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Crise Econômica e Qualidade nas Organizações de
Saúde
09/ago/2015
As organizações de saúde, comparativamente a outros setores, geralmente encontram-se
dois ou três passos atrás em termos de gestão (administrativa, assistencial e de apoio).
Os gestores, via de regra com uma visão limitada do negócio - situação incentivada
pelas peculiaridades da área - resistem às avaliações externas e mantêm suas
organizações em um estágio embrionário de desenvolvimento organizacional, viciadas
no posicionamento queixoso e aprisionadas no círculo vicioso de deficiências que dá a
urgente impressão que desaparecerão nos próximos meses. O arquétipo tradicional das
organizações de saúde é de que sempre se encontram mergulhadas em graves carências
econômico-financeiras e, consequentemente tudo supõe-se que decorre dessa
contingência. Além disso, confiam, tolamente, mais na diligência e desprendimento
pessoal do que no conhecimento gerencial e princípios da melhoria contínua da
qualidade.
Quando tudo assume o caráter de urgência, significa que não há planejamento e as
atividades são desenvolvidas ao sabor das pressões individuais e/ou coletivas, segundo
conveniências e com base na intuição. Talvez a palavra mais empregada no setor saúde
seja “falta”: falta visão estratégica, falta plano, falta recursos financeiros, falta pessoas,
falta medicamentos e assim por diante.
Em uma situação de recessão econômica todas as “faltas” se exacerbam, elevando o
grau de insatisfação e o desconforto de todos. Diminui a segurança. Os planos de saúde
precisam lidar com atrasos, falta de pagamento e redução de beneficiários; o governo
cria impostos e atrasa pagamentos, enquanto os fornecedores de medicamentos e
materiais, por causa da variação cambial, aumentam os seus preços. Os
clientes/pacientes, por sua vez, impactados pela redução do poder de seus ganhos ou
pelo desemprego, retraem-se. É uma tempestade “perfeita” caracterizada por barreiras
de toda ordem que exige uma visão ampliada do cenário e uma perspectiva otimista para
atravessar a tormenta. Diante desse mar revolto, se o navio não for bastante resistente, e
se a tempestade for duradoura, ele começará a desintegrar-se na difícil travessia.
Diante dos primeiros efeitos da recessão econômica, os gestores preparados e atentos
imediatamente desencadeiam medidas de proteção para suportar a tempestade, enquanto
outros permanecem paralisados ou na esperança de que não serão atingidos por ela. A
análise recente da crise econômica na comunidade europeia tem mostrado, na área da
saúde, que os serviços públicos são os mais atingidos, seja pelos cortes no orçamento,
seja pelo aumento da demanda de pacientes/clientes que não conseguem mais arcar com
o pagamento de planos de saúde. Os serviços privados, embora tocados pela onda da
crise econômica, são impactados de forma peculiar e não de forma imediata. Isso talvez
decorra da natureza essencial e inevitável da assistência.
A percepção dos sinais de recessão e o conhecimento das reservas em termos dos
recursos disponíveis (econômicos e humanos) são fatores críticos de sucesso no
enfrentamento da crise. Quanto mais rápido os gestores perceberem os sinais da
recessão econômica e acionarem medidas redutoras ou neutralizadoras, melhores
condições terão de se posicionarem diante da tempestade. Muito provavelmente também
serão os primeiros a sair do “estado de contenção” porque conseguirão vislumbrar,
através de indicadores econômicos, assistenciais e fatos aleatórios, as oportunidades que
surgirão ao longo das etapas de um ciclo de crise.
Do ponto de vista da gestão, não há dúvida que as organizações mais desenvolvidas e
organizadas são as que reúnem as melhores condições para enfrentar períodos de
restrição econômica. A menor vulnerabilidade à crise, em comparação com as
organizações com sistemas de gestão médico-assistencial incipientes, emana da rápida
identificação dos pontos críticos e do posicionamento que conseguem no cenário,
reduzindo e neutralizando impactos negativos em tempo hábil. O acompanhamento
sistemático das receitas e despesas, o monitoramento da produtividade e do consumo de
recursos, sustentados por uma vigorosa supervisão financeira e de gestão, permitem que
os gestores identifiquem serviços que devem ser ampliados, em função de uma demanda
favorável, e melhorarem a qualidade de outros a partir da reação do mercado e do
desempenho dos mesmos. O paradoxo da crise é que ela cria oportunidades que serão
aproveitadas pelos que se adaptam mais rapidamente ao novo ambiente em
transformação.
Equilibrar, em um momento de recessão econômica, a qualidade do cuidado com a
gestão financeira, é tarefa para gestores dedicados, qualificados e competentes, que
conhecem e aplicam sistematicamente os fundamentos da gestão da qualidade. O
impacto das restrições econômicas será tanto menor quanto maior for a capacidade de
articular, criativa e racionalmente, os elementos essenciais do sistema, uma vez que
todos dependem do componente financeiro. Adicionalmente, instala-se um clima de
incerteza que influi no estado de ânimo dos colaboradores – os agentes executores das
atividades qualificadas assistenciais e administrativas. Conservar, portanto, a qualidade
dos serviços de saúde em uma época de recessão é um empreendimento amplamente
complexo, quase impossível, que implica conhecimento, paciência e visão de futuro.
Gestão da Qualidade em Tempos de Crise

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  • 1. Crise Econômica e Qualidade nas Organizações de Saúde 09/ago/2015 As organizações de saúde, comparativamente a outros setores, geralmente encontram-se dois ou três passos atrás em termos de gestão (administrativa, assistencial e de apoio). Os gestores, via de regra com uma visão limitada do negócio - situação incentivada pelas peculiaridades da área - resistem às avaliações externas e mantêm suas organizações em um estágio embrionário de desenvolvimento organizacional, viciadas no posicionamento queixoso e aprisionadas no círculo vicioso de deficiências que dá a urgente impressão que desaparecerão nos próximos meses. O arquétipo tradicional das organizações de saúde é de que sempre se encontram mergulhadas em graves carências econômico-financeiras e, consequentemente tudo supõe-se que decorre dessa contingência. Além disso, confiam, tolamente, mais na diligência e desprendimento pessoal do que no conhecimento gerencial e princípios da melhoria contínua da qualidade. Quando tudo assume o caráter de urgência, significa que não há planejamento e as atividades são desenvolvidas ao sabor das pressões individuais e/ou coletivas, segundo conveniências e com base na intuição. Talvez a palavra mais empregada no setor saúde seja “falta”: falta visão estratégica, falta plano, falta recursos financeiros, falta pessoas, falta medicamentos e assim por diante. Em uma situação de recessão econômica todas as “faltas” se exacerbam, elevando o grau de insatisfação e o desconforto de todos. Diminui a segurança. Os planos de saúde precisam lidar com atrasos, falta de pagamento e redução de beneficiários; o governo cria impostos e atrasa pagamentos, enquanto os fornecedores de medicamentos e materiais, por causa da variação cambial, aumentam os seus preços. Os clientes/pacientes, por sua vez, impactados pela redução do poder de seus ganhos ou pelo desemprego, retraem-se. É uma tempestade “perfeita” caracterizada por barreiras de toda ordem que exige uma visão ampliada do cenário e uma perspectiva otimista para
  • 2. atravessar a tormenta. Diante desse mar revolto, se o navio não for bastante resistente, e se a tempestade for duradoura, ele começará a desintegrar-se na difícil travessia. Diante dos primeiros efeitos da recessão econômica, os gestores preparados e atentos imediatamente desencadeiam medidas de proteção para suportar a tempestade, enquanto outros permanecem paralisados ou na esperança de que não serão atingidos por ela. A análise recente da crise econômica na comunidade europeia tem mostrado, na área da saúde, que os serviços públicos são os mais atingidos, seja pelos cortes no orçamento, seja pelo aumento da demanda de pacientes/clientes que não conseguem mais arcar com o pagamento de planos de saúde. Os serviços privados, embora tocados pela onda da crise econômica, são impactados de forma peculiar e não de forma imediata. Isso talvez decorra da natureza essencial e inevitável da assistência. A percepção dos sinais de recessão e o conhecimento das reservas em termos dos recursos disponíveis (econômicos e humanos) são fatores críticos de sucesso no enfrentamento da crise. Quanto mais rápido os gestores perceberem os sinais da recessão econômica e acionarem medidas redutoras ou neutralizadoras, melhores condições terão de se posicionarem diante da tempestade. Muito provavelmente também serão os primeiros a sair do “estado de contenção” porque conseguirão vislumbrar, através de indicadores econômicos, assistenciais e fatos aleatórios, as oportunidades que surgirão ao longo das etapas de um ciclo de crise. Do ponto de vista da gestão, não há dúvida que as organizações mais desenvolvidas e organizadas são as que reúnem as melhores condições para enfrentar períodos de restrição econômica. A menor vulnerabilidade à crise, em comparação com as organizações com sistemas de gestão médico-assistencial incipientes, emana da rápida identificação dos pontos críticos e do posicionamento que conseguem no cenário, reduzindo e neutralizando impactos negativos em tempo hábil. O acompanhamento sistemático das receitas e despesas, o monitoramento da produtividade e do consumo de recursos, sustentados por uma vigorosa supervisão financeira e de gestão, permitem que os gestores identifiquem serviços que devem ser ampliados, em função de uma demanda favorável, e melhorarem a qualidade de outros a partir da reação do mercado e do desempenho dos mesmos. O paradoxo da crise é que ela cria oportunidades que serão aproveitadas pelos que se adaptam mais rapidamente ao novo ambiente em transformação. Equilibrar, em um momento de recessão econômica, a qualidade do cuidado com a gestão financeira, é tarefa para gestores dedicados, qualificados e competentes, que conhecem e aplicam sistematicamente os fundamentos da gestão da qualidade. O impacto das restrições econômicas será tanto menor quanto maior for a capacidade de articular, criativa e racionalmente, os elementos essenciais do sistema, uma vez que todos dependem do componente financeiro. Adicionalmente, instala-se um clima de incerteza que influi no estado de ânimo dos colaboradores – os agentes executores das atividades qualificadas assistenciais e administrativas. Conservar, portanto, a qualidade dos serviços de saúde em uma época de recessão é um empreendimento amplamente complexo, quase impossível, que implica conhecimento, paciência e visão de futuro.