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DANILO SANTOS DE MENEZES 




A POPULAR COZINHA BAIANA DO DENDÊ 
       Série de reportagens 


                     Trabalho    de    conclusão    do    curso    de 
                     Comunicação,  habilitação  em  Jornalismo,  da 
                     Universidade Federal da Bahia. 
                     Orientador : Giovandro Marcus Ferreira 
                     Co­or ientador a: Nadja Magalhães Miranda 




        SALVADOR (BA) 
              2003
À memória do meu pai, um gourmet, ainda que não se desse conta disso. 

                                          A minha mãe e minha irmã.
AGRADECIMENTOS 


       Ao  orientador  Giovandro  Ferreira,  pelo  acompanhamento,  revisão,  dispo­ 

nibilidade  e  atenção.  À  co­orientadora  Nadja  Miranda,  pelas  sugestões  e  críticas  em 

momentos importantes. 

       A  Beto,  pelo  apoio  constante.  A  Eliane  Cardoso,  pelo  carinho.  Aos  colegas  de 

trabalho  do  Banco  do  Brasil  e  aos  colegas  do  curso  de  Comunicação,  especialmente 

Amanda, Eliane, Luciana e Tharsila, pelo companheirismo. 

       A Vivaldo da Costa Lima, que me disponibilizou a sua biblioteca, e de quem me 

tornei amigo. A Ericivaldo Veiga, pela atenção. A Vânia Rebelo, pelas fotos. A Luciano 

Robatto, pelas dicas de editoração. 

       A  todos  os  entrevistados,  pela  disponibilidade  e  pelo  amor  à  arte  culinária.  A 

Heloísa  Sampaio,  pelas  informações  fornecidas.  E  por  suas  crônicas  gastronômicas, 

muitas sobre a região cacaueira, de onde também sou nativo.
Comer  e comunicar são duas  funções  animais  que  o 
homem  faz  com  mais  estilo  e  variedade  que  os 
animais. Há quem diga que sexo também, mas nossa 
espécie  não  tem  nada  parecido  com  o  ‘balé’  sexual 
de certas aves, pelo que eu conheço. É por isso que o 
texto  sobre  comida  nos  dá  tanto  prazer.  Estamos 
celebrando a nossa superioridade sobre o hipopótamo 
e ostentando duas artes que só nós temos no planeta 
dos bichos, a gastronomia e a linguagem. 

                           Luis Fernando Veríssimo
SUMÁRIO 



PARTE I – Memória descr itiva e analítica 

Apresentação...................................................................................................................6 

Escolha do tema...............................................................................................................7 

Formato..........................................................................................................................10 

Produção.........................................................................................................................14 

Conclusão.......................................................................................................................25 

Bibliografia.....................................................................................................................28 



PARTE II – Série de reportagens 

Presença dourada..........................................................................................................31 

Tradição e modernidade..............................................................................................35 

Dendê popular...............................................................................................................43 

Cozinha ambulante.......................................................................................................47 

Dendê nosso de toda sexta...........................................................................................50 

Gorduras vegetais........................................................................................................53 

A banqueteira do dendê...............................................................................................58 

Inovações nos pratos.....................................................................................................63 

Gour met do dendê........................................................................................................70 

O engenheiro com um pé na cozinha..........................................................................74
PARTE I 


Memória descritiva e analítica
APRESENTAÇÃO 



       A  presente  memória  acompanha  a  série  de  reportagens  A  popular  cozinha 

baiana do dendê, que constitui requisito parcial para conclusão do curso de graduação 

em  Comunicação,  habilitação  em  Jornalismo,  da  Universidade  Federal  da  Bahia.  Este 

trabalho de reportagem aborda basicamente a presença majestosa do azeite­de­dendê na 

culinária  baiana,  e  diversos  aspectos  envolvidos,  a  exemplo  de  origens,  tradições, 

utilizações e inovações nos pratos que utilizam esse ingrediente. O olhar sobre a cozinha 

baiana deu­se a partir de pessoas que estudam, preparam e que apreciam os pratos feitos 

com azeite­de­dendê.




                                                                                           6 
ESCOLHA DO TEMA 



        Na época do meu anteprojeto, pensado enquanto cursava a disciplina Elaboração 

de Projeto em Comunicação, com a professora Maria Carmem Jacob, imaginei abordar 

a gastronomia, tendo­se em conta o que é veiculado nas colunas de jornais, baianos e de 

outros  Estados.  Da  gastronomia  em  geral,  o  meu  interesse  passou  a  enfocar  a 

gastronomia  na  Bahia,  até  chegar  à  culinária  e  à  apreciação  dos  pratos  que  são  feitos 

com azeite­de­dendê. 

        O  meu  interesse  pelo  tema  parte  do  prazer  de  degustar  uma  boa  refeição. 

Motivado  pela  fome,  eu  me  dedico  eventualmente  à  preparação  de  alguns  pratos  e  à 

peregrinação a restaurantes, em busca de novos sabores. Passando, eventualmente, pela 

leitura  de  revistas,  jornais  e  livros  sobre  culinária  e  gastronomia.    Na  Faculdade  de 

Comunicação da UFBA, elaborei um site sobre acarajé, durante a disciplina Oficina de 

Comunicação Audiovisual, do curso de Jornalismo. 

        De  início,  a  gastronomia  significava  “estudo  ou  observância  das  leis  do 

estômago”. Hoje está relacionada aos preceitos de comer e beber bem, mais por prazer 

do  que  por  necessidade,  e  à  arte  de  preparar  iguarias  para  obter  delas  o  máximo  de 

deleite,  tornando­as  mais  digestivas.  Gastronomia,  portanto,  é  a  arte  de  cozinhar  e 

apreciar a boa comida. A arte de cozinhar também é chamada de culinária. 

        A  culinária  brasileira  é  bastante  variada,  por  sua  geografia  e  formação  étnica, 

basicamente  indígena, africana e portuguesa. A  cozinha  baiana é, entre as de todos os 

Estados,  talvez  o  maior  espelho  dessa  mistura  de  influências.  Os  pratos  de  origem 

africana são, sem dúvida, os mais famosos da Bahia. Ainda que existam outras heranças 

importantes,  receitas  consumidas  até  com  mais  freqüência  no  dia­a­dia  dos  baianos.




                                                                                                 7 
Nesse  caso,  o  grande  exemplo  é  a  cozinha  sertaneja,  formada  em  sua  maior  parte  de 

pratos de origem portuguesa, com influência da cozinha indígena. 

        A gastronomia vai além da preparação e degustação de pratos: envolve a crítica 

e  pressupõe  conhecimentos  teóricos  e  práticos,  que  permitem  avaliar  os  resultados 

obtidos.  Isso  ficou  mais  claro  para  mim  ao  ler  livros  e  as  seções  de  gastronomia  de 

jornais  impressos  de  outros  locais.  Análises  e  matérias  com  nível  de  aprofundamento 

maior do que o encontrado nos jornais da Bahia e de outros Estados brasileiros. 

        Por  aqui  existem  poucos  os  profissionais  da  comunicação  que  se  dedicam  à 

gastronomia. Há pouco espaço dispensado ao assunto, em termos de número de colunas 

e  páginas.    Falta  esmiuçar,  dar  mais  informações,  mais  detalhes.  Olhando  de  forma 

rápida  os  cadernos  de  finais  de  semana,  nota­se  que  o  jornal  A  Tarde  resume­se  a 

receitas e um texto curto na coluna Comes e Bebes. O Correio da Bahia vai um pouco 

adiante,  disponibiliza  página  inteira,  trazendo  matérias  de  culinária  com  referência  a 

datas  comemorativas  (dia  dos  pais,  das  mães,  dos  namorados),  tipos  de  culinária 

(natural,  light, macrobiótica), de diferentes nacionalidades (chinesa,  italiana,  francesa), 

mas todas com textos curtos, cujo foco também acaba recaindo sobre as receitas. Falta 

contextualizar e imprimir impressões críticas e detalhadas dos resultados dos pratos. 

        Uma  opção  mais  recente  produzida  na  Bahia  é  o  blog  (site)    Tara  do  Prato  ( 

www.taradoprato.weblogger.com.br), publicado na internet, produzido pelas jornalistas 

Heloísa  Sampaio  e  Majorie  Moura,  com  crônicas,  receitas  e  notícias  sobre  a 

gastronomia    no  Estado.  Heloísa,  ou  Helô,  é  cronista  de  gastronomia  e  possui  livro 

publicado sobre o assunto, intitulado Bem comida . 

        Na bibliografia da cozinha baiana, a maior parte dos títulos é composta de livros 

de  receitas.  Entre  algumas  exceções:  o  livro  A  cozinha  baiana,  do  jornalista  Darwin 

Brandão,  publicado  em  1948,  e  A  cozinha  baiana:  seu  folclore,  suas  receitas,  de



                                                                                                8 
Hildergardes  Vianna,  publicado  em  1955.  O  primeiro  é  uma  grande  reportagem, 

publicada em forma de livro. Mesmo assim, a metade do total de páginas é composta de 

receitas.  O  segundo  trabalho,  da  professora  e  folclorista  Hildegardes  Vianna,  possui 

anotações  valiosas  a  respeito  dos  costumes  baianos  da  década  de  50.  Mas  também  a 

maior parte do conteúdo é de receitas. 

        O antropólogo Vivaldo Costa Lima deu grande colaboração à cultura baiana ao 

publicar o artigo Etnocenologia e etnoculinária do acarajé. O texto é a mais importante 

referência  em  termos  de  análise  do  “fenômeno  cultural”  acarajé.  E,  por  conseqüência, 

da  cozinha  baiana  atual.  O  antropólogo  promete  para  breve  a  publicação  de  um  livro, 

totalmente dedicado à iguaria. O livro terá o título O acarajé e o sonho. 

        A  tese  de  doutorado  A  cozinha  baiana  do  restaurante  escola  do  Senac  do 

Pelourinho  ­  Bahia:  mudança  de  contexto  e  atores,  do  antropólogo  Ericivaldo  Veiga, 

professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) é também um excelente 

registro  da  cultura  baiana.  Mas  o  foco  do  trabalho  é  o  restaurante  e  escola,  não  é  a 

alimentação. 

        O engenheiro Guilherme Radel também deu grande colaboração para o registro 

da  cozinha  da  Bahia.  O  livro  A  Cozinha  Sertaneja  da  Bahia ,  publicado  em  2002, 

também traz  muitas receitas e  boas observações, ainda que  breves, sobre a cozinha do 

Estado. 

        A  partir  da  percepção  de  que  há  certa  lacuna  a  ser  preenchida,  sobre  a 

atualização  de  um  assunto  que  vem  despertando  o  interesse  dos  leitores,  imaginei  em 

dar uma pequena colaboração para o registro histórico­cultural da cozinha do azeite­de­ 

dendê,  praticada  na  Bahia.  Pensei  em  produzir  uma  série  de  reportagens,  editada  na 

forma de um caderno especial para ser incluído em jornal impresso.




                                                                                                  9 
FORMATO ­ Série de reportagens (grande­r eportagem) 



         Noticiar é tornar público um fato, buscando responder as questões o que, quem, 

quando, como, onde e por quê. Para diminuir a superficialidade da notícia, fornecendo 

para  o  receptor  compreensão  de  maior  alcance,  surge  a  modalidade  de  mensagem 

jornalística  chamada  de  reportagem,  que  é  a  ampliação  do  relato  simples  para  a 

dimensão contextual. 

         A grande­reportagem é o formato que apresenta maior amplitude, possibilitando 

mergulho  nos  fatos  e  em  seu  contexto,  oferecendo  a  seu  autor  ou  atores,  uma  dose 

considerável  de  liberdade  para  escapar  da  fórmula  convencional  do  tratamento  da 
       1 
notícia  . 

         Segundo  Lima,  uma  das  formas  de  expressão  da  grande­reportagem  é  o 

jornalismo  interpretativo,  que  busca  não  deixar  a  audiência  desprovida  de  meios  para 

compreender  o  seu  tempo,  as  causas  e  as  origens  dos  fenômenos  que  presencia,  suas 

conseqüências no futuro. Procura elucidar os aspectos da realidade que não estão muito 
      2 
claros  . 

         Para tanto, são necessários alguns ingredientes: 

         ­ O contexto do fato nuclear, quando se trata de um tema mais duradouro e que 

não reflita apenas uma ocorrência menor, isolada; 

         ­  Os  antecedentes,  para  resgatar  no  tempo  as  origens  do  problema;  o  suporte 

especializado,  através  de  enquete,  pesquisa  de  opinião  pública  ou  entrevistas  com 

especialistas  e  testemunhas  do  assunto  em  questão,  para  dar  a  sustentação  que  evita  a 

informação oca; 



1 
   LIMA, Edvaldo. Páginas ampliadas: o livro­reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. 
Campinas (SP): Editora da Unicamp, 1993, p. 24. 
2 
   Op. cit., p.25


                                                                                                        10 
­  A  projeção,  visando  inferir  do  presente  e  do  passado  os  desdobramentos  do 

caso, suas conseqüências possíveis, seu alcance futuro; 

        ­  O  perfil,  que  é  o  lado  de  humanização  da  reportagem,  que  busca  emocionar, 

junto com a elucidação racional. 

        Tudo isso voltado para uma abordagem multiangular, para uma compreensão da 

realidade que ultrapassa o enfoque linear, ganhando contornos sistêmicos no esforço de 

estabelecer  relações  entre  as  causas  e  as  conseqüências  de  um  problema 
              3 
contemporâneo. 

        A  reportagem  tem  as  características  da  predominância  da  forma  narrativa,  a 

humanização  do  relato,  o  texto  de  natureza  impressionista  e  a  objetividade  dos  fatos 
         4 
narrados. 

        A  grande  reportagem  colabora  para  o  aprofundamento  do  conhecimento  do 

nosso tempo, diminuindo o aspecto efêmero da mensagem da atualidade praticada pelos 
                                            5 
canais cotidianos da informação jornalística  . É na expectativa de encontrar explicações 

e informações de ações de bastidores, que o leitor pode motivar­se ao aprofundamento 

que a série de reportagens se propõe. 

        A série de reportagens aqui elaborada é basicamente do tipo documental (quote­ 

story),  cujo  relato  é  acompanhado  de  citações  que  complementam  e  esclarecem  o 

assunto  tratado,  ao  mesmo  tempo  em  que  se  apóia  em  dados  que  lhe  conferem 

fundamentação.  Também  foram  utilizados  o  uso  de  recursos  da  reportagem  de  fatos 
                    6 
(narração de fatos). 




3 
   LIMA, Edvaldo. Páginas ampliadas: o livro­reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. 
Campinas (SP): Editora da Unicamp, 1993, p.26 
4 
   SODRÉ, Muniz; FERRARI, Maria Helena. Técnica de reportagem: notas sobre a narrativa jornalística. 
São Paulo: Summus Editorial, 1986, p. 15. 
5 
   LIMA, Edvaldo. Páginas ampliadas: o livro­reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. 
Campinas (SP): Editora da Unicamp, 1993, p. 16. 
6 
   op. cit., p. 28.


                                                                                                   11 
Quanto à função, a série de reportagens tem as finalidades típicas do jornalismo: 

serve para informar, orientar, explicar.7 
                                         

        Costuma  faltar  ao  profissional  da  comunicação  o  hábito  da  pesquisa  mais 

apurada sobre o tema de sua pauta, antes de partir para a coleta que vai gerar a matéria. 

Ou,  em  certos  casos,  falta­lhe  o  domínio  de  um  instrumental  de  lógica  que  lhe 

possibilite analisar um tema com amplitude, a partir daí podendo estruturar uma pauta 

abrangente, de alcance. Este trabalho acadêmico de série de reportagens pode vir ajudar 

suprir essa lacuna. 

        Quanto  ao  vínculo  com  a  atualidade,  há  duas  categorias  de  reportagem.  Na 

primeira, aproveita um fato de repercussão atual, para explorá­lo com maior alcance. Na 

segunda,  não  se  limita  ao  rigorosamente  atual,  trabalhando  temas  um  pouco  mais 

distantes no tempo, de modo que possa, a partir daí, trazer explicações para as origens, 
                                             8 
no  passado,  das  realidades  contemporâneas  .    A  série  de  reportagens  aqui elaborada  é 

coerente com o segundo tipo, ainda que ambas as características estejam interligadas. 

        A  série  de  reportagens  tem  a  função  de  informar  e  orientar  em  profundidade 

sobre  ocorrências  sociais,  episódios  fatuais,  acontecimentos  duradouros,  situações, 

idéias,  e  figuras  humanas,  de  modo  que  ofereça  ao  leitor  um  quadro  da 

contemporaneidade capaz de situá­lo diante de suas múltiplas realidades, de lhe mostrar 
                                                9 
o sentido, o significado do mundo contemporâneo. 

        A profundidade pode se dar horizontalmente – sentido extensivo ­, verticalmente 

– sentido intensivo – ou numa mescla de ambos. 

        O  aprofundamento  é  extensivo,  ou  horizontal,  quando  o  leitor  é  brindado  com 

dados,  números,  informações,  detalhes  que  ampliam  quantitativamente  sua  taxa  de 


7 LIMA, Edvaldo. Páginas ampliadas: o livro­reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. 
Campinas (SP): Editora da Unicamp, 1993, p.30 
8 
   op. cit., p.34 
9 
   op. cit., p.37


                                                                                                   12 
conhecimento  do  tema.  O  aprofundamento  é  intensivo,  ou  vertical,  quando  o  leitor  é 

alimentado de informações que lhe possibilitam aumentar qualitativamente sua taxa de 

conhecimento.  Isto  é,  existe  uma  análise  multiangular  de  causas  e  conseqüências  ,  de 

efeitos  e  desdobramentos,  de  repercussões  e  implicações.  Neste  plano,  a  grande­ 

reportagem, em forma de livro, vincula­se menos à edificação do tangível imediato, do 
                                                                      10 
concreto, e mais à tecedura do sutil, do que está por materializar­se. 

        No  primeiro  caso,  o  número  e  a  qualidade  dos  detalhamentos  enriquecem  a 

narrativa  para  um  grau  de  informação  idealmente  superior  ao  dos  veículos  cotidianos. 

No  segundo,  a  verticalização  solidifica  a  real  compreensão  do  tema  e  de  sua  precisa 

inserção no contexto contemporâneo. 

        O  jornalismo  aprofundado  passa  pela  pesquisa  histórica.  É  a  forma  de 

contextualizar.  Segundo  Lima,  o  sentido  –  ou  seja,  o  rumo,  a  direção  –  de  um 

acontecimento manifesta­se no tempo presente, como efeito do passado, como evolução 

para  o  futuro,  e  seu  significado  –  o  que  representa  e  para  quem –  só  pode  ser  obtido 
                                                                                 11 
quando identificadas as relações que estabelece com os demais níveis hierárquicos  . 




10 
    LIMA, Edvaldo. Páginas ampliadas: o livro­reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. 
Campinas (SP): Editora da Unicamp, 1993, p.37 
11 
    op. cit., p.239


                                                                                                     13 
PRODUÇÃO 



        Iniciei  a  pesquisa  em  outubro  de  2002,  após  a  definição  do tema  na  disciplina 

Elaboração  de  Projeto.  Por  sugestão  da  professora  Heloísa  Sampaio,  fui  em  busca  do 

antropólogo Vivaldo da Costa Lima, professor Emérito da UFBA, hoje aposentado. De 

início, Vivaldo mostrou­se resistente a dar entrevistas. Mas, depois de alguns encontros, 

pediu  uma  cópia  do  meu  projeto  para  ler  e  me  convidou  a  freqüentar  a  sua  ampla 

biblioteca de gastronomia. Foi uma grande oportunidade de trabalho. 

        A  biblioteca  do  antropólogo  possui  textos  raros  da  cozinha  baiana  e  grande 

variedade  de  títulos  da  gastronomia  internacional.  Quanto  estava  na  ativa,  como 

professor da UFBA, Vivaldo tentou implementar um centro de estudos de alimentação. 

É interessado por gastronomia há muito tempo; e me incentivou a ler com profundidade 

sobre o assunto. Passei a freqüentar a biblioteca com assiduidade. 

        A  fome  foi algo que  me acompanhou durante as  pesquisas. Por diversas  vezes, 

ao me dedicar às leituras dos belos livros de gastronomia, deparei­me com algo mais do 

que  o  apetite  pelo  conhecimento.  Era  a  fome  propriamente  dita.  Saía  da  biblioteca  do 

professor Vivaldo literalmente faminto. 

        A  pesquisa  histórica  e  o  bom  trabalho  jornalístico  envolvem  ­  ou  deveriam 

envolver ­ leituras, antes de qualquer entrevista. Por conta disso comprei livros, fui em 

sebos.  Consegui  raridades.  Tive  que  fotocopiar  textos  básicos.  Entre  eles,  a  bíblia 

“História da  Alimentação no Brasil”, de 925 páginas, em dois  volumes, do historiador 

Luis da Camara Cascudo. É inacreditável que um  livro daquela qualidade  e amplitude 

esteja esgotado e sem perspectiva de republicação.




                                                                                              14 
Também  coletei  receitas  e  matérias  de  jornais.  Desde  agosto  de  2002,  venho 

recolhendo  o  que  é  publicado  em  A  Tarde,  Correio  da  Bahia  e  na  Gazeta  Mercantil 

sobre gastronomia. 



Pautas e entrevistas 

        Para iniciar o trabalho, combinei com o professor Giovandro Ferreira de elaborar 

pautas, o que  facilitaria o trabalho. E como elas  me  foram úteis! Sempre  lhes recorria 

para elaborar as questões, toda vez que ia partir para qualquer entrevista. 

        A  pauta  eficiente  e  completa  deve  conter  itens  como  a  definição  precisa  do 

assunto  a  ser  abordado  e  seus  objetivos,  a  formulação  dos  problemas  e  um  plano  de 

captação. Esses itens dão conta, entre outras coisas, da localização precisa do assunto a 
                              12 
ser abordado e seus objetivos. 

        A partir do projeto do trabalho, concentrei a ação em três linhas de assuntos para 

abordar  nas  entrevistas.  A  primeira,  enfocando  as  maneiras  de  comer,  verificando 

costumes  alimentícios  relacionados  às  comidas  baianas  de  azeite.  O  contexto  do 

consumo, os lugares, os comilões. 

        Na  segunda  linha,  as  maneiras  de  preparar,  observando  os  modos  de  fazer  a 

comida  baiana.  A  evolução  das  técnicas,  ingredientes  e  preparo.  Novos  pratos  feitos 

com o dendê e o seu parceiro inseparável, o leite de coco. A satisfação de quem prepara 

a comida, o que motiva essas pessoas a trabalhar com gastronomia. 

        Na terceira linha de entrevistas, abordando as maneiras de divulgar, conversando 

com  pessoas  que  pensam  e  divulgam  a  gastronomia.  Jornalistas,  escritores, 

divulgadores, antropólogos. E estes foram fontes excelentes. 




12 
  LIMA, Edvaldo. Páginas ampliadas: o livro­reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. 
Campinas (SP): Editora da Unicamp, 1993, p.73.


                                                                                                   15 
Nunca  pensei  que  o  jornalismo  desse  tanto  trabalho.  Há  muitos  obstáculos  a 

serem  vencidos  durante  a  confecção  de  uma  grande  reportagem.  Da  dificuldade  de 

marcar entrevistas, passando pela demorada transcrição das gravações, indo até a edição 

do  texto.  Durante  o  curso  de  jornalismo,  e  de  algumas  reportagens  elaboradas  para  o 

jornal Província da Bahia, tive pouco contato com o uso do gravador. Do mesmo modo, 

em minhas atividades de comunicação no Banco do Brasil, que incluíram confecção de 

house  organ  e  estágio  no  Núcleo  de  Comunicação  da  superintendência  estadual,  o 

gravador foi algo completamente dispensável. 

        Nas  matérias elaboradas para a agência  interna de  notícias online do Banco do 

Brasil,  um  simples  telefonema  é  suficiente  para  elaborar  uma  matéria,  que  consta  no 

máximo  de  três  ou  quatro  parágrafos.  O  jornalismo  online  quase  sempre  induz  à 

confecção  de  textos  noticiosos  curtos.  A  opção  pela  reportagem  como  trabalho  de 

conclusão do curso de Jornalismo  foi  no  justamente  no  intuito de suprir a  carência de 

experiências em elaborar textos mais aprofundados. 

        O  gravador  parece  ser  uma  ferramenta  utilizada  em  casos  muito  especiais  no 

jornalismo.  É  necessário  um  ambiente  tranqüilo,  com  poucos  ruídos  externos.  Depois, 

um  demorado  período  de  transcrição.  Por  ter  pouca  experiência  com  o  equipamento, 

iniciei  transcrevendo  frase  por  frase,  cada  opinião  e  reação  (risos,  rispidez,etc.)  do 

entrevistado. Com receio de perder alguma informação, por não saber exatamente o que 

seria aproveitado. À medida que fui adquirindo mais experiência, já fazia a transcrição 

junto  com  a  edição  do  texto,  elaborando  como  se  fosse  o  rascunho  da  matéria, 

registrando somente os aspectos que iriam fazer parte das reportagens. 

        Junto  ao  trabalho  de  transcrição,  procurei  registrar  a  minha  percepção  sobre  a 

pessoa  que  estava  sendo  entrevistada,  sobre  o  local  onde  ocorreu  a  entrevista,  o 

comportamento  do  entrevistado,  seu  posicionamento.  De  forma  geral,  quem  trabalha



                                                                                              16 
com  gastronomia,  parece  estar  de  bem  com  a  vida.  Todos  dão  boas  risadas.  Parecem 

saber apreciar o que a vida tem de bom, valorizar as relações entre as pessoas, dedicar­ 

se a agradar aos comensais e – agradando a si mesmos – ouvir elogios. 

       Os estudiosos (jornalistas, antropólogos e outros) foram fontes indispensáveis ao 

trabalho. Não somente para fornecer informações e iluminar questões, mas para chamar 

a  atenção  sobre  os  aspectos  que  mereceriam  abordagem  aprofundada,  e  também  com 

suas opiniões, na discussão de temas polêmicos. 

       Durante  as  entrevistas,  fui  anotando  tópicos  recorrentes  e  que  me  pareceram 

mais significativos, tentando achar “ganchos” para as reportagens. Também durante as 

entrevistas,  os  personagens  mais  interessantes  foram  se  afirmando  por  conta  própria  e 

“exigiram” os seus perfis. Eu apenas registrei. 

       Em  vista  da  grande  quantidade  de  informações  a  respeito  dos  modos  de 

consumir, preparar e servir, o quesito de divulgação foi deixado de lado. Acredito que 

este  é  um  tópico  que  pode  vir  a  gerar  um  outro  trabalho,  pois  envolve  aspectos 

relacionados ao turismo e ao mercado de restaurantes e estabelecimentos comerciais da 

Bahia.    As  reportagens  deste  trabalho  recaem  sobre  aspectos  culturais  da  cozinha  e 

alimentação na Bahia. 

       Com a boa quantidade de informações obtidas, percebi que a discussão do que é 

publicado na imprensa baiana sobre gastronomia não ficaria interessante neste trabalho. 

Poderia caber melhor em algum estudo acadêmico, talvez de natureza comparativa. Não 

seria o caso da inclusão em um trabalho de reportagem. Por esse motivo não abordei as 

maneiras  de  divulgar.  Aproveitei,  sim,  o  conhecimento  daqueles  que  divulgam  para 

aprofundar aspectos da cultura. 

       Durante realização das entrevistas e confecção das reportagens, foi ficando claro 

para mim que a abordagem da cozinha baiana ficaria restrita aos aspectos de consumo,



                                                                                             17 
preparação  e  apreciação  de  pratos  feitos  com  o  dendê.  O  que  já  significa  um  tema 

bastante amplo. 

       O  dendê  está  presente  na  maior  parte  da  cozinha  de  origem  africana,  que  é, 

efetivamente, a mais celebrada e famosa do Estado. Por mais que se saiba da existência 

e  do  consumo  até  mais  freqüente  de  outros  pratos,  a  exemplo  das  carnes  da  cozinha 

sertaneja, a cozinha de origem africana é a que é sempre lembrada como “baiana”. 

       Na  entrevista  com  o  engenheiro  e  gastrônomo  Guilherme  Radel,  autor  de  A 

cozinha  sertaneja  da  Bahia ,  encontrei  um  acadêmico  de  peso  (sem  trocadilho), 

conhecedor não só da cozinha sertaneja, mas grande apreciador da cozinha afro­baiana, 

como ele mesmo designa. 

        Além  de  muito  simpático,  contador  de  casos,  Radel  revelou­se  um  excelente 

observador e crítico de gastronomia. Também  fez observações  interessantes a respeito 

dos assuntos publicados nas colunas de gastronomia dos jornais baianos e nacionais. Ele 

comentou sobre os jornalistas atuais e antigos, comprovando que o seu interesse vem de 

longa data. 

        No  livro  A Cozinha Sertaneja da Bahia, Radel  fez anotações baseadas  em sua 

percepção, leituras, pesquisas  e  incursões na cozinha. O escritor fala tão alto quanto o 

pesquisador. Ele não se furta a opinar e escrever sobre vários aspectos da gastronomia. 

Na  investigação  de  algumas  das  observações  de  Radel,  surgiram  questões  que 

resultaram  em  algumas  reportagens  deste  trabalho,  a  exemplo  da  utilização  (para  ele) 

excessiva do leite de coco nas moquecas e do consumo do dendê na sexta­feira. 

       Vivaldo da Costa Lima não me concedeu entrevistas, mas me forneceu bastante 

material escrito por ele, que revelam as suas impressões. Foram artigos publicados em 

livros e anotações de aulas e palestras.




                                                                                            18 
Fiz  entrevistas  bastante  proveitosas  com  a  jornalista  Heloísa  Sampaio,  com  o 

antropólogo Ericivaldo  Veiga  e  com  a  culinarista  Elíbia  Portela.  Além  das  entrevistas 

que  se  transformaram  em  perfis,  com  o  cozinheiro  Manoel  Barbosa,  com  o  geólogo 

Arno Brichta e a banqueteria Maria Célia Midlej. 

        A  professora  Nadja  Miranda  foi  gentil  e  acessível,  ao  me  dar  idéias  para 

direcionar  a  confecção  deste  trabalho.  Em  vista  do  prazo  curto  disponível,  ela  me 

sugeriu  que  reduzisse  o  texto  para  uma  série  de  reportagens,  em  lugar  do  livro­ 

reportagem  inicialmente  previsto.  Também  me  emprestou  livro  e  outras  séries  de 

reportagens  de  alunos  da  Facom,  que  foram  muito  úteis  para  visualizar  a  forma  de 

apresentação deste trabalho. Isso sem contar com idéias para pautas e fontes. Por tantos 

préstimos, foi incluída como co­orientadora do trabalho. 

        O  estimado  orientador  Giovandro  Ferreira  esteve  sempre  acessível,  com  boa 

vontade, e me forneceu liberdade irrestrita para trabalhar. Desde o final de 2002, ele me 

disponibilizou  vários  livros  e  trabalho  acadêmico  de  reportagem,  iniciando  o 

acompanhamento  de  forma  atenciosa  e  tranqüila,  mesmo  ainda  sem  estar oficialmente 

designado como orientador. Sempre ajudou com idéias para textos, fotos e diagramação. 

        É curioso que as  entrevistas com pessoas que cozinham, apreciam e estudam  a 

culinária  viram  longos  bate­papos.  As  entrevistas  duravam  no  mínimo  40  minutos. 

Durante  a  conversa,  entravam  em  cena  as  reminiscências  familiares,  os  prazeres  da 

degustação,  as  relações  amorosas.  É  um  consenso  que  cozinhar  é  dedicar  amor.  Um 

prato sai bem feito e saboroso se é feito com atenção, cuidado, entrega e dedicação. 

        Assim  como  na  elaboração  de  uma  pintura  ou  de  uma  música,  a  dedicação  de 

amor  ao  trabalho  culinário  retorna  e  adquire  significado  artístico.  O  ato  de  cozinhar 

transforma­se em arte culinária.




                                                                                              19 
Restrições 

        Um  aspecto a ser registrado é a ausência de enfoque sobre  a cozinha de azeite 

que  é  herança  direta  africana,  dedicada  aos  orixás  do  candomblé.  Trata­se  de  assunto 

complexo,  provavelmente  abordado  com  mais  propriedade  por  antropólogos,  pois 

exigiria uma vivência intensa junto às comunidades do candomblé. É uma atividade que 

não  foi  proposta  no  projeto  deste  trabalho.  Detive­me  aos  costumes  das  ruas, 

restaurantes  e  do  dia­a­dia  das  residências  baianas.  Na  cozinha,  digamos,  profana.  Fiz 

somente breves referências às tradições religiosas. 

        Segundo  Lima,  o  antropólogo  entrevista  um,  informante  muitas  vezes  –  ao 

contrário do jornalista­, cria o relacionamento interativo com este, costura aos poucos a 
                                                                                   13 
teia de padrões e conexões que dão o todo de uma “rede  intrincada de significados”  . 

Não foi esta a perspectiva proposta no projeto deste trabalho. 



A escrita 

        No  processo  de  confecção  das  reportagens,  por  diversas  vezes  tive  que 

simplificar  a  linguagem.  Procurei  utilizar  sentenças  em  ordem  direta  e  linguagem 

simples. Procurei levar o pensamento dos estudiosos na forma mais simplificada e direta 

possível, para facilitar a leitura. 

        Para  auxiliar  a  elaboração  das  reportagens,  fiz  um  resumo  esquemático, 

contendo tópicos a serem abordados e as fontes disponíveis. Tive que refazer o resumo 

várias  vezes, pois alguns tópicos  mostraram­se  mais complexos, exigindo subdivisões, 

gerando novas reportagens. O resumo foi refeito à medida que o trabalho tomava corpo. 




13 
  LIMA, Edvaldo. Páginas ampliadas: o livro­reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. 
Campinas (SP): Editora da Unicamp, 1993, p.252.


                                                                                                   20 
À  medida  que  algumas  reportagens  foram  sendo  elaboradas,  a  busca  de 

profundidade  nas  informações  proporcionou  a  inclusão  de  aspectos  inicialmente  não 

previstos. Surgiram informações inesperadas. Foi o caso da descoberta da pesquisa feita 

pela  Universidade  Estadual  da  Bahia  (UNEB),  sobre  o  acarajé  e  abará,  que  comprova 

que o abará tem mais calorias que o acarajé. Uma constatação que muda o senso geral 

de que o bolinho frito, o acarajé, teria mais gordura que o abará, que é cozido no vapor. 

        A  princípio,  hesitei  em  publicar  receitas.  Imaginei  que  a  publicação  delas 

poderia  ser  taxada  como  de  menor  importância  frente  ao  texto  jornalístico.  Pois,  para 

mim,  que  não  sou  cozinheiro,  colocar  receitas  neste  trabalho  estaria  representando 

apenas copiar um texto de algum livro ou coletar a anotação – ou mesmo a fala ­ de um 

entrevistado. 

        Ao  pensar  na  série  de  reportagens,  imaginei  fazer  um  trabalho  com  relatos  de 

costumes  e  contextualização,  algo  ausente  nos  livros  de  receitas.  Daí  a  resistência  a 

incluí­las. Comecei a mudar de idéia ao ler o livro de Luis da Camara Cascudo, História 

da  Alimentação  no  Brasil.  Lá  estão  várias  receitas,  fundamentais  para  ilustrar  os 

costumes descritos. Em certos trechos do livro, ao ler sobre os hábitos da alimentação, o 

leitor  fica  curioso  para  saber  o  conteúdo  dos  pratos.  E  as  receitas  estão  presentes, 

complementando um trabalho de grande qualidade. 

        Assim,  fui  percebendo  que  as  receitas  são  algo  mais  do  que  simples 

procedimentos  culinários  para  obter  pratos.  Elas  mostram  a  presença  ou  ausência  de 

ingredientes  e  variações  em  suas  quantidades.  São  diferenças  sutis  que  registram  as 

mudanças  nos  gostos  e  as  inovações  na  culinária,  com  o  passar  do  tempo.  Seguem 

características dos seus locais de origem. Retratam principalmente a disponibilidade dos 

ingredientes. Em uma região litorânea, por exemplo, haverá grande ocorrência de frutos 

do mar em seus pratos.



                                                                                              21 
A variação de ingredientes, inclusive, foi algo que motivou a confecção de uma 

das  reportagens.  A  partir  da  constatação  da  importância  das  receitas,  mudei  o  meu 

posicionamento e decidi incluí­las no trabalho. Em reunião com o professor Giovandro, 

a  minha  opinião  foi  reforçada.  O  professor  me  sugeriu  inclusive  que  a  receita  poderia 

vir  dentro  da  reportagem.  Mas,  ao  confeccionar  o  texto,  decidi  deixá­las  em  quadros 

separados, para facilitar a visualização e a leitura. 



Per fis 

           O perfil pode  focalizar apenas alguns  momentos da vida da pessoa retratada. É 

uma narrativa curta tanto na extensão (tamanho do texto) quanto no tempo de validade 

de  algumas  informações  e  interpretações  do  repórter.  (...)  É  de  natureza  autoral. 

Impossível  que  as  experiências  pessoais  de  um  repórter  não  se  confundam  com  a 
                                 14 
temática que estiver trabalhando. 

           A narrativa de um perfil não pode prescindir de todos os conceitos e técnicas de 

reportagem conhecidas, além de recursos literários e outros. Mas ela também está atada 

ao  sentimento  de  quem  participa.  (...)  Os  perfis  cumprem  um  papel  importante  que  é 

exatamente  gerar  empatias.  Empatia  é  a  preocupação  com  a  experiência  do  outro,  a 

tendência  a  tentar  sentir  o  que  sentiria  se  estivesse  nas  mesmas  situações  e 

circunstâncias experimentadas pelo personagem.  15 

           Segundo Vilas Boas, os perfis jornalísticos expressam uma trajetória sintética. O 
                                                                        16 
perfil é explicitado pela história narrada, com um passado e um presente  . 

           Apesar  da  durabilidade  menor  (comparados  com  as  biografias  em  livro),  os 

perfis  têm  grande  relevância  como  gênero  jornalístico,  mesmo  que  meses  ou  anos 



14 
    VILAS BOAS, Sérgio. Perfis: e como escrevê­los. São Paulo: Summus, 2003, p. 13. 
15 
    op. cit., p. 14 
16 
    op. cit., p. 19


                                                                                               22 
depois  da  publicação  do  texto  o  personagem  tenha  mudado  suas  opiniões,  conceitos, 
                    17 
atitudes ou estilos. 

            O fato de os atos e as reações de uma personagem deixarem transparecer, ainda 

que de  maneira  fluida, as suas características, tem enorme  importância  na estruturação 

de um perfil. É a possibilidade de descrever uma pessoa contando o que ela faz e como 

faz, permitindo a incorporação num texto descritivo de trechos narrativos. São recursos 
              18 
consideráveis. 

            Os  perfis  presentes  nesta  série  de  reportagens  não  foram  escolhidos 

aleatoriamente.  Cada  um  deles  representa  um  tipo  de  personagem  da  gastronomia 

baiana,  que  apresenta  riqueza  de  detalhes  em  seus  relatos,  ou  que  apresenta  aspectos 

inusitados, como é o caso de Manoel Barbosa, o cozinheiro que vende comida na rua. 

            Assim, o perfil de Guilherme Radel é o do estudioso, pesquisador e divulgador 

da cozinha do Estado. O de Arno Brichta é o do conhecedor, gourmet, apreciador que 

também prepara pratos. O perfil de Maria Célia é o da especialista em servir refeições. 

            A  confecção  de  perfis  foi  para  mim  um  excelente  exercício  de  jornalismo 

enriquecido  com  alguns  elementos  literários.  Deste  modo,  o  lead  desaparece.  O  texto 

pode conter diálogos e há muitas impressões do autor. 



O suporte 
            Logo  de  início,  estava  disposto  a  contratar  um  profissional  para  fazer  a 

editoração  do  trabalho.  Mas,  apesar  da  minha  pouca  experiência  no  assunto,  resolvi 

enfrentar o desafio, em vista de que poderia ser uma boa aprendizagem. Nesta atividade, 

contei  com  sugestões  do  designer  Luciano  Robatto.  Foi  utilizado  o  programa  de 

editoração Page Maker 6.5 



17 
      VILAS BOAS, Sérgio. Perfis: e como escrevê­los. São Paulo: Summus, 2003, p. 21­22 
18 
      op. cit., p. 29


                                                                                             23 
Em  minha  carreira  profissional,  até  agora, tive  oportunidade  de  fazer  trabalhos 

impressos,  house  organs,  no  ambiente  empresarial.  E  nessas  ocasiões  não  havia  verba 

para pagar um profissional de design gráfico. O jornalista tinha que fazer a editoração, 

muitas  vezes  utilizando  somente  editor  de  texto  (Word)  ou  de  apresentação  (Power 

Point). Diante desses fatos, quanto mais conhecimento e experiência o profissional tiver 

no assunto, melhor qualidade haverá no trabalho final. 

       A  maior  parte  das  fotos  foi  feita  por  mim  mesmo,  com  a  velha  e  boa  Pentax 

K1000,  companheira  de  aventuras.  Algumas  fotos  foram  cedidas  pela  fotógrafa  Vânia 

Rebelo,  de  seu  arquivo  pessoal.  Digitalizadas  em  scanner,  foram  tratadas  com  o 

programa Adobe Photoshop 6.0.




                                                                                            24 
CONCLUSÃO 

        A série de reportagens, aqui desenvolvida, aborda diversos aspectos da culinária 

baiana  que  utiliza  o  azeite­de­dendê  como  peça  indispensável.  O  trabalho  procurou 

elaborar  textos  com  um  nível  de  informações  relativamente  aprofundado.  Para  isso 

recorrendo  à  pesquisa  bibliográfica  ampliada  e  a  um  maior  número  de  fontes  que  o 

utilizado no jornalismo periódico. 

        Fazer este trabalho foi muito gratificante, foi uma grande experiência. Também 

acredito ter  colaborado  para  fazer  um  pequeno  mas  consistente  registro,  em  forma  de 

reportagem,  de  alguns  aspectos  pouco  divulgados  da  cultura  baiana  no  âmbito  da 

culinária e da alimentação. 

        Ao  confeccionar  as  reportagens,  tive  muito  cuidado  com  minhas  afirmações. 

Procurei  sempre  avaliar  se  o  que  estava  afirmando  estava  fundamentado  em 

observações ou se eram meramente opinativas. 

        Uma  das  críticas  mais  ouvidas  ao  jornalismo  diário  é  que  os  jornalistas  são 

pouco  especializados  nos  assuntos  que  abordam,  que  fazem  pesquisas  muito  rápidas 

para a confecção de matérias e reportagens. Um  dos meus objetivos com este trabalho 

foi o mergulho em um tema que é passado, presente e futuro: a gastronomia. E com este 

aprofundamento,  obter  subsídios  para  elaborar  outros  trabalhos  jornalísticos  de 

qualidade, principalmente neste mesmo assunto. 

        Outros  itens  que  podem  servir  para  futuros trabalhos  de  reportagem:  a  cozinha 

sertaneja,  a  herança  árabe  na  cozinha  do  sul  da  Bahia,  a  culinária  da  Chapada 

Diamantina, a cozinha dos derivados da mandioca, a cozinha das praias. 

        A  alimentação  é  necessidade  básica  do  ser  humano.  E  um  grande  prazer, tanto 

para  quem  gosta  de  preparar  quanto  para  quem  consome.  A  grande  maioria  dos 

periódicos  tem  a  sua  seção  de  gastronomia  inserida  nos  cadernos  culturais  de  final  de



                                                                                               25 
semana. É rara a bibliografia em português que diga algo a respeito do modo e do que 

escrever  nessas  seções.    Pelo  menos,  foi  o  detectado  em  pesquisas  na  biblioteca  da 

UFBA, na internet e consultando jornalistas que trabalham com o assunto. 

        De  forma  geral,  o  que  se  vê  nas  colunas  (ou  páginas)  de  gastronomia  são 

matérias,  entrevistas,  perfis,  reportagens,  crônicas,  notas,  críticas  ­  e  receitas. 

Abordando restaurantes, bares, pratos, chefs famosos, vegetais da época, equipamentos 

de  cozinha,  produção  de  alimentos  (a  matéria­prima  dos  pratos),  a  cozinha  das 

celebridades,  lançamento  de  novos  produtos  nos  mercados,  livros  de  gastronomia, 

cardápios  de  datas  comemorativas,  eventos  de  gastronomia,  hábitos  de  alimentação, 

informações  nutricionais.  Podendo  haver  o  enfoque  de  aspectos  históricos  e  culturais 

sobre tudo isso. 

        Tenho a intenção de ampliar e editar esta série de reportagens posteriormente em 

formato  de  livro.  Em  minhas  pesquisas,  verifiquei  que  grande  parte  dos  registros 

históricos de culinária e alimentação, pelo menos em sua primeira edição, foi feita por 

meio  de  livros  editados  pelo  próprio  autor, ou  por  alguma  editora  local.  É  o  caso  dos 

livros  de  Manoel  Querino,  Sodré  Vianna,  Hildegardes  Vianna  e  de  Darwin  Brandão, 

sobre  a  cozinha  baiana.  Depois,  com  a  divulgação,  alguma  grande  editora  acabou  se 

interessando, a exemplo dos livros de Hildegardes Vianna e Darwin Brandão. O velho e 

surrado caderno de receitas, quem diria, vira documento da História. 

          Este trabalho, mais do que um ponto de chegada, é o registro de um percurso. 

Por  conta  desta  série  de  reportagens,  novas  percepções  se  abriram  para  mim.  Conheci 

pessoas e tive acesso a livros de valor histórico. Ao pesquisar sobre os pratos que levam 

dendê, verifiquei que vários outros aspectos da culinária baiana merecem atenção. E que 

o jornalismo pode colaborar muito no registro desses aspectos. Espero que este trabalho




                                                                                                26 
de conclusão de curso, mais do que uma etapa final, ou mesmo um ápice, seja um ponto 

de partida para novos horizontes.




                                                                                  27 
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PARTE II 


Série de reportagens




                       30 
Presença dourada  

O azeite­de­dendê está presente na maior parte dos pratos baianos de origem africana  

“Quando estiver quase cozido e só então 
juntem o leite de coco e no finzinho 
o azeite de dendê, pouco antes de tirar do fogo. 
(Ia provar o molho a todo instante, 
gosto mais apurado ninguém tinha) 

Aí está esse prato fino, requintado, da melhor cozinha, 
Quem o fizer pode gabar­se com razão 
De ser cozinheira de mão cheia. 
Mas, se não tiver competência, é melhor não se meter 
Nem todo mundo nasce artista do fogão.” 

        A receita da  moqueca siri  mole,  feita por Dona Flor,  magistralmente registrada 

pelo  escritor  Jorge  Amado  no  livro  Dona  Flor  e  seus  dois  maridos,  dá  provas  da 

grandiosidade e do grau de importância da culinária na vida baiana. 

        A  cozinha  é  um  grande  elemento  cultural  de  um  povo.  Quanto  mais  dela  se 

conhece,  mais  se  conhece  dos  costumes  de  uma  população.  Na  Bahia,  o  caldeirão 

cultural  que  mistura  influências  portuguesas,  africanas  e  indígenas,  está  muito  bem 

representado em sua culinária. 

        No  universo  de  ingredientes  dos  pratos  da  cozinha  baiana,  e  sua  vertente  mais 

famosa,  a  cozinha  de  origem  africana,  chamada  de  afro­brasileira  ou  afro­baiana, 

emerge  a  importância  do  azeite­de­dendê.  Mais  do  que  um  componente  dos  pratos,  o 

dendê é uma das marcas mais importantes da cultura baiana. 

        Extraído do fruto da palmeira Elais Guineensis, de origem africana, o azeite­de­ 

dendê,  também  chamado  simplesmente  de  dendê,  incorporou­se  à  cultura  baiana.  As 

receitas  herdadas  dos  escravos  negros  transcendem  os  limites  do  Estado  e  passam  a 

fazer  papel  de  pratos típicos  do  país.  As  moquecas  e  o  vatapá  são  conhecidos  fora  do 

Brasil  como  “pratos brasileiros”, ainda que  não sejam pratos consumidos por todos os 

habitantes do país.



                                                                                               31 
A fama é uma amostra da importância da cozinha baiana. A princípio regional, 

típica somente de um Estado do país, torna­se significativa, talvez a mais representativa, 

da  cozinha  brasileira.  Em  eventos  internacionais  de  gastronomia,  as  cozinheiras  do 

dendê são sempre convidadas a representar o Brasil. 

       O  óleo  dourado  do  dendê  é  componente  essencial  dos  pratos  da  cozinha  afro­ 

brasileira. É nele que é frito o acarajé, exalando um aroma que invade os fins de tarde 

da Bahia. É ele que é adicionado à massa do abará, para fornecer a bela cor amarelada. 

Do amarelo pálido ao dourado quase vermelho, o dendê alegra olhos e paladares. 

       O  dendê  está  na  base  da  cozinha  baiana  de  origem  africana.  “Contam­se  nos 

dedos pratos afro­baianos que não levam azeite­de­dendê”, diz o engenheiro e professor 

aposentado  Guilherme  Radel,  estudioso  de  gastronomia,  com  livro  publicado  sobre  a 

cozinha  baiana.  Segundo  o  antropólogo  Vivaldo  da  Costa  Lima,  estudioso  da  cultura 

baiana,  “até  mesmo  aqueles  pratos  que  não  levam  ou  não  ‘pegam’  azeite­de­dendê, 

estão com ele comprometidos”. 

       Em Salvador, os pratos feitos com dendê  são consumidos em todos os  lugares. 

Nos  mercados,  nas  praças,  ruas,  nas  residências  ricas  e  nas  mais  modestas,  nos 

restaurantes turísticos. Em datas sagradas e dias comuns, especialmente na sexta­feira. 

A  comida  feita com dendê é  vistosa, colorida e  bela. Tem apelo turístico e é utilizada 

como  principal  atrativo  gastronômico  no  Estado.  Mesmo  assim,  o  dendê  não  é 

unanimidade em todas as regiões da Bahia. “Está presente em Salvador, no Recôncavo 

Baiano e no litoral do Estado”, diz Guilherme Radel 

       A  jornalista  Heloísa  Sampaio,  gourmet  e  cronista  de  gastronomia,  chama  a 

cozinha baiana de “culinária do ouro”, em razão da bela cor que os pratos adquirem. Ela 

lembra  que,  nos  locais  onde  o  dendê  é  encontrado  com  facilidade,  o  ingrediente  é




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utilizado em uma grande quantidade de pratos. “Na Bahia, região do Baixo Sul, ali por 

Valença, faz­se tudo com dendê. É ingrediente fácil, disponível”, diz. 

          À  primeira  vista,  para  aqueles  que  visitam  a  Bahia,  parece  que  o  dendê  é  uma 

rotina  na  cozinha  baiana.  No  entanto, os  pratos  feitos  com  dendê  não  são  consumidos 

diariamente. “Na Bahia não se come moqueca, caruru, vatapá ao almoço de todo dia”, 

escreveu  o  folclorista  Luis  da  Camara  Cascudo,  no  livro  História  da  Alimentação  do 

Brasil.  Para  ele,  é  o  que  se  costuma  chamar  de  “comida  de  festa”,  consumida  em 

ocasiões  especiais.  “Como  acontece  quando  há  hóspedes  e  convidados  para  refeições 

domésticas. Arranja­se um cardápio especial, meticuloso, fora de todo o dia”, escreveu. 

          O antropólogo Vivaldo da Costa Lima confirma  a observação. “Mas a  ‘comida 

de  azeite’  não  é,  para  o  baiano,  a  cozinha  de  todo­dia.  É  uma  comida  requintada,  de 

ingredientes  nem  sempre  fáceis  de  encontrar,  demorada  no  fazer  e,  portanto,  uma 

comida dispendiosa”, registrou. 

          As  comidas  feitas  com  dendê  mais  conhecidas  são  as  moquecas,  o  caruru, 

vatapá, o acarajé, o abará, xinxim de galinha, farofa, feijão fradinho, bobó de camarão. 

São  os  pratos  consumidos  com  mais  freqüência  nos  restaurantes  típicos  e  nas 

residências baianas. 

Elais Guineensis 

          A  palmeira  chamada  de  dendezeiro  ou  dendê  não  existia  no  Brasil.  A  Elais 

Guineensis é originária da  África Ocidental. Do fruto da palmeira – também chamado 

de dendê ­ se  extrai o óleo chamado de azeite­de­dendê, ou, simplesmente, dendê. No 

passado, costumava­se chamá­lo também de azeite de cheiro. Para obtê­lo, é necessário 

fazer  o  cozimento  dos  frutos,  espremendo­o  em  seguida.  Depois,  separa­se  o  óleo  da 

água e coloca­se o azeite para cozinhar até fazer evaporar toda a água e restar o líquido 

oleoso.



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É  na  Bahia,  na  região  que  vai  de  Salvador  a Ilhéus,  que o  dendê  é  extraído  de 

forma quase artesanal. É cozido em grandes tachos de ferro e depois espremido por uma 

imensa roda de pedra, puxada por tração animal. É este o chamado azeite de roldão. O 

azeite­de­dendê,  extraído  dessa  forma  é  encontrado  nas  feiras  livres,  e  colocado  em 

garrafas de vidro e arrolhado. Há algumas indústrias modernas de extração do azeite­de­ 

dendê. Nos supermercados, o azeite industrializado é facilmente encontrado. 

       Os  conhecedores  dizem  que  o  bom  dendê  é  aquele  que  fica  dividido  em  duas 

partes.  Uma  parte  de  sólidos,  que  se  deposita  no  fundo  da  garrafa,  é  chamada  de 

“bambá”.  A  outra  parte,  conhecida  como  “flor”,  é  o  óleo  propriamente  dito,  que  se 

solidifica no frio e fica líquido ao ser aquecido.




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Tradição e modernidade 

Pratos feitos com dendê conservam tradições e ensaiam algumas inovações 

        Rio de Janeiro, Pernambuco, Minas Gerais e São Paulo são Estados que também 

receberam escravos negros africanos. Mas somente na Bahia, a herança negra conseguiu 

notoriedade para sua culinária. Em nenhuma outra região do Brasil, a cozinha conservou 

as características que possuem os pratos da culinária baiana. 

        Segundo  o  folclorista  Camara  Cascudo,  em  Salvador  ficou  uma  concentração 

negra mais homogênea, possibilitando a “defesa das velhas comidas africanas”, mais do 

que  em  outros  locais.  Uma  das  razões  para  isso,  seria  por  causa  “dos  candomblés,  do 

culto  jeje­nagô,  que  a  cozinha  pôde  manter  os  elementos  primários  de  sua 

sobrevivência”.  O  termo  candomblé  designa  grupos  religiosos  caracterizados  por  um 

sistema de crenças em divindades chamadas de santos ou orixás. 

        Com  a  chegada  da  mão  de  obra  escrava  no  Brasil,  a  “presença  da  cozinheira 

negra  na  cozinha  era  considerada  indispensável  e  absolutamente  normal”,  segundo 

Camara Cascudo. “À cor e à força da culinária africana, foram acrescidos os elementos 

indígenas  e  portugueses,  transformando  a  gastronomia  baiana  e  brasileira,  numa 

expressão única de arte e sabor”. 

        Os pratos chegaram  e  foram  mantidos com a dedicação dos pratos às tradições 

religiosas dos escravos. Segundo o antropólogo Vivaldo da Costa Lima, é a cozinha que 

se  formou principalmente com a comida dos africanos dos grupos étnicos  nagô e  jeje, 

que predominaram na Bahia do século XIX, e criaram o modelo ritual dos candomblés. 

“É  precisamente  nos  terreiros  de  candomblé  onde  se  encontram  as  iguarias  originais 

africanas”, registrou.




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Da dedicação aos orixás do candomblé às  mesas  da população, os pratos feitos 

com  o  azeite­de­dendê  são  sempre  bem  recebidos.  Há  sempre  o  clima  festivo  de 

celebração – e de comilança. 

Vatapá 

        O vatapá é uma espécie de creme ou purê, de consistência pastosa, a meio termo 

entre  mole  e  duro.  Pode  ser  feito  de  feito  de  farinha  de  trigo,  farinha  de  mandioca  ou 

pão  dormido.  É  temperado  com  cebola,  alho,  tomate,  coentro,  cebolinha  e  gengibre, 

além  de  amendoim  e  castanha.  Os  dois  últimos  torrados  e  moídos.  E  dendê  e  leite  de 

coco,  é  claro.  Pode  haver  um  pouco  de  camarão  seco  na  massa.  O  vatapá  não  tem 

origem  africana.  É  uma  invenção  brasileira.  Representante  nacional  do  esplendor  da 

cozinha baiana. 

        Os  africanos  desconhecem  a  palavra  vatapá,  segundo  Câmara  Cascudo.  “Na 

culinária, como em outras manifestações culturais africanas no Brasil, está ocorrendo o 

fenômeno  de  torna­viagem.  Quitutes  africanos  voltam  à  África  como  se  dali  não 

tivessem  nascido, voltam  brasileiros”. Câmara Cascudo viu  na  África pratos que, aqui 

chamados de africanos, são conhecidos por lá como brasileiros. 

        O  vatapá acompanha  moquecas e o xinxim de galinha. É servido sempre  junto 

com arroz branco e também caruru. Está sempre  presente no tabuleiro dos vendedores 

de acarajé e abará, que utilizam o vatapá como recheio dos bolinhos de feijão. 

        Há  algumas  variações  do  vatapá,  como  no  caso  em  que  a  ele  é  adicionado 

bacalhau desfiado. Nesse caso, serve como prato principal. Nos livros de receitas mais 

antigos, há registros do vatapá feito com galinha. Essa  versão é pouco conhecida  hoje 

em dia. 

        O jornalista Darwin Brandão, que na década de 40 publicou em Salvador o livro 

A Cozinha Baiana , inspirado no vatapá, afirmou: “Temos portanto aí a comida africana



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da  Bahia,  já  nacionalizada,  resultante  da  matriz  negra  com  as  influências  naturais  do 

índio e do português. A mais famosa cozinha do Brasil, a de maior caráter”. 

Caruru 

        O caruru é um prato feito com quiabo cortado e cozido, a que se adicionam os 

temperos  e  o  azeite­de­dendê.  Na  Bahia,  quando  se  fala  em  caruru,  pode  haver  três 

sentidos. O caruru é o prato, propriamente dito, feito com quiabos e dendê. Pode ser a 

refeição inteira, também chamada de “caruru completo”, que inclui o caruru junto com 

vatapá, xinxim de galinha, arroz branco, farofa de dendê, feijão fradinho refogado com 

dendê, feijão preto, acarajé, abará, banana­da­terra frita, milho branco, pipoca, inhame, 

rapadura e rolete de cana. 

        O  caruru  também  pode  ser  o  evento  em  que  a  refeição  é  servida  para  grande 

quantidade  de  pessoas,  sempre  gratuitamente,  pois  é  ofertado  aos  comensais  como 

pagamento de alguma promessa. As pessoas costumam dizer: “Vai ter um caruru em tal 

lugar”.  E  isso  acontece  em  vários  locais,  das  casas  pobres  às  residências  abastadas, 

passando por associações de trabalhadores, empresas e organizações públicas. 

        Convencionou­se  calcular  10  quiabos  por  cada  prato  de  caruru,  na  preparação. 

As  demais  porções  são  proporcionais  a  este  número.  Por  isso,  é  costume  falar­se  em 

“caruru de 1.000 quiabos”, por exemplo. 

        A tradição de servir caruru tem origem  no candomblé. “Impossível  não desejar 

um convite especial  no  mês de setembro para comer o banquete  feito em  homenagem 

aos  santos  gêmeos  Cosme  e  Damião,  sincretizados  com  os  ibejis  orixás”,  escreveu 

Camara  Cascudo.  Ibejis  são  orixás,  deuses  africanos.  A  data  de  comemoração  de  São 

Cosme e São Damião é 27 de setembro. 

        O caruru completo é oferecido nessa ocasião e servido em  forma especial. Nos 

lugares  mais  tradicionais,  principalmente  com  ligação  com  o  candomblé,  é  servido



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primeiro  às  crianças.  Depois  é  que  os  adultos  têm  acesso  à  refeição.  Mas  o  caruru 

também  é  servido  sem  exigências  rituais,  em  eventos  comemorativos  para  grande 

quantidade de pessoas. 

        Há  uma  tradição  que  recomenda  que  na  panela  do  caruru  sejam  colocados 

quiabos  pequenos  inteiros.  A  pessoa  que  recebeu  em  seu  prato  pelo  menos  um  dos 

quiabos terá por obrigação que dar um caruru completo no ano seguinte, ou pagar uma 

promessa exigida pelos santos. 

        Se  os  carurus  são  servidos  a  partir  de  setembro,  por  pessoas  que  pagam  as 

promessas  religiosas,  em  dezembro,  em  torno  do  dia  4,  data  de  Santa  Bárbara, 

sincretizada  com  o  orixá  Iansã,  também  há  oferta  da  iguaria,  por  pagamento  de 

promessas. São as épocas em que os baianos correm atrás dos carurus. Seja preparando 

ou em busca da chamada “boca­livre”, ou seja, da refeição gratuita. 

        Um  pouco  antes  da  homenagem  aos  santos  de  setembro,  é  servido  um  grande 

caruru, que movimenta a cidade de Cachoeira, no Recôncavo Bahiano, durante a festa 

da Irmandade da Boa Morte, que ocorre no dia 15 de agosto. 

        Desde 1997, o Sindicato dos Bancários da Bahia  promove um  caruru, servindo 

em torno de 1.000 pratos, próximo à sede da associação, na Avenida Sete de Setembro, 

no centro de Salvador. Setembro é o mês da data­base do acordo salarial dos bancários. 

De  início,  o  caruru  foi  servido  para  “abrir  os  caminhos”  da  negociação.  Desde  então, 

virou tradição. As refeições são distribuídas gratuitamente, atraindo uma grande fila de 

comensais. 

        Há  um  outro  prato,  chamado  de  efó,  bem  semelhante  ao  caruru.  Só  que  desta 

vez, em lugar do quiabo, utiliza­se a erva língua de vaca. O efó não tem a fama, nem é 

tão freqüente na mesa dos baianos quanto o caruru. 

Moquecas



                                                                                              38 
A moqueca, de peixe ou mariscos, é uma espécie de guisado ou ensopado, com 

cebola,  alho,  tomate,  pimentão,  temperos  verdes,  em  que  são  adicionados  azeite­de­ 

dendê e leite de coco. Parece simples de fazer, mas implica em conhecimento e técnicas. 

É uma criação brasileira, que tem origem no cozimento e na adição de temperos e dendê 

ao  peixe  moqueado,  seco,  preparado  pelos  índios.  Para  moquear  o  peixe,  é  necessário 

colocá­lo  sobre  varas  de  madeira,  e  secá­lo  a  certa  distância  de  um  braseiro,  que 

possibilite o cozimento parcial. 

        Para  preparar  a  moqueca,  é  ideal  utilizar  em  panela  de  barro  larga  e  rasa, 

semelhante a uma caçarola, o que possibilita cozinhar e servir no mesmo recipiente. E 

levar o prato ainda borbulhante à mesa, causando festa aos olhos e ao olfato. Para logo 

em seguida agradar ao paladar. 

        A  moqueca  é  normalmente  feita  de  frutos  do  mar,  mas  o  baiano  costuma 

também prepará­la com charque, ovos, vegetais ou aproveitando sobras de comida. É o 

caso  do  prato  “roupa  velha”,  que  utiliza  a  carne  assada  do  dia  anterior.  Desfia­se  a 

carne,  adiciona­se  temperos  e  azeite­de­dendê.  Outro  prato  conhecido,  principalmente 

na região de Valença, é a moqueca de feijão, feita com sobras de feijoada. (Ver receita 

no box) 

        A moqueca existe em outros Estados do país, a exemplo do Espírito Santo. Em 

lugar  do  azeite­de­dendê,  a  moqueca  capixaba  leva  colorau,  condimento  que  tem  por 

base o pó de urucum, que confere cor avermelhada ao prato. 

Bobó de camarão 

        O  saboroso  resultado  de  ingrediente  caro  ­  o  camarão­,  unido  com  a  textura 

suave do purê de aipim, talvez seja o motivo pelo qual o prato alcançou certa distinção 

de  fama  e  refinamento.  É  utilizado  em  almoços  e  jantares,  muitas  vezes  como  prato




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principal,  servido  em  panelas  aquecidas  –  os  rechauds  ­  e  acompanhado  somente  de 

arroz branco. 

       O  bobó  original,  proveniente  das  receitas  africanas,  era  feito  com  inhame 

amassado. O inhame é nativo da África. O aipim, também chamado de mandioca doce 

ou  macaxeira,  é  ingrediente  nativo  do  Brasil.  O  bobó,  da  forma  como  servido 

atualmente,  faz  a  união  do  dendê,  de  origem  africana,  com  o  aipim,  ingrediente 

proveniente da herança alimentar indígena. 

Xinxim de galinha 

       É feito de frango temperado com limão, alho e sal, cozido com cebola, tomate, 

tempero verde e azeite­de­dendê. É semelhante à moqueca, mas leva também camarão 

seco,  amendoim,  castanha  de  caju.  O  xinxim  também  pode  ser  feito  de  bofe,  víscera 

bovina de cozimento demorado e consistência borachenta. 

       O xinxim é sempre acompanhado de caruru e vatapá. Dificilmente é encontrado 

servido como prato único, somente acompanhado de arroz e farofa, como é o caso das 

moquecas. 

Acarajé 

        É  um  bolinho  de  feijão  fradinho  moído,  com  cebola,  sal,  e  frito  no  azeite­de­ 

dendê.  É  uma  unanimidade  entre  baianos  e  turistas.  O  acarajé  é  preparado  e  vendidos 

nas ruas, praças e praias por mulheres vestidas em trajes típicos, chamadas de “baianas”. 

Atualmente  também  há  alguns  homens  vendendo.  O  acarajé  tem  origem  africana,  nos 

terreiros de candomblé. Mas atualmente também há protestantes evangélicos vendendo 

o petisco em alguns pontos da cidade. 

        A  iguaria  deve  ser  comida  ainda  quente,  quando  está  crocante.  O  acarajé  bem 

feito  tem  crosta  dourado­avermelhada  e  crocante.  O  interior  é  branco,  o  dendê  não 

penetra. Quando mais leve a massa, mais saboroso o petisco.



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Também  há  alguns  bares  e  restaurantes  que  produzem  e  vendem  o  acarajé  em 

grande escala. O cliente senta­se em mesas e, enquanto toma alguma bebida, saboreia o 

acarajé. Do mesmo modo, nas baianas instaladas nas ruas, calçadas e praias, os clientes 

compram  o  acarajé  e  procuram  algum  bar  das  redondezas  para  apreciar  calmamente  a 

iguaria, acompanhada de alguma bebida. Sair para comer acarajé é uma das atividades 

favoritas dos baianos e turistas de Salvador. 

Abará 

       O abará tem a mesma receita do acarajé, com a adição de azeite­de­dendê e leite 

de coco à massa. Às vezes também leva camarão seco moído. O abará é envolvido em 

folha  de  bananeira  e  cozido  no  vapor  ou  na  água  fervente.  A  folha  de  bananeira  é 

dobrada, dando forma de pirâmide ao embrulho da massa. As baianas típicas já trazem o 

abará cozido de casa ou terminam de cozinhar na rua, no vapor. A embalagem na folha 

de bananeira ajuda a conservar a temperatura e dá sabor especial ao quitute. 

       O abará é menos famoso que o acarajé, mas tem boa vendagem. Além da possui 

textura mais macia que o acarajé, é especialmente procurado por quem procura evitar as 

frituras. Para serví­lo, retira­se a folha de bananeira. O abará é partido ao meio e a ele é 

adicionado o recheio desejado pelo consumidor. 

Farofa de dendê 

       Também  chamada  de  farofa  amarela,  pela  coloração  dada  pelo  dendê. 

Representa a miscigenação de culturas, pois é a união da mandioca, nativa do Brasil e 

alimento  originalmente  dos  indígenas,  com  o  azeite­de­dendê,  de  origem  africana.  A 

farofa de dendê significa o entrelaçamento da cultura africana e da indígena. 

       Para  prepará­la,  acrescenta­se  cebola  picada  ao  dendê.  Refoga­se  e  depois 

adiciona­se a farinha e o sal a gosto. Mexe­se sem parar para misturar tudo, ficar toda 

por igual e torrada. Simples e fácil de fazer.



                                                                                            41 
Box 

Moqueca de Feijão 
(Receita de Guilherme Radel) 

 Ingredientes 
Sobra de feijoada do dia anterior 
1 cebola picada 
tempero verde (coentro, cebolinha) 
4 colheres de camarão seco 
sal 
1 xícara de azeite­de­dendê 
1 tomate em rodelas 
1 cebola em rodelas 

Preparo 
Separe as carnes dos caroços de feijão. 
Soque os temperos, com exceção do tomate e da cebola em rodelas, em pouquíssimo 
sal. Aqueça numa caçarola metade da xícara do azeite­de­dendê. 
Refogue os temperos no dendê, mexendo bem. Junte as carnes ao refogado e continue 
mexendo. 
Junte o feijão, ponha água aquecida e continue mexendo. Quando o conjunto ferver, 
ponha o tomate em rodelas, a cebola em rodelas e o resto do azeite­de­ dendê e ponha 1 
copo de água aquecida. Tampe a panela e desligue o fogo após 10 minutos.




                                                                                    42 
Dendê popular  

Nas ruas e feiras, pratos que levam dendê  têm preços para bolsos de vários tamanhos 

        Na  década  de  20  do  século  XX,  a  Bahia  já  era  conhecida  como  a  Terra  do 

Vatapá. Mas nas feiras e mercados de Salvador, não era comum encontrar nem o vatapá 

nem  o  caruru.  Os  petiscos  populares  eram  o  acarajé  e  o  acaçá,  um  bolinho  feito  de 

milho,  pouco  encontrado  hoje  em  dia.  “Via­se  feijão  mulatinho  fervendo  e  saboreado 

em  pratos  de  alumínio,  com  farinha  de  mandioca,  carne  ou  peixe  assado  em  postas  e 

molho de pimenta”. É o que conta o folclorista e historiador Luiz da Câmara Cascudo, 

em História da alimentação no Brasil. Segundo o autor, os freqüentadores do Mercado 

Modelo  e  da  feira  de  Água  de  Meninos  preferiam  “comida  portátil”,  a  qual  podiam 

comer enquanto iam andando. 

       A feira de Água de Meninos hoje se chama Feira de São Joaquim. Está situada 

na  Cidade  Baixa,  em  Salvador.  É  lá  que  fica  o  bar  e  restaurante  São  Joaquim,  de 

propriedade de Antônio Carlos de Souza, 54 anos, ex­funcionário público e há dois anos 

estabelecido  no  local.  O  restaurante  está  situado  em  um  box  da  feira,  em  meio  à 

movimentação dos feirantes e consumidores. O cliente senta­se em uma banqueta alta e 

almoça no balcão. A chamada “comida baiana”, com azeite­de­ dendê, só é encontrada 

na sexta­feira. 

       Por  comida  baiana  entende­se  ali  o  prato  composto  de  caruru,  vatapá,  arroz, 

feijão fradinho e xinxim de galinha ou moqueca de peixe. Vendido por R$ 5,00, o prato 

tem  grande  procura.  Nos  outros  dias  da  semana,  “seu”  Antônio  Carlos  vende  galinha 

assada  e  cozida,  assado  de  boi  e  bife.  Na  sexta  e  sábado  tem  mocotó  e  rabada.  O 

domingo é o dia da feijoada. Engana­se quem pensa que a refeição mais procurada é a 

que leva dendê. “O prato mais vendido é o mocotó”, conta o dono do restaurante.   “Mas 

o meu preferido é a feijoada”, completa.



                                                                                             43 
As comidas são preparadas no próprio local, por uma cozinheira. No box em que 

fica o restaurante, há  fogão, geladeira e pia com  água corrente. Antônio Carlos Souza 

compra os ingredientes na própria feira. O almoço começa a ser preparado às 7h30 e às 

9  já  está  pronto.  A  procura  pela  refeição  começa  lá  pelas  11  da  manhã.  O  restaurante 

vende em média de 30 a 40 refeições por dia. 

        A comida feita com azeite também está disponível somente nas sextas­feiras nas 

panelas de Célia Bacelar, cozinheira e proprietária do restaurante Encontro das Águas, 

situado em um dos quiosques da Praça Marechal Floriano, no Comércio, em Salvador. 

        O  olhar  simpático  da  baiana  negra  corpulenta,  nascida  no  bairro  da  Liberdade, 

em  Salvador,  deixa  transparecer  um  tanto  de  timidez,  que  fica  mais  clara  com  a 

economia de palavras, durante a entrevista. A concentração durante o preparo, enquanto 

mexe o vatapá também não deixa a cozinheira livre para conversar à vontade. Célia está 

no local desde abril de 2003. Ela é ex­funcionária da Embasa e desligou­se em um plano 

de demissão voluntária. 

        Entre  os  restaurantes  situados  na  praça,  o  de  Célia  é  o  único  que  anuncia 

“comida  baiana”.  Mais  uma  vez,  é  o  caruru  completo  que  está  disponível.  O  prato  é 

composto  de  caruru,  vatapá,  arroz  branco,  feijão  fradinho  –  temperado  com  camarão, 

coentro, cebola e dendê ­ e moqueca de peixe. O prato feito custa R$ 3,50 e o almoço 

executivo,  para  duas  pessoas,  custa  6  reais.  Célia  conta  que  o  prato  mais  pedido  é  a 

feijoada. “A comida baiana tem boa saída, assim como o sarapatel”. 

        No cardápio da sexta­feira, acha­se  comida  baiana, sarapatel,  mocotó, feijoada. 

“É o dia em que mais se vende”, conta Célia. Nos demais dias, as opções são ensopado 

de carne, frango assado e carne do sol com pirão de leite. 

        Ainda  há  opções  mais  baratas  no  Comércio.  Por  2  reais  é  possível  comer, 

também somente nas sextas, um prato de moqueca do marisco chumbinho ou de peixe,



                                                                                                44 
acompanhada de arroz e farinha e feijão. A refeição é servida por Manoel Barbosa, 50 

anos,  aposentado,  que  instala  suas  panelas  em  uma  calçada,  próximo  a  um  armazém. 

Entre  os  clientes  do  cozinheiro  ambulante,  estão  guardadores  de  carros,  seguranças, 

trabalhadores  de  escritórios,  operários,  até  mendigos,  que  juntam  as  suas  moedas  para 

comprar o “rango”. Na sexta­feira, são duas opções de pratos: feijoada e moqueca. 

Comida do sertão 

        A  comida  baiana  não  é  barata  nem  fácil  de  ser  elaborada.  É  comida  mais 

facilmente  encontrada  em  Salvador,  na  região  do  Recôncavo  Baiano  e  nas  cidades 

litorâneas  da  Bahia.  Ao  mesmo  tempo,  é  comida  refinada,  festiva,  especial.  Não  é 

facilmente encontrada todos os dias nas ruas, à exceção da sexta­feira e dos restaurantes 

turísticos especializados. 

        A preferência do consumo popular por outros pratos tem uma explicação para o 

engenheiro  Guilherme  Radel,  estudioso  de  gastronomia  e  autor  de  livros  sobre  o 

assunto. Radel arrisca uma explicação para a preferência de outros pratos, em lugar da 

comida  baiana  de  dendê,  nas  feiras,  ruas  e  mercados  de  Salvador.  “O  pessoal  que 

trabalha nas feiras de Sete Portas e Água de Meninos é, em grande parte, proveniente do 

interior  do  Estado,  do  sertão.  Por  isso  a  preferência  é  pelo  mocotó,  pela  buchada.  A 

Feira de Sete Portas vende mais caprinos e ovinos do que em qualquer outro lugar”, diz 

        Radel conta que no Mercado Modelo, na Praça Castro Alves e nas Sete Portas, 

havia pessoas que vendiam na madrugada, de sábado para domingo, feijoada, sarapatel, 

mocotó. Comida muito consumida no interior e no sertão, e nem sempre lembrada como 

comida  baiana.  “Até recentemente havia também  uma  Kombi que vendia esses pratos. 

Abria  as  portas  e  vendia  nas  ruas.  Era  muito  procurada.  O  pessoal  gosta  muito  da 

comida do sertão”.




                                                                                               45 
Então,  apesar  do  passar  do  tempo  e  das  mudanças  nos  hábitos  alimentares,  a 

comida  feita  com  azeite­de­dendê,  mais  facilmente  encontrada,  ainda  é  o  acarajé  e  o 

abará, junto com os seus acompanhamentos – vatapá, caruru, molho de camarão, salada 

e  molho  de  pimenta  ­,  consumidos  em  forma  de  refeição.  De  certa  forma,  ainda  é  a 

“comida portátil”, na designação de Câmara Cascudo, feita com azeite­de­dendê, que é 

consumida nas ruas da Bahia. Sai a preço acessível e já está pronta para o consumo. A 

“comida portátil” transformou­se em fast­food. 

Ender eços: 

Restaurante  Encontro  das  Águas  –  Praça  Marechal  Floriano,  Comércio.  Próximo  ao 

final da Rua Miguel Calmon. 

Restaurante São Joaquim – Feira de São Joaquim,  na Avenida Oscar Pontes, Calçada. 

Logo após o Terminal São Joaquim (ferry­boat).




                                                                                            46 
Cozinha ambulante 

O cozinheiro Manoel Barbosa leva as panelas para a rua e serve refeições 

          No Comércio, em Salvador, o meio­dia vai chegando e eles vão se aproximando. 

São  guardadores  de  carro,  seguranças,  operários,  trabalhadores  daquela  região.  Até 

mendigos.  Eles  vêm  provar  a  comida  de  Manoel  Barbosa,  aposentado,  50  anos. 

Cozinheiro ambulante, camelô de refeições. 

          No final da avenida Estados Unidos, próximo à rua da Suécia, sob a sombra de 

uma árvore, na calçada de uma rua de pouco movimento, que serve de estacionamento 

de carros, uma mesa com cadeiras é colocada. As panelas ficam sobre um fogareiro logo 

ao lado, alimentado pelo gás de um botijão. Seu Manoel termina de preparar as comidas 

ali mesmo na rua. É na calçada que o feijão completa o cozimento e fica macio. 

          Uma  lona plástica preta, presa na árvore, ajuda a  impedir que as  folhas  miúdas 

caiam  nos  pratos  dos  clientes.  A  depender  da  força  e  do  sentido  do  vento,  a  estrutura 

não  tem  lá  muito  sucesso.  Alguns  clientes  são  bem  vestidos,  parecem  trabalhar  nos 

escritórios e bancos da região. Antes de provar a comida, tomam uma dose de cachaça, 

acompanhada  de  um  pedaço  de  caju.  Para  abrir  o  apetite  e  relaxar  das  tensões  do 

trabalho.  É  esse  momento  de  relax  que  falta  nos  restaurantes  fast­food,  de  comida  a 

quilo? 

          Seu  Manoel  Barbosa  mora  no  conjunto  ACM,  no  bairro  de  São  Marcos,  em 

Salvador.  Tem  cinco  filhos.  Ele  chega  no  comércio  às  6  horas  da  manhã.  Vem  de 

ônibus,  com  os  ingredientes  do  almoço  em  uma  sacola.  O  arroz  já  vem  pronto.  É 

colocado em uma bacia plástica, de onde é servido para os pratos. A bacia tem cara de 

vários anos de uso. 

          Na rua, ele termina de preparar a feijoada e a moqueca. É sexta­feira, a moqueca 

não pode faltar. Naquele dia, o prato com dendê era feito com o marisco que se chama



                                                                                                 47 
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Brasilidades bahianas 02

  • 1. DANILO SANTOS DE MENEZES  A POPULAR COZINHA BAIANA DO DENDÊ  Série de reportagens  Trabalho  de  conclusão  do  curso  de  Comunicação,  habilitação  em  Jornalismo,  da  Universidade Federal da Bahia.  Orientador : Giovandro Marcus Ferreira  Co­or ientador a: Nadja Magalhães Miranda  SALVADOR (BA)  2003
  • 3. AGRADECIMENTOS  Ao  orientador  Giovandro  Ferreira,  pelo  acompanhamento,  revisão,  dispo­  nibilidade  e  atenção.  À  co­orientadora  Nadja  Miranda,  pelas  sugestões  e  críticas  em  momentos importantes.  A  Beto,  pelo  apoio  constante.  A  Eliane  Cardoso,  pelo  carinho.  Aos  colegas  de  trabalho  do  Banco  do  Brasil  e  aos  colegas  do  curso  de  Comunicação,  especialmente  Amanda, Eliane, Luciana e Tharsila, pelo companheirismo.  A Vivaldo da Costa Lima, que me disponibilizou a sua biblioteca, e de quem me  tornei amigo. A Ericivaldo Veiga, pela atenção. A Vânia Rebelo, pelas fotos. A Luciano  Robatto, pelas dicas de editoração.  A  todos  os  entrevistados,  pela  disponibilidade  e  pelo  amor  à  arte  culinária.  A  Heloísa  Sampaio,  pelas  informações  fornecidas.  E  por  suas  crônicas  gastronômicas,  muitas sobre a região cacaueira, de onde também sou nativo.
  • 4. Comer  e comunicar são duas  funções  animais  que  o  homem  faz  com  mais  estilo  e  variedade  que  os  animais. Há quem diga que sexo também, mas nossa  espécie  não  tem  nada  parecido  com  o  ‘balé’  sexual  de certas aves, pelo que eu conheço. É por isso que o  texto  sobre  comida  nos  dá  tanto  prazer.  Estamos  celebrando a nossa superioridade sobre o hipopótamo  e ostentando duas artes que só nós temos no planeta  dos bichos, a gastronomia e a linguagem.  Luis Fernando Veríssimo
  • 5. SUMÁRIO  PARTE I – Memória descr itiva e analítica  Apresentação...................................................................................................................6  Escolha do tema...............................................................................................................7  Formato..........................................................................................................................10  Produção.........................................................................................................................14  Conclusão.......................................................................................................................25  Bibliografia.....................................................................................................................28  PARTE II – Série de reportagens  Presença dourada..........................................................................................................31  Tradição e modernidade..............................................................................................35  Dendê popular...............................................................................................................43  Cozinha ambulante.......................................................................................................47  Dendê nosso de toda sexta...........................................................................................50  Gorduras vegetais........................................................................................................53  A banqueteira do dendê...............................................................................................58  Inovações nos pratos.....................................................................................................63  Gour met do dendê........................................................................................................70  O engenheiro com um pé na cozinha..........................................................................74
  • 7. APRESENTAÇÃO  A  presente  memória  acompanha  a  série  de  reportagens  A  popular  cozinha  baiana do dendê, que constitui requisito parcial para conclusão do curso de graduação  em  Comunicação,  habilitação  em  Jornalismo,  da  Universidade  Federal  da  Bahia.  Este  trabalho de reportagem aborda basicamente a presença majestosa do azeite­de­dendê na  culinária  baiana,  e  diversos  aspectos  envolvidos,  a  exemplo  de  origens,  tradições,  utilizações e inovações nos pratos que utilizam esse ingrediente. O olhar sobre a cozinha  baiana deu­se a partir de pessoas que estudam, preparam e que apreciam os pratos feitos  com azeite­de­dendê. 6 
  • 8. ESCOLHA DO TEMA  Na época do meu anteprojeto, pensado enquanto cursava a disciplina Elaboração  de Projeto em Comunicação, com a professora Maria Carmem Jacob, imaginei abordar  a gastronomia, tendo­se em conta o que é veiculado nas colunas de jornais, baianos e de  outros  Estados.  Da  gastronomia  em  geral,  o  meu  interesse  passou  a  enfocar  a  gastronomia  na  Bahia,  até  chegar  à  culinária  e  à  apreciação  dos  pratos  que  são  feitos  com azeite­de­dendê.  O  meu  interesse  pelo  tema  parte  do  prazer  de  degustar  uma  boa  refeição.  Motivado  pela  fome,  eu  me  dedico  eventualmente  à  preparação  de  alguns  pratos  e  à  peregrinação a restaurantes, em busca de novos sabores. Passando, eventualmente, pela  leitura  de  revistas,  jornais  e  livros  sobre  culinária  e  gastronomia.    Na  Faculdade  de  Comunicação da UFBA, elaborei um site sobre acarajé, durante a disciplina Oficina de  Comunicação Audiovisual, do curso de Jornalismo.  De  início,  a  gastronomia  significava  “estudo  ou  observância  das  leis  do  estômago”. Hoje está relacionada aos preceitos de comer e beber bem, mais por prazer  do  que  por  necessidade,  e  à  arte  de  preparar  iguarias  para  obter  delas  o  máximo  de  deleite,  tornando­as  mais  digestivas.  Gastronomia,  portanto,  é  a  arte  de  cozinhar  e  apreciar a boa comida. A arte de cozinhar também é chamada de culinária.  A  culinária  brasileira  é  bastante  variada,  por  sua  geografia  e  formação  étnica,  basicamente  indígena, africana e portuguesa. A  cozinha  baiana é, entre as de todos os  Estados,  talvez  o  maior  espelho  dessa  mistura  de  influências.  Os  pratos  de  origem  africana são, sem dúvida, os mais famosos da Bahia. Ainda que existam outras heranças  importantes,  receitas  consumidas  até  com  mais  freqüência  no  dia­a­dia  dos  baianos. 7 
  • 9. Nesse  caso,  o  grande  exemplo  é  a  cozinha  sertaneja,  formada  em  sua  maior  parte  de  pratos de origem portuguesa, com influência da cozinha indígena.  A gastronomia vai além da preparação e degustação de pratos: envolve a crítica  e  pressupõe  conhecimentos  teóricos  e  práticos,  que  permitem  avaliar  os  resultados  obtidos.  Isso  ficou  mais  claro  para  mim  ao  ler  livros  e  as  seções  de  gastronomia  de  jornais  impressos  de  outros  locais.  Análises  e  matérias  com  nível  de  aprofundamento  maior do que o encontrado nos jornais da Bahia e de outros Estados brasileiros.  Por  aqui  existem  poucos  os  profissionais  da  comunicação  que  se  dedicam  à  gastronomia. Há pouco espaço dispensado ao assunto, em termos de número de colunas  e  páginas.    Falta  esmiuçar,  dar  mais  informações,  mais  detalhes.  Olhando  de  forma  rápida  os  cadernos  de  finais  de  semana,  nota­se  que  o  jornal  A  Tarde  resume­se  a  receitas e um texto curto na coluna Comes e Bebes. O Correio da Bahia vai um pouco  adiante,  disponibiliza  página  inteira,  trazendo  matérias  de  culinária  com  referência  a  datas  comemorativas  (dia  dos  pais,  das  mães,  dos  namorados),  tipos  de  culinária  (natural,  light, macrobiótica), de diferentes nacionalidades (chinesa,  italiana,  francesa),  mas todas com textos curtos, cujo foco também acaba recaindo sobre as receitas. Falta  contextualizar e imprimir impressões críticas e detalhadas dos resultados dos pratos.  Uma  opção  mais  recente  produzida  na  Bahia  é  o  blog  (site)    Tara  do  Prato  (  www.taradoprato.weblogger.com.br), publicado na internet, produzido pelas jornalistas  Heloísa  Sampaio  e  Majorie  Moura,  com  crônicas,  receitas  e  notícias  sobre  a  gastronomia    no  Estado.  Heloísa,  ou  Helô,  é  cronista  de  gastronomia  e  possui  livro  publicado sobre o assunto, intitulado Bem comida .  Na bibliografia da cozinha baiana, a maior parte dos títulos é composta de livros  de  receitas.  Entre  algumas  exceções:  o  livro  A  cozinha  baiana,  do  jornalista  Darwin  Brandão,  publicado  em  1948,  e  A  cozinha  baiana:  seu  folclore,  suas  receitas,  de 8 
  • 10. Hildergardes  Vianna,  publicado  em  1955.  O  primeiro  é  uma  grande  reportagem,  publicada em forma de livro. Mesmo assim, a metade do total de páginas é composta de  receitas.  O  segundo  trabalho,  da  professora  e  folclorista  Hildegardes  Vianna,  possui  anotações  valiosas  a  respeito  dos  costumes  baianos  da  década  de  50.  Mas  também  a  maior parte do conteúdo é de receitas.  O antropólogo Vivaldo Costa Lima deu grande colaboração à cultura baiana ao  publicar o artigo Etnocenologia e etnoculinária do acarajé. O texto é a mais importante  referência  em  termos  de  análise  do  “fenômeno  cultural”  acarajé.  E,  por  conseqüência,  da  cozinha  baiana  atual.  O  antropólogo  promete  para  breve  a  publicação  de  um  livro,  totalmente dedicado à iguaria. O livro terá o título O acarajé e o sonho.  A  tese  de  doutorado  A  cozinha  baiana  do  restaurante  escola  do  Senac  do  Pelourinho  ­  Bahia:  mudança  de  contexto  e  atores,  do  antropólogo  Ericivaldo  Veiga,  professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) é também um excelente  registro  da  cultura  baiana.  Mas  o  foco  do  trabalho  é  o  restaurante  e  escola,  não  é  a  alimentação.  O engenheiro Guilherme Radel também deu grande colaboração para o registro  da  cozinha  da  Bahia.  O  livro  A  Cozinha  Sertaneja  da  Bahia ,  publicado  em  2002,  também traz  muitas receitas e  boas observações, ainda que  breves, sobre a cozinha do  Estado.  A  partir  da  percepção  de  que  há  certa  lacuna  a  ser  preenchida,  sobre  a  atualização  de  um  assunto  que  vem  despertando  o  interesse  dos  leitores,  imaginei  em  dar uma pequena colaboração para o registro histórico­cultural da cozinha do azeite­de­  dendê,  praticada  na  Bahia.  Pensei  em  produzir  uma  série  de  reportagens,  editada  na  forma de um caderno especial para ser incluído em jornal impresso. 9 
  • 11. FORMATO ­ Série de reportagens (grande­r eportagem)  Noticiar é tornar público um fato, buscando responder as questões o que, quem,  quando, como, onde e por quê. Para diminuir a superficialidade da notícia, fornecendo  para  o  receptor  compreensão  de  maior  alcance,  surge  a  modalidade  de  mensagem  jornalística  chamada  de  reportagem,  que  é  a  ampliação  do  relato  simples  para  a  dimensão contextual.  A grande­reportagem é o formato que apresenta maior amplitude, possibilitando  mergulho  nos  fatos  e  em  seu  contexto,  oferecendo  a  seu  autor  ou  atores,  uma  dose  considerável  de  liberdade  para  escapar  da  fórmula  convencional  do  tratamento  da  1  notícia  .  Segundo  Lima,  uma  das  formas  de  expressão  da  grande­reportagem  é  o  jornalismo  interpretativo,  que  busca  não  deixar  a  audiência  desprovida  de  meios  para  compreender  o  seu  tempo,  as  causas  e  as  origens  dos  fenômenos  que  presencia,  suas  conseqüências no futuro. Procura elucidar os aspectos da realidade que não estão muito  2  claros  .  Para tanto, são necessários alguns ingredientes:  ­ O contexto do fato nuclear, quando se trata de um tema mais duradouro e que  não reflita apenas uma ocorrência menor, isolada;  ­  Os  antecedentes,  para  resgatar  no  tempo  as  origens  do  problema;  o  suporte  especializado,  através  de  enquete,  pesquisa  de  opinião  pública  ou  entrevistas  com  especialistas  e  testemunhas  do  assunto  em  questão,  para  dar  a  sustentação  que  evita  a  informação oca;  1  LIMA, Edvaldo. Páginas ampliadas: o livro­reportagem como extensão do jornalismo e da literatura.  Campinas (SP): Editora da Unicamp, 1993, p. 24.  2  Op. cit., p.25 10 
  • 12. ­  A  projeção,  visando  inferir  do  presente  e  do  passado  os  desdobramentos  do  caso, suas conseqüências possíveis, seu alcance futuro;  ­  O  perfil,  que  é  o  lado  de  humanização  da  reportagem,  que  busca  emocionar,  junto com a elucidação racional.  Tudo isso voltado para uma abordagem multiangular, para uma compreensão da  realidade que ultrapassa o enfoque linear, ganhando contornos sistêmicos no esforço de  estabelecer  relações  entre  as  causas  e  as  conseqüências  de  um  problema  3  contemporâneo.  A  reportagem  tem  as  características  da  predominância  da  forma  narrativa,  a  humanização  do  relato,  o  texto  de  natureza  impressionista  e  a  objetividade  dos  fatos  4  narrados.  A  grande  reportagem  colabora  para  o  aprofundamento  do  conhecimento  do  nosso tempo, diminuindo o aspecto efêmero da mensagem da atualidade praticada pelos  5  canais cotidianos da informação jornalística  . É na expectativa de encontrar explicações  e informações de ações de bastidores, que o leitor pode motivar­se ao aprofundamento  que a série de reportagens se propõe.  A série de reportagens aqui elaborada é basicamente do tipo documental (quote­  story),  cujo  relato  é  acompanhado  de  citações  que  complementam  e  esclarecem  o  assunto  tratado,  ao  mesmo  tempo  em  que  se  apóia  em  dados  que  lhe  conferem  fundamentação.  Também  foram  utilizados  o  uso  de  recursos  da  reportagem  de  fatos  6  (narração de fatos).  3  LIMA, Edvaldo. Páginas ampliadas: o livro­reportagem como extensão do jornalismo e da literatura.  Campinas (SP): Editora da Unicamp, 1993, p.26  4  SODRÉ, Muniz; FERRARI, Maria Helena. Técnica de reportagem: notas sobre a narrativa jornalística.  São Paulo: Summus Editorial, 1986, p. 15.  5  LIMA, Edvaldo. Páginas ampliadas: o livro­reportagem como extensão do jornalismo e da literatura.  Campinas (SP): Editora da Unicamp, 1993, p. 16.  6  op. cit., p. 28. 11 
  • 13. Quanto à função, a série de reportagens tem as finalidades típicas do jornalismo:  serve para informar, orientar, explicar.7    Costuma  faltar  ao  profissional  da  comunicação  o  hábito  da  pesquisa  mais  apurada sobre o tema de sua pauta, antes de partir para a coleta que vai gerar a matéria.  Ou,  em  certos  casos,  falta­lhe  o  domínio  de  um  instrumental  de  lógica  que  lhe  possibilite analisar um tema com amplitude, a partir daí podendo estruturar uma pauta  abrangente, de alcance. Este trabalho acadêmico de série de reportagens pode vir ajudar  suprir essa lacuna.  Quanto  ao  vínculo  com  a  atualidade,  há  duas  categorias  de  reportagem.  Na  primeira, aproveita um fato de repercussão atual, para explorá­lo com maior alcance. Na  segunda,  não  se  limita  ao  rigorosamente  atual,  trabalhando  temas  um  pouco  mais  distantes no tempo, de modo que possa, a partir daí, trazer explicações para as origens,  8  no  passado,  das  realidades  contemporâneas  .    A  série  de  reportagens  aqui elaborada  é  coerente com o segundo tipo, ainda que ambas as características estejam interligadas.  A  série  de  reportagens  tem  a  função  de  informar  e  orientar  em  profundidade  sobre  ocorrências  sociais,  episódios  fatuais,  acontecimentos  duradouros,  situações,  idéias,  e  figuras  humanas,  de  modo  que  ofereça  ao  leitor  um  quadro  da  contemporaneidade capaz de situá­lo diante de suas múltiplas realidades, de lhe mostrar  9  o sentido, o significado do mundo contemporâneo.  A profundidade pode se dar horizontalmente – sentido extensivo ­, verticalmente  – sentido intensivo – ou numa mescla de ambos.  O  aprofundamento  é  extensivo,  ou  horizontal,  quando  o  leitor  é  brindado  com  dados,  números,  informações,  detalhes  que  ampliam  quantitativamente  sua  taxa  de  7 LIMA, Edvaldo. Páginas ampliadas: o livro­reportagem como extensão do jornalismo e da literatura.  Campinas (SP): Editora da Unicamp, 1993, p.30  8  op. cit., p.34  9  op. cit., p.37 12 
  • 14. conhecimento  do  tema.  O  aprofundamento  é  intensivo,  ou  vertical,  quando  o  leitor  é  alimentado de informações que lhe possibilitam aumentar qualitativamente sua taxa de  conhecimento.  Isto  é,  existe  uma  análise  multiangular  de  causas  e  conseqüências  ,  de  efeitos  e  desdobramentos,  de  repercussões  e  implicações.  Neste  plano,  a  grande­  reportagem, em forma de livro, vincula­se menos à edificação do tangível imediato, do  10  concreto, e mais à tecedura do sutil, do que está por materializar­se.  No  primeiro  caso,  o  número  e  a  qualidade  dos  detalhamentos  enriquecem  a  narrativa  para  um  grau  de  informação  idealmente  superior  ao  dos  veículos  cotidianos.  No  segundo,  a  verticalização  solidifica  a  real  compreensão  do  tema  e  de  sua  precisa  inserção no contexto contemporâneo.  O  jornalismo  aprofundado  passa  pela  pesquisa  histórica.  É  a  forma  de  contextualizar.  Segundo  Lima,  o  sentido  –  ou  seja,  o  rumo,  a  direção  –  de  um  acontecimento manifesta­se no tempo presente, como efeito do passado, como evolução  para  o  futuro,  e  seu  significado  –  o  que  representa  e  para  quem –  só  pode  ser  obtido  11  quando identificadas as relações que estabelece com os demais níveis hierárquicos  .  10  LIMA, Edvaldo. Páginas ampliadas: o livro­reportagem como extensão do jornalismo e da literatura.  Campinas (SP): Editora da Unicamp, 1993, p.37  11  op. cit., p.239 13 
  • 15. PRODUÇÃO  Iniciei  a  pesquisa  em  outubro  de  2002,  após  a  definição  do tema  na  disciplina  Elaboração  de  Projeto.  Por  sugestão  da  professora  Heloísa  Sampaio,  fui  em  busca  do  antropólogo Vivaldo da Costa Lima, professor Emérito da UFBA, hoje aposentado. De  início, Vivaldo mostrou­se resistente a dar entrevistas. Mas, depois de alguns encontros,  pediu  uma  cópia  do  meu  projeto  para  ler  e  me  convidou  a  freqüentar  a  sua  ampla  biblioteca de gastronomia. Foi uma grande oportunidade de trabalho.  A  biblioteca  do  antropólogo  possui  textos  raros  da  cozinha  baiana  e  grande  variedade  de  títulos  da  gastronomia  internacional.  Quanto  estava  na  ativa,  como  professor da UFBA, Vivaldo tentou implementar um centro de estudos de alimentação.  É interessado por gastronomia há muito tempo; e me incentivou a ler com profundidade  sobre o assunto. Passei a freqüentar a biblioteca com assiduidade.  A  fome  foi algo que  me acompanhou durante as  pesquisas. Por diversas  vezes,  ao me dedicar às leituras dos belos livros de gastronomia, deparei­me com algo mais do  que  o  apetite  pelo  conhecimento.  Era  a  fome  propriamente  dita.  Saía  da  biblioteca  do  professor Vivaldo literalmente faminto.  A  pesquisa  histórica  e  o  bom  trabalho  jornalístico  envolvem  ­  ou  deveriam  envolver ­ leituras, antes de qualquer entrevista. Por conta disso comprei livros, fui em  sebos.  Consegui  raridades.  Tive  que  fotocopiar  textos  básicos.  Entre  eles,  a  bíblia  “História da  Alimentação no Brasil”, de 925 páginas, em dois  volumes, do historiador  Luis da Camara Cascudo. É inacreditável que um  livro daquela qualidade  e amplitude  esteja esgotado e sem perspectiva de republicação. 14 
  • 16. Também  coletei  receitas  e  matérias  de  jornais.  Desde  agosto  de  2002,  venho  recolhendo  o  que  é  publicado  em  A  Tarde,  Correio  da  Bahia  e  na  Gazeta  Mercantil  sobre gastronomia.  Pautas e entrevistas  Para iniciar o trabalho, combinei com o professor Giovandro Ferreira de elaborar  pautas, o que  facilitaria o trabalho. E como elas  me  foram úteis! Sempre  lhes recorria  para elaborar as questões, toda vez que ia partir para qualquer entrevista.  A  pauta  eficiente  e  completa  deve  conter  itens  como  a  definição  precisa  do  assunto  a  ser  abordado  e  seus  objetivos,  a  formulação  dos  problemas  e  um  plano  de  captação. Esses itens dão conta, entre outras coisas, da localização precisa do assunto a  12  ser abordado e seus objetivos.  A partir do projeto do trabalho, concentrei a ação em três linhas de assuntos para  abordar  nas  entrevistas.  A  primeira,  enfocando  as  maneiras  de  comer,  verificando  costumes  alimentícios  relacionados  às  comidas  baianas  de  azeite.  O  contexto  do  consumo, os lugares, os comilões.  Na  segunda  linha,  as  maneiras  de  preparar,  observando  os  modos  de  fazer  a  comida  baiana.  A  evolução  das  técnicas,  ingredientes  e  preparo.  Novos  pratos  feitos  com o dendê e o seu parceiro inseparável, o leite de coco. A satisfação de quem prepara  a comida, o que motiva essas pessoas a trabalhar com gastronomia.  Na terceira linha de entrevistas, abordando as maneiras de divulgar, conversando  com  pessoas  que  pensam  e  divulgam  a  gastronomia.  Jornalistas,  escritores,  divulgadores, antropólogos. E estes foram fontes excelentes.  12  LIMA, Edvaldo. Páginas ampliadas: o livro­reportagem como extensão do jornalismo e da literatura.  Campinas (SP): Editora da Unicamp, 1993, p.73. 15 
  • 17. Nunca  pensei  que  o  jornalismo  desse  tanto  trabalho.  Há  muitos  obstáculos  a  serem  vencidos  durante  a  confecção  de  uma  grande  reportagem.  Da  dificuldade  de  marcar entrevistas, passando pela demorada transcrição das gravações, indo até a edição  do  texto.  Durante  o  curso  de  jornalismo,  e  de  algumas  reportagens  elaboradas  para  o  jornal Província da Bahia, tive pouco contato com o uso do gravador. Do mesmo modo,  em minhas atividades de comunicação no Banco do Brasil, que incluíram confecção de  house  organ  e  estágio  no  Núcleo  de  Comunicação  da  superintendência  estadual,  o  gravador foi algo completamente dispensável.  Nas  matérias elaboradas para a agência  interna de  notícias online do Banco do  Brasil,  um  simples  telefonema  é  suficiente  para  elaborar  uma  matéria,  que  consta  no  máximo  de  três  ou  quatro  parágrafos.  O  jornalismo  online  quase  sempre  induz  à  confecção  de  textos  noticiosos  curtos.  A  opção  pela  reportagem  como  trabalho  de  conclusão do curso de Jornalismo  foi  no  justamente  no  intuito de suprir a  carência de  experiências em elaborar textos mais aprofundados.  O  gravador  parece  ser  uma  ferramenta  utilizada  em  casos  muito  especiais  no  jornalismo.  É  necessário  um  ambiente  tranqüilo,  com  poucos  ruídos  externos.  Depois,  um  demorado  período  de  transcrição.  Por  ter  pouca  experiência  com  o  equipamento,  iniciei  transcrevendo  frase  por  frase,  cada  opinião  e  reação  (risos,  rispidez,etc.)  do  entrevistado. Com receio de perder alguma informação, por não saber exatamente o que  seria aproveitado. À medida que fui adquirindo mais experiência, já fazia a transcrição  junto  com  a  edição  do  texto,  elaborando  como  se  fosse  o  rascunho  da  matéria,  registrando somente os aspectos que iriam fazer parte das reportagens.  Junto  ao  trabalho  de  transcrição,  procurei  registrar  a  minha  percepção  sobre  a  pessoa  que  estava  sendo  entrevistada,  sobre  o  local  onde  ocorreu  a  entrevista,  o  comportamento  do  entrevistado,  seu  posicionamento.  De  forma  geral,  quem  trabalha 16 
  • 18. com  gastronomia,  parece  estar  de  bem  com  a  vida.  Todos  dão  boas  risadas.  Parecem  saber apreciar o que a vida tem de bom, valorizar as relações entre as pessoas, dedicar­  se a agradar aos comensais e – agradando a si mesmos – ouvir elogios.  Os estudiosos (jornalistas, antropólogos e outros) foram fontes indispensáveis ao  trabalho. Não somente para fornecer informações e iluminar questões, mas para chamar  a  atenção  sobre  os  aspectos  que  mereceriam  abordagem  aprofundada,  e  também  com  suas opiniões, na discussão de temas polêmicos.  Durante  as  entrevistas,  fui  anotando  tópicos  recorrentes  e  que  me  pareceram  mais significativos, tentando achar “ganchos” para as reportagens. Também durante as  entrevistas,  os  personagens  mais  interessantes  foram  se  afirmando  por  conta  própria  e  “exigiram” os seus perfis. Eu apenas registrei.  Em  vista  da  grande  quantidade  de  informações  a  respeito  dos  modos  de  consumir, preparar e servir, o quesito de divulgação foi deixado de lado. Acredito que  este  é  um  tópico  que  pode  vir  a  gerar  um  outro  trabalho,  pois  envolve  aspectos  relacionados ao turismo e ao mercado de restaurantes e estabelecimentos comerciais da  Bahia.    As  reportagens  deste  trabalho  recaem  sobre  aspectos  culturais  da  cozinha  e  alimentação na Bahia.  Com a boa quantidade de informações obtidas, percebi que a discussão do que é  publicado na imprensa baiana sobre gastronomia não ficaria interessante neste trabalho.  Poderia caber melhor em algum estudo acadêmico, talvez de natureza comparativa. Não  seria o caso da inclusão em um trabalho de reportagem. Por esse motivo não abordei as  maneiras  de  divulgar.  Aproveitei,  sim,  o  conhecimento  daqueles  que  divulgam  para  aprofundar aspectos da cultura.  Durante realização das entrevistas e confecção das reportagens, foi ficando claro  para mim que a abordagem da cozinha baiana ficaria restrita aos aspectos de consumo, 17 
  • 19. preparação  e  apreciação  de  pratos  feitos  com  o  dendê.  O  que  já  significa  um  tema  bastante amplo.  O  dendê  está  presente  na  maior  parte  da  cozinha  de  origem  africana,  que  é,  efetivamente, a mais celebrada e famosa do Estado. Por mais que se saiba da existência  e  do  consumo  até  mais  freqüente  de  outros  pratos,  a  exemplo  das  carnes  da  cozinha  sertaneja, a cozinha de origem africana é a que é sempre lembrada como “baiana”.  Na  entrevista  com  o  engenheiro  e  gastrônomo  Guilherme  Radel,  autor  de  A  cozinha  sertaneja  da  Bahia ,  encontrei  um  acadêmico  de  peso  (sem  trocadilho),  conhecedor não só da cozinha sertaneja, mas grande apreciador da cozinha afro­baiana,  como ele mesmo designa.  Além  de  muito  simpático,  contador  de  casos,  Radel  revelou­se  um  excelente  observador e crítico de gastronomia. Também  fez observações  interessantes a respeito  dos assuntos publicados nas colunas de gastronomia dos jornais baianos e nacionais. Ele  comentou sobre os jornalistas atuais e antigos, comprovando que o seu interesse vem de  longa data.  No  livro  A Cozinha Sertaneja da Bahia, Radel  fez anotações baseadas  em sua  percepção, leituras, pesquisas  e  incursões na cozinha. O escritor fala tão alto quanto o  pesquisador. Ele não se furta a opinar e escrever sobre vários aspectos da gastronomia.  Na  investigação  de  algumas  das  observações  de  Radel,  surgiram  questões  que  resultaram  em  algumas  reportagens  deste  trabalho,  a  exemplo  da  utilização  (para  ele)  excessiva do leite de coco nas moquecas e do consumo do dendê na sexta­feira.  Vivaldo da Costa Lima não me concedeu entrevistas, mas me forneceu bastante  material escrito por ele, que revelam as suas impressões. Foram artigos publicados em  livros e anotações de aulas e palestras. 18 
  • 20. Fiz  entrevistas  bastante  proveitosas  com  a  jornalista  Heloísa  Sampaio,  com  o  antropólogo Ericivaldo  Veiga  e  com  a  culinarista  Elíbia  Portela.  Além  das  entrevistas  que  se  transformaram  em  perfis,  com  o  cozinheiro  Manoel  Barbosa,  com  o  geólogo  Arno Brichta e a banqueteria Maria Célia Midlej.  A  professora  Nadja  Miranda  foi  gentil  e  acessível,  ao  me  dar  idéias  para  direcionar  a  confecção  deste  trabalho.  Em  vista  do  prazo  curto  disponível,  ela  me  sugeriu  que  reduzisse  o  texto  para  uma  série  de  reportagens,  em  lugar  do  livro­  reportagem  inicialmente  previsto.  Também  me  emprestou  livro  e  outras  séries  de  reportagens  de  alunos  da  Facom,  que  foram  muito  úteis  para  visualizar  a  forma  de  apresentação deste trabalho. Isso sem contar com idéias para pautas e fontes. Por tantos  préstimos, foi incluída como co­orientadora do trabalho.  O  estimado  orientador  Giovandro  Ferreira  esteve  sempre  acessível,  com  boa  vontade, e me forneceu liberdade irrestrita para trabalhar. Desde o final de 2002, ele me  disponibilizou  vários  livros  e  trabalho  acadêmico  de  reportagem,  iniciando  o  acompanhamento  de  forma  atenciosa  e  tranqüila,  mesmo  ainda  sem  estar oficialmente  designado como orientador. Sempre ajudou com idéias para textos, fotos e diagramação.  É curioso que as  entrevistas com pessoas que cozinham, apreciam e estudam  a  culinária  viram  longos  bate­papos.  As  entrevistas  duravam  no  mínimo  40  minutos.  Durante  a  conversa,  entravam  em  cena  as  reminiscências  familiares,  os  prazeres  da  degustação,  as  relações  amorosas.  É  um  consenso  que  cozinhar  é  dedicar  amor.  Um  prato sai bem feito e saboroso se é feito com atenção, cuidado, entrega e dedicação.  Assim  como  na  elaboração  de  uma  pintura  ou  de  uma  música,  a  dedicação  de  amor  ao  trabalho  culinário  retorna  e  adquire  significado  artístico.  O  ato  de  cozinhar  transforma­se em arte culinária. 19 
  • 21. Restrições  Um  aspecto a ser registrado é a ausência de enfoque sobre  a cozinha de azeite  que  é  herança  direta  africana,  dedicada  aos  orixás  do  candomblé.  Trata­se  de  assunto  complexo,  provavelmente  abordado  com  mais  propriedade  por  antropólogos,  pois  exigiria uma vivência intensa junto às comunidades do candomblé. É uma atividade que  não  foi  proposta  no  projeto  deste  trabalho.  Detive­me  aos  costumes  das  ruas,  restaurantes  e  do  dia­a­dia  das  residências  baianas.  Na  cozinha,  digamos,  profana.  Fiz  somente breves referências às tradições religiosas.  Segundo  Lima,  o  antropólogo  entrevista  um,  informante  muitas  vezes  –  ao  contrário do jornalista­, cria o relacionamento interativo com este, costura aos poucos a  13  teia de padrões e conexões que dão o todo de uma “rede  intrincada de significados”  .  Não foi esta a perspectiva proposta no projeto deste trabalho.  A escrita  No  processo  de  confecção  das  reportagens,  por  diversas  vezes  tive  que  simplificar  a  linguagem.  Procurei  utilizar  sentenças  em  ordem  direta  e  linguagem  simples. Procurei levar o pensamento dos estudiosos na forma mais simplificada e direta  possível, para facilitar a leitura.  Para  auxiliar  a  elaboração  das  reportagens,  fiz  um  resumo  esquemático,  contendo tópicos a serem abordados e as fontes disponíveis. Tive que refazer o resumo  várias  vezes, pois alguns tópicos  mostraram­se  mais complexos, exigindo subdivisões,  gerando novas reportagens. O resumo foi refeito à medida que o trabalho tomava corpo.  13  LIMA, Edvaldo. Páginas ampliadas: o livro­reportagem como extensão do jornalismo e da literatura.  Campinas (SP): Editora da Unicamp, 1993, p.252. 20 
  • 22. À  medida  que  algumas  reportagens  foram  sendo  elaboradas,  a  busca  de  profundidade  nas  informações  proporcionou  a  inclusão  de  aspectos  inicialmente  não  previstos. Surgiram informações inesperadas. Foi o caso da descoberta da pesquisa feita  pela  Universidade  Estadual  da  Bahia  (UNEB),  sobre  o  acarajé  e  abará,  que  comprova  que o abará tem mais calorias que o acarajé. Uma constatação que muda o senso geral  de que o bolinho frito, o acarajé, teria mais gordura que o abará, que é cozido no vapor.  A  princípio,  hesitei  em  publicar  receitas.  Imaginei  que  a  publicação  delas  poderia  ser  taxada  como  de  menor  importância  frente  ao  texto  jornalístico.  Pois,  para  mim,  que  não  sou  cozinheiro,  colocar  receitas  neste  trabalho  estaria  representando  apenas copiar um texto de algum livro ou coletar a anotação – ou mesmo a fala ­ de um  entrevistado.  Ao  pensar  na  série  de  reportagens,  imaginei  fazer  um  trabalho  com  relatos  de  costumes  e  contextualização,  algo  ausente  nos  livros  de  receitas.  Daí  a  resistência  a  incluí­las. Comecei a mudar de idéia ao ler o livro de Luis da Camara Cascudo, História  da  Alimentação  no  Brasil.  Lá  estão  várias  receitas,  fundamentais  para  ilustrar  os  costumes descritos. Em certos trechos do livro, ao ler sobre os hábitos da alimentação, o  leitor  fica  curioso  para  saber  o  conteúdo  dos  pratos.  E  as  receitas  estão  presentes,  complementando um trabalho de grande qualidade.  Assim,  fui  percebendo  que  as  receitas  são  algo  mais  do  que  simples  procedimentos  culinários  para  obter  pratos.  Elas  mostram  a  presença  ou  ausência  de  ingredientes  e  variações  em  suas  quantidades.  São  diferenças  sutis  que  registram  as  mudanças  nos  gostos  e  as  inovações  na  culinária,  com  o  passar  do  tempo.  Seguem  características dos seus locais de origem. Retratam principalmente a disponibilidade dos  ingredientes. Em uma região litorânea, por exemplo, haverá grande ocorrência de frutos  do mar em seus pratos. 21 
  • 23. A variação de ingredientes, inclusive, foi algo que motivou a confecção de uma  das  reportagens.  A  partir  da  constatação  da  importância  das  receitas,  mudei  o  meu  posicionamento e decidi incluí­las no trabalho. Em reunião com o professor Giovandro,  a  minha  opinião  foi  reforçada.  O  professor  me  sugeriu  inclusive  que  a  receita  poderia  vir  dentro  da  reportagem.  Mas,  ao  confeccionar  o  texto,  decidi  deixá­las  em  quadros  separados, para facilitar a visualização e a leitura.  Per fis  O perfil pode  focalizar apenas alguns  momentos da vida da pessoa retratada. É  uma narrativa curta tanto na extensão (tamanho do texto) quanto no tempo de validade  de  algumas  informações  e  interpretações  do  repórter.  (...)  É  de  natureza  autoral.  Impossível  que  as  experiências  pessoais  de  um  repórter  não  se  confundam  com  a  14  temática que estiver trabalhando.  A narrativa de um perfil não pode prescindir de todos os conceitos e técnicas de  reportagem conhecidas, além de recursos literários e outros. Mas ela também está atada  ao  sentimento  de  quem  participa.  (...)  Os  perfis  cumprem  um  papel  importante  que  é  exatamente  gerar  empatias.  Empatia  é  a  preocupação  com  a  experiência  do  outro,  a  tendência  a  tentar  sentir  o  que  sentiria  se  estivesse  nas  mesmas  situações  e  circunstâncias experimentadas pelo personagem.  15  Segundo Vilas Boas, os perfis jornalísticos expressam uma trajetória sintética. O  16  perfil é explicitado pela história narrada, com um passado e um presente  .  Apesar  da  durabilidade  menor  (comparados  com  as  biografias  em  livro),  os  perfis  têm  grande  relevância  como  gênero  jornalístico,  mesmo  que  meses  ou  anos  14  VILAS BOAS, Sérgio. Perfis: e como escrevê­los. São Paulo: Summus, 2003, p. 13.  15  op. cit., p. 14  16  op. cit., p. 19 22 
  • 24. depois  da  publicação  do  texto  o  personagem  tenha  mudado  suas  opiniões,  conceitos,  17  atitudes ou estilos.  O fato de os atos e as reações de uma personagem deixarem transparecer, ainda  que de  maneira  fluida, as suas características, tem enorme  importância  na estruturação  de um perfil. É a possibilidade de descrever uma pessoa contando o que ela faz e como  faz, permitindo a incorporação num texto descritivo de trechos narrativos. São recursos  18  consideráveis.  Os  perfis  presentes  nesta  série  de  reportagens  não  foram  escolhidos  aleatoriamente.  Cada  um  deles  representa  um  tipo  de  personagem  da  gastronomia  baiana,  que  apresenta  riqueza  de  detalhes  em  seus  relatos,  ou  que  apresenta  aspectos  inusitados, como é o caso de Manoel Barbosa, o cozinheiro que vende comida na rua.  Assim, o perfil de Guilherme Radel é o do estudioso, pesquisador e divulgador  da cozinha do Estado. O de Arno Brichta é o do conhecedor, gourmet, apreciador que  também prepara pratos. O perfil de Maria Célia é o da especialista em servir refeições.  A  confecção  de  perfis  foi  para  mim  um  excelente  exercício  de  jornalismo  enriquecido  com  alguns  elementos  literários.  Deste  modo,  o  lead  desaparece.  O  texto  pode conter diálogos e há muitas impressões do autor.  O suporte  Logo  de  início,  estava  disposto  a  contratar  um  profissional  para  fazer  a  editoração  do  trabalho.  Mas,  apesar  da  minha  pouca  experiência  no  assunto,  resolvi  enfrentar o desafio, em vista de que poderia ser uma boa aprendizagem. Nesta atividade,  contei  com  sugestões  do  designer  Luciano  Robatto.  Foi  utilizado  o  programa  de  editoração Page Maker 6.5  17  VILAS BOAS, Sérgio. Perfis: e como escrevê­los. São Paulo: Summus, 2003, p. 21­22  18  op. cit., p. 29 23 
  • 25. Em  minha  carreira  profissional,  até  agora, tive  oportunidade  de  fazer  trabalhos  impressos,  house  organs,  no  ambiente  empresarial.  E  nessas  ocasiões  não  havia  verba  para pagar um profissional de design gráfico. O jornalista tinha que fazer a editoração,  muitas  vezes  utilizando  somente  editor  de  texto  (Word)  ou  de  apresentação  (Power  Point). Diante desses fatos, quanto mais conhecimento e experiência o profissional tiver  no assunto, melhor qualidade haverá no trabalho final.  A  maior  parte  das  fotos  foi  feita  por  mim  mesmo,  com  a  velha  e  boa  Pentax  K1000,  companheira  de  aventuras.  Algumas  fotos  foram  cedidas  pela  fotógrafa  Vânia  Rebelo,  de  seu  arquivo  pessoal.  Digitalizadas  em  scanner,  foram  tratadas  com  o  programa Adobe Photoshop 6.0. 24 
  • 26. CONCLUSÃO  A série de reportagens, aqui desenvolvida, aborda diversos aspectos da culinária  baiana  que  utiliza  o  azeite­de­dendê  como  peça  indispensável.  O  trabalho  procurou  elaborar  textos  com  um  nível  de  informações  relativamente  aprofundado.  Para  isso  recorrendo  à  pesquisa  bibliográfica  ampliada  e  a  um  maior  número  de  fontes  que  o  utilizado no jornalismo periódico.  Fazer este trabalho foi muito gratificante, foi uma grande experiência. Também  acredito ter  colaborado  para  fazer  um  pequeno  mas  consistente  registro,  em  forma  de  reportagem,  de  alguns  aspectos  pouco  divulgados  da  cultura  baiana  no  âmbito  da  culinária e da alimentação.  Ao  confeccionar  as  reportagens,  tive  muito  cuidado  com  minhas  afirmações.  Procurei  sempre  avaliar  se  o  que  estava  afirmando  estava  fundamentado  em  observações ou se eram meramente opinativas.  Uma  das  críticas  mais  ouvidas  ao  jornalismo  diário  é  que  os  jornalistas  são  pouco  especializados  nos  assuntos  que  abordam,  que  fazem  pesquisas  muito  rápidas  para a confecção de matérias e reportagens. Um  dos meus objetivos com este trabalho  foi o mergulho em um tema que é passado, presente e futuro: a gastronomia. E com este  aprofundamento,  obter  subsídios  para  elaborar  outros  trabalhos  jornalísticos  de  qualidade, principalmente neste mesmo assunto.  Outros  itens  que  podem  servir  para  futuros trabalhos  de  reportagem:  a  cozinha  sertaneja,  a  herança  árabe  na  cozinha  do  sul  da  Bahia,  a  culinária  da  Chapada  Diamantina, a cozinha dos derivados da mandioca, a cozinha das praias.  A  alimentação  é  necessidade  básica  do  ser  humano.  E  um  grande  prazer, tanto  para  quem  gosta  de  preparar  quanto  para  quem  consome.  A  grande  maioria  dos  periódicos  tem  a  sua  seção  de  gastronomia  inserida  nos  cadernos  culturais  de  final  de 25 
  • 27. semana. É rara a bibliografia em português que diga algo a respeito do modo e do que  escrever  nessas  seções.    Pelo  menos,  foi  o  detectado  em  pesquisas  na  biblioteca  da  UFBA, na internet e consultando jornalistas que trabalham com o assunto.  De  forma  geral,  o  que  se  vê  nas  colunas  (ou  páginas)  de  gastronomia  são  matérias,  entrevistas,  perfis,  reportagens,  crônicas,  notas,  críticas  ­  e  receitas.  Abordando restaurantes, bares, pratos, chefs famosos, vegetais da época, equipamentos  de  cozinha,  produção  de  alimentos  (a  matéria­prima  dos  pratos),  a  cozinha  das  celebridades,  lançamento  de  novos  produtos  nos  mercados,  livros  de  gastronomia,  cardápios  de  datas  comemorativas,  eventos  de  gastronomia,  hábitos  de  alimentação,  informações  nutricionais.  Podendo  haver  o  enfoque  de  aspectos  históricos  e  culturais  sobre tudo isso.  Tenho a intenção de ampliar e editar esta série de reportagens posteriormente em  formato  de  livro.  Em  minhas  pesquisas,  verifiquei  que  grande  parte  dos  registros  históricos de culinária e alimentação, pelo menos em sua primeira edição, foi feita por  meio  de  livros  editados  pelo  próprio  autor, ou  por  alguma  editora  local.  É  o  caso  dos  livros  de  Manoel  Querino,  Sodré  Vianna,  Hildegardes  Vianna  e  de  Darwin  Brandão,  sobre  a  cozinha  baiana.  Depois,  com  a  divulgação,  alguma  grande  editora  acabou  se  interessando, a exemplo dos livros de Hildegardes Vianna e Darwin Brandão. O velho e  surrado caderno de receitas, quem diria, vira documento da História.  Este trabalho, mais do que um ponto de chegada, é o registro de um percurso.  Por  conta  desta  série  de  reportagens,  novas  percepções  se  abriram  para  mim.  Conheci  pessoas e tive acesso a livros de valor histórico. Ao pesquisar sobre os pratos que levam  dendê, verifiquei que vários outros aspectos da culinária baiana merecem atenção. E que  o jornalismo pode colaborar muito no registro desses aspectos. Espero que este trabalho 26 
  • 29. BIBLIOGRAFIA  AIDA, Celeste. “Tombamento” do acarajé divide opiniões. A Tarde, Salvador, 15  jan.  2003. Turismo, p. 3.  ALGRANTI, Márcia. Pequeno dicionário da gula . Rio de Janeiro: Record, 2000.  ALVES  FILHO,  Ivan;  Di  Giovanni,  Roberto.  Cozinha  Brasileira  (com  recheio  de  história). Rio de Janeiro: Revan, 2000.  ARAÚJO,  Maria  Célia  Midlej  Silva  de.  Meu  caderno  de  receitas  para  todos  os  dias.  Itabuna: Ed. autor, 2002.  BRANDÃO, Darwin. A cozinha baiana. Salvador: Liv. Universitária, 1948. 2. ed.  BRÍGIDO, Maria Luisa. Dicas da Dadá para uma Quaresma mais saborosa. Correio da  Bahia , Salvador, 30 mar. 2003. Bazar, Gastronomia, p. 6.  ________.  O  paraíso  é  tropical.  Correio  da  Bahia ,  Salvador,  1º  jun.  2003.  Bazar,  Gastronomia, p. 6.  CÂMARA  CASCUDO,  Luís  da.  História  da  alimentação  no  Brasil.  São  Paulo:  Companhia Editora Nacional, 1967­1968. 2 v.  COSTA,  Paloma  ;  AMADO,  Jorge.  A  comida  baiana  de  Jorge  Amado  ou  o  livro  de  cozinha de Pedro Archanjo com as merendas de Dona Flor. São Paulo: Maltese, 1995.  DAMATTA,  Roberto.  Sobre  comidas  e  mulheres...  In:  O  que faz  o  Brasil, Brasil? ,  2ª  ed. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1986.  FERNANDES,  Caloca.  Viagem  gastronômica  através  do  Brasil.  São  Paulo:  Editora  SENAC São Paulo: Editora Estúdio Sônia Robatto, 2000.  ____________.  A  culinária  paulista  tradicional  nos  hotéis  SENAC  São  Paulo.  São  Paulo: Editora SENAC, 1998.  FERNANDES,  Jane.  As  religiões  brasileiras  e  sua  hóstia  líquida .  Salvador,  2003.  Trabalho de conclusão de curso de Jornalismo, Faculdade de Comunicação da UFBA.  FONSÊCA, Adilson. Evangélicos invadem tabuleiro da “baiana”. A Tarde, Salvador, 19  jan. 2003. Local, p. 9.  FORNARI,  Cláudio.  Dicionário­almanaque  de  comes  e  bebes.  Rio  de  Janeiro:  Ed.  Nova Fronteira, 2001.  FRIEIRO,  Eduardo.  Feijão,  angu  e  couve:  ensaio  sobre  a  comida  dos  mineiros.  Belo  Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1982.  GOMENSORO, Maria Lúcia Coimbra de. Pequeno dicionário de gastronomia . Rio de  Janeiro: Ed. Objetiva, 1999.  GROPPER, Simona. Saudações ao gêmeos: não há problema que um caruru não possa  resolver.  A tradição está  fincada  na alegre religiosidade  baiana. A Tarde, Salvador, 27  set. 2003. Caderno 2, p.1.  HECK,  Marina  e  Belluzzo,  Rosa.  Cozinha  dos  imigrantes:  memórias  e  receitas.  São  Paulo: Fundação Memorial da América Latina; DBA Melhoramentos, 1999.  LIMA,  Cláudia.  Tachos  e  Panelas:  historiografia  da  alimentação  brasileira .  Recife:  Ed. da autora, 1999.  LIMA, Edvaldo. Páginas ampliadas: o livro­reportagem como extensão do jornalismo  e da literatura . Campinas (SP): Editora da Unicamp, 1993.  LIMA,  Vivaldo  da  Costa.  Alimentação  e  trópico:  uma  proposição  metodológica.  In:  CONGRESSO BRASILEIRO DE TROPICOLOGIA, 1, 1986, Recife. Ciência para os  trópicos: anais. Recife: FUNDAJ. Ed. Massangana, 1986.  ______.  A  cozinha  baiana:  uma  abordagem  antropológica .  Palestra  proferida  na  Fundação Casa de Jorge Amado, Salvador, 08 set.1988.  ______.  Etnocenologia  e  etnoculinária  do  acarajé.  In:  GREINER,  Christiane;  BIÃO,  Armindo (org.). Etnocenologia: textos selecionados. São Paulo: Annablume, 1999. 28 
  • 30. _______. As dietas africanas. In: FERNANDES, Caloca. Viagem gastronômica através  do Brasil. São Paulo: Ed. SENAC/Ed. Estúdio Sônia Robatto, 2000.  _______.  A  família  de  Santo  nos  candomblés  jejes­nagôs  da  Bahia:  um  estudo  das  relações intragrupais. Salvador: Ed. Corrupio, 2003.  LODY, Raul. Santo também come: estudo sócio­cultural da alimentação cerimonial em  terreiros afro­brasileiros. Recife: IJNPS; Rio de Janeiro: Artenova, 1979.  MARIANO, Agnes. Acará: bolinho feito de feijão­fradinho é vendido nas ruas desde o  século XIX. Correio da Bahia, Salvador, 26 jan. 2003. Correio repórter. Disponível em:  < http://www.correiodabahia.com.br > Acesso em:  20 jun. 2003.  MARTINS  FILHO,  Eduardo.  Manual  de  redação  e  estilo  de  O  Estado  de  São  Paulo.  São Paulo: Ed. Moderna, 1997.  MEDINA, Cremilda (org.). São Paulo de perfil. Vol 17. São Paulo: Ed. USP, 2001.  MOURA,  Majorie.  Feiras  livres  ganham  com  acarajé:  o  quitute  não  dá  renda  apenas  para  as  baianas;  há  um  grande  comércio  de  ingredientes  nos  mercados  e  centros  de  abastecimento. A Tarde, Salvador, 21 jan. 2003. Economia, p.15.  NORONHA,  Silvia.  Sábio  do  povo:  homem  de  múltiplos  talentos,  Manuel  Querino  inspirou  Jorge  Amado  a  criar  o  personagem  Pedro  Archanjo.  Correio  da  Bahia ,  Salvador, 16 fev. 2003. Correio repórter, p. 3­7.  PIMENTEL,  Gladys.  Coração  suburbano:  o  pulsar  da  cidade  que  a  cidade  não  conhece. Salvador, 1999. Trabalho de conclusão do curso de Jornalismo, Faculdade de  Comunicação da UFBA.  QUERINO, Manuel. A arte culinária na Bahia.In: _____. Costumes africanos no Brasil.  Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1938.  _________. A arte culinária na Bahia . Salvador: Livraria Progresso Editora, 1951.  RADEL, Guilherme. A cozinha sertaneja da Bahia . Salvador: Ed. autor, 2002.  RAMOS, Cleidiana. O setembro de Cosme, Damião e ibejis. A Tarde, Salvador, 27 set.  2003. Caderno 2, p. 4­5.  SAVARIN, Brillat. A fisiologia do gosto. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.  SODRÉ,  Muniz;  FERRARI,  Maria  Helena.  Técnica  de  reportagem:  notas  sobre  a  narrativa jornalística . 5ª ed. São Paulo: Summus Editorial, 1986  VASCONCELOS,  Carmen.  Sangue  dos  deuses.  Correio  da  Bahia ,  Salvador,  16  dez.  2001. Correio repórter, p. 3­7.  ______________.  Confraria  do  sabor:  culinária  baiana  mantém  a  herança  cultural  de  várias gerações. Correio da Bahia , Salvador, 18 ago. 2003. Correio repórter, p.3­7.  VEIGA, Ericivaldo. A cozinha baiana do restaurante escola do Senac do Pelourinho ­  Bahia:  mudança  de  contexto  e  atores.  Tese  apresentada  à  banca  examinadora  da  Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do  título de Doutor em Ciências Sociais. São Paulo: PUC, 2002.  VERÍSSIMO, Luis Fernando. A mesa voadora . Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2001  VIANNA,  Hildegardes.  A  cozinha  baiana:  seu  folclore,  suas  receitas.  Salvador:  [Tip.  Da Fundação Gonçalo Muniz], 1955.  VIANNA,  Sodré.  Cadernos  de  Xangô.  50  receitas  da  cozinha  baiana  do  litoral  e  do  Nordeste. Bahia: Liv. Ed. Bahiana, 1939.  VILAS BOAS, Sérgio. Perfis : e como escrevê­los. São Paulo: Summus, 2003.  WOLKE, Robert. O que Einstein disse a seu cozinheiro: a ciência na cozinha . Rio de  Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2003. 29 
  • 32. Presença dourada   O azeite­de­dendê está presente na maior parte dos pratos baianos de origem africana   “Quando estiver quase cozido e só então  juntem o leite de coco e no finzinho  o azeite de dendê, pouco antes de tirar do fogo.  (Ia provar o molho a todo instante,  gosto mais apurado ninguém tinha)  Aí está esse prato fino, requintado, da melhor cozinha,  Quem o fizer pode gabar­se com razão  De ser cozinheira de mão cheia.  Mas, se não tiver competência, é melhor não se meter  Nem todo mundo nasce artista do fogão.”  A receita da  moqueca siri  mole,  feita por Dona Flor,  magistralmente registrada  pelo  escritor  Jorge  Amado  no  livro  Dona  Flor  e  seus  dois  maridos,  dá  provas  da  grandiosidade e do grau de importância da culinária na vida baiana.  A  cozinha  é  um  grande  elemento  cultural  de  um  povo.  Quanto  mais  dela  se  conhece,  mais  se  conhece  dos  costumes  de  uma  população.  Na  Bahia,  o  caldeirão  cultural  que  mistura  influências  portuguesas,  africanas  e  indígenas,  está  muito  bem  representado em sua culinária.  No  universo  de  ingredientes  dos  pratos  da  cozinha  baiana,  e  sua  vertente  mais  famosa,  a  cozinha  de  origem  africana,  chamada  de  afro­brasileira  ou  afro­baiana,  emerge  a  importância  do  azeite­de­dendê.  Mais  do  que  um  componente  dos  pratos,  o  dendê é uma das marcas mais importantes da cultura baiana.  Extraído do fruto da palmeira Elais Guineensis, de origem africana, o azeite­de­  dendê,  também  chamado  simplesmente  de  dendê,  incorporou­se  à  cultura  baiana.  As  receitas  herdadas  dos  escravos  negros  transcendem  os  limites  do  Estado  e  passam  a  fazer  papel  de  pratos típicos  do  país.  As  moquecas  e  o  vatapá  são  conhecidos  fora  do  Brasil  como  “pratos brasileiros”, ainda que  não sejam pratos consumidos por todos os  habitantes do país. 31 
  • 33. A fama é uma amostra da importância da cozinha baiana. A princípio regional,  típica somente de um Estado do país, torna­se significativa, talvez a mais representativa,  da  cozinha  brasileira.  Em  eventos  internacionais  de  gastronomia,  as  cozinheiras  do  dendê são sempre convidadas a representar o Brasil.  O  óleo  dourado  do  dendê  é  componente  essencial  dos  pratos  da  cozinha  afro­  brasileira. É nele que é frito o acarajé, exalando um aroma que invade os fins de tarde  da Bahia. É ele que é adicionado à massa do abará, para fornecer a bela cor amarelada.  Do amarelo pálido ao dourado quase vermelho, o dendê alegra olhos e paladares.  O  dendê  está  na  base  da  cozinha  baiana  de  origem  africana.  “Contam­se  nos  dedos pratos afro­baianos que não levam azeite­de­dendê”, diz o engenheiro e professor  aposentado  Guilherme  Radel,  estudioso  de  gastronomia,  com  livro  publicado  sobre  a  cozinha  baiana.  Segundo  o  antropólogo  Vivaldo  da  Costa  Lima,  estudioso  da  cultura  baiana,  “até  mesmo  aqueles  pratos  que  não  levam  ou  não  ‘pegam’  azeite­de­dendê,  estão com ele comprometidos”.  Em Salvador, os pratos feitos com dendê  são consumidos em todos os  lugares.  Nos  mercados,  nas  praças,  ruas,  nas  residências  ricas  e  nas  mais  modestas,  nos  restaurantes turísticos. Em datas sagradas e dias comuns, especialmente na sexta­feira.  A  comida  feita com dendê é  vistosa, colorida e  bela. Tem apelo turístico e é utilizada  como  principal  atrativo  gastronômico  no  Estado.  Mesmo  assim,  o  dendê  não  é  unanimidade em todas as regiões da Bahia. “Está presente em Salvador, no Recôncavo  Baiano e no litoral do Estado”, diz Guilherme Radel  A  jornalista  Heloísa  Sampaio,  gourmet  e  cronista  de  gastronomia,  chama  a  cozinha baiana de “culinária do ouro”, em razão da bela cor que os pratos adquirem. Ela  lembra  que,  nos  locais  onde  o  dendê  é  encontrado  com  facilidade,  o  ingrediente  é 32 
  • 34. utilizado em uma grande quantidade de pratos. “Na Bahia, região do Baixo Sul, ali por  Valença, faz­se tudo com dendê. É ingrediente fácil, disponível”, diz.  À  primeira  vista,  para  aqueles  que  visitam  a  Bahia,  parece  que  o  dendê  é  uma  rotina  na  cozinha  baiana.  No  entanto, os  pratos  feitos  com  dendê  não  são  consumidos  diariamente. “Na Bahia não se come moqueca, caruru, vatapá ao almoço de todo dia”,  escreveu  o  folclorista  Luis  da  Camara  Cascudo,  no  livro  História  da  Alimentação  do  Brasil.  Para  ele,  é  o  que  se  costuma  chamar  de  “comida  de  festa”,  consumida  em  ocasiões  especiais.  “Como  acontece  quando  há  hóspedes  e  convidados  para  refeições  domésticas. Arranja­se um cardápio especial, meticuloso, fora de todo o dia”, escreveu.  O antropólogo Vivaldo da Costa Lima confirma  a observação. “Mas a  ‘comida  de  azeite’  não  é,  para  o  baiano,  a  cozinha  de  todo­dia.  É  uma  comida  requintada,  de  ingredientes  nem  sempre  fáceis  de  encontrar,  demorada  no  fazer  e,  portanto,  uma  comida dispendiosa”, registrou.  As  comidas  feitas  com  dendê  mais  conhecidas  são  as  moquecas,  o  caruru,  vatapá, o acarajé, o abará, xinxim de galinha, farofa, feijão fradinho, bobó de camarão.  São  os  pratos  consumidos  com  mais  freqüência  nos  restaurantes  típicos  e  nas  residências baianas.  Elais Guineensis  A  palmeira  chamada  de  dendezeiro  ou  dendê  não  existia  no  Brasil.  A  Elais  Guineensis é originária da  África Ocidental. Do fruto da palmeira – também chamado  de dendê ­ se  extrai o óleo chamado de azeite­de­dendê, ou, simplesmente, dendê. No  passado, costumava­se chamá­lo também de azeite de cheiro. Para obtê­lo, é necessário  fazer  o  cozimento  dos  frutos,  espremendo­o  em  seguida.  Depois,  separa­se  o  óleo  da  água e coloca­se o azeite para cozinhar até fazer evaporar toda a água e restar o líquido  oleoso. 33 
  • 35. É  na  Bahia,  na  região  que  vai  de  Salvador  a Ilhéus,  que o  dendê  é  extraído  de  forma quase artesanal. É cozido em grandes tachos de ferro e depois espremido por uma  imensa roda de pedra, puxada por tração animal. É este o chamado azeite de roldão. O  azeite­de­dendê,  extraído  dessa  forma  é  encontrado  nas  feiras  livres,  e  colocado  em  garrafas de vidro e arrolhado. Há algumas indústrias modernas de extração do azeite­de­  dendê. Nos supermercados, o azeite industrializado é facilmente encontrado.  Os  conhecedores  dizem  que  o  bom  dendê  é  aquele  que  fica  dividido  em  duas  partes.  Uma  parte  de  sólidos,  que  se  deposita  no  fundo  da  garrafa,  é  chamada  de  “bambá”.  A  outra  parte,  conhecida  como  “flor”,  é  o  óleo  propriamente  dito,  que  se  solidifica no frio e fica líquido ao ser aquecido. 34 
  • 36. Tradição e modernidade  Pratos feitos com dendê conservam tradições e ensaiam algumas inovações  Rio de Janeiro, Pernambuco, Minas Gerais e São Paulo são Estados que também  receberam escravos negros africanos. Mas somente na Bahia, a herança negra conseguiu  notoriedade para sua culinária. Em nenhuma outra região do Brasil, a cozinha conservou  as características que possuem os pratos da culinária baiana.  Segundo  o  folclorista  Camara  Cascudo,  em  Salvador  ficou  uma  concentração  negra mais homogênea, possibilitando a “defesa das velhas comidas africanas”, mais do  que  em  outros  locais.  Uma  das  razões  para  isso,  seria  por  causa  “dos  candomblés,  do  culto  jeje­nagô,  que  a  cozinha  pôde  manter  os  elementos  primários  de  sua  sobrevivência”.  O  termo  candomblé  designa  grupos  religiosos  caracterizados  por  um  sistema de crenças em divindades chamadas de santos ou orixás.  Com  a  chegada  da  mão  de  obra  escrava  no  Brasil,  a  “presença  da  cozinheira  negra  na  cozinha  era  considerada  indispensável  e  absolutamente  normal”,  segundo  Camara Cascudo. “À cor e à força da culinária africana, foram acrescidos os elementos  indígenas  e  portugueses,  transformando  a  gastronomia  baiana  e  brasileira,  numa  expressão única de arte e sabor”.  Os pratos chegaram  e  foram  mantidos com a dedicação dos pratos às tradições  religiosas dos escravos. Segundo o antropólogo Vivaldo da Costa Lima, é a cozinha que  se  formou principalmente com a comida dos africanos dos grupos étnicos  nagô e  jeje,  que predominaram na Bahia do século XIX, e criaram o modelo ritual dos candomblés.  “É  precisamente  nos  terreiros  de  candomblé  onde  se  encontram  as  iguarias  originais  africanas”, registrou. 35 
  • 37. Da dedicação aos orixás do candomblé às  mesas  da população, os pratos feitos  com  o  azeite­de­dendê  são  sempre  bem  recebidos.  Há  sempre  o  clima  festivo  de  celebração – e de comilança.  Vatapá  O vatapá é uma espécie de creme ou purê, de consistência pastosa, a meio termo  entre  mole  e  duro.  Pode  ser  feito  de  feito  de  farinha  de  trigo,  farinha  de  mandioca  ou  pão  dormido.  É  temperado  com  cebola,  alho,  tomate,  coentro,  cebolinha  e  gengibre,  além  de  amendoim  e  castanha.  Os  dois  últimos  torrados  e  moídos.  E  dendê  e  leite  de  coco,  é  claro.  Pode  haver  um  pouco  de  camarão  seco  na  massa.  O  vatapá  não  tem  origem  africana.  É  uma  invenção  brasileira.  Representante  nacional  do  esplendor  da  cozinha baiana.  Os  africanos  desconhecem  a  palavra  vatapá,  segundo  Câmara  Cascudo.  “Na  culinária, como em outras manifestações culturais africanas no Brasil, está ocorrendo o  fenômeno  de  torna­viagem.  Quitutes  africanos  voltam  à  África  como  se  dali  não  tivessem  nascido, voltam  brasileiros”. Câmara Cascudo viu  na  África pratos que, aqui  chamados de africanos, são conhecidos por lá como brasileiros.  O  vatapá acompanha  moquecas e o xinxim de galinha. É servido sempre  junto  com arroz branco e também caruru. Está sempre  presente no tabuleiro dos vendedores  de acarajé e abará, que utilizam o vatapá como recheio dos bolinhos de feijão.  Há  algumas  variações  do  vatapá,  como  no  caso  em  que  a  ele  é  adicionado  bacalhau desfiado. Nesse caso, serve como prato principal. Nos livros de receitas mais  antigos, há registros do vatapá feito com galinha. Essa  versão é pouco conhecida  hoje  em dia.  O jornalista Darwin Brandão, que na década de 40 publicou em Salvador o livro  A Cozinha Baiana , inspirado no vatapá, afirmou: “Temos portanto aí a comida africana 36 
  • 38. da  Bahia,  já  nacionalizada,  resultante  da  matriz  negra  com  as  influências  naturais  do  índio e do português. A mais famosa cozinha do Brasil, a de maior caráter”.  Caruru  O caruru é um prato feito com quiabo cortado e cozido, a que se adicionam os  temperos  e  o  azeite­de­dendê.  Na  Bahia,  quando  se  fala  em  caruru,  pode  haver  três  sentidos. O caruru é o prato, propriamente dito, feito com quiabos e dendê. Pode ser a  refeição inteira, também chamada de “caruru completo”, que inclui o caruru junto com  vatapá, xinxim de galinha, arroz branco, farofa de dendê, feijão fradinho refogado com  dendê, feijão preto, acarajé, abará, banana­da­terra frita, milho branco, pipoca, inhame,  rapadura e rolete de cana.  O  caruru  também  pode  ser  o  evento  em  que  a  refeição  é  servida  para  grande  quantidade  de  pessoas,  sempre  gratuitamente,  pois  é  ofertado  aos  comensais  como  pagamento de alguma promessa. As pessoas costumam dizer: “Vai ter um caruru em tal  lugar”.  E  isso  acontece  em  vários  locais,  das  casas  pobres  às  residências  abastadas,  passando por associações de trabalhadores, empresas e organizações públicas.  Convencionou­se  calcular  10  quiabos  por  cada  prato  de  caruru,  na  preparação.  As  demais  porções  são  proporcionais  a  este  número.  Por  isso,  é  costume  falar­se  em  “caruru de 1.000 quiabos”, por exemplo.  A tradição de servir caruru tem origem  no candomblé. “Impossível  não desejar  um convite especial  no  mês de setembro para comer o banquete  feito em  homenagem  aos  santos  gêmeos  Cosme  e  Damião,  sincretizados  com  os  ibejis  orixás”,  escreveu  Camara  Cascudo.  Ibejis  são  orixás,  deuses  africanos.  A  data  de  comemoração  de  São  Cosme e São Damião é 27 de setembro.  O caruru completo é oferecido nessa ocasião e servido em  forma especial. Nos  lugares  mais  tradicionais,  principalmente  com  ligação  com  o  candomblé,  é  servido 37 
  • 39. primeiro  às  crianças.  Depois  é  que  os  adultos  têm  acesso  à  refeição.  Mas  o  caruru  também  é  servido  sem  exigências  rituais,  em  eventos  comemorativos  para  grande  quantidade de pessoas.  Há  uma  tradição  que  recomenda  que  na  panela  do  caruru  sejam  colocados  quiabos  pequenos  inteiros.  A  pessoa  que  recebeu  em  seu  prato  pelo  menos  um  dos  quiabos terá por obrigação que dar um caruru completo no ano seguinte, ou pagar uma  promessa exigida pelos santos.  Se  os  carurus  são  servidos  a  partir  de  setembro,  por  pessoas  que  pagam  as  promessas  religiosas,  em  dezembro,  em  torno  do  dia  4,  data  de  Santa  Bárbara,  sincretizada  com  o  orixá  Iansã,  também  há  oferta  da  iguaria,  por  pagamento  de  promessas. São as épocas em que os baianos correm atrás dos carurus. Seja preparando  ou em busca da chamada “boca­livre”, ou seja, da refeição gratuita.  Um  pouco  antes  da  homenagem  aos  santos  de  setembro,  é  servido  um  grande  caruru, que movimenta a cidade de Cachoeira, no Recôncavo Bahiano, durante a festa  da Irmandade da Boa Morte, que ocorre no dia 15 de agosto.  Desde 1997, o Sindicato dos Bancários da Bahia  promove um  caruru, servindo  em torno de 1.000 pratos, próximo à sede da associação, na Avenida Sete de Setembro,  no centro de Salvador. Setembro é o mês da data­base do acordo salarial dos bancários.  De  início,  o  caruru  foi  servido  para  “abrir  os  caminhos”  da  negociação.  Desde  então,  virou tradição. As refeições são distribuídas gratuitamente, atraindo uma grande fila de  comensais.  Há  um  outro  prato,  chamado  de  efó,  bem  semelhante  ao  caruru.  Só  que  desta  vez, em lugar do quiabo, utiliza­se a erva língua de vaca. O efó não tem a fama, nem é  tão freqüente na mesa dos baianos quanto o caruru.  Moquecas 38 
  • 40. A moqueca, de peixe ou mariscos, é uma espécie de guisado ou ensopado, com  cebola,  alho,  tomate,  pimentão,  temperos  verdes,  em  que  são  adicionados  azeite­de­  dendê e leite de coco. Parece simples de fazer, mas implica em conhecimento e técnicas.  É uma criação brasileira, que tem origem no cozimento e na adição de temperos e dendê  ao  peixe  moqueado,  seco,  preparado  pelos  índios.  Para  moquear  o  peixe,  é  necessário  colocá­lo  sobre  varas  de  madeira,  e  secá­lo  a  certa  distância  de  um  braseiro,  que  possibilite o cozimento parcial.  Para  preparar  a  moqueca,  é  ideal  utilizar  em  panela  de  barro  larga  e  rasa,  semelhante a uma caçarola, o que possibilita cozinhar e servir no mesmo recipiente. E  levar o prato ainda borbulhante à mesa, causando festa aos olhos e ao olfato. Para logo  em seguida agradar ao paladar.  A  moqueca  é  normalmente  feita  de  frutos  do  mar,  mas  o  baiano  costuma  também prepará­la com charque, ovos, vegetais ou aproveitando sobras de comida. É o  caso  do  prato  “roupa  velha”,  que  utiliza  a  carne  assada  do  dia  anterior.  Desfia­se  a  carne,  adiciona­se  temperos  e  azeite­de­dendê.  Outro  prato  conhecido,  principalmente  na região de Valença, é a moqueca de feijão, feita com sobras de feijoada. (Ver receita  no box)  A moqueca existe em outros Estados do país, a exemplo do Espírito Santo. Em  lugar  do  azeite­de­dendê,  a  moqueca  capixaba  leva  colorau,  condimento  que  tem  por  base o pó de urucum, que confere cor avermelhada ao prato.  Bobó de camarão  O  saboroso  resultado  de  ingrediente  caro  ­  o  camarão­,  unido  com  a  textura  suave do purê de aipim, talvez seja o motivo pelo qual o prato alcançou certa distinção  de  fama  e  refinamento.  É  utilizado  em  almoços  e  jantares,  muitas  vezes  como  prato 39 
  • 41. principal,  servido  em  panelas  aquecidas  –  os  rechauds  ­  e  acompanhado  somente  de  arroz branco.  O  bobó  original,  proveniente  das  receitas  africanas,  era  feito  com  inhame  amassado. O inhame é nativo da África. O aipim, também chamado de mandioca doce  ou  macaxeira,  é  ingrediente  nativo  do  Brasil.  O  bobó,  da  forma  como  servido  atualmente,  faz  a  união  do  dendê,  de  origem  africana,  com  o  aipim,  ingrediente  proveniente da herança alimentar indígena.  Xinxim de galinha  É feito de frango temperado com limão, alho e sal, cozido com cebola, tomate,  tempero verde e azeite­de­dendê. É semelhante à moqueca, mas leva também camarão  seco,  amendoim,  castanha  de  caju.  O  xinxim  também  pode  ser  feito  de  bofe,  víscera  bovina de cozimento demorado e consistência borachenta.  O xinxim é sempre acompanhado de caruru e vatapá. Dificilmente é encontrado  servido como prato único, somente acompanhado de arroz e farofa, como é o caso das  moquecas.  Acarajé  É  um  bolinho  de  feijão  fradinho  moído,  com  cebola,  sal,  e  frito  no  azeite­de­  dendê.  É  uma  unanimidade  entre  baianos  e  turistas.  O  acarajé  é  preparado  e  vendidos  nas ruas, praças e praias por mulheres vestidas em trajes típicos, chamadas de “baianas”.  Atualmente  também  há  alguns  homens  vendendo.  O  acarajé  tem  origem  africana,  nos  terreiros de candomblé. Mas atualmente também há protestantes evangélicos vendendo  o petisco em alguns pontos da cidade.  A  iguaria  deve  ser  comida  ainda  quente,  quando  está  crocante.  O  acarajé  bem  feito  tem  crosta  dourado­avermelhada  e  crocante.  O  interior  é  branco,  o  dendê  não  penetra. Quando mais leve a massa, mais saboroso o petisco. 40 
  • 42. Também  há  alguns  bares  e  restaurantes  que  produzem  e  vendem  o  acarajé  em  grande escala. O cliente senta­se em mesas e, enquanto toma alguma bebida, saboreia o  acarajé. Do mesmo modo, nas baianas instaladas nas ruas, calçadas e praias, os clientes  compram  o  acarajé  e  procuram  algum  bar  das  redondezas  para  apreciar  calmamente  a  iguaria, acompanhada de alguma bebida. Sair para comer acarajé é uma das atividades  favoritas dos baianos e turistas de Salvador.  Abará  O abará tem a mesma receita do acarajé, com a adição de azeite­de­dendê e leite  de coco à massa. Às vezes também leva camarão seco moído. O abará é envolvido em  folha  de  bananeira  e  cozido  no  vapor  ou  na  água  fervente.  A  folha  de  bananeira  é  dobrada, dando forma de pirâmide ao embrulho da massa. As baianas típicas já trazem o  abará cozido de casa ou terminam de cozinhar na rua, no vapor. A embalagem na folha  de bananeira ajuda a conservar a temperatura e dá sabor especial ao quitute.  O abará é menos famoso que o acarajé, mas tem boa vendagem. Além da possui  textura mais macia que o acarajé, é especialmente procurado por quem procura evitar as  frituras. Para serví­lo, retira­se a folha de bananeira. O abará é partido ao meio e a ele é  adicionado o recheio desejado pelo consumidor.  Farofa de dendê  Também  chamada  de  farofa  amarela,  pela  coloração  dada  pelo  dendê.  Representa a miscigenação de culturas, pois é a união da mandioca, nativa do Brasil e  alimento  originalmente  dos  indígenas,  com  o  azeite­de­dendê,  de  origem  africana.  A  farofa de dendê significa o entrelaçamento da cultura africana e da indígena.  Para  prepará­la,  acrescenta­se  cebola  picada  ao  dendê.  Refoga­se  e  depois  adiciona­se a farinha e o sal a gosto. Mexe­se sem parar para misturar tudo, ficar toda  por igual e torrada. Simples e fácil de fazer. 41 
  • 43. Box  Moqueca de Feijão  (Receita de Guilherme Radel)  Ingredientes  Sobra de feijoada do dia anterior  1 cebola picada  tempero verde (coentro, cebolinha)  4 colheres de camarão seco  sal  1 xícara de azeite­de­dendê  1 tomate em rodelas  1 cebola em rodelas  Preparo  Separe as carnes dos caroços de feijão.  Soque os temperos, com exceção do tomate e da cebola em rodelas, em pouquíssimo  sal. Aqueça numa caçarola metade da xícara do azeite­de­dendê.  Refogue os temperos no dendê, mexendo bem. Junte as carnes ao refogado e continue  mexendo.  Junte o feijão, ponha água aquecida e continue mexendo. Quando o conjunto ferver,  ponha o tomate em rodelas, a cebola em rodelas e o resto do azeite­de­ dendê e ponha 1  copo de água aquecida. Tampe a panela e desligue o fogo após 10 minutos. 42 
  • 44. Dendê popular   Nas ruas e feiras, pratos que levam dendê  têm preços para bolsos de vários tamanhos  Na  década  de  20  do  século  XX,  a  Bahia  já  era  conhecida  como  a  Terra  do  Vatapá. Mas nas feiras e mercados de Salvador, não era comum encontrar nem o vatapá  nem  o  caruru.  Os  petiscos  populares  eram  o  acarajé  e  o  acaçá,  um  bolinho  feito  de  milho,  pouco  encontrado  hoje  em  dia.  “Via­se  feijão  mulatinho  fervendo  e  saboreado  em  pratos  de  alumínio,  com  farinha  de  mandioca,  carne  ou  peixe  assado  em  postas  e  molho de pimenta”. É o que conta o folclorista e historiador Luiz da Câmara Cascudo,  em História da alimentação no Brasil. Segundo o autor, os freqüentadores do Mercado  Modelo  e  da  feira  de  Água  de  Meninos  preferiam  “comida  portátil”,  a  qual  podiam  comer enquanto iam andando.  A feira de Água de Meninos hoje se chama Feira de São Joaquim. Está situada  na  Cidade  Baixa,  em  Salvador.  É  lá  que  fica  o  bar  e  restaurante  São  Joaquim,  de  propriedade de Antônio Carlos de Souza, 54 anos, ex­funcionário público e há dois anos  estabelecido  no  local.  O  restaurante  está  situado  em  um  box  da  feira,  em  meio  à  movimentação dos feirantes e consumidores. O cliente senta­se em uma banqueta alta e  almoça no balcão. A chamada “comida baiana”, com azeite­de­ dendê, só é encontrada  na sexta­feira.  Por  comida  baiana  entende­se  ali  o  prato  composto  de  caruru,  vatapá,  arroz,  feijão fradinho e xinxim de galinha ou moqueca de peixe. Vendido por R$ 5,00, o prato  tem  grande  procura.  Nos  outros  dias  da  semana,  “seu”  Antônio  Carlos  vende  galinha  assada  e  cozida,  assado  de  boi  e  bife.  Na  sexta  e  sábado  tem  mocotó  e  rabada.  O  domingo é o dia da feijoada. Engana­se quem pensa que a refeição mais procurada é a  que leva dendê. “O prato mais vendido é o mocotó”, conta o dono do restaurante.   “Mas  o meu preferido é a feijoada”, completa. 43 
  • 45. As comidas são preparadas no próprio local, por uma cozinheira. No box em que  fica o restaurante, há  fogão, geladeira e pia com  água corrente. Antônio Carlos Souza  compra os ingredientes na própria feira. O almoço começa a ser preparado às 7h30 e às  9  já  está  pronto.  A  procura  pela  refeição  começa  lá  pelas  11  da  manhã.  O  restaurante  vende em média de 30 a 40 refeições por dia.  A comida feita com azeite também está disponível somente nas sextas­feiras nas  panelas de Célia Bacelar, cozinheira e proprietária do restaurante Encontro das Águas,  situado em um dos quiosques da Praça Marechal Floriano, no Comércio, em Salvador.  O  olhar  simpático  da  baiana  negra  corpulenta,  nascida  no  bairro  da  Liberdade,  em  Salvador,  deixa  transparecer  um  tanto  de  timidez,  que  fica  mais  clara  com  a  economia de palavras, durante a entrevista. A concentração durante o preparo, enquanto  mexe o vatapá também não deixa a cozinheira livre para conversar à vontade. Célia está  no local desde abril de 2003. Ela é ex­funcionária da Embasa e desligou­se em um plano  de demissão voluntária.  Entre  os  restaurantes  situados  na  praça,  o  de  Célia  é  o  único  que  anuncia  “comida  baiana”.  Mais  uma  vez,  é  o  caruru  completo  que  está  disponível.  O  prato  é  composto  de  caruru,  vatapá,  arroz  branco,  feijão  fradinho  –  temperado  com  camarão,  coentro, cebola e dendê ­ e moqueca de peixe. O prato feito custa R$ 3,50 e o almoço  executivo,  para  duas  pessoas,  custa  6  reais.  Célia  conta  que  o  prato  mais  pedido  é  a  feijoada. “A comida baiana tem boa saída, assim como o sarapatel”.  No cardápio da sexta­feira, acha­se  comida  baiana, sarapatel,  mocotó, feijoada.  “É o dia em que mais se vende”, conta Célia. Nos demais dias, as opções são ensopado  de carne, frango assado e carne do sol com pirão de leite.  Ainda  há  opções  mais  baratas  no  Comércio.  Por  2  reais  é  possível  comer,  também somente nas sextas, um prato de moqueca do marisco chumbinho ou de peixe, 44 
  • 46. acompanhada de arroz e farinha e feijão. A refeição é servida por Manoel Barbosa, 50  anos,  aposentado,  que  instala  suas  panelas  em  uma  calçada,  próximo  a  um  armazém.  Entre  os  clientes  do  cozinheiro  ambulante,  estão  guardadores  de  carros,  seguranças,  trabalhadores  de  escritórios,  operários,  até  mendigos,  que  juntam  as  suas  moedas  para  comprar o “rango”. Na sexta­feira, são duas opções de pratos: feijoada e moqueca.  Comida do sertão  A  comida  baiana  não  é  barata  nem  fácil  de  ser  elaborada.  É  comida  mais  facilmente  encontrada  em  Salvador,  na  região  do  Recôncavo  Baiano  e  nas  cidades  litorâneas  da  Bahia.  Ao  mesmo  tempo,  é  comida  refinada,  festiva,  especial.  Não  é  facilmente encontrada todos os dias nas ruas, à exceção da sexta­feira e dos restaurantes  turísticos especializados.  A preferência do consumo popular por outros pratos tem uma explicação para o  engenheiro  Guilherme  Radel,  estudioso  de  gastronomia  e  autor  de  livros  sobre  o  assunto. Radel arrisca uma explicação para a preferência de outros pratos, em lugar da  comida  baiana  de  dendê,  nas  feiras,  ruas  e  mercados  de  Salvador.  “O  pessoal  que  trabalha nas feiras de Sete Portas e Água de Meninos é, em grande parte, proveniente do  interior  do  Estado,  do  sertão.  Por  isso  a  preferência  é  pelo  mocotó,  pela  buchada.  A  Feira de Sete Portas vende mais caprinos e ovinos do que em qualquer outro lugar”, diz  Radel conta que no Mercado Modelo, na Praça Castro Alves e nas Sete Portas,  havia pessoas que vendiam na madrugada, de sábado para domingo, feijoada, sarapatel,  mocotó. Comida muito consumida no interior e no sertão, e nem sempre lembrada como  comida  baiana.  “Até recentemente havia também  uma  Kombi que vendia esses pratos.  Abria  as  portas  e  vendia  nas  ruas.  Era  muito  procurada.  O  pessoal  gosta  muito  da  comida do sertão”. 45 
  • 47. Então,  apesar  do  passar  do  tempo  e  das  mudanças  nos  hábitos  alimentares,  a  comida  feita  com  azeite­de­dendê,  mais  facilmente  encontrada,  ainda  é  o  acarajé  e  o  abará, junto com os seus acompanhamentos – vatapá, caruru, molho de camarão, salada  e  molho  de  pimenta  ­,  consumidos  em  forma  de  refeição.  De  certa  forma,  ainda  é  a  “comida portátil”, na designação de Câmara Cascudo, feita com azeite­de­dendê, que é  consumida nas ruas da Bahia. Sai a preço acessível e já está pronta para o consumo. A  “comida portátil” transformou­se em fast­food.  Ender eços:  Restaurante  Encontro  das  Águas  –  Praça  Marechal  Floriano,  Comércio.  Próximo  ao  final da Rua Miguel Calmon.  Restaurante São Joaquim – Feira de São Joaquim,  na Avenida Oscar Pontes, Calçada.  Logo após o Terminal São Joaquim (ferry­boat). 46 
  • 48. Cozinha ambulante  O cozinheiro Manoel Barbosa leva as panelas para a rua e serve refeições  No Comércio, em Salvador, o meio­dia vai chegando e eles vão se aproximando.  São  guardadores  de  carro,  seguranças,  operários,  trabalhadores  daquela  região.  Até  mendigos.  Eles  vêm  provar  a  comida  de  Manoel  Barbosa,  aposentado,  50  anos.  Cozinheiro ambulante, camelô de refeições.  No final da avenida Estados Unidos, próximo à rua da Suécia, sob a sombra de  uma árvore, na calçada de uma rua de pouco movimento, que serve de estacionamento  de carros, uma mesa com cadeiras é colocada. As panelas ficam sobre um fogareiro logo  ao lado, alimentado pelo gás de um botijão. Seu Manoel termina de preparar as comidas  ali mesmo na rua. É na calçada que o feijão completa o cozimento e fica macio.  Uma  lona plástica preta, presa na árvore, ajuda a  impedir que as  folhas  miúdas  caiam  nos  pratos  dos  clientes.  A  depender  da  força  e  do  sentido  do  vento,  a  estrutura  não  tem  lá  muito  sucesso.  Alguns  clientes  são  bem  vestidos,  parecem  trabalhar  nos  escritórios e bancos da região. Antes de provar a comida, tomam uma dose de cachaça,  acompanhada  de  um  pedaço  de  caju.  Para  abrir  o  apetite  e  relaxar  das  tensões  do  trabalho.  É  esse  momento  de  relax  que  falta  nos  restaurantes  fast­food,  de  comida  a  quilo?  Seu  Manoel  Barbosa  mora  no  conjunto  ACM,  no  bairro  de  São  Marcos,  em  Salvador.  Tem  cinco  filhos.  Ele  chega  no  comércio  às  6  horas  da  manhã.  Vem  de  ônibus,  com  os  ingredientes  do  almoço  em  uma  sacola.  O  arroz  já  vem  pronto.  É  colocado em uma bacia plástica, de onde é servido para os pratos. A bacia tem cara de  vários anos de uso.  Na rua, ele termina de preparar a feijoada e a moqueca. É sexta­feira, a moqueca  não pode faltar. Naquele dia, o prato com dendê era feito com o marisco que se chama 47