução Praieira, mas, principalmente, o fim da resistência indígena frente ao branco invasor. Onde estão, fero Luso ambicioso, Estes bens, que eram nossos? Porangaba perdi, perdi os filhos... FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO Ai de mim! Inda vivo! Com a Pátria lá foram esses tesouros! O pranto só me resta! (FLORESTA, 1997a, 42) Ao assinar esse trabalho como Telesila, Nísia parece revelar a intenção de sempre resistir, como fez a heroína grega de quem tomou de empréstimo o nome. Como ela, Nísia também era uma guerreira que lutava contra a opressão do colonizador, pela liberdade dos povos oprimidos e pelos direitos da mulher. 36 37
  • 21. A VIAJANTE O romance Dedicação ILUSTRADA de uma amiga, publicado em Niterói, em 1850, em dois volumes, assinados CONSTÂNCIA LIMA DUARTE com as iniciais B. Em novembro de 1849, Nísia embarcou com os filhos rumo ao Velho Mundo, a bordo da galera Ville de Paris. Lívia havia sofrido um acidente com um cavalo nas comemorações do 7 de setembro, e o médico aconselhou a mudança de ares. Houve quem dissesse que a saúde da filha era um pretexto para que ela se ausentasse do país, incomodada com a campanha difamatória dos jornais contra seu colégio, e o sucesso do livro que elogiava uma revolução contrária aos interesses do Imperador. Pode ser. Afinal, a mãe preocupada era também a escritora polêmica. Assim, após cinqüenta e dois dias em alto mar, Nísia Floresta chegava na mais importante capital européia daquele tempo, e, na Seção de Passaportes dos Arquivos Nacionais da França, entre os passageiros estrangeiros, ainda hoje lê-se o seguinte: “Mme. Augusta, Nísia Floresta Brasileira – 39 anos, acompanhada de seu filho e sua filha. Origem: Rio de Janeiro. Domicílio real: Rio de Janeiro. Destino: Paris. Profissão: Rendas”. 39
  • 22. Vista do Rio Sena e da Catedral de Notre Dame, de Paris, uma das cidades onde Nísia residiu após 1849. À direita, uma das poucas imagens conhecidas da escritora. CONSTÂNCIA LIMA DUARTE No início de 1850, apesar de a autora estar a milhares de quilômetros do Brasil, era publicado em Niterói um romance seu – Dedicação de uma amiga – em dois volumes, assinado com as iniciais B. A. Segundo Inocêncio, no Dicionário Bibliográfico, esta obra devia se compor de quatro volumes, mas apenas dois teriam sido publicados. Entre os contatos com intelectuais, cientistas e aristocratas que Nísia fez no Velho Mundo, o mais conhecido foi a amizade que manteve com Auguste Comte. Em 1851, a brasileira era uma das pessoas que afluíam ao Auditório do Palácio Cardinal para assistir às conferências do Curso de História Geral da Humanidade, que Comte ministrava para divulgar suas idéias. Mas apenas em 1856 ela se aproxima do filósofo e pode manifestar suas impressões acerca da filosofia positivista. Em julho de 1851, decide visitar Portugal, onde permanece até janeiro do ano seguinte, quando embarca no navio Treviot, rumo ao Brasil. 40 41
  • 23. A chegada de Nísia não foi festejada apenas pelos familiares. O Jornal das Senhoras, de Joana Paula Manso de Noronha, em 22 de fevereiro de 1852, saudou a escritora e deu notícias de sua vida na Europa, nestes termos: O RETORNO Sentimos vivo prazer em anunciar às nossas À PÁTRIA, NOVAS assinantes a chegada da Sra. D. Nísia Augusta Floresta, brasileira, tão conhecida entre nós pela PUBLICAÇÕES sua inteligência e ilustração; tão respeitada pelo seu longo magistério, há 16 anos empregado com desvelos na educação de suas patrícias; e tão louvável e digna de nossa admiração por sua dedicada constância ao amor e à sabedoria e ao engrandecimento de sua pátria. A sra. D. Nísia estava ausente de nós há dois anos e meio, viajando neste intervalo à França e à Inglaterra, onde visitou os melhores colégios de instrução, os mais abalizados literatos, donde voltou a nossos braços, admirando os Herculanos, Garrets, Castilhos e outros varões respeitáveis na ciência. Está pois entre nós a Sra. D. Nísia, demos-lhe um abraço de viva amizade e gratidão, em nome do nosso sexo. 43
  • 24. E ela permanece no país por alguns anos. Assim, quando sua mãe D. Antônia Clara Freire adoece, vindo a falecer em 25 de agosto de 1855, ela estava a seu lado. Esta morte, somada à do pai e à do companheiro, será constantemente lembrada pela autora como a “tríplice perda”, que passa a considerar o mês de agosto um mês funesto para si. No texto intitulado “O pranto filial”, depois publicado em O Brasil Ilustrado, de 1856, Nísia expõe abertamente a sua dor. Aliás, tornar público o que é privado será uma constante na vida desta autora. FOTO MARC FERREZ - ACERVO BIBLIOTECA NACIONAL Lágrimas de íntima dolorosa saudade, correi livremente na solidão deste quarto funerário, santuário de meus tristes pensamentos, onde ofereço em holocausto as dores de um coração contraído, de um espírito torturado, depois que não respira mais aquela que me amamentou na infância e me consolou na vida de mulher! Nísia retorna ao Rio de Janeiro Correi até que a alma encontre em vós um lenitivo em 1852, onde permanece por quase três anos. às angústias que a oprimem!... Vista da cidade em que se vêem a Praia de Botafogo e antigas edificações. Nessa época, a febre amarela mais uma vez se abatia sobre a cidade do Rio de Janeiro, interrompendo as atividades sociais. Movida pela solidariedade, Nísia Floresta se apresenta como voluntária e trabalha por todo o semestre na Enfermaria do Hospital de Nossa Senhora da Conceição, situada na rua da Quitanda, nº. 40. Também foi enfermeira, neste mesmo hospital, Maria Josephina Matilde Durocher – a primeira parteira a se formar em Obstetrícia pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1832. E em 1856 é editado um livro de versos intitulado “Pensamentos”. 44 45
  • 25. Entre os títulos atribuídos a Nísia Floresta, encontra-se com destaque o de abolicionista. Aliás, foi justamente este – junto com o de defensora dos direitos das mulheres – o que mais A ABOLICIONISTA lhe granjeou estima e admiração. Realmente, o repúdio à escravidão e a denúncia das injustas relações entre senhores e escravizados constituem um dos temas mais frequentes de sua obra e também das conferências que teria realizado no Rio de Janeiro, na década de 1840. 47
  • 26. O potiguar Henrique Castriciano era admirador de Nísia Floresta e foi quem iniciou as pesquisas sobre a Abaixo: trajetória da escritora. Caderno manuscrito que ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL - RN pertenceu a Henrique Castriciano, contendo o texto “Páginas de uma vida obscura”, de Nísia Floresta, entre outras anotações. Inês Sabino, em 1899, Henrique Castriciano, em 1909, e Oliveira Lima, em 1919, por exemplo, destacaram seu ineditismo em pregar publicamente o abolicionismo naqueles tempos tão remotos. Infelizmente, são apenas estes os registros sobre o fato, pois não há notícias na imprensa, nem se as conferências teriam sido publicadas. Restam seus escritos para testemunhar que Nísia Floresta foi realmente uma das primeiras mulheres no Brasil a se manifestar contra o sistema escravocrata, ao lado apenas da professora negra maranhense Maria Firmina dos Reis, autora de Ursula, de 1859. FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO Tela de Johann Moritz Rugendas, pintor alemão que retratou o Brasil no século XIX. Em sua obra, Nísia também chamou a atenção para a crueldade com que os negros eram tratados. ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL - RN 49
  • 27. FOTOGRAFIA DE CONSTANTINO BARZA, PE, C.1880. ACERVO FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO CONSTÂNCIA LIMA DUARTE FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO Ama de leite, uma das atividades desempenhadas pelas mulheres escravizadas, preocupação constante na obra de Nísia. Acima, Ursula, da maranhense negra Maria Firmina dos Reis, considerado um dos primeiros romances escrito por uma mulher A tragédia da escravidão retratada por Rugendas no século XIX. brasileira, em 1859. seguidos de uma viagem à Grécia, de 1864 e 1871 –, ela faz referências ao cativeiro. Mas é natural que a autora, em tão grande espaço de tempo – de 1849 a 1871 –, tenha alterado substancialmente seu modo Outras mulheres – como Narcisa Amália, Ana Aurora do Amaral Lisboa, Luciana de Abreu, Benedita de ver o problema. Enquanto no poema de 49 há uma condenação rápida ao tráfico dos africanos e, no Bormann, Maria Amélia de Queiróz, Ismênia Santos, Revocata de Melo, Luiza Regadas, Corina Coaracy, Opúsculo humanitário, as referências já são extensas, a pregação explícita da abolição só ocorrerá em Três Chiquinha Gonzaga e Maria Josephina Mathilde Durocher, por exemplo – também denunciaram anos na Itália, seguidos de uma viagem à Grécia, quando a escravidão será considerada “a vergonha da literariamente o cativeiro ou participaram de campanhas abolicionistas. Mas, apesar do empenho civilização moderna”. dessas autoras, e da repercussão que seus trabalhos alcançaram na época, nenhuma logrou obter o reconhecimento público, como aconteceu com os escritores homens, que inscreveram seus nomes no Ó minha pátria querida, Éden desse mundo imenso movimento, independentemente até do mérito dos trabalhos realizados. Mas quando essa mobilização e extraordinário, reaparecido ao olhar deslumbrado ocorreu, a década de 1870 estava no fim e se aproximava a de 1880. A opinião pública internacional havia de Colombo, deixa, ah! deixa livremente explodir se posicionado contra a escravatura e era evidente a contradição do Império, que se dizia liberal mas de teu nobre peito o grito humanitário, que sufocas mantinha o regime escravocrata. penosamente, por força dos deploráveis preconceitos E aí está o mérito de Nísia Floresta e de Maria Firmina dos Reis, como vozes precursoras contra a transmitidos por teus antigos dominadores de além- escravatura, ainda em 1840 e 1850. No caso de Nísia, desde os primeiros escritos – A lágrima de um Caeté, mar! Sê conseqüente com as instituições livres que te de 1849; Opúsculo humanitário, de 1853; Passeio ao Aqueduto da Carioca, de 1855; e Páginas de uma regem, com a religião que professas: quebra, oh! quebra vida obscura, de 1855 –, ela toca na questão nevrálgica da escravidão. Também nos livros que se seguiram os grilhões de teus escravos! (FLORESTA: 1998b, 41) – Cintilações de uma alma brasileira, de 1859; O Brasil, de 1871; os dois volumes de Três anos na Itália, 50 51
  • 28. A NACIONALISTA Desenho feito por Manuel Bandeira, publicado em Livro do Nordeste, Pernambuco, em 1925. Nísia viveu intensamente o seu tempo. Como os demais escritores, ela também se considerava portadora de uma “missão” e queria contribuir para dotar o país de uma literatura, mesmo residindo fora e escrevendo em línguas estrangeiras. A opção pelo nacional era ostentada com orgulho tanto na forma como assinava os escritos como no título – Mme. Brasileira – com que se tornou conhecida na Europa. 53
  • 29. “Entrada do Porto por Laranjeiras”, obra de William Gore Ouseley, diplomata e pintor inglês que também retratou o Brasil no século XIX. FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO Nísia projetava um Brasil de futuro grandioso – o “gigante do porvir”. Apesar de todos os contrastes Uma narrativa resume essa declaração de amor à pátria. Conhecedora dos equívocos e preconceitos e desigualdades, o país pode se orgulhar hoje de ser divulgados no exterior sobre o Brasil e os brasileiros, ela publica um texto – primeiro em italiano, depois uma das maiores economias do mundo. em francês – intitulado “O Brasil”, com entusiasmadas descrições da natureza, das lutas pela libertação, e com projeções de um futuro grandioso para o país. A intenção era influenciar o leitor estrangeiro e Todos os povos civilizados da terra precisam conhecer também se alinhar aos que construíam uma imagem positiva para a pátria, mediante o tom ufanista na este amplo e rico país da América meridional, que se abordagem das coisas do Brasil. estende desde o majestoso Amazonas, o maior rio do mundo, até o Prata. Aí se encontram, além de uma O Brasil de hoje em dia não inveja infinidade de outros rios navegáveis, grandiosas nenhuma nação do mundo; já florestas, reclinadas, a maior parte, por todo o seu que, tal como observamos, ele perímetro em forma de admiráveis curvas: excelsos encerra em seu seio todos os montes, cujos cumes parecem tocar o céu; pradarias risonhas de uma eterna vegetação: cheios uns e materiais para tornar-se uma outras de quanto têm de flores e frutos o antigo e das mais importantes entre o novo mundo. A essas magnificências da natureza elas. (FLORESTA: 1997b, 53) juntam-se os prazeres de uma civilização progressiva, espalhada em muitas de suas partes. (FLORESTA: 1997b, 09) 54 55
  • 30. Auguste Comte (1798-1857), fundador da filosofia positivista – que, no seu início, atribuía à mulher um papel de destaque junto à família – MAIS VIAGENS... e um dos grandes amigos de Nísia na Europa. FRANÇA, ALEMANHA, ITÁLIA, GRÉCIA... Em 10 de abril de 1856, Nísia Floresta seguiu com a filha Lívia para a segunda viagem por terras estrangeiras. Seu filho Augusto Américo permaneceu no Rio estudando. Naquele momento, talvez ela não imaginasse como seria longa essa ausência, pois só depois de dezesseis anos tornará a ver a paisagem carioca de que tanto gostava, bem como os parentes que ficavam no cais. O Colégio Augusto anunciou pela última vez os seus cursos e, após dezessete ou dezoito anos de funcionamento, fechava finalmente as portas. No ano de 1856, e no seguinte, a escritora se aproximará de Auguste Comte, recebendo- o algumas vezes em sua residência: primeiro à Rua d’Enferm, 11, e depois à Rua Royer Collard, 9, que, por sinal, ficava próxima do Jardim de Luxemburgo, da Universidade de Sorbonne e da Rua Monsieur Le Prince, 10, endereço de Comte. Também é dessa época a correspondência trocada entre eles, zelosamente guardada pelos adeptos do Positivismo no Brasil e na França. 57
  • 31. O parque que ficava próximo das residências de Nísia e Comte, em Paris, que serviu de cenário para “Um Passeio ao Jardim de Luxemburgo”, de 1859, um dos poucos textos em que ela se utiliza de Último endereço de conceitos positivistas. Nísia Floresta em Paris, à rua Royer Collard, nº 9. CONSTÂNCIA LIMA DUARTE Na Igreja da Humanidade, ou Apostolado Positivista do Brasil, no Rio de Janeiro, encontram-se as sete cartas que Comte dirigiu a Nísia Floresta, datadas de 19 de agosto, 9 de dezembro e 18 de dezembro de 1856, 18 de abril, 24 de maio, 24 de agosto e 29 de agosto de 1857. E, em Paris, na Maison d’Auguste Comte, antiga residência do filósofo, hoje transformada em museu, estão as respostas de Nísia, com as seguintes datas: 19 de agosto e 17 de dezembro de 1856, e 5 de abril, 17 de abril, 23 de maio e 1º de julho de 1857, num total de seis cartas. Essa correspondência – motivo de orgulho para os positivistas – resume- se a cartas de cortesia, com agradecimentos pela remessa de um retrato ou de um livro, de pêsames pelo CONSTÂNCIA LIMA DUARTE aniversário de morte de Clotilde de Vaux, a mulher por quem Comte foi apaixonado, e alusões a doenças e a tratamentos. São, sem dúvida, amistosas e revelam a amizade que existiu entre os dois, mas estão longe de serem cartas íntimas de cunho amoroso, como muitos sugeriram. 58 59
  • 32. Residência de Auguste Comte, em Paris, situada na rua Monsieur Le Prince, 10, hoje transformada em museu. CONSTÂNCIA LIMA DUARTE Reprodução de uma das cartas de Nísia Floresta dirigida a Auguste Comte, datada A presença de Comte numa reunião em casa de Nísia Floresta, em Paris, foi relatada ao positivista Antônio de 17 de abril de 1857. Pereira Simões por um senhor de engenho pernambucano que aí estava. O registro é de Ivan Lins, em História do Positivismo no Brasil. Segundo o relato, o filósofo: era recebido sempre com testemunhos de profunda consideração e respeito pelos que freqüentavam o salão da escritora brasileira. Esta ia pessoalmente recebê-lo à entrada de seu apartamento e dizia aos presentes, com visível entusiasmo, formulando um gesto de silêncio: “Aí está o Sr. Comte, a maior glória da França. Procurem ouvi-lo e me darão razão. Não é um homem como os outros. É um gênio. A originalidade de suas concepções é tão sedutora como o cavalheirismo de que é feito o seu coração. Os clarões de sua inteligência transfiguram-no num homem belo, quando ele expõe seus grandes pensamentos sobre a moral, sobre política, sobre medicina. Sabe tudo, e todos o respeitam como a maior cabeça do século. Orgulhemo-nos de apertar-lhe a mão. Voilà un titre de gloire [Eis um título de glória]!”(LINS: 1964, 21-2) CONSTÂNCIA LIMA DUARTE Nísia Floresta foi uma das quatro mulheres que acompanhou o cortejo fúnebre do filósofo até o Cemitério Père Lachaise, ao lado de Sophie Bliaux, filha adotiva de Comte, de Mme. Laveyssière, irmã de Sophie, e de Mme. Maria Robinet, casada com um positivista. 60 61
  • 33. O castelo de Heidelberg, descrito por Nísia em Itinerário de uma viagem à Alemanha, em 1857. OBRAS DA MATURIDADE, OS Em 1857, quando Flaubert publicava Madame Bovary, Baudelaire, As flores do mal, e, no Brasil, Alencar trazia a público O Guarani, Nísia editava em Paris Itinéraire d’un voyage en LIVROS EM LÍNGUA Allemagne [Itinerário de uma viagem à Alemanha], assinando Mme. Floresta A. Brasileira. O ESTRANGEIRA livro foi organizado sob a forma de cartas dirigidas ao filho e aos irmãos e contém o relato da viagem que ela realizou através de cidades alemãs. A primeira carta foi escrita em Bruxelas, em 26 de agosto de 1856, e a última, em Estrasburgo, em 30 de setembro do mesmo ano, num total de trinta e quatro cartas. Nísia privilegia em seu relato não a história das cidades que visita, ou a descrição de cada etapa do percurso, mas a própria subjetividade, pois se coloca de tal forma no centro da narrativa, que tudo o mais parece girar à sua volta. Viajar, repito-lhes, é o meio mais seguro de aliviar o peso de uma grande dor que nos mina lentamente. Desde que deixei Paris para visitar a Bélgica e a Alemanha, os dias não mais parecem ter a lentidão que me matava. (FLORESTA: 1998a, 129) 63
  • 34. À esquerda, capa da primeira edição de Itinéraire d’un voyage en Allemagne, de 1857. Abaixo e página ao lado, traduções de 1982 e 1998. O que realmente importa – para ela e, por conseqüência, para os leitores – são as suas impressões diante do que vê. E, como ocorre em quase todos os seus livros, a narradora confunde-se com a autora e não esconde a condição biográfica da escritura. Ao contrário, revela-a com informações precisas de sua vida, como o nome dos filhos e irmãos, as datas de morte da mãe e do esposo, além de inúmeras outras referências passíveis de serem confirmadas em sua biografia. E Nísia toma gosto pelas viagens. Nos anos seguintes, ela visita Roma, Nápoles, Florença, Veneza, Verona, Milão, Torino, Livorno, Pádua, Mântua, Pisa, Mombasilio e Mandovi. Também conheceu várias cidades da Sicília e da Grécia, detendo-se sempre nas que mais lhe agradavam. Aos cinqüenta anos de idade, instalou-se em Florença e assistiu a cursos de Botânica ministrados por CONSTÂNCIA LIMA DUARTE Parlatore, um antigo colaborador de Humboldt. Em Paris ela já havia assistido aulas dessa matéria no Colégio da França e no Museu de História Natural, segundo menciona no livro de viagem. Em Florença, publicou Scintille d’ un’ anima brasiliana [Cintilações de uma alma brasileira], em 1859, assinando Floresta Augusta Brasileira, que contém cinco ensaios: “O Brasil”, “O abismo sob as flores da civilização”, “A mulher”, “Viagem magnética”, “Um passeio no jardim de Luxemburgo”. Alguns deles receberão traduções para outras línguas e edições independentes. No ano seguinte, saía a edição italiana de Le lagrime de un Caeté [A lágrima de um Caeté], cujo tradutor – Ettore Marcucci –, além de um prefácio elogioso, anexou quarenta e uma notas sobre o vocabulário, relacionando o poema nisiano com versos de Dante, de Ariosto, e com a Bíblia. 64 65
  • 35. Edição italiana de Cintilações de uma alma brasileira, 1859. CONSTÂNCIA LIMA DUARTE Em junho de 1861, Nísia Floresta decide regressar a Paris e montar residência na cidade após três anos ausente. Alguns anos depois, em 1864, surge o primeiro volume de Trois ans en Italie, suivis d’un voyage en Grèce [Três anos na Itália, seguidos de uma viagem à Grécia], assinado “par une Brèsilienne” [por uma CONSTÂNCIA LIMA DUARTE brasileira]. Neste livro, escrito como um diário de viagem, Nísia descreve o modo de vida, a história e as manifestações culturais da Itália. Como sua excursão ocorreu justamente no período da revolução pela unificação do país, o texto se constitui também em importante testemunho de uma estrangeira a respeito dos principais acontecimentos da história italiana. Em Londres, em 1865, era publicado Woman [Mulher], um dos ensaios de Cintilações de uma alma Páginas de Mulher, um dos brasileira, traduzido pela filha. Em 1867, surge em Paris o romance Parsis, que, apesar de citado em ensaios de Cintilações de todas as bibliografias da autora, nunca teve um exemplar localizado. Em 1871, também em Paris, outro uma alma brasileira, traduzido ensaio de Scintille é traduzido por Lívia Augusta – Brésil [Brasil], que, aliás, assina neste livro como para o inglês por sua filha Lívia Augusta e publicado em Lívia Augusta Gade. Entre as inúmeras lacunas relativas a Nísia e seus familiares, uma diz respeito ao Londres, em 1865. casamento de Lívia com um alemão de sobrenome Gade. Apenas foi possível saber que ela ficou viúva com quatro meses de casada, não teve filhos e nem se casou novamente. 66 67