Aula - 2º Ano - Cultura e Sociedade - Conceitos-chave
Brasilidades bahianas 02
1. DANILO SANTOS DE MENEZES
A POPULAR COZINHA BAIANA DO DENDÊ
Série de reportagens
Trabalho de conclusão do curso de
Comunicação, habilitação em Jornalismo, da
Universidade Federal da Bahia.
Orientador : Giovandro Marcus Ferreira
Coor ientador a: Nadja Magalhães Miranda
SALVADOR (BA)
2003
3. AGRADECIMENTOS
Ao orientador Giovandro Ferreira, pelo acompanhamento, revisão, dispo
nibilidade e atenção. À coorientadora Nadja Miranda, pelas sugestões e críticas em
momentos importantes.
A Beto, pelo apoio constante. A Eliane Cardoso, pelo carinho. Aos colegas de
trabalho do Banco do Brasil e aos colegas do curso de Comunicação, especialmente
Amanda, Eliane, Luciana e Tharsila, pelo companheirismo.
A Vivaldo da Costa Lima, que me disponibilizou a sua biblioteca, e de quem me
tornei amigo. A Ericivaldo Veiga, pela atenção. A Vânia Rebelo, pelas fotos. A Luciano
Robatto, pelas dicas de editoração.
A todos os entrevistados, pela disponibilidade e pelo amor à arte culinária. A
Heloísa Sampaio, pelas informações fornecidas. E por suas crônicas gastronômicas,
muitas sobre a região cacaueira, de onde também sou nativo.
4. Comer e comunicar são duas funções animais que o
homem faz com mais estilo e variedade que os
animais. Há quem diga que sexo também, mas nossa
espécie não tem nada parecido com o ‘balé’ sexual
de certas aves, pelo que eu conheço. É por isso que o
texto sobre comida nos dá tanto prazer. Estamos
celebrando a nossa superioridade sobre o hipopótamo
e ostentando duas artes que só nós temos no planeta
dos bichos, a gastronomia e a linguagem.
Luis Fernando Veríssimo
7. APRESENTAÇÃO
A presente memória acompanha a série de reportagens A popular cozinha
baiana do dendê, que constitui requisito parcial para conclusão do curso de graduação
em Comunicação, habilitação em Jornalismo, da Universidade Federal da Bahia. Este
trabalho de reportagem aborda basicamente a presença majestosa do azeitededendê na
culinária baiana, e diversos aspectos envolvidos, a exemplo de origens, tradições,
utilizações e inovações nos pratos que utilizam esse ingrediente. O olhar sobre a cozinha
baiana deuse a partir de pessoas que estudam, preparam e que apreciam os pratos feitos
com azeitededendê.
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8. ESCOLHA DO TEMA
Na época do meu anteprojeto, pensado enquanto cursava a disciplina Elaboração
de Projeto em Comunicação, com a professora Maria Carmem Jacob, imaginei abordar
a gastronomia, tendose em conta o que é veiculado nas colunas de jornais, baianos e de
outros Estados. Da gastronomia em geral, o meu interesse passou a enfocar a
gastronomia na Bahia, até chegar à culinária e à apreciação dos pratos que são feitos
com azeitededendê.
O meu interesse pelo tema parte do prazer de degustar uma boa refeição.
Motivado pela fome, eu me dedico eventualmente à preparação de alguns pratos e à
peregrinação a restaurantes, em busca de novos sabores. Passando, eventualmente, pela
leitura de revistas, jornais e livros sobre culinária e gastronomia. Na Faculdade de
Comunicação da UFBA, elaborei um site sobre acarajé, durante a disciplina Oficina de
Comunicação Audiovisual, do curso de Jornalismo.
De início, a gastronomia significava “estudo ou observância das leis do
estômago”. Hoje está relacionada aos preceitos de comer e beber bem, mais por prazer
do que por necessidade, e à arte de preparar iguarias para obter delas o máximo de
deleite, tornandoas mais digestivas. Gastronomia, portanto, é a arte de cozinhar e
apreciar a boa comida. A arte de cozinhar também é chamada de culinária.
A culinária brasileira é bastante variada, por sua geografia e formação étnica,
basicamente indígena, africana e portuguesa. A cozinha baiana é, entre as de todos os
Estados, talvez o maior espelho dessa mistura de influências. Os pratos de origem
africana são, sem dúvida, os mais famosos da Bahia. Ainda que existam outras heranças
importantes, receitas consumidas até com mais freqüência no diaadia dos baianos.
7
9. Nesse caso, o grande exemplo é a cozinha sertaneja, formada em sua maior parte de
pratos de origem portuguesa, com influência da cozinha indígena.
A gastronomia vai além da preparação e degustação de pratos: envolve a crítica
e pressupõe conhecimentos teóricos e práticos, que permitem avaliar os resultados
obtidos. Isso ficou mais claro para mim ao ler livros e as seções de gastronomia de
jornais impressos de outros locais. Análises e matérias com nível de aprofundamento
maior do que o encontrado nos jornais da Bahia e de outros Estados brasileiros.
Por aqui existem poucos os profissionais da comunicação que se dedicam à
gastronomia. Há pouco espaço dispensado ao assunto, em termos de número de colunas
e páginas. Falta esmiuçar, dar mais informações, mais detalhes. Olhando de forma
rápida os cadernos de finais de semana, notase que o jornal A Tarde resumese a
receitas e um texto curto na coluna Comes e Bebes. O Correio da Bahia vai um pouco
adiante, disponibiliza página inteira, trazendo matérias de culinária com referência a
datas comemorativas (dia dos pais, das mães, dos namorados), tipos de culinária
(natural, light, macrobiótica), de diferentes nacionalidades (chinesa, italiana, francesa),
mas todas com textos curtos, cujo foco também acaba recaindo sobre as receitas. Falta
contextualizar e imprimir impressões críticas e detalhadas dos resultados dos pratos.
Uma opção mais recente produzida na Bahia é o blog (site) Tara do Prato (
www.taradoprato.weblogger.com.br), publicado na internet, produzido pelas jornalistas
Heloísa Sampaio e Majorie Moura, com crônicas, receitas e notícias sobre a
gastronomia no Estado. Heloísa, ou Helô, é cronista de gastronomia e possui livro
publicado sobre o assunto, intitulado Bem comida .
Na bibliografia da cozinha baiana, a maior parte dos títulos é composta de livros
de receitas. Entre algumas exceções: o livro A cozinha baiana, do jornalista Darwin
Brandão, publicado em 1948, e A cozinha baiana: seu folclore, suas receitas, de
8
10. Hildergardes Vianna, publicado em 1955. O primeiro é uma grande reportagem,
publicada em forma de livro. Mesmo assim, a metade do total de páginas é composta de
receitas. O segundo trabalho, da professora e folclorista Hildegardes Vianna, possui
anotações valiosas a respeito dos costumes baianos da década de 50. Mas também a
maior parte do conteúdo é de receitas.
O antropólogo Vivaldo Costa Lima deu grande colaboração à cultura baiana ao
publicar o artigo Etnocenologia e etnoculinária do acarajé. O texto é a mais importante
referência em termos de análise do “fenômeno cultural” acarajé. E, por conseqüência,
da cozinha baiana atual. O antropólogo promete para breve a publicação de um livro,
totalmente dedicado à iguaria. O livro terá o título O acarajé e o sonho.
A tese de doutorado A cozinha baiana do restaurante escola do Senac do
Pelourinho Bahia: mudança de contexto e atores, do antropólogo Ericivaldo Veiga,
professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) é também um excelente
registro da cultura baiana. Mas o foco do trabalho é o restaurante e escola, não é a
alimentação.
O engenheiro Guilherme Radel também deu grande colaboração para o registro
da cozinha da Bahia. O livro A Cozinha Sertaneja da Bahia , publicado em 2002,
também traz muitas receitas e boas observações, ainda que breves, sobre a cozinha do
Estado.
A partir da percepção de que há certa lacuna a ser preenchida, sobre a
atualização de um assunto que vem despertando o interesse dos leitores, imaginei em
dar uma pequena colaboração para o registro históricocultural da cozinha do azeitede
dendê, praticada na Bahia. Pensei em produzir uma série de reportagens, editada na
forma de um caderno especial para ser incluído em jornal impresso.
9
11. FORMATO Série de reportagens (grander eportagem)
Noticiar é tornar público um fato, buscando responder as questões o que, quem,
quando, como, onde e por quê. Para diminuir a superficialidade da notícia, fornecendo
para o receptor compreensão de maior alcance, surge a modalidade de mensagem
jornalística chamada de reportagem, que é a ampliação do relato simples para a
dimensão contextual.
A grandereportagem é o formato que apresenta maior amplitude, possibilitando
mergulho nos fatos e em seu contexto, oferecendo a seu autor ou atores, uma dose
considerável de liberdade para escapar da fórmula convencional do tratamento da
1
notícia .
Segundo Lima, uma das formas de expressão da grandereportagem é o
jornalismo interpretativo, que busca não deixar a audiência desprovida de meios para
compreender o seu tempo, as causas e as origens dos fenômenos que presencia, suas
conseqüências no futuro. Procura elucidar os aspectos da realidade que não estão muito
2
claros .
Para tanto, são necessários alguns ingredientes:
O contexto do fato nuclear, quando se trata de um tema mais duradouro e que
não reflita apenas uma ocorrência menor, isolada;
Os antecedentes, para resgatar no tempo as origens do problema; o suporte
especializado, através de enquete, pesquisa de opinião pública ou entrevistas com
especialistas e testemunhas do assunto em questão, para dar a sustentação que evita a
informação oca;
1
LIMA, Edvaldo. Páginas ampliadas: o livroreportagem como extensão do jornalismo e da literatura.
Campinas (SP): Editora da Unicamp, 1993, p. 24.
2
Op. cit., p.25
10
12. A projeção, visando inferir do presente e do passado os desdobramentos do
caso, suas conseqüências possíveis, seu alcance futuro;
O perfil, que é o lado de humanização da reportagem, que busca emocionar,
junto com a elucidação racional.
Tudo isso voltado para uma abordagem multiangular, para uma compreensão da
realidade que ultrapassa o enfoque linear, ganhando contornos sistêmicos no esforço de
estabelecer relações entre as causas e as conseqüências de um problema
3
contemporâneo.
A reportagem tem as características da predominância da forma narrativa, a
humanização do relato, o texto de natureza impressionista e a objetividade dos fatos
4
narrados.
A grande reportagem colabora para o aprofundamento do conhecimento do
nosso tempo, diminuindo o aspecto efêmero da mensagem da atualidade praticada pelos
5
canais cotidianos da informação jornalística . É na expectativa de encontrar explicações
e informações de ações de bastidores, que o leitor pode motivarse ao aprofundamento
que a série de reportagens se propõe.
A série de reportagens aqui elaborada é basicamente do tipo documental (quote
story), cujo relato é acompanhado de citações que complementam e esclarecem o
assunto tratado, ao mesmo tempo em que se apóia em dados que lhe conferem
fundamentação. Também foram utilizados o uso de recursos da reportagem de fatos
6
(narração de fatos).
3
LIMA, Edvaldo. Páginas ampliadas: o livroreportagem como extensão do jornalismo e da literatura.
Campinas (SP): Editora da Unicamp, 1993, p.26
4
SODRÉ, Muniz; FERRARI, Maria Helena. Técnica de reportagem: notas sobre a narrativa jornalística.
São Paulo: Summus Editorial, 1986, p. 15.
5
LIMA, Edvaldo. Páginas ampliadas: o livroreportagem como extensão do jornalismo e da literatura.
Campinas (SP): Editora da Unicamp, 1993, p. 16.
6
op. cit., p. 28.
11
13. Quanto à função, a série de reportagens tem as finalidades típicas do jornalismo:
serve para informar, orientar, explicar.7
Costuma faltar ao profissional da comunicação o hábito da pesquisa mais
apurada sobre o tema de sua pauta, antes de partir para a coleta que vai gerar a matéria.
Ou, em certos casos, faltalhe o domínio de um instrumental de lógica que lhe
possibilite analisar um tema com amplitude, a partir daí podendo estruturar uma pauta
abrangente, de alcance. Este trabalho acadêmico de série de reportagens pode vir ajudar
suprir essa lacuna.
Quanto ao vínculo com a atualidade, há duas categorias de reportagem. Na
primeira, aproveita um fato de repercussão atual, para explorálo com maior alcance. Na
segunda, não se limita ao rigorosamente atual, trabalhando temas um pouco mais
distantes no tempo, de modo que possa, a partir daí, trazer explicações para as origens,
8
no passado, das realidades contemporâneas . A série de reportagens aqui elaborada é
coerente com o segundo tipo, ainda que ambas as características estejam interligadas.
A série de reportagens tem a função de informar e orientar em profundidade
sobre ocorrências sociais, episódios fatuais, acontecimentos duradouros, situações,
idéias, e figuras humanas, de modo que ofereça ao leitor um quadro da
contemporaneidade capaz de situálo diante de suas múltiplas realidades, de lhe mostrar
9
o sentido, o significado do mundo contemporâneo.
A profundidade pode se dar horizontalmente – sentido extensivo , verticalmente
– sentido intensivo – ou numa mescla de ambos.
O aprofundamento é extensivo, ou horizontal, quando o leitor é brindado com
dados, números, informações, detalhes que ampliam quantitativamente sua taxa de
7 LIMA, Edvaldo. Páginas ampliadas: o livroreportagem como extensão do jornalismo e da literatura.
Campinas (SP): Editora da Unicamp, 1993, p.30
8
op. cit., p.34
9
op. cit., p.37
12
14. conhecimento do tema. O aprofundamento é intensivo, ou vertical, quando o leitor é
alimentado de informações que lhe possibilitam aumentar qualitativamente sua taxa de
conhecimento. Isto é, existe uma análise multiangular de causas e conseqüências , de
efeitos e desdobramentos, de repercussões e implicações. Neste plano, a grande
reportagem, em forma de livro, vinculase menos à edificação do tangível imediato, do
10
concreto, e mais à tecedura do sutil, do que está por materializarse.
No primeiro caso, o número e a qualidade dos detalhamentos enriquecem a
narrativa para um grau de informação idealmente superior ao dos veículos cotidianos.
No segundo, a verticalização solidifica a real compreensão do tema e de sua precisa
inserção no contexto contemporâneo.
O jornalismo aprofundado passa pela pesquisa histórica. É a forma de
contextualizar. Segundo Lima, o sentido – ou seja, o rumo, a direção – de um
acontecimento manifestase no tempo presente, como efeito do passado, como evolução
para o futuro, e seu significado – o que representa e para quem – só pode ser obtido
11
quando identificadas as relações que estabelece com os demais níveis hierárquicos .
10
LIMA, Edvaldo. Páginas ampliadas: o livroreportagem como extensão do jornalismo e da literatura.
Campinas (SP): Editora da Unicamp, 1993, p.37
11
op. cit., p.239
13
15. PRODUÇÃO
Iniciei a pesquisa em outubro de 2002, após a definição do tema na disciplina
Elaboração de Projeto. Por sugestão da professora Heloísa Sampaio, fui em busca do
antropólogo Vivaldo da Costa Lima, professor Emérito da UFBA, hoje aposentado. De
início, Vivaldo mostrouse resistente a dar entrevistas. Mas, depois de alguns encontros,
pediu uma cópia do meu projeto para ler e me convidou a freqüentar a sua ampla
biblioteca de gastronomia. Foi uma grande oportunidade de trabalho.
A biblioteca do antropólogo possui textos raros da cozinha baiana e grande
variedade de títulos da gastronomia internacional. Quanto estava na ativa, como
professor da UFBA, Vivaldo tentou implementar um centro de estudos de alimentação.
É interessado por gastronomia há muito tempo; e me incentivou a ler com profundidade
sobre o assunto. Passei a freqüentar a biblioteca com assiduidade.
A fome foi algo que me acompanhou durante as pesquisas. Por diversas vezes,
ao me dedicar às leituras dos belos livros de gastronomia, depareime com algo mais do
que o apetite pelo conhecimento. Era a fome propriamente dita. Saía da biblioteca do
professor Vivaldo literalmente faminto.
A pesquisa histórica e o bom trabalho jornalístico envolvem ou deveriam
envolver leituras, antes de qualquer entrevista. Por conta disso comprei livros, fui em
sebos. Consegui raridades. Tive que fotocopiar textos básicos. Entre eles, a bíblia
“História da Alimentação no Brasil”, de 925 páginas, em dois volumes, do historiador
Luis da Camara Cascudo. É inacreditável que um livro daquela qualidade e amplitude
esteja esgotado e sem perspectiva de republicação.
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16. Também coletei receitas e matérias de jornais. Desde agosto de 2002, venho
recolhendo o que é publicado em A Tarde, Correio da Bahia e na Gazeta Mercantil
sobre gastronomia.
Pautas e entrevistas
Para iniciar o trabalho, combinei com o professor Giovandro Ferreira de elaborar
pautas, o que facilitaria o trabalho. E como elas me foram úteis! Sempre lhes recorria
para elaborar as questões, toda vez que ia partir para qualquer entrevista.
A pauta eficiente e completa deve conter itens como a definição precisa do
assunto a ser abordado e seus objetivos, a formulação dos problemas e um plano de
captação. Esses itens dão conta, entre outras coisas, da localização precisa do assunto a
12
ser abordado e seus objetivos.
A partir do projeto do trabalho, concentrei a ação em três linhas de assuntos para
abordar nas entrevistas. A primeira, enfocando as maneiras de comer, verificando
costumes alimentícios relacionados às comidas baianas de azeite. O contexto do
consumo, os lugares, os comilões.
Na segunda linha, as maneiras de preparar, observando os modos de fazer a
comida baiana. A evolução das técnicas, ingredientes e preparo. Novos pratos feitos
com o dendê e o seu parceiro inseparável, o leite de coco. A satisfação de quem prepara
a comida, o que motiva essas pessoas a trabalhar com gastronomia.
Na terceira linha de entrevistas, abordando as maneiras de divulgar, conversando
com pessoas que pensam e divulgam a gastronomia. Jornalistas, escritores,
divulgadores, antropólogos. E estes foram fontes excelentes.
12
LIMA, Edvaldo. Páginas ampliadas: o livroreportagem como extensão do jornalismo e da literatura.
Campinas (SP): Editora da Unicamp, 1993, p.73.
15
17. Nunca pensei que o jornalismo desse tanto trabalho. Há muitos obstáculos a
serem vencidos durante a confecção de uma grande reportagem. Da dificuldade de
marcar entrevistas, passando pela demorada transcrição das gravações, indo até a edição
do texto. Durante o curso de jornalismo, e de algumas reportagens elaboradas para o
jornal Província da Bahia, tive pouco contato com o uso do gravador. Do mesmo modo,
em minhas atividades de comunicação no Banco do Brasil, que incluíram confecção de
house organ e estágio no Núcleo de Comunicação da superintendência estadual, o
gravador foi algo completamente dispensável.
Nas matérias elaboradas para a agência interna de notícias online do Banco do
Brasil, um simples telefonema é suficiente para elaborar uma matéria, que consta no
máximo de três ou quatro parágrafos. O jornalismo online quase sempre induz à
confecção de textos noticiosos curtos. A opção pela reportagem como trabalho de
conclusão do curso de Jornalismo foi no justamente no intuito de suprir a carência de
experiências em elaborar textos mais aprofundados.
O gravador parece ser uma ferramenta utilizada em casos muito especiais no
jornalismo. É necessário um ambiente tranqüilo, com poucos ruídos externos. Depois,
um demorado período de transcrição. Por ter pouca experiência com o equipamento,
iniciei transcrevendo frase por frase, cada opinião e reação (risos, rispidez,etc.) do
entrevistado. Com receio de perder alguma informação, por não saber exatamente o que
seria aproveitado. À medida que fui adquirindo mais experiência, já fazia a transcrição
junto com a edição do texto, elaborando como se fosse o rascunho da matéria,
registrando somente os aspectos que iriam fazer parte das reportagens.
Junto ao trabalho de transcrição, procurei registrar a minha percepção sobre a
pessoa que estava sendo entrevistada, sobre o local onde ocorreu a entrevista, o
comportamento do entrevistado, seu posicionamento. De forma geral, quem trabalha
16
18. com gastronomia, parece estar de bem com a vida. Todos dão boas risadas. Parecem
saber apreciar o que a vida tem de bom, valorizar as relações entre as pessoas, dedicar
se a agradar aos comensais e – agradando a si mesmos – ouvir elogios.
Os estudiosos (jornalistas, antropólogos e outros) foram fontes indispensáveis ao
trabalho. Não somente para fornecer informações e iluminar questões, mas para chamar
a atenção sobre os aspectos que mereceriam abordagem aprofundada, e também com
suas opiniões, na discussão de temas polêmicos.
Durante as entrevistas, fui anotando tópicos recorrentes e que me pareceram
mais significativos, tentando achar “ganchos” para as reportagens. Também durante as
entrevistas, os personagens mais interessantes foram se afirmando por conta própria e
“exigiram” os seus perfis. Eu apenas registrei.
Em vista da grande quantidade de informações a respeito dos modos de
consumir, preparar e servir, o quesito de divulgação foi deixado de lado. Acredito que
este é um tópico que pode vir a gerar um outro trabalho, pois envolve aspectos
relacionados ao turismo e ao mercado de restaurantes e estabelecimentos comerciais da
Bahia. As reportagens deste trabalho recaem sobre aspectos culturais da cozinha e
alimentação na Bahia.
Com a boa quantidade de informações obtidas, percebi que a discussão do que é
publicado na imprensa baiana sobre gastronomia não ficaria interessante neste trabalho.
Poderia caber melhor em algum estudo acadêmico, talvez de natureza comparativa. Não
seria o caso da inclusão em um trabalho de reportagem. Por esse motivo não abordei as
maneiras de divulgar. Aproveitei, sim, o conhecimento daqueles que divulgam para
aprofundar aspectos da cultura.
Durante realização das entrevistas e confecção das reportagens, foi ficando claro
para mim que a abordagem da cozinha baiana ficaria restrita aos aspectos de consumo,
17
19. preparação e apreciação de pratos feitos com o dendê. O que já significa um tema
bastante amplo.
O dendê está presente na maior parte da cozinha de origem africana, que é,
efetivamente, a mais celebrada e famosa do Estado. Por mais que se saiba da existência
e do consumo até mais freqüente de outros pratos, a exemplo das carnes da cozinha
sertaneja, a cozinha de origem africana é a que é sempre lembrada como “baiana”.
Na entrevista com o engenheiro e gastrônomo Guilherme Radel, autor de A
cozinha sertaneja da Bahia , encontrei um acadêmico de peso (sem trocadilho),
conhecedor não só da cozinha sertaneja, mas grande apreciador da cozinha afrobaiana,
como ele mesmo designa.
Além de muito simpático, contador de casos, Radel revelouse um excelente
observador e crítico de gastronomia. Também fez observações interessantes a respeito
dos assuntos publicados nas colunas de gastronomia dos jornais baianos e nacionais. Ele
comentou sobre os jornalistas atuais e antigos, comprovando que o seu interesse vem de
longa data.
No livro A Cozinha Sertaneja da Bahia, Radel fez anotações baseadas em sua
percepção, leituras, pesquisas e incursões na cozinha. O escritor fala tão alto quanto o
pesquisador. Ele não se furta a opinar e escrever sobre vários aspectos da gastronomia.
Na investigação de algumas das observações de Radel, surgiram questões que
resultaram em algumas reportagens deste trabalho, a exemplo da utilização (para ele)
excessiva do leite de coco nas moquecas e do consumo do dendê na sextafeira.
Vivaldo da Costa Lima não me concedeu entrevistas, mas me forneceu bastante
material escrito por ele, que revelam as suas impressões. Foram artigos publicados em
livros e anotações de aulas e palestras.
18
20. Fiz entrevistas bastante proveitosas com a jornalista Heloísa Sampaio, com o
antropólogo Ericivaldo Veiga e com a culinarista Elíbia Portela. Além das entrevistas
que se transformaram em perfis, com o cozinheiro Manoel Barbosa, com o geólogo
Arno Brichta e a banqueteria Maria Célia Midlej.
A professora Nadja Miranda foi gentil e acessível, ao me dar idéias para
direcionar a confecção deste trabalho. Em vista do prazo curto disponível, ela me
sugeriu que reduzisse o texto para uma série de reportagens, em lugar do livro
reportagem inicialmente previsto. Também me emprestou livro e outras séries de
reportagens de alunos da Facom, que foram muito úteis para visualizar a forma de
apresentação deste trabalho. Isso sem contar com idéias para pautas e fontes. Por tantos
préstimos, foi incluída como coorientadora do trabalho.
O estimado orientador Giovandro Ferreira esteve sempre acessível, com boa
vontade, e me forneceu liberdade irrestrita para trabalhar. Desde o final de 2002, ele me
disponibilizou vários livros e trabalho acadêmico de reportagem, iniciando o
acompanhamento de forma atenciosa e tranqüila, mesmo ainda sem estar oficialmente
designado como orientador. Sempre ajudou com idéias para textos, fotos e diagramação.
É curioso que as entrevistas com pessoas que cozinham, apreciam e estudam a
culinária viram longos batepapos. As entrevistas duravam no mínimo 40 minutos.
Durante a conversa, entravam em cena as reminiscências familiares, os prazeres da
degustação, as relações amorosas. É um consenso que cozinhar é dedicar amor. Um
prato sai bem feito e saboroso se é feito com atenção, cuidado, entrega e dedicação.
Assim como na elaboração de uma pintura ou de uma música, a dedicação de
amor ao trabalho culinário retorna e adquire significado artístico. O ato de cozinhar
transformase em arte culinária.
19
21. Restrições
Um aspecto a ser registrado é a ausência de enfoque sobre a cozinha de azeite
que é herança direta africana, dedicada aos orixás do candomblé. Tratase de assunto
complexo, provavelmente abordado com mais propriedade por antropólogos, pois
exigiria uma vivência intensa junto às comunidades do candomblé. É uma atividade que
não foi proposta no projeto deste trabalho. Detiveme aos costumes das ruas,
restaurantes e do diaadia das residências baianas. Na cozinha, digamos, profana. Fiz
somente breves referências às tradições religiosas.
Segundo Lima, o antropólogo entrevista um, informante muitas vezes – ao
contrário do jornalista, cria o relacionamento interativo com este, costura aos poucos a
13
teia de padrões e conexões que dão o todo de uma “rede intrincada de significados” .
Não foi esta a perspectiva proposta no projeto deste trabalho.
A escrita
No processo de confecção das reportagens, por diversas vezes tive que
simplificar a linguagem. Procurei utilizar sentenças em ordem direta e linguagem
simples. Procurei levar o pensamento dos estudiosos na forma mais simplificada e direta
possível, para facilitar a leitura.
Para auxiliar a elaboração das reportagens, fiz um resumo esquemático,
contendo tópicos a serem abordados e as fontes disponíveis. Tive que refazer o resumo
várias vezes, pois alguns tópicos mostraramse mais complexos, exigindo subdivisões,
gerando novas reportagens. O resumo foi refeito à medida que o trabalho tomava corpo.
13
LIMA, Edvaldo. Páginas ampliadas: o livroreportagem como extensão do jornalismo e da literatura.
Campinas (SP): Editora da Unicamp, 1993, p.252.
20
22. À medida que algumas reportagens foram sendo elaboradas, a busca de
profundidade nas informações proporcionou a inclusão de aspectos inicialmente não
previstos. Surgiram informações inesperadas. Foi o caso da descoberta da pesquisa feita
pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB), sobre o acarajé e abará, que comprova
que o abará tem mais calorias que o acarajé. Uma constatação que muda o senso geral
de que o bolinho frito, o acarajé, teria mais gordura que o abará, que é cozido no vapor.
A princípio, hesitei em publicar receitas. Imaginei que a publicação delas
poderia ser taxada como de menor importância frente ao texto jornalístico. Pois, para
mim, que não sou cozinheiro, colocar receitas neste trabalho estaria representando
apenas copiar um texto de algum livro ou coletar a anotação – ou mesmo a fala de um
entrevistado.
Ao pensar na série de reportagens, imaginei fazer um trabalho com relatos de
costumes e contextualização, algo ausente nos livros de receitas. Daí a resistência a
incluílas. Comecei a mudar de idéia ao ler o livro de Luis da Camara Cascudo, História
da Alimentação no Brasil. Lá estão várias receitas, fundamentais para ilustrar os
costumes descritos. Em certos trechos do livro, ao ler sobre os hábitos da alimentação, o
leitor fica curioso para saber o conteúdo dos pratos. E as receitas estão presentes,
complementando um trabalho de grande qualidade.
Assim, fui percebendo que as receitas são algo mais do que simples
procedimentos culinários para obter pratos. Elas mostram a presença ou ausência de
ingredientes e variações em suas quantidades. São diferenças sutis que registram as
mudanças nos gostos e as inovações na culinária, com o passar do tempo. Seguem
características dos seus locais de origem. Retratam principalmente a disponibilidade dos
ingredientes. Em uma região litorânea, por exemplo, haverá grande ocorrência de frutos
do mar em seus pratos.
21
23. A variação de ingredientes, inclusive, foi algo que motivou a confecção de uma
das reportagens. A partir da constatação da importância das receitas, mudei o meu
posicionamento e decidi incluílas no trabalho. Em reunião com o professor Giovandro,
a minha opinião foi reforçada. O professor me sugeriu inclusive que a receita poderia
vir dentro da reportagem. Mas, ao confeccionar o texto, decidi deixálas em quadros
separados, para facilitar a visualização e a leitura.
Per fis
O perfil pode focalizar apenas alguns momentos da vida da pessoa retratada. É
uma narrativa curta tanto na extensão (tamanho do texto) quanto no tempo de validade
de algumas informações e interpretações do repórter. (...) É de natureza autoral.
Impossível que as experiências pessoais de um repórter não se confundam com a
14
temática que estiver trabalhando.
A narrativa de um perfil não pode prescindir de todos os conceitos e técnicas de
reportagem conhecidas, além de recursos literários e outros. Mas ela também está atada
ao sentimento de quem participa. (...) Os perfis cumprem um papel importante que é
exatamente gerar empatias. Empatia é a preocupação com a experiência do outro, a
tendência a tentar sentir o que sentiria se estivesse nas mesmas situações e
circunstâncias experimentadas pelo personagem. 15
Segundo Vilas Boas, os perfis jornalísticos expressam uma trajetória sintética. O
16
perfil é explicitado pela história narrada, com um passado e um presente .
Apesar da durabilidade menor (comparados com as biografias em livro), os
perfis têm grande relevância como gênero jornalístico, mesmo que meses ou anos
14
VILAS BOAS, Sérgio. Perfis: e como escrevêlos. São Paulo: Summus, 2003, p. 13.
15
op. cit., p. 14
16
op. cit., p. 19
22
24. depois da publicação do texto o personagem tenha mudado suas opiniões, conceitos,
17
atitudes ou estilos.
O fato de os atos e as reações de uma personagem deixarem transparecer, ainda
que de maneira fluida, as suas características, tem enorme importância na estruturação
de um perfil. É a possibilidade de descrever uma pessoa contando o que ela faz e como
faz, permitindo a incorporação num texto descritivo de trechos narrativos. São recursos
18
consideráveis.
Os perfis presentes nesta série de reportagens não foram escolhidos
aleatoriamente. Cada um deles representa um tipo de personagem da gastronomia
baiana, que apresenta riqueza de detalhes em seus relatos, ou que apresenta aspectos
inusitados, como é o caso de Manoel Barbosa, o cozinheiro que vende comida na rua.
Assim, o perfil de Guilherme Radel é o do estudioso, pesquisador e divulgador
da cozinha do Estado. O de Arno Brichta é o do conhecedor, gourmet, apreciador que
também prepara pratos. O perfil de Maria Célia é o da especialista em servir refeições.
A confecção de perfis foi para mim um excelente exercício de jornalismo
enriquecido com alguns elementos literários. Deste modo, o lead desaparece. O texto
pode conter diálogos e há muitas impressões do autor.
O suporte
Logo de início, estava disposto a contratar um profissional para fazer a
editoração do trabalho. Mas, apesar da minha pouca experiência no assunto, resolvi
enfrentar o desafio, em vista de que poderia ser uma boa aprendizagem. Nesta atividade,
contei com sugestões do designer Luciano Robatto. Foi utilizado o programa de
editoração Page Maker 6.5
17
VILAS BOAS, Sérgio. Perfis: e como escrevêlos. São Paulo: Summus, 2003, p. 2122
18
op. cit., p. 29
23
25. Em minha carreira profissional, até agora, tive oportunidade de fazer trabalhos
impressos, house organs, no ambiente empresarial. E nessas ocasiões não havia verba
para pagar um profissional de design gráfico. O jornalista tinha que fazer a editoração,
muitas vezes utilizando somente editor de texto (Word) ou de apresentação (Power
Point). Diante desses fatos, quanto mais conhecimento e experiência o profissional tiver
no assunto, melhor qualidade haverá no trabalho final.
A maior parte das fotos foi feita por mim mesmo, com a velha e boa Pentax
K1000, companheira de aventuras. Algumas fotos foram cedidas pela fotógrafa Vânia
Rebelo, de seu arquivo pessoal. Digitalizadas em scanner, foram tratadas com o
programa Adobe Photoshop 6.0.
24
26. CONCLUSÃO
A série de reportagens, aqui desenvolvida, aborda diversos aspectos da culinária
baiana que utiliza o azeitededendê como peça indispensável. O trabalho procurou
elaborar textos com um nível de informações relativamente aprofundado. Para isso
recorrendo à pesquisa bibliográfica ampliada e a um maior número de fontes que o
utilizado no jornalismo periódico.
Fazer este trabalho foi muito gratificante, foi uma grande experiência. Também
acredito ter colaborado para fazer um pequeno mas consistente registro, em forma de
reportagem, de alguns aspectos pouco divulgados da cultura baiana no âmbito da
culinária e da alimentação.
Ao confeccionar as reportagens, tive muito cuidado com minhas afirmações.
Procurei sempre avaliar se o que estava afirmando estava fundamentado em
observações ou se eram meramente opinativas.
Uma das críticas mais ouvidas ao jornalismo diário é que os jornalistas são
pouco especializados nos assuntos que abordam, que fazem pesquisas muito rápidas
para a confecção de matérias e reportagens. Um dos meus objetivos com este trabalho
foi o mergulho em um tema que é passado, presente e futuro: a gastronomia. E com este
aprofundamento, obter subsídios para elaborar outros trabalhos jornalísticos de
qualidade, principalmente neste mesmo assunto.
Outros itens que podem servir para futuros trabalhos de reportagem: a cozinha
sertaneja, a herança árabe na cozinha do sul da Bahia, a culinária da Chapada
Diamantina, a cozinha dos derivados da mandioca, a cozinha das praias.
A alimentação é necessidade básica do ser humano. E um grande prazer, tanto
para quem gosta de preparar quanto para quem consome. A grande maioria dos
periódicos tem a sua seção de gastronomia inserida nos cadernos culturais de final de
25
27. semana. É rara a bibliografia em português que diga algo a respeito do modo e do que
escrever nessas seções. Pelo menos, foi o detectado em pesquisas na biblioteca da
UFBA, na internet e consultando jornalistas que trabalham com o assunto.
De forma geral, o que se vê nas colunas (ou páginas) de gastronomia são
matérias, entrevistas, perfis, reportagens, crônicas, notas, críticas e receitas.
Abordando restaurantes, bares, pratos, chefs famosos, vegetais da época, equipamentos
de cozinha, produção de alimentos (a matériaprima dos pratos), a cozinha das
celebridades, lançamento de novos produtos nos mercados, livros de gastronomia,
cardápios de datas comemorativas, eventos de gastronomia, hábitos de alimentação,
informações nutricionais. Podendo haver o enfoque de aspectos históricos e culturais
sobre tudo isso.
Tenho a intenção de ampliar e editar esta série de reportagens posteriormente em
formato de livro. Em minhas pesquisas, verifiquei que grande parte dos registros
históricos de culinária e alimentação, pelo menos em sua primeira edição, foi feita por
meio de livros editados pelo próprio autor, ou por alguma editora local. É o caso dos
livros de Manoel Querino, Sodré Vianna, Hildegardes Vianna e de Darwin Brandão,
sobre a cozinha baiana. Depois, com a divulgação, alguma grande editora acabou se
interessando, a exemplo dos livros de Hildegardes Vianna e Darwin Brandão. O velho e
surrado caderno de receitas, quem diria, vira documento da História.
Este trabalho, mais do que um ponto de chegada, é o registro de um percurso.
Por conta desta série de reportagens, novas percepções se abriram para mim. Conheci
pessoas e tive acesso a livros de valor histórico. Ao pesquisar sobre os pratos que levam
dendê, verifiquei que vários outros aspectos da culinária baiana merecem atenção. E que
o jornalismo pode colaborar muito no registro desses aspectos. Espero que este trabalho
26
29. BIBLIOGRAFIA
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29
33. A fama é uma amostra da importância da cozinha baiana. A princípio regional,
típica somente de um Estado do país, tornase significativa, talvez a mais representativa,
da cozinha brasileira. Em eventos internacionais de gastronomia, as cozinheiras do
dendê são sempre convidadas a representar o Brasil.
O óleo dourado do dendê é componente essencial dos pratos da cozinha afro
brasileira. É nele que é frito o acarajé, exalando um aroma que invade os fins de tarde
da Bahia. É ele que é adicionado à massa do abará, para fornecer a bela cor amarelada.
Do amarelo pálido ao dourado quase vermelho, o dendê alegra olhos e paladares.
O dendê está na base da cozinha baiana de origem africana. “Contamse nos
dedos pratos afrobaianos que não levam azeitededendê”, diz o engenheiro e professor
aposentado Guilherme Radel, estudioso de gastronomia, com livro publicado sobre a
cozinha baiana. Segundo o antropólogo Vivaldo da Costa Lima, estudioso da cultura
baiana, “até mesmo aqueles pratos que não levam ou não ‘pegam’ azeitededendê,
estão com ele comprometidos”.
Em Salvador, os pratos feitos com dendê são consumidos em todos os lugares.
Nos mercados, nas praças, ruas, nas residências ricas e nas mais modestas, nos
restaurantes turísticos. Em datas sagradas e dias comuns, especialmente na sextafeira.
A comida feita com dendê é vistosa, colorida e bela. Tem apelo turístico e é utilizada
como principal atrativo gastronômico no Estado. Mesmo assim, o dendê não é
unanimidade em todas as regiões da Bahia. “Está presente em Salvador, no Recôncavo
Baiano e no litoral do Estado”, diz Guilherme Radel
A jornalista Heloísa Sampaio, gourmet e cronista de gastronomia, chama a
cozinha baiana de “culinária do ouro”, em razão da bela cor que os pratos adquirem. Ela
lembra que, nos locais onde o dendê é encontrado com facilidade, o ingrediente é
32
34. utilizado em uma grande quantidade de pratos. “Na Bahia, região do Baixo Sul, ali por
Valença, fazse tudo com dendê. É ingrediente fácil, disponível”, diz.
À primeira vista, para aqueles que visitam a Bahia, parece que o dendê é uma
rotina na cozinha baiana. No entanto, os pratos feitos com dendê não são consumidos
diariamente. “Na Bahia não se come moqueca, caruru, vatapá ao almoço de todo dia”,
escreveu o folclorista Luis da Camara Cascudo, no livro História da Alimentação do
Brasil. Para ele, é o que se costuma chamar de “comida de festa”, consumida em
ocasiões especiais. “Como acontece quando há hóspedes e convidados para refeições
domésticas. Arranjase um cardápio especial, meticuloso, fora de todo o dia”, escreveu.
O antropólogo Vivaldo da Costa Lima confirma a observação. “Mas a ‘comida
de azeite’ não é, para o baiano, a cozinha de tododia. É uma comida requintada, de
ingredientes nem sempre fáceis de encontrar, demorada no fazer e, portanto, uma
comida dispendiosa”, registrou.
As comidas feitas com dendê mais conhecidas são as moquecas, o caruru,
vatapá, o acarajé, o abará, xinxim de galinha, farofa, feijão fradinho, bobó de camarão.
São os pratos consumidos com mais freqüência nos restaurantes típicos e nas
residências baianas.
Elais Guineensis
A palmeira chamada de dendezeiro ou dendê não existia no Brasil. A Elais
Guineensis é originária da África Ocidental. Do fruto da palmeira – também chamado
de dendê se extrai o óleo chamado de azeitededendê, ou, simplesmente, dendê. No
passado, costumavase chamálo também de azeite de cheiro. Para obtêlo, é necessário
fazer o cozimento dos frutos, espremendoo em seguida. Depois, separase o óleo da
água e colocase o azeite para cozinhar até fazer evaporar toda a água e restar o líquido
oleoso.
33
35. É na Bahia, na região que vai de Salvador a Ilhéus, que o dendê é extraído de
forma quase artesanal. É cozido em grandes tachos de ferro e depois espremido por uma
imensa roda de pedra, puxada por tração animal. É este o chamado azeite de roldão. O
azeitededendê, extraído dessa forma é encontrado nas feiras livres, e colocado em
garrafas de vidro e arrolhado. Há algumas indústrias modernas de extração do azeitede
dendê. Nos supermercados, o azeite industrializado é facilmente encontrado.
Os conhecedores dizem que o bom dendê é aquele que fica dividido em duas
partes. Uma parte de sólidos, que se deposita no fundo da garrafa, é chamada de
“bambá”. A outra parte, conhecida como “flor”, é o óleo propriamente dito, que se
solidifica no frio e fica líquido ao ser aquecido.
34
36. Tradição e modernidade
Pratos feitos com dendê conservam tradições e ensaiam algumas inovações
Rio de Janeiro, Pernambuco, Minas Gerais e São Paulo são Estados que também
receberam escravos negros africanos. Mas somente na Bahia, a herança negra conseguiu
notoriedade para sua culinária. Em nenhuma outra região do Brasil, a cozinha conservou
as características que possuem os pratos da culinária baiana.
Segundo o folclorista Camara Cascudo, em Salvador ficou uma concentração
negra mais homogênea, possibilitando a “defesa das velhas comidas africanas”, mais do
que em outros locais. Uma das razões para isso, seria por causa “dos candomblés, do
culto jejenagô, que a cozinha pôde manter os elementos primários de sua
sobrevivência”. O termo candomblé designa grupos religiosos caracterizados por um
sistema de crenças em divindades chamadas de santos ou orixás.
Com a chegada da mão de obra escrava no Brasil, a “presença da cozinheira
negra na cozinha era considerada indispensável e absolutamente normal”, segundo
Camara Cascudo. “À cor e à força da culinária africana, foram acrescidos os elementos
indígenas e portugueses, transformando a gastronomia baiana e brasileira, numa
expressão única de arte e sabor”.
Os pratos chegaram e foram mantidos com a dedicação dos pratos às tradições
religiosas dos escravos. Segundo o antropólogo Vivaldo da Costa Lima, é a cozinha que
se formou principalmente com a comida dos africanos dos grupos étnicos nagô e jeje,
que predominaram na Bahia do século XIX, e criaram o modelo ritual dos candomblés.
“É precisamente nos terreiros de candomblé onde se encontram as iguarias originais
africanas”, registrou.
35
37. Da dedicação aos orixás do candomblé às mesas da população, os pratos feitos
com o azeitededendê são sempre bem recebidos. Há sempre o clima festivo de
celebração – e de comilança.
Vatapá
O vatapá é uma espécie de creme ou purê, de consistência pastosa, a meio termo
entre mole e duro. Pode ser feito de feito de farinha de trigo, farinha de mandioca ou
pão dormido. É temperado com cebola, alho, tomate, coentro, cebolinha e gengibre,
além de amendoim e castanha. Os dois últimos torrados e moídos. E dendê e leite de
coco, é claro. Pode haver um pouco de camarão seco na massa. O vatapá não tem
origem africana. É uma invenção brasileira. Representante nacional do esplendor da
cozinha baiana.
Os africanos desconhecem a palavra vatapá, segundo Câmara Cascudo. “Na
culinária, como em outras manifestações culturais africanas no Brasil, está ocorrendo o
fenômeno de tornaviagem. Quitutes africanos voltam à África como se dali não
tivessem nascido, voltam brasileiros”. Câmara Cascudo viu na África pratos que, aqui
chamados de africanos, são conhecidos por lá como brasileiros.
O vatapá acompanha moquecas e o xinxim de galinha. É servido sempre junto
com arroz branco e também caruru. Está sempre presente no tabuleiro dos vendedores
de acarajé e abará, que utilizam o vatapá como recheio dos bolinhos de feijão.
Há algumas variações do vatapá, como no caso em que a ele é adicionado
bacalhau desfiado. Nesse caso, serve como prato principal. Nos livros de receitas mais
antigos, há registros do vatapá feito com galinha. Essa versão é pouco conhecida hoje
em dia.
O jornalista Darwin Brandão, que na década de 40 publicou em Salvador o livro
A Cozinha Baiana , inspirado no vatapá, afirmou: “Temos portanto aí a comida africana
36
38. da Bahia, já nacionalizada, resultante da matriz negra com as influências naturais do
índio e do português. A mais famosa cozinha do Brasil, a de maior caráter”.
Caruru
O caruru é um prato feito com quiabo cortado e cozido, a que se adicionam os
temperos e o azeitededendê. Na Bahia, quando se fala em caruru, pode haver três
sentidos. O caruru é o prato, propriamente dito, feito com quiabos e dendê. Pode ser a
refeição inteira, também chamada de “caruru completo”, que inclui o caruru junto com
vatapá, xinxim de galinha, arroz branco, farofa de dendê, feijão fradinho refogado com
dendê, feijão preto, acarajé, abará, bananadaterra frita, milho branco, pipoca, inhame,
rapadura e rolete de cana.
O caruru também pode ser o evento em que a refeição é servida para grande
quantidade de pessoas, sempre gratuitamente, pois é ofertado aos comensais como
pagamento de alguma promessa. As pessoas costumam dizer: “Vai ter um caruru em tal
lugar”. E isso acontece em vários locais, das casas pobres às residências abastadas,
passando por associações de trabalhadores, empresas e organizações públicas.
Convencionouse calcular 10 quiabos por cada prato de caruru, na preparação.
As demais porções são proporcionais a este número. Por isso, é costume falarse em
“caruru de 1.000 quiabos”, por exemplo.
A tradição de servir caruru tem origem no candomblé. “Impossível não desejar
um convite especial no mês de setembro para comer o banquete feito em homenagem
aos santos gêmeos Cosme e Damião, sincretizados com os ibejis orixás”, escreveu
Camara Cascudo. Ibejis são orixás, deuses africanos. A data de comemoração de São
Cosme e São Damião é 27 de setembro.
O caruru completo é oferecido nessa ocasião e servido em forma especial. Nos
lugares mais tradicionais, principalmente com ligação com o candomblé, é servido
37
39. primeiro às crianças. Depois é que os adultos têm acesso à refeição. Mas o caruru
também é servido sem exigências rituais, em eventos comemorativos para grande
quantidade de pessoas.
Há uma tradição que recomenda que na panela do caruru sejam colocados
quiabos pequenos inteiros. A pessoa que recebeu em seu prato pelo menos um dos
quiabos terá por obrigação que dar um caruru completo no ano seguinte, ou pagar uma
promessa exigida pelos santos.
Se os carurus são servidos a partir de setembro, por pessoas que pagam as
promessas religiosas, em dezembro, em torno do dia 4, data de Santa Bárbara,
sincretizada com o orixá Iansã, também há oferta da iguaria, por pagamento de
promessas. São as épocas em que os baianos correm atrás dos carurus. Seja preparando
ou em busca da chamada “bocalivre”, ou seja, da refeição gratuita.
Um pouco antes da homenagem aos santos de setembro, é servido um grande
caruru, que movimenta a cidade de Cachoeira, no Recôncavo Bahiano, durante a festa
da Irmandade da Boa Morte, que ocorre no dia 15 de agosto.
Desde 1997, o Sindicato dos Bancários da Bahia promove um caruru, servindo
em torno de 1.000 pratos, próximo à sede da associação, na Avenida Sete de Setembro,
no centro de Salvador. Setembro é o mês da database do acordo salarial dos bancários.
De início, o caruru foi servido para “abrir os caminhos” da negociação. Desde então,
virou tradição. As refeições são distribuídas gratuitamente, atraindo uma grande fila de
comensais.
Há um outro prato, chamado de efó, bem semelhante ao caruru. Só que desta
vez, em lugar do quiabo, utilizase a erva língua de vaca. O efó não tem a fama, nem é
tão freqüente na mesa dos baianos quanto o caruru.
Moquecas
38
40. A moqueca, de peixe ou mariscos, é uma espécie de guisado ou ensopado, com
cebola, alho, tomate, pimentão, temperos verdes, em que são adicionados azeitede
dendê e leite de coco. Parece simples de fazer, mas implica em conhecimento e técnicas.
É uma criação brasileira, que tem origem no cozimento e na adição de temperos e dendê
ao peixe moqueado, seco, preparado pelos índios. Para moquear o peixe, é necessário
colocálo sobre varas de madeira, e secálo a certa distância de um braseiro, que
possibilite o cozimento parcial.
Para preparar a moqueca, é ideal utilizar em panela de barro larga e rasa,
semelhante a uma caçarola, o que possibilita cozinhar e servir no mesmo recipiente. E
levar o prato ainda borbulhante à mesa, causando festa aos olhos e ao olfato. Para logo
em seguida agradar ao paladar.
A moqueca é normalmente feita de frutos do mar, mas o baiano costuma
também preparála com charque, ovos, vegetais ou aproveitando sobras de comida. É o
caso do prato “roupa velha”, que utiliza a carne assada do dia anterior. Desfiase a
carne, adicionase temperos e azeitededendê. Outro prato conhecido, principalmente
na região de Valença, é a moqueca de feijão, feita com sobras de feijoada. (Ver receita
no box)
A moqueca existe em outros Estados do país, a exemplo do Espírito Santo. Em
lugar do azeitededendê, a moqueca capixaba leva colorau, condimento que tem por
base o pó de urucum, que confere cor avermelhada ao prato.
Bobó de camarão
O saboroso resultado de ingrediente caro o camarão, unido com a textura
suave do purê de aipim, talvez seja o motivo pelo qual o prato alcançou certa distinção
de fama e refinamento. É utilizado em almoços e jantares, muitas vezes como prato
39
41. principal, servido em panelas aquecidas – os rechauds e acompanhado somente de
arroz branco.
O bobó original, proveniente das receitas africanas, era feito com inhame
amassado. O inhame é nativo da África. O aipim, também chamado de mandioca doce
ou macaxeira, é ingrediente nativo do Brasil. O bobó, da forma como servido
atualmente, faz a união do dendê, de origem africana, com o aipim, ingrediente
proveniente da herança alimentar indígena.
Xinxim de galinha
É feito de frango temperado com limão, alho e sal, cozido com cebola, tomate,
tempero verde e azeitededendê. É semelhante à moqueca, mas leva também camarão
seco, amendoim, castanha de caju. O xinxim também pode ser feito de bofe, víscera
bovina de cozimento demorado e consistência borachenta.
O xinxim é sempre acompanhado de caruru e vatapá. Dificilmente é encontrado
servido como prato único, somente acompanhado de arroz e farofa, como é o caso das
moquecas.
Acarajé
É um bolinho de feijão fradinho moído, com cebola, sal, e frito no azeitede
dendê. É uma unanimidade entre baianos e turistas. O acarajé é preparado e vendidos
nas ruas, praças e praias por mulheres vestidas em trajes típicos, chamadas de “baianas”.
Atualmente também há alguns homens vendendo. O acarajé tem origem africana, nos
terreiros de candomblé. Mas atualmente também há protestantes evangélicos vendendo
o petisco em alguns pontos da cidade.
A iguaria deve ser comida ainda quente, quando está crocante. O acarajé bem
feito tem crosta douradoavermelhada e crocante. O interior é branco, o dendê não
penetra. Quando mais leve a massa, mais saboroso o petisco.
40
42. Também há alguns bares e restaurantes que produzem e vendem o acarajé em
grande escala. O cliente sentase em mesas e, enquanto toma alguma bebida, saboreia o
acarajé. Do mesmo modo, nas baianas instaladas nas ruas, calçadas e praias, os clientes
compram o acarajé e procuram algum bar das redondezas para apreciar calmamente a
iguaria, acompanhada de alguma bebida. Sair para comer acarajé é uma das atividades
favoritas dos baianos e turistas de Salvador.
Abará
O abará tem a mesma receita do acarajé, com a adição de azeitededendê e leite
de coco à massa. Às vezes também leva camarão seco moído. O abará é envolvido em
folha de bananeira e cozido no vapor ou na água fervente. A folha de bananeira é
dobrada, dando forma de pirâmide ao embrulho da massa. As baianas típicas já trazem o
abará cozido de casa ou terminam de cozinhar na rua, no vapor. A embalagem na folha
de bananeira ajuda a conservar a temperatura e dá sabor especial ao quitute.
O abará é menos famoso que o acarajé, mas tem boa vendagem. Além da possui
textura mais macia que o acarajé, é especialmente procurado por quem procura evitar as
frituras. Para servílo, retirase a folha de bananeira. O abará é partido ao meio e a ele é
adicionado o recheio desejado pelo consumidor.
Farofa de dendê
Também chamada de farofa amarela, pela coloração dada pelo dendê.
Representa a miscigenação de culturas, pois é a união da mandioca, nativa do Brasil e
alimento originalmente dos indígenas, com o azeitededendê, de origem africana. A
farofa de dendê significa o entrelaçamento da cultura africana e da indígena.
Para preparála, acrescentase cebola picada ao dendê. Refogase e depois
adicionase a farinha e o sal a gosto. Mexese sem parar para misturar tudo, ficar toda
por igual e torrada. Simples e fácil de fazer.
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44. Dendê popular
Nas ruas e feiras, pratos que levam dendê têm preços para bolsos de vários tamanhos
Na década de 20 do século XX, a Bahia já era conhecida como a Terra do
Vatapá. Mas nas feiras e mercados de Salvador, não era comum encontrar nem o vatapá
nem o caruru. Os petiscos populares eram o acarajé e o acaçá, um bolinho feito de
milho, pouco encontrado hoje em dia. “Viase feijão mulatinho fervendo e saboreado
em pratos de alumínio, com farinha de mandioca, carne ou peixe assado em postas e
molho de pimenta”. É o que conta o folclorista e historiador Luiz da Câmara Cascudo,
em História da alimentação no Brasil. Segundo o autor, os freqüentadores do Mercado
Modelo e da feira de Água de Meninos preferiam “comida portátil”, a qual podiam
comer enquanto iam andando.
A feira de Água de Meninos hoje se chama Feira de São Joaquim. Está situada
na Cidade Baixa, em Salvador. É lá que fica o bar e restaurante São Joaquim, de
propriedade de Antônio Carlos de Souza, 54 anos, exfuncionário público e há dois anos
estabelecido no local. O restaurante está situado em um box da feira, em meio à
movimentação dos feirantes e consumidores. O cliente sentase em uma banqueta alta e
almoça no balcão. A chamada “comida baiana”, com azeitede dendê, só é encontrada
na sextafeira.
Por comida baiana entendese ali o prato composto de caruru, vatapá, arroz,
feijão fradinho e xinxim de galinha ou moqueca de peixe. Vendido por R$ 5,00, o prato
tem grande procura. Nos outros dias da semana, “seu” Antônio Carlos vende galinha
assada e cozida, assado de boi e bife. Na sexta e sábado tem mocotó e rabada. O
domingo é o dia da feijoada. Enganase quem pensa que a refeição mais procurada é a
que leva dendê. “O prato mais vendido é o mocotó”, conta o dono do restaurante. “Mas
o meu preferido é a feijoada”, completa.
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45. As comidas são preparadas no próprio local, por uma cozinheira. No box em que
fica o restaurante, há fogão, geladeira e pia com água corrente. Antônio Carlos Souza
compra os ingredientes na própria feira. O almoço começa a ser preparado às 7h30 e às
9 já está pronto. A procura pela refeição começa lá pelas 11 da manhã. O restaurante
vende em média de 30 a 40 refeições por dia.
A comida feita com azeite também está disponível somente nas sextasfeiras nas
panelas de Célia Bacelar, cozinheira e proprietária do restaurante Encontro das Águas,
situado em um dos quiosques da Praça Marechal Floriano, no Comércio, em Salvador.
O olhar simpático da baiana negra corpulenta, nascida no bairro da Liberdade,
em Salvador, deixa transparecer um tanto de timidez, que fica mais clara com a
economia de palavras, durante a entrevista. A concentração durante o preparo, enquanto
mexe o vatapá também não deixa a cozinheira livre para conversar à vontade. Célia está
no local desde abril de 2003. Ela é exfuncionária da Embasa e desligouse em um plano
de demissão voluntária.
Entre os restaurantes situados na praça, o de Célia é o único que anuncia
“comida baiana”. Mais uma vez, é o caruru completo que está disponível. O prato é
composto de caruru, vatapá, arroz branco, feijão fradinho – temperado com camarão,
coentro, cebola e dendê e moqueca de peixe. O prato feito custa R$ 3,50 e o almoço
executivo, para duas pessoas, custa 6 reais. Célia conta que o prato mais pedido é a
feijoada. “A comida baiana tem boa saída, assim como o sarapatel”.
No cardápio da sextafeira, achase comida baiana, sarapatel, mocotó, feijoada.
“É o dia em que mais se vende”, conta Célia. Nos demais dias, as opções são ensopado
de carne, frango assado e carne do sol com pirão de leite.
Ainda há opções mais baratas no Comércio. Por 2 reais é possível comer,
também somente nas sextas, um prato de moqueca do marisco chumbinho ou de peixe,
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46. acompanhada de arroz e farinha e feijão. A refeição é servida por Manoel Barbosa, 50
anos, aposentado, que instala suas panelas em uma calçada, próximo a um armazém.
Entre os clientes do cozinheiro ambulante, estão guardadores de carros, seguranças,
trabalhadores de escritórios, operários, até mendigos, que juntam as suas moedas para
comprar o “rango”. Na sextafeira, são duas opções de pratos: feijoada e moqueca.
Comida do sertão
A comida baiana não é barata nem fácil de ser elaborada. É comida mais
facilmente encontrada em Salvador, na região do Recôncavo Baiano e nas cidades
litorâneas da Bahia. Ao mesmo tempo, é comida refinada, festiva, especial. Não é
facilmente encontrada todos os dias nas ruas, à exceção da sextafeira e dos restaurantes
turísticos especializados.
A preferência do consumo popular por outros pratos tem uma explicação para o
engenheiro Guilherme Radel, estudioso de gastronomia e autor de livros sobre o
assunto. Radel arrisca uma explicação para a preferência de outros pratos, em lugar da
comida baiana de dendê, nas feiras, ruas e mercados de Salvador. “O pessoal que
trabalha nas feiras de Sete Portas e Água de Meninos é, em grande parte, proveniente do
interior do Estado, do sertão. Por isso a preferência é pelo mocotó, pela buchada. A
Feira de Sete Portas vende mais caprinos e ovinos do que em qualquer outro lugar”, diz
Radel conta que no Mercado Modelo, na Praça Castro Alves e nas Sete Portas,
havia pessoas que vendiam na madrugada, de sábado para domingo, feijoada, sarapatel,
mocotó. Comida muito consumida no interior e no sertão, e nem sempre lembrada como
comida baiana. “Até recentemente havia também uma Kombi que vendia esses pratos.
Abria as portas e vendia nas ruas. Era muito procurada. O pessoal gosta muito da
comida do sertão”.
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47. Então, apesar do passar do tempo e das mudanças nos hábitos alimentares, a
comida feita com azeitededendê, mais facilmente encontrada, ainda é o acarajé e o
abará, junto com os seus acompanhamentos – vatapá, caruru, molho de camarão, salada
e molho de pimenta , consumidos em forma de refeição. De certa forma, ainda é a
“comida portátil”, na designação de Câmara Cascudo, feita com azeitededendê, que é
consumida nas ruas da Bahia. Sai a preço acessível e já está pronta para o consumo. A
“comida portátil” transformouse em fastfood.
Ender eços:
Restaurante Encontro das Águas – Praça Marechal Floriano, Comércio. Próximo ao
final da Rua Miguel Calmon.
Restaurante São Joaquim – Feira de São Joaquim, na Avenida Oscar Pontes, Calçada.
Logo após o Terminal São Joaquim (ferryboat).
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48. Cozinha ambulante
O cozinheiro Manoel Barbosa leva as panelas para a rua e serve refeições
No Comércio, em Salvador, o meiodia vai chegando e eles vão se aproximando.
São guardadores de carro, seguranças, operários, trabalhadores daquela região. Até
mendigos. Eles vêm provar a comida de Manoel Barbosa, aposentado, 50 anos.
Cozinheiro ambulante, camelô de refeições.
No final da avenida Estados Unidos, próximo à rua da Suécia, sob a sombra de
uma árvore, na calçada de uma rua de pouco movimento, que serve de estacionamento
de carros, uma mesa com cadeiras é colocada. As panelas ficam sobre um fogareiro logo
ao lado, alimentado pelo gás de um botijão. Seu Manoel termina de preparar as comidas
ali mesmo na rua. É na calçada que o feijão completa o cozimento e fica macio.
Uma lona plástica preta, presa na árvore, ajuda a impedir que as folhas miúdas
caiam nos pratos dos clientes. A depender da força e do sentido do vento, a estrutura
não tem lá muito sucesso. Alguns clientes são bem vestidos, parecem trabalhar nos
escritórios e bancos da região. Antes de provar a comida, tomam uma dose de cachaça,
acompanhada de um pedaço de caju. Para abrir o apetite e relaxar das tensões do
trabalho. É esse momento de relax que falta nos restaurantes fastfood, de comida a
quilo?
Seu Manoel Barbosa mora no conjunto ACM, no bairro de São Marcos, em
Salvador. Tem cinco filhos. Ele chega no comércio às 6 horas da manhã. Vem de
ônibus, com os ingredientes do almoço em uma sacola. O arroz já vem pronto. É
colocado em uma bacia plástica, de onde é servido para os pratos. A bacia tem cara de
vários anos de uso.
Na rua, ele termina de preparar a feijoada e a moqueca. É sextafeira, a moqueca
não pode faltar. Naquele dia, o prato com dendê era feito com o marisco que se chama
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