Este resumo descreve um projeto de intervenção que testou o uso de mídias digitais para promover a formação de leitores entre alunos do 5o ano. O projeto envolveu contação de histórias orais e digitais baseadas em obras de literatura infantil catarinense. Os resultados indicaram que as mídias digitais podem ser aliadas na formação do leitor e que as crianças gostaram da contação de histórias no computador.
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Anais
Organizadora
Taiza Mara Rauen Moraes
Realização
Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE
Programa Nacional de Incentivo à Leitura - PROLER
Reitora
Sandra Aparecida Furlan
Vice-Reitor
Alexandre Cidral
Pró-Reitora de Ensino
Sirlei de Souza
Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação
Denise Abatti Kasper Silva
Pró-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários
Claiton Emilio do Amaral
Pró-Reitor de Administração
Cleiton Vaz
Joinville 2013
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Comitê PROLER Joinville
Alcione Pauli
Alex Maciel Fernandes
Eliana Aparecida de Quadra Corrêa
Ilcirene Dias
Marilene Gerent
Joel Gehlen
Rita de Cássia Alves Barraca Gomes
Taiza Mara Rauen Moraes
Valéria Alves
Comissão Científica
Adair de Aguiar Neitzel
Fernando Cesar Sossai
Ilanil Coelho
Mariluci Neis Carelli
Sandra Paschoal Leite de Camargo Guedes
Equipe de Apoio
Fábio Henrique Nunes Medeiros (PROLER)
Núbia Policarpo (Eventos)
Sônia Regina Biscaia Veiga (PROLER)
Thays Aparecida da Silva (PROLER)
Diagramação
Thays Aparecida da Silva
Sônia Regina Biscaia Veiga
Campus Joinville - Rua Paulo Malschitzki, nº 10
Campus Universitário - Zona Industrial
Joinville SC - CEP: 89219-710
Fone: (47) 3461-9000 | Fax: (47) 3473-0131
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4. ISBN - 978-85-8209-020-6
APRESENTAÇÃO
O 17º Encontro do Proler de Joinville e 4 º Seminário de Pesquisa em linguagens,
leitura e Cultura – Livro e leitura na era digital entre verbal, visual e sonoro tem a
proposição
de
discutir
questões
que
envolvem
leitura/sujeitos/diversidades
culturais/hibridismos, para ampliar espaços de compreensão do mundo que facilitem a
convivência, gerando atitudes mais conscientes e, portanto, realizadoras de políticas que
promovam a dinamização da leitura como móvel transformador da sociedade.
O evento prevê a discussão e a fortificação da proposta de política de leitura para a
região, integrando instituições educacionais e culturais: Universidade da Região de Joinville
– UNIVILLE, representantes das Secretarias de Educação, da Fundação Cultural,
Bibliotecas Públicas, GERED, dos Municípios envolvidos.
A implementação de Políticas de Leitura para Joinville e Região prevê ampliar
condições efetivas que permitam às pessoas reconhecer seus direitos e deveres, apreender
o conteúdo das leis e contratos, refletir com relativa autonomia e capacidade crítica sobre
informações que circulam nos meios de comunicação, fruir e valorizar os bens culturais
produzidos em seus espaços (re) significando suas vidas e os espaços democráticos.
O evento instituirá um diálogo entre as contribuições teóricas e as necessidades de
nossa sociedade de vencer os problemas de acesso à leitura. Partimos do princípio de que
espaços que façam circular a leitura, a discussão sobre políticas / teoria/métodos de leitura
são meios poderosos de (re)criação da realidade social mostrando outras possibilidades de
viver, agir e pensar de modo mais gregário e democrático.
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4º SEMINÁRIO DE PESQUISA EM LINGUAGENS, LEITURA E
CULTURA
ÍNDICE
A LITERATURA CATARINENSE E AS MÍDIAS DIGITAIS: UM FAZER
POÉTICO.....................................................................................................................6
O NARRADO E O VIVIDO NOS FIOS DA MEMÓRIA: ENCONTROS DE CRIANÇAS
E ADOLESCENTES ABRIGADOS.............................................................................16
UM ABSURDO MUITO CALMO: UMA LEITURA DOS LIMERIQUES DE EDWARD
LEAR..........................................................................................................................24
EUTE@AMO.COM – O CARTEIRO CHEGOU: A FALTA DE PRIVACIDADE NO
CIBERESPAÇO, A EXPOSIÇÃO DE GOSTOS E PREFERÊNCIAS E O ESTÍMULO
CONSTANTE AO USO DAS NOVAS TECNOLOGIAS INFLUENCIANDO NAS
RELAÇÕES AMOROSAS..........................................................................................31
LEITURA FRUITIVA, CULTURA BRASILEIRA - PIBID: A LEITURA DO TEXTO, DO
CONTEXTO E DE SI..................................................................................................42
UM OLHAR MEMORIALÍSTICO SOBRE O TEATRO JOINVILENSE: 1970 à
2010............................................................................................................................51
REFLEXÕES
SOBRE
A
IDENTIDADE
CULTURAL
NA
CONTEMPORANEIDADE..........................................................................................59
JOINVILLE, MITOS E MEMÓRIAS: A INFÂNCIA......................................................66
HIBRIDISMO E MITO: NARRATIVAS COM “SABOR” DE LITERATURA.................75
O BLOG POÉTICA TECNOLÓGICA: ESPAÇO DE LEITURA DO LITERÁRIO........84
CONTANDO HISTÓRIAS ANIMANDO O “INVISÍVEL”: VIDAS EFÊMERAS............91
POLÍTICA E RELIGIOSIDADE EM JOINVILLE: OS LUTERANOS E OS DOIS
REINOS DE LUTERO................................................................................................92
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A LITERATURA CATARINENSE E AS MÍDIAS DIGITAIS:
UM FAZER POÉTICO
Maria de Fátima Tonin Lunardi Correa
Msc em Educação
(mflunardi@gmail.com)
RESUMO
O projeto A formação do leitor no Século XXI e a Literatura Infantil Catarinense foi desenvolvido junto
ao curso de especialização em Coordenação Pedagógica, da Universidade Federal de Santa
Catarina, objetivando testar as mídias digitais como importante artefato a ser utilizado no processo de
formação do leitor. O projeto iniciou com a intervenção em uma turma de 5º Ano da Escola Reunida
Monteiro Lobato, em Balneário Piçarras, SC. A sistemática do projeto deu-se na seguinte ordem: a
formação para um grupo de professores, a aplicação dos questionários e a intervenção. A
intervenção deu-se por meio de contações de histórias orais e digitais baseadas em narrativas,
poesias e obras visuais de literatura de Santa Catarina, visando à formação do leitor. Este trabalho
teve o aporte teórico de Barthes (1993), Sisto (2002), Eco (2003), Neitzel (2005) e Santos (2008).
Esta pesquisa elucidou a importância da escola como agente promotora na formação do leitor, a
importância do trabalho fruitivo na formação do leitor, o conhecimento e a catalogação de obras e de
autores de literatura de Santa Catarina, além da percepção das mídias digitais como aliadas na
formação do leitor e o gosto pela leitura e a contação de histórias no computador.
Palavras chaves: formação do leitor, literatura de Santa Catarina, livros impressos e digitais.
Mapeando a realidade
O presente artigo busca socializar o Projeto de Intervenção (PI) "A formação
de leitores no Século XXI e os autores catarinenses de literatura infantil", realizado
no período de outubro a novembro de 2011, como requisito parcial no curso de PósGraduação Lato Sensu em Coordenação Pedagógica, da Universidade Federal de
Santa Catarina.
O projeto de Intervenção aconteceu em uma turma de 5º Ano do período
vespertino, formada por 22 alunos - 10 meninos e 12 meninas. A faixa etária dessa
turma é de 9 a 13 anos de idade, sendo dois alunos com 13 anos de idade, ou seja,
ocorre uma distorção idade/série, e, destes, um apresenta também dislexia. Os
alunos são de classes sociais heterogêneas e provenientes de famílias
razoavelmente estruturadas.
O projeto tem como referência a contação em meio impresso e digital, a
leitura em meio impresso e digital e a literatura infantil de Santa Catarina com a
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seguinte questão problema: Pode a contação de histórias, via oral e digital, estimular
a formação de leitores a partir de obras de autores de Santa Catarina?
Refletindo com os autores
A arte de contar histórias vem ganhando fôlego nos tempos atuais e já
conquistou o seu espaço, demarcando o seu território como um importante artefato
na função de educar a geração do presente século, visto que "o homem já nasce,
praticamente, contando história. Está inserido numa história que o antecede e que,
com certeza, irá sucedê-lo. A vida se organiza como uma história, tem um fio
condutor, uma linha temporal e evolutiva.” (SISTO, 2012, p.83). A contação de
histórias é mais vista como apenas um entretenimento, um passatempo, seja nas
longas noites ao redor dos fogões à lenha contada por nossos avós, ou
pelos
nossos pais antes de dormirmos, as quais, diga-se de passagem, fazem muita falta
neste século XXI. “Cada contação é singular, porque evoca tanto no contador quanto
no ouvinte reações diversas, em virtude principalmente do contexto em que a
história está sendo desenrolada.” (NEITZEL, 2005, p. 150, grifos da autora). A
contação de histórias tem conquistado o seu espaço, sobretudo, como recurso
pedagógico para a valorização de princípios, de costumes culturais tradicionais, de
práticas de sociabilidade e de integração, além de servir como importante
instrumento de motivação para a prática da leitura. Dessa forma, justificamos a
escolha pela contação de histórias e dela nos servimos para conquistar leitores.
A escola do século XXI deve priorizar a leitura literária e trabalhar na
formação do sujeito leitor, transformando tal atividade em um momento prazeroso,
cheio de significados, que produza na criança o desejo, a ânsia por aprender a ler,
visto que esta é uma atividade que necessita ser aprendida. E, como todo o
aprendizado, demanda tempo, esforço e desejo.
Para que o aluno constitua-se como leitor, devemos possibilitar-lhe vivências
que permitam o contato com um amplo repertório literário, seja por meio do objeto
livro ou pelas ferramentas digitais, pois a literatura é um campo fértil para a
imaginação e para a criatividade, ao direcionar o nosso olhar para o outro e para o
universo que nos circunda.
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Adotamos a contação de histórias em uma perspectiva também fruitiva e não
pedagógica, como nos afirma Neitzel (2005, p. 149): “O momento de contação de
histórias leva ao prazer do texto, mas a fruição só será alcançada pelo sujeito que
toca o livro e por ele é tocado, se dedicando a esta leitura que põe em estado de
perda”. A prática da formação de leitores pressupõe que se deve ouvir e ler histórias,
e para ler deve haver a escrita, ou seja, o registro. A literatura infantil é uma área
fértil do mercado editorial devido aos inúmeros incentivos, ações e fomentos
particulares e/ou governamentais, como o Plano Nacional de Bibliotecas Escolares
(PNBE), Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) e outros. Diante desse contexto e
no convívio com a literatura, uma hora ou outra, deparamo-nos com obras de
autores de Santa Catarina. Este trabalho, portanto, também intenciona garimpar e
valorizar autores e títulos de Santa Catarina de literatura infantil. Nessa linha, já
temos trabalhos realizados e outros em andamento que abordam a temática,
embora essa produção “é um fazer bastante recente e quase que inexiste até a
década de 1970, se avaliarmos pelo viés da constância, difusão e volume de obras”.
(DEBUS, 1996, p. 21).
Contando e encantando: construindo significados a partir da contação de
histórias
É necessário destacar que a escolha do professor para integrar o projeto
deu-se a partir de um Curso de Formação, bem como aqueles que participaram do
PI inicial, efetivado em dois módulos datados de 24 de agosto de 2011 e 26 de
outubro de 2011 consecutivamente: a) contação oral de histórias: narrativas,
narrativas visuais e poesias; b) contação digital de histórias: narrativas, narrativas
visuais e poesias.
O primeiro módulo trabalhou com a formação dos professores com diversos
gêneros literários na contação de histórias a partir de narrativas escritas e visuais e
do trabalho com as poesias para o público infantil e juvenil, produzida por escritores
de Santa Catarina. O segundo módulo trabalhou com a formação dos professores
em diversos gêneros literários na contação de histórias a partir de narrativas escritas
e visuais digitais e do trabalho com as poesias de literatura infantil de Santa Catarina
a partir das tecnologias digitais, as ciberpoesias.
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Após a aplicação do questionário, acompanhamos e auxiliamos a professora
no desenvolvimento das atividades propostas pelo projeto, já destacadas no Curso
de Formação. O trabalho foi dividido em três partes: 1) Contação/Recitação de
poemas; 2) Contação de narrativas orais e digitais e 3) Contação de narrativas
visuais e outras atividades digitais.
Acompanhamos e auxiliamos a professora regente na aplicação das
atividades propostas pelo Projeto e Intervenção (PI) e conhecidas nos Cursos de
Formação, as quais deram subsídios para que os alunos respondessem as questões
do questionário.
No momento subsequente, aplicou-se novamente o questionário para saber,
por meio da análise das respostas, se houve ampliação dos conhecimentos e do
repertório das crianças. Os questionários configuram os instrumentos de coleta de
dados mais utilizados nos levantamentos quando se pretende obter dados de um
grande número de sujeitos. São constituídos por uma série ordenada de perguntas
que devem ser respondidas por escrito pelo próprio respondente, geralmente sem a
presença do investigador. Marconi e Lakatos (2002) conceituam que se trata de um
instrumento para recolher informação. É uma técnica de investigação composta por
questões apresentadas por escrito.
Pensadas e desenvolvidas todas essas atividades, aplicamos, novamente, o
questionário, para assim podermos visualizar os avanços obtidos nesta pesquisa.
Após fazermos esse trabalho, percebemos o quanto a literatura sempre precisa de
ações e investimentos. Assim sendo, conseguimos obras e contato com 24 autores
catarinenses sendo eles: Alcides Buss, Anair Weirich, Daniele Garcia, Dinara
Tessari, Dóris Rocha Ruiz, Eloí Elisabete Bocheco, Flávio José Cardoso, Gilbero
Cardoso, Glaucia Regiane Nunes, Jamila Mafra, Juarez Machado, Luiz Ferreira,
Marilda Wolff Gasparin, Maria de Lourdes Krieger, Maria de Lourdes Scottini Heiden,
Marta Martins da Silva, Miriam Aparecida da Rocha, Márcia Cardeal, Nana Toledo,
Neida Rocha, Regina Carvalho, Ricardo Brandes, Rubens da Cunha e Valdemir
Klant, os quais, de uma forma ou outra, deram importante contribuições para a
efetivação desse trabalho. Conseguimos, também, montar um acervo de livros
infantis e juvenis, livros enviados por esses escritores.
De posse desses materiais, e, após ter trabalhado nos cursos de formação
oral e digital, além do acompanhamento nas intervenções com os alunos, pudemos
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fazer um comparativo com as respostas dadas pelos alunos no 1º e 2º questionário
os quais apontam alguns resultados.
Percebemos um avanço significativo no número de alunos que passaram a
ler histórias ou poesias no computador, evidenciando, assim, a importância da
escola e do papel do professor como agentes fomentadores do processo de leitura.
Muitas atividades são realizadas no cotidiano escolar, no entanto pouco tempo
dedica-se a leitura de literatura nesse espaço Constatamos que cresceu de onze
(11) para dezenove (19) o número de alunos que passaram a ler no computador,
reconhecendo-o também como um instrumento de formação de leitores. Paulino e
Cosson (2009, p.61) afirmam que “[...] a escola enfatiza demasiadamente o
conhecido e o mensurável, negando espaço para o estranho e o inusitado”.
Também perguntados sobre o local que esses alunos fazem as suas leituras no
computador o número de alunos que as fazia em casa era mais significativo do que
os outros, crescendo esse número consideravelmente em se tratando da leitura no
computador na escola.
Outro dado que nos chamou a atenção foi o número de autores de Santa
Catarina que esses alunos conheciam, aumentando significativamente. Os alunos
que antes conheciam apenas dois (2) autores catarinenses de literatura infantil, que,
a propósito, um é avô de uma criança e o outro é mãe de outra criança, e deste
livro os mesmos foram os ilustradores, aumentaram para nove (9) o número de
autores que foram lembrados ao responder pela segunda vez o questionário. Debus
(2012, p. 4) afirma: “Acreditamos que a aproximação com a literatura produzida em
Santa Catarina seja uma forma de conquistar a criança para o texto literário, em
especial quando a narrativa ficcionaliza uma realidade próxima”.
Ao serem questionados sobre o número de livros lidos por mês, percebemos
um aumento significativo na leitura de livros, pois, no primeiro questionário, nove (9)
crianças liam apenas um livro por mês diminuindo esse dado significativamente para
um. Também percebemos que cinco (5) crianças liam três (3) livros, ou mais,
mensalmente passando esse número agora para 13 crianças. Esse acréscimo se
deve, acreditamos, ao papel mediador do professor, pois como observam Paulino e
Cosson:
[...] a interferência crítica do professor é fundamental para que os alunos
ampliem sua competência de leitura, lendo textos culturalmente
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significativos e entendendo o que os faz significativos. Percebemos a
importância do papel do professor nas ações desenvolvidas na escola para
a formação de leitores. (2009, p. 76)
Ao serem perguntados sobre o tipo de leituras que faziam, as crianças
subdividiram-se entre narrativas, livros visuais, poemas, gibis e revistas. Chamounos a atenção o significativo aumento do gosto pelos livros de literatura em
detrimento dos gibis e revistas, o que também ficou evidenciado pela preferência de
leitura de literatura citados. No primeiro questionário as crianças colocaram como
livros lidos títulos de gibis, e revistas, sendo, no segundo questionário, os livros
citados, em sua grande maioria, os utilizados no acervo construído para o projeto
que foram, na maior parte, doação dos autores de literatura de Santa Catarina.
Percebemos assim diminuir o gosto pelos gibis e revistas e aumentar pelas obras de
literatura infantil.
Ao serem indagados sobre sua preferência de leitura, no livro ou no
computador, manteve-se a estatística de onze (11) crianças para o livro e onze (11)
crianças para o computador no primeiro e no segundo questionário. Mesmo com o
grande número de avanços tecnológicos, com as inovações que a leitura
hipertextual oferece, tanto nos e-books, como nas poesias digitais/eletrônicas,
Busatto (2007, p. 92) argumenta: “Assim como o texto escrito não deu cabo da
oralidade, a Internet não excluiu e não excluirá, a palavra escrita. Apenas são
instâncias distintas”.
Estas novas formas de construção do conhecimento pressupõem novas
formas de leitura que podem e devem ser aprendidas na escola.
A leitura no meio digital pode ser entendida também como uma encenação
em múltiplos espaços. E é importante salientar que não estou falando de
uma multi-espacialidade virtual tal como a das literaturas impressa e oral,
em que a leitura que fazemos traz, para a concretude das frases que temos
diante de nós num dado momento, a virtualidade da trama da obra e das
referências intratextuais de vários outros trechos, além dos diferentes
intertextos. (SANTOS, 2008)
Como vivemos uma época em que os avanços tecnológicos estão sendo
utilizados por todos os ramos do conhecimento, a educação pode se servir destas
tecnologias para instigar vivências dessa natureza, visto que principalmente com as
crianças estas tecnologias despertam um verdadeiro fascínio, ao ponto de podemos
chamá-las de nativos digitais, pois interagem muito bem com elas. Portanto, unir
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12. ISBN - 978-85-8209-020-6
educação e novas tecnologias de informação e comunicação representa um desafio
quando apresentamos como proposta mudanças na metodologia de ensino. Partindo
deste princípio, as tecnologias digitais são umas das maiores ferramentas de
conexão com o mundo e pode auxiliar o professor nesta tarefa educativa. Ao utilizálas, abandonará a postura de um professor/contador de histórias e mediador de
leitura e assumirá o papel de mediador, de articulador no processo de formação de
leitores por intermédio das novas tecnologias, ou seja na contação digital. As
ferramentas digitais podem ajudar o professor no processo de formação de leitores,
servindo como um excelente suporte.
O mundo atual, através do desenvolvimento e da rápida expansão das
novas tecnologias de Informação e de Comunicação e a passagem para uma
sociedade de informação, digital ou de rede, em que a Internet e a World Wide Web
assumem uma especial importância, tem levantado diversas questões sobre tantas
mudanças e novas demandas, exigindo dos indivíduos, habilidades e atitudes
diferentes das observadas em épocas anteriores. Segundo Maria Elisabette Brisola
Brito Prado, pesquisadora do Núcleo de Informática Aplicada à Educação da
Universidade Estadual de Campinas,
Existe quase um consenso entre educadores e educandos quanto à
necessidade de mudar o sistema educacional vigente. O descompasso que
existe entre as características do novo modelo emergente do século XXI e
as características da escola baseada no século XIX torna-se cada vez mais
visível. Nesse novo paradigma, o dinamismo e a rapidez da informação
demandam uma nova forma de pensar a aprendizagem e o conhecimento.
Quando se reflete sobre o sistema educacional para a nova era, é
impossível ignorar o uso da tecnologia. E, certamente, as intenções podem
ser as melhores, quando se pensa em modernizar a escola por meio da
aquisição de equipamentos tecnológicos, como os computadores
O cidadão deste século não pode ter o mesmo perfil de habilidades do
século passado. Não pode mais ignorar o que se passa no mundo, pois necessita se
inserir de maneira adequada no meio social. Esse cidadão precisa, antes de tudo,
ser crítico, ativo, pensar e agir. É preciso mudar profundamente os métodos de
ensino para reservar ao cérebro humano o que lhe é peculiar, a capacidade de
pensar, em vez de desenvolver a memória. Necessita saber pensar sobre tudo o que
chega até ele através das novas tecnologias de informação e comunicação. A
função da escola será, cada vez mais, a de ensinar a pensar criticamente. Para isso
é preciso dominar mais metodologias e linguagens, inclusive a linguagem eletrônica.
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13. ISBN - 978-85-8209-020-6
Não há como negar a insubstituível presença do livro como artefato
imprescindível nos processos de desenvolvimento do gosto pela leitura, e esta,
acredita-se, dá-se de forma mais efetiva por meio da literatura. Como destaca Miguel
Rettenmaier:
Na ficção dos séculos XIX e XX estavam as respostas aos meados que, no
início do século XXI previam o fim dos livros em nome da absoluta
supremacia do computador. Vistos por um tempo como frágeis objetos
perecíveis, os livros, terminada a primeira década de globalização
informático-mediático, são cada vez mais reconhecidos como os
verdadeiros suportes da ficção literária. (RETTENMAIER, 2009, p.184).
Proficiência leitora na Era Digital: Conclusões
Quando pensamos em formação de leitores, esse é um grande desafio que
necessita ser trabalhado e vencido por todos. Para que tenhamos leitores
proficientes, é necessário que a escola trabalhe na função maior de formar leitores
por meio da leitura de literatura, como assim frisa Rettenmaier (2009, p. 184), ”[...] é
pelo livro que se chega à literatura, é pela literatura que se pensa o mundo”. A
literatura remete-nos a pensar, a refletir, a fruir; dessa forma, percebemos o papel
essencial do livro na formação humana do homem. A leitura como processo de
aquisição de conhecimento e a literatura como instrumento de reflexão são
instrumentos indispensáveis na formação humana e consequentemente na
construção da sociedade.
A escola é um espaço de formação humana e, portanto, deve possibilitar o
acesso a momentos de prazer ao ato de ler, seja ele em que suporte for, sendo uma
boa estratégia a contação de histórias, tanto oral quanto digital. Sabemos que esse
é um desafio que necessita ser vencido, visto que para muitos ler parece não ter
muita significação, pois estão muito atrelados a conteúdos e esquecem-se que a
leitura é conteúdo sim, e tudo o que fazemos nas instituições escolares visa um fim
único que é o da leitura e o da escrita, que envolve outras habilidades e
competências como a de interpretação e compreensão. Se a escola negar o direito à
criança de promover momentos de aproximação desta ao objeto livro, quem o fará?
Até quando teremos uma significativa parcela da humanidade marginalizada? Nesse
sentido, Eco (2003, p. 12) discorre ”mas por que forma excluídos do universo do livro
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14. ISBN - 978-85-8209-020-6
e dos lugares onde, através da educação e da discussão, poderiam chegar até eles
os ecos de um mundo de valores que chega de e remete a livros”. Dessa forma, é
necessário refletir sobre a função da leitura de literatura na escola.
Quem diria que em meados de 1950 iniciar-se-ia, em Santa Catarina, a
literatura infantil, sendo Lausimar Laus, uma das pioneiras (DEBUS, 2012). A
literatura infantil de Santa Catarina já possui o seu espaço demarcado e é
importante instrumento para aproximação da criança do objeto livro. Há muitas obras
publicadas, muitas esgotadas, muitas a publicar, é necessário, assim, investimentos
tanto no setor livreiro e editorial, tanto em ações fomentadoras de leitura e,
principalmente, da nossa literatura. Vamos pensar em um país de leitores, fazer um
estado de leitores e, parafraseando Monteiro Lobato: Um estado, Santa Catarina, se
faz de Homens e Livros, por isso Conte, Cante, enCante, e enCantarine-se com
literatura produzida aqui em Santa Catarina.
REFERÊNCIAS
ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil. Gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione,
1997.
BUSATTO, C. A arte de contar histórias no século XXI: tradição e ciberespaço. 2. ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
DEBUS, E. S. D. Entre vozes e leituras: a recepção da literatura infantil e juvenil.
Dissertação (Mestrado em Literatura Brasileira). Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), Florianópolis, 1996.
_____. A produção literária para crianças e jovens em Santa Catarina.UCS2012.
Disponível
em:
<www.ucs.br/etc/revistas/index.php/antares/article/download/.../949>. Acesso em: 20
jun. 2012.
ECO, U. Sobre a Literatura. Tradução Eliana Aguiar. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do trabalho científico.
São Paulo: Atlas, 2002.
NEITZEL, A. de A. O jogo de cena do contarte. Educação e diversidade: contribuições
para uma educação inclusiva: Anais da IV Jornada Nacional de Pedagogia. Itajaí.
Universidade do Vale do Itajaí, 2005.
14
15. ISBN - 978-85-8209-020-6
PAULINO G.; COSSON, R. Letramento Literário: Para viver a literatura dentro e fora da
escola. In: ZILBERMAN, R.; ROSING, T. M. K. Escola e leitura: velha crise, novas
alternativas. Org... São Paulo, Global, 2009. Coleção Leitura e Formação
RETTENMAIER. M. A Fogueira dos livros e a era do computador. In: ZILBERMAN, R.;
ROSING, T. Escola e leitura velha crise, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009.
SANTOS, A. Texto digital e reconfiguração do leitor. In: Revista Z Cultural, n. IV - Número 2
- Abril 2008/Julho 2008. Disponível em: www.pacc.ufrj.br/z/ano4/2/alckmar.htm./ >. Acesso
em: 15 mai. 2012.
SISTO, Celso. Textos e pretextos sobre a arte de contar histórias. 3. ed. Belo Horizonte:
Aletria, 2012.
15
16. ISBN - 978-85-8209-020-6
O NARRADO E O VIVIDO NOS FIOS DA MEMÓRIA – ENCONTROS DE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES ABRIGADOS
Laura Meireles Gomes Moura
Mestranda em Patrimônio Cultural e Sociedade na Univille.
Orientadora Profª Drª Taiza Mara Rauen Moraes.
(meireles.laura@hotmail.com)
Este artigo potencializa identificações do texto literário com o leitor/ouvinte, abrigado na
Casa Lar Ecos da Esperança, fazendo os emergir lembranças/ memórias catalisadas por
esses reconhecimentos, a respeito de suas vivências, na família restrita e ampliada,
impregnadas por situações de violência e frágeis laços sociais. Assim como mediador dessa
possibilidade de diálogo entre o sujeito e suas memórias, os textos literários de Lygia
Bojunga em a “Bolsa Amarela” (1976) e “Tchau” (1985) acessam os “cenários mentais”
abordando de maneira simbólica questões pertinentes aos enfrentamentos que a realidade
oferece e a liberdade do ato imaginativo como constituintes legítimos para a autodescoberta.
Dessa forma, múltiplos sujeitos e de múltiplas experiências podem estabelecer pontos de
encontro nessas narrativas que ofertam espaços de (re)significação de suas memórias. A
condução da pesquisa se efetivou através de mediações de leitura dos capítulos do livro e
do preenchimento de fichas de leitura/análise do discurso. Essa trajetória que o discurso
interior mescla com as memórias e lembranças culmina com o processo de exteriorização,
num trânsito que, segundo Vygotsky (1989b, p. 108), se estabelece como “movimento
contínuo de vaivém do pensamento para a palavra e vive-versa” construindo e
reorganizando os sentidos para que a interlocução se efetive entre as vozes internas e as
vozes diversas configurando-se numa legitimação de sua narrativa e história.
Palavras chave: Abrigamento; Memórias; Literatura.
“– Que que há? to dizendo que ele é inventado.
Invento onde é que ele vai escrever, invento o que
é que ele vai dizer, invento tudo”
(Lygia Bojunga. Bolsa amarela)
“Rebeca fingiu que nem tinha visto a mala da mãe
aberta em cima da cama e já quase pronta pra
fechar.
Voltou pro quarto
Sentou.
Fingiu que estava desenhando um barco”.
(Lygia Bojunga. Tchau)
Os estudos de Parreira e Justo (2005, p. 175) estigmatizam abrigos e
abrigados como espaços de passagem, e consideram o abrigo como um lugar que
inibe a identidade social, assim segundo os autores, a criança que viver abrigada por
longo período, ”[...] dificilmente reconhecerá aí sua própria imagem, pelos estigmas
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que pesam sobre os asilados”. É preciso, portanto, considerar que para algumas
crianças estar nessa situação de asilamento / acolhimento que os abrigos
promovem, mesmo que sob a forma de famílias acolhedoras ou substitutas significa
mais uma face de enfrentamentos sociais. Dessa forma, a vida de crianças e
adolescentes em abrigos desvinculados de seu espaço (casa), amigos, escola e
vínculos familiares pode representar não uma forma de proteção que a lei pretende
conferir, e sim, uma configuração de uma nova rede de significações.
Uma das modalidades de acolhimento para salvaguardar a integridade física
e psíquica dos acolhidos são os espaços denominados Casa-Lar. E é, portanto, com
o nome Casa Lar que é produzida a ideia ou a lembrança do que é um lar, espaço
que permite engendrar a gestação das representações de um lar, de uma família, do
seu ambiente sob o olhar de crianças e adolescentes.
Um lugar, com equipamentos e atores sociais aptos a interromper trajetórias
de sofrimento e promover a perspectiva de reconstrução e estabilidade para uma
possibilidade de retorno à família natural reestruturada e fortificada nos programas
de assistência social ou a possibilidade de encaminhamentos, respeitadas as
singularidades do caso de cada criança/adolescente.
No artigo 92, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA atribui à
Instituição de Abrigo a preservação dos vínculos familiares e promoção da
reintegração familiar, integração em família substituta quando esgotados os recursos
de manutenção na família natural ou extensa e de atendimento personalizado e em
pequenos grupos.
A “Associação Ecos de Esperança” está vinculada ao sistema de
acolhimento, através do programa que desenvolve em parceria com a MEUC –
Missão Evangélica União Cristã e nela habitam vozes como G, de 6 anos,
mostrando que a casa lar é um espaço coletivo – “gosto de dormir porque aí estou
sozinha” que simboliza a
necessidade de – o estar consigo, demonstrando a
necessidade de espaços individuais, aliados ao aconchego da família. O que nos
leva pensar abrigo como lugar “semelhante à casa”, no qual os espaços são
compartilhados por aqueles que o habitam, com uma diferença, seu caráter de
temporalidade, pois as crianças abrigadas estão cientes que o abrigo é um espaço
temporário, mesmo que permaneçam vivendo nele por vários anos. Na prática
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entram em cena os papeis experienciados nas famílias naturais e, de alguma forma,
são reproduzidos nas falas e memórias dos acolhidos.
Algumas falas trazem à tona a saudade de brinquedos, objetos pessoais que
se perderam devido à urgência da retirada dos mesmos dos espaços familiares. São
bonecas, carrinhos, “paninhos” que lhes serviriam de amparo e ligação de alguma
forma com o lar e que foram desassociadas das necessidades dessas crianças no
momento de suas vindas ao abrigo.
Assim, tratar de questões relativas ao abandono e a outras formas de
egresso de crianças e de adolescentes aos abrigos impõe reflexões a respeito da
violência e de suas formas de reprodução. O sentimento e o receio de tocar nos
tênues fios que ainda suportam a esperança e a confiança que essas
crianças/adolescentes
mantêm
nos
espaços
de
acolhimento
demandam
sensibilização no trato de suas lembranças e memórias, que se mantém
salvaguardadas como forma de proteção social. Para alguns falar dessas memórias,
é libertar-se, para outros a liberdade consiste em ocultá-las. Assim, no convívio com
os acolhidos deve ser considerado esse jogo de salvaguardar e expor lembranças e
memórias. Desta forma, as crianças e adolescentes abrigados convivem grande
parte de suas vidas, segundo Mendes (2008, p. 9) “tecendo importantes vínculos
afetivos de diferentes naturezas e também sofrendo relevantes rupturas afetivas”,
devido ao tempo relativo à sua permanência nesses espaços.
A recepção e a permanência dessas crianças nos abrigos requer um olhar
sensível, um cuidado com essas bagagens de experiências configurando-se como
catalisadores para validar ou anular a possibilidade de novos vínculos quer nos
espaços do abrigo quer nas novas relações decorrentes da adoção. Manifestar suas
histórias de vida e apresentá-las como registros de existência, resultará na abertura
de espaços de encontro com suas histórias de vida.
Desta forma, permitir que não seccionem ou apaguem as lembranças das
crianças e dos adolescentes abrigados, pode devolver-lhes aos emaranhados do
apanhar o seu fio de história; assim, oferecer o suporte para essas captações não
justifica frases como “iniciar uma nova vida” comumente usada para aquele que vai
iniciar uma nova aventura, mas sim, “um continuar a vida”, com a história única de
cada indivíduo.
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Prosseguindo nessa reflexão, podemos unir o ato de narrar ao de memorar
reportando ambos às questões que envolvem a existência humana, pois acessam
instantes de particularização nos tornando únicos ao narrar, ao memorar e nos
acompanham em nossa existência.
Observa-se que crianças na primeira infância podem ter contato com
diferentes formas de narração: ouvir uma história contada pelos pais, diálogos que
tomam forma melodiosa, cantigas, parlendas. E, assim, no seu desenvolver criam e
recriam cantigas, histórias narrando acontecimentos vividos na escola, em casa ou
com outro grupo de relações. As narrativas orais e escritas formalizam-se pela
escola e pelos demais contatos sociais em padrões sequenciais do relatar, do
escrever, muito embora sejam perceptíveis na fala e na escrita dos sujeitos
envolvidos na pesquisa valorizações subjetivas que refletem o consciente e o
inconsciente. Estabelecer um diálogo subjetivo entre suas histórias e as narrativas
ficcionais pode criar elos de reinserção e reconhecimento de aspectos que nos
particularizam no mesmo instante em que nos inserem na roda do coletivo.
A narrativa pode ser assim considerada como uma ferramenta simbólica
inerente à cultura, operante da consciência humana capaz de gerir as interações do
sujeito com o mundo ao seu redor, atribuindo, a fala e a escrita manifestações da
materialização dessas interações e organizadores dos sentidos das experiências
vividas, pois enuncia nos espaços velados dos discursos o que há de comum,
interno na simbiose escritor-leitor; locutor e ouvinte (MENDES, 2008).
É no contexto cultural que se dá o sentido da narrativa constituindo-se numa
base sócio histórica de produção que Vygotsky (1998) denomina como “sistemas
simbólicos mediadores” das representações do real, havendo nesse campo uma
mescla de histórias e vivências mediadas pelo simbólico.
A frase “Era uma vez” desencadeia desconstruções de tempo/espaço
cartesiano abrindo-se ao “domínio do imaginário” que, segundo Machado, pode
tornar familiar um lugar desconhecido.
“Era uma vez” quer dizer que a singularidade do momento da narração
unifica o passado mítico – fora do tempo – com o presente único – no tempo
– daquela pessoa que a escuta e a presentifica. É a história dessa pessoa
que se conta para ela por meio do relato universal. (MACHADO, 2004, p. 23)
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Nessa perspectiva, verificamos que na narração, o poder mágico da palavra
se instaura podendo nos conduzir a instâncias impregnadas de fantasia, onde tudo
pode acontecer sem que nos pareça irreal, promovendo a materialização de uma
“ideia narrativa” nas formas do recontar. Num recontar que presentificado inventa e
transfigura-se em “imaginação criadora” (DURAND, 2002), ocorrendo assim um
acordo simbólico entre o mundo, não apenas como um acordo de lugares, de
refúgio, mas algo que reflete na construção da cultura. Durand atribui assim uma
dimensão antropológica e estrutural à função fantástica na espécie humana.
Se os pequenos europeus ocidentais brincam de caubóis e índios, é porque
toda uma literatura de história em quadrinhos vestiu o arquétipo da luta com
a roupa histórica e cultural de Búfalo Bill e Olho de Falcão. Por outro lado,
depois do estádio educativo a função fantástica desempenha um papel
direto na ação: não há “obras de imaginação” e toda criação humana,
mesmo a mais utilitária, não é sempre aurealada de alguma fantasia? Neste
mundo pleno que é o mundo humano criado pelo homem, o útil e o
imaginativo estão inextricavelmente misturados, é por essa razão que
cabanas, palácios e templos não são formigueiros nem colmeias, e que a
imaginação criadora ornamenta o menor utensílio a fim de que o gênio do
homem não se aliene nelas. (DURAND, 2002, p. 397)
Nessa perspectiva, a memória é associada à imaginação, permitindo um
redobramento dos instantes perenizados existencialmente. Dessa forma, o
sofrimento recria fragmentos positivos de outros fatos e que não os vividos, diluindo
o sofrimento. A memória confere assim um caráter eufemista ao destino imaginado.
Para Durand (2002) a memória pertence de fato ao domínio do fantástico, dado que
organiza esteticamente a recordação.
É nisso que constitui a “aura” estética que nimba a infância; a infância é
sempre e universalmente recordação da infância, é o arquétipo do ser
eufêmico, ignorante da morte, porque cada um de nós foi criança antes de
ser homem. (DURAND, 2002, p. 402).
A memória tece assim o poder de organização a partir de um fragmento
vivido simbolizado como um todo, capturando ou refutando aquilo que a
subjetividade julgou para expressar sua história mostrando também o viés cultural
dessas representações, pois ainda, segundo Durand (2002, p. 397), “toda cultura
incultada pela educação é um conjunto de estruturas fantásticas”. Nesse
entrelaçamento entre os lugares de experiência interior e exterior há o lugar/espaço
da narrativa que materializa o pensamento abstrato e mescla esses lugares
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ofertando as experiências vividas e as que projetamos para vir a ser, emergindo
juntas, nas paisagens da narrativa.
A análise das experiências vividas por crianças e adolescentes que são
afastadas de suas casas para viver em abrigos como migração imposta por leis de
proteção social demonstram que esses deslocamentos interferem nas relações que
se estabelecem nas memórias e nas construções de suas histórias de vida e
identidade advindas dessas mudanças. Em decorrência, esses novos espaços,
inicialmente estranhos, passam a tornar-se micromundos a parte daquele do qual
saíram, constituindo-se novos espaços de significação na mesma medida em que se
cristalizam na memória os lares antigos pertencentes agora ao laço do território do
fantástico – espaço que revive na fala dos acolhidos inúmeras vezes com um tom de
idealismo.
No território das palavras emerge um conflito latente entre o simbólico e o
real que deixa transparecer a necessidade de ultrapassar a própria palavra e o que
está por trás dela. Além desses aspectos, há o imaginário que perpassa os sentidos
oferecendo-se como um facho de luz que ilumina a realidade. O texto escrito pode
indicar alguns distanciamentos entre o narrado e o vivido, o dizer e o dito, visto estar
modulado às instâncias das experimentações subjetivas que ofertam uma
pluralidade de sentidos, o que o torna de certa forma território estrangeiro, nas
palavras de Ricoeur (1977, p. 44):
O texto é para mim, muito mais que um caso particular de comunicação
inter-humana: é o paradigma do distanciamento na comunicação. Por esta
razão, revela um caráter fundamental da própria historicidade da experiência
humana, a saber, que ela é uma comunicação na e pela distância.
As tramas do texto oferecem a possibilidade de acesso aos “cenários
mentais” e de maneira simbólica, propiciam enfrentamentos com a realidade, pois a
liberdade do ato imaginativo conduz para a autodescoberta. Desta forma, múltiplos
sujeitos e de múltiplas experiências podem estabelecer pontos de encontro nessas
narrativas que (re)significam memórias.
Breton (2003, p. 56) fala de “palácios de memória” baseado na evocação de
textos antigos para fazer referência à consciência de um espaço interior acessado
pela palavra: “A construção de um espaço interior também é a construção de uma
proteção, de uma cerca no interior da qual a palavra pode se experimentar como
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singular”. É importante considerar essa dualidade da palavra e do duplo sentido que
apresenta, que segundo ele:
Assim, ao nos separar do mundo e de nós mesmos, a palavra abre um
espaço essencial, o que permite o desenvolvimento da pessoa. A palavra
“tempo do ser”, para retornar a fórmula de Heidegger, é uma instância
inteira e irredutivelmente nossa, ao mesmo tempo em que se inscreve em
um leve, mas essencial, deslocamento em relação a nós mesmos. Essa
dupla direção implica na espécie de descentramento da palavra em relação
àquele que a emite e igualmente aquele que a recebe.
A dualidade da palavra assegura um espaço entre a realidade e a ficção e
segundo Candido (2004) histórias e narrativas já eram contadas desde os tempos
mais remotos por pessoas próximas e permitiam que fatos corriqueiros apoiassem a
imaginação e a reflexão sobre a vida. Segundo Machado (2004), esses encontros
com as pessoas eram embalados pelas histórias que se cercadas pela afetividade
tornavam legítimos a transmissão de valores.
Antigamente a fogueira, o fogão, a lenha, o lampião aceso na porta de casa,
ou as velas reuniam as pessoas em torno do aconchego da semi-escuridão.
Momento propício para o descanso depois do trabalho para se vaguear
pelas sombras e mistérios da noite, à vontade, deixando as palavras soltas
passeando a toda pelos causos, pelos assombros, pelas perguntas sem
resposta, pelos fatos engraçados, pelas dificuldades da vida. (MACHADO,
2004, p. 34).
Lugares esses que ainda podem ser assegurados como “espaços da
imaginação humana” através do contato com os contos e com a literatura
representando uma mescla de possibilidades e acessos subjetivos integrados ao
coletivo.
A escolha dos livros de Lygia Bojunga “A Bolsa Amarela” e “Tchau” prendeuse aos caminhos que a narrativa tece em relação ao realismo cotidiano presente no
texto, possibilitando, através do mágico, como enfatiza (Coelho 2006), a ruptura com
o realismo que limita as ações do presente e da projeção do futuro da protagonista,
enfatizando a necessidade do autoconhecimento como forma de também entender o
outro. Essas relações transparecem na protagonista Raquel que vê o mundo a sua
volta, saído metaforicamente de sua grande bolsa amarela repleta de vontades e
personagens, estimulando a imaginação criadora, atribuindo os sentidos subjetivos a
vida a ao entendimento dela, num transporte fora do tempo, presentificado pelos
encontros de suas próprias histórias no texto. Assim como as frustrações de outra
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menina que não consegue impedir que a mãe abandonasse o lar, bem como na
trama das diferenças sociais que se anulam frente a amizade de dois meninos,
estabelecendo nos textos de Lygia Bojunga os contrapontos que a vida oferta que
entremeados nos caminhos da criação literária tornam-se compreensíveis e
revestem-se do belo, dinamizando as emoções dos encontros humanos.
REFERÊNCIAS
BOJUNGA, Lygia. A bolsa amarela. 3. ed. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga,
2009.
BRETON, Philippe. Elogio da palavra. São Paulo: Loyola, 2003.
CÂNDIDO, Antonio. O direito a literatura. In: Antonio Cândido vários escritos. Rio
de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2004.
COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico da literatura infantil e juvenil
brasileira. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 2006.
DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução à
arquetipotogia geral. Trad. Hélder Godinho. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Dispositivos Constitucionais
Pertinentes – Lei nº 8.069,de 13 de Julho de 1990 – Legislação Correlata – Índice
Temático.8. ed. DF.
FIORIN, José Luiz. Leitura e dialogismo. In: Zilberman, Regina; Rosing, Tania M. K.
(Orgs.). Leitura: velha crise, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009.
MACHADO, Regina. Acordais: fundamentos teórico-poéticos da arte de contar
histórias. São Paulo: DCL, 2004.
MENDES, Cynthia Lopes Peiter Carballido. Vínculos e rupturas na adoção: do
abrigo para a família adotiva. 2008. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica).
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Universidade de São Paulo,
2008. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/tesesdisponiveis/47/47133/tde27032009-153918/>. Acesso em: 03 out 2013.
PARREIRA, S. M. C. P.; JUSTO, J. S. A criança abrigada: considerações acerca do
sentido da filiação. Revista Psicologia em Estudo, Maringá, v. 10, n. 2, p. 175-180,
mai./ago. 2005.
RICOEUR, Paul. Interpretações e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1977.
VIGOTSKI, Lev S. O desenvolvimento psicológico na infância. Trad. Claudia
Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
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UM ABSURDO MUITO CALMO: UMA LEITURA DOS LIMERIQUES DE EDWARD
LEAR
Eduardo Silveira
Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE
(edusilveira90@hotmail.com)
Muitas são as suposições acerca da época e do local de criação do limerick,
ou - na versão aportuguesada - limerique, mas é certo que seu desenvolvimento
principal ocorreu no seio das culturas irlandesas e inglesas, pois foi nessas culturas
que o limerique ganhou status de item folclórico e multiplicou-se. De grande
popularidade, o limerique apresenta características marcadamente subliterárias,
sobretudo por seu caráter convivial: nos séculos XVIII e XIX, dos quais datam suas
primeiras manifestações sob o nome de „limerique‟, eram poemas declamados em
encontros e festas, motivos de festivais e torneios, apresentando, assim,
características semelhantes à de outras composições poético-musicais mais
familiares aos brasileiros, como as quadrinhas, o rap e a literatura de cordel.
O limerique pode ser descrito como um gênero poético-humorístico, pois é
sempre um poema em versos, que obedece a certa estrutura fixa, ao mesmo tempo
em que visa o humor. O limerique faz troça, ironiza, conta um causo bizarro, sempre
com a intenção de fazer sorrir. É essencialmente uma anedota em verso, diz BaringGould (1967). O sucesso do limerique nas culturas de língua inglesa reside
provavelmente na sintonia entre a língua e o humor inglês, que vai da ironia polida
ao nonsense escrachado e a estrutura rígida e musical do limerique. O poema
sempre possui cinco versos, que devem seguir o esquema rímico do tipo A-A-B-B-A,
bem como um esquema rítmico pré-definido: os dois primeiros versos com três pés
cada, o terceiro com quatro pés (que se desdobra em dois versos de dois pés cada,
tornando-se dois versos, o terceiro e o quarto) e o quinto e último verso de três pés.
A grande referência quando se fala no gênero é o inglês Edward Lear, nascido em
1812 e falecido em 1888, que não foi o criador dessa forma poética, nem tampouco
usou o termo limerique em seus livros. Sua primeira obra, de 1846, chamava-se “A
book of nonsense” e apresentava 112 poemas escritos conforme as regras do
gênero. O sucesso de seus limeriques, e razão para que seja até hoje divulgado e
lido como o grande cultor do gênero, está na sua refinada criação de um universo
nonsense. Até então, o limerique era um poema de humor que se prestava a toda e
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qualquer anedota: paródias, sátiras, ditos pornográficos, cruéis e escatológicos.
Lear, por sua vez, afastou-se da tendência popular do limerique, abrindo mão da
promiscuidade e da intenção anedótica em favor da criação de um mundo particular
habitado por pessoas de curiosos e inexplicáveis hábitos. Enquanto nos limeriques
populares a anedota ou situação cômica era contada por meio de cinco versos, Lear
alterou a estrutura de modo que as ações do enredo acontecem quase sempre nos
quatro primeiros versos, reservando ao quinto a tarefa de fechamento do enredo e
retomada do primeiro verso. Esse efeito cíclico impossibilita a classificação do
limerique leariano como anedota, uma vez que, embora haja um enredo cômico e,
muitas vezes, um clímax, não se desvela diante do leitor a resolução . O limerique
leariano não dá a chave para o leitor, como fazem as anedotas, e mantém o
suspense ao não explicar de forma satisfatória o comportamento singular dos
personagens. O limerique é antes uma mininarrativa, a minidescrição de um
personagem curioso:
Havia uma moça cujo nariz comprido
Chegava-lhe bem abaixo do umbigo;
Contratou então uma criada,
senhora bem-comportada,
Para levar seu formidável nariz comprido. (LEAR, 2011, p. 28)
O sucesso e popularização dos poemas nonsenses de Lear fez com que o
termo „nonsense‟ ganhasse novas definições ao longo do tempo, inclusive dando
origem a um gênero literário: a literatura nonsense, da qual Edward Lear e Lewis
Carroll são unanimemente considerados os principais representantes. O estudioso
alemão Klaus Reichert (apud ÁVILA, 1995) circunscreve a produção da literatura
nonsense em um curto período de anos, uma vez que entende que ela foi uma
resposta a uma série de fatores sócio-históricos específicos e, portanto, esse
movimento teve um início e fim. Reichert marca a publicação do primeiro livro de
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Lear, em 1846, e a morte de Carroll, em 1898, como marcos inicial e final da
literatura nonsense, justificando que se
antes não existia, depois não precisava existir. Ela é um fenômeno
transitório, reação a condições determinadas, historicamente delimitáveis,
que perdeu o sentido assim que essas condições se tornaram transparentes
e puderam ser descritas de maneira não-nonsense. (REICHERT apud
ÁVILA, 1995, p.97)
Assim, a literatura nonsense de Lear e Carroll pode ser considerada
pioneira na crítica às transformações pelas quais o mundo, sobretudo a Inglaterra,
passou após a Revolução Industrial. Sob essa ótica, ao denunciar por meio do
humor nonsense a tensão entre as ações dos personagens e os valores da
sociedade em transformação, a produção nonsense dos dois autores antecipa a
crítica que mais tarde seria feita ao modelo capitalista industrial pelos movimentos
modernistas. Nos poemas de Lear é comum que o protagonista vá de encontro a
valores, exigências e crenças vigentes em sua sociedade, retratando a dificuldade (e
muitas vezes a impossibilidade) de se adequar ao novo mundo que se impunha.
Essa tensão entre indivíduo, sociedade e valores tradicionais é uma constante na
leitura de seus limeriques nonsense, uma vez que a maioria deles tem como
protagonista apenas um personagem, sendo que – em vários limeriques – esse
personagem toma atitudes que contrariam a expectativa e a vontade das pessoas
que o cercam – a sociedade. Esse forte caráter individualista dos poemas de Lear
antecipa, assim, conflitos morais que se adensariam com as conseqüências da
industrialização vertiginosa pela qual passava a Inglaterra no fim do século XIX. O
êxodo rural, o aumento da carga de trabalho, a divisão das fases da produção, a
urbanização e a consequente diminuição das comunidades coletivas foram fatores
que contribuíram para a construção de uma sociedade cada vez mais individualista e
tensa, cujos valores morais foram transformados e confundidos pelos ideais
capitalistas. Nada mais propício e discreto para representar as contradições e
confusões desse mundo em transformação do que o humor nonsense.
É
característica dos limeriques de Edward Lear a criação de personagens solitários,
que se destacam dos demais por sua condição ou hábito absurdo. Cada limerique é
um microuniverso em cujo centro está o personagem absurdo e nada há mais que
importe. Não há referências significativas da passagem do tempo. Não há
possibilidades e nada fica em aberto. O universo nonsense é marcado pelo não26
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sentimentalismo, e assim os personagens de Lear agem com total despreocupação,
mesmo em situação conflituosa diante da sociedade, e não demonstram qualquer
reação ao mundo exterior e suas críticas à suas escolhas e suas sanidades. No
imaginário coletivo, o louco costuma se mostrar por meio de atos inusitados e
extravagantes. Em muitas obras de ficção e humor, o louco é espalhafatoso,
agitado, aquele que grita e quebra coisas. Representações assim reforçam a
diferença que há entre as pessoas ditas loucas e as pessoas ditas normais. Mas os
limeriques nonsense de Lear parecem tornar essa barreira cada vez mais
imperceptível e confusa. Plantam, assim, a dúvida: somos normais mesmo? O que é
ser normal? Sem demonstrar uma gota de espanto, o autor apresenta uma coleção
de homens e mulheres bizarríssimas em um universo absurdo, mas muito calmo. O
destaque destes personagens absurdos em relação ao mundo que os cercam às
vezes é demarcado com a criação de um coro que repreende o personagem:
Havia um velho senhor em João Ramalho
que vivia a dançar na ponta de um galho;
mas disseram: "Se espirrar,
a árvore vai se arruinar,
seu imprudente velho de João Ramalho" (LEAR, 2003, 47)
(grifo meu)
Nota-se que o nonsense leariano nasce de contrastes. Segundo Bastos
(1996, p.13), “O nonsense não se resume a uma falta, a uma ausência de sentido,
trata-se mais de uma negação, de um não-sentido. (...) O nonsense remete ao
sentido. Na medida em que o nega, afirma-o.” Assim, a leitura nonsense se dá
quando o leitor se depara com um texto que nega (ao divergir) o sentido habitual das
coisas. O conflito é a condição essencial para a existência do nonsense. No
limerique citado anteriormente, o protagonista dança sobre um galho, uma cena
incomum se considerarmos o arquétipo do galho: fino, roliço, frágil e terreno
impossível para a execução de uma dança, ato que pressupõe (novo arquétipo,
nova representação mental) o movimento do corpo. Cabe investigar, pois, de que
forma a leitura se instala e qual é o caminho que liga o leitor à leitura que faz, ou
seja, o que o leva à leitura nonsense. Para a análise de alguns limeriques de Lear,
optou-se pela leitura semiológica, por ser a teoria geral dos sinais. Ao tomar os
signos como tema, a semiologia, fundada pelo linguista francês Ferdinand de
Saussure, e aperfeiçoada por uma série de estudiosos posteriores, liga-se
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diretamente ao processo de significação. No limerique em questão, aquilo
anteriormente chamado de representação mental é, sob a perspectiva saussureana,
o significado. A outra face do signo é o significante, aquilo que é dizível por meio do
código linguístico. Aplicando tais conceitos ao caso do limerique do velho senhor de
João Ramalho temos que um conflito entre os signos “galho” e “dançar”. O leitor tem
dificuldade de compor uma imagem dessa soma, e o resultado disso, o significado
confuso e impossível, é nonsense. Nota-se que a relação entre signos e
significantes é sempre tensa nos textos de Lear. Outro exemplo é este outro
limerique:
Havia um velho senhor lá de Monte Pilar
Que adorava olhar sua mulher a cozinhar;
Mas um dia ela se enganou
E no forno o que ela enfiou
Foi o coitado do velho de Monte Pilar. (LEAR, 2003, p.25)
Aqui, nota-se que o nonsense se manifesta antes mesmo do texto, na
ilustração do poema. Mais do que ornamentar, a ilustração em vários dos poemas
de Lear exerce a função lúdica e narrativa, fazendo parte e modificando o enredo do
poema. No caso do limerique acima, a leitura da imagem mostra que a mulher está
feliz com o infortúnio do marido, uma conclusão que vai de encontro à afirmação
“Mas um dia ela se enganou”, que sugere que o ato de levar ao marido ao forno foi
não-intencional. O confronto desses dois indícios opostos é o que gera o efeito
nonsense. Mais do que ilustrar a cena, o que constituiria redundância, os desenhos
de Lear aumentam a carga de humor do poema, uma vez que também são irônicos
e bizarros a seu modo. Nos poemas, não há uma intenção principal: o próprio Lear
declarou que o único objetivo deles era ser nonsense. Não há entrelinhas, ele não
quis dizer nada. No entanto, muitas coisas podem ser discutidas a partir da leitura
dos limeriques. De algum modo, todos os seus limeriques carregam dentro de si
atitudes e indagações humanas, relacionadas a medos, paranóias, desejos. A partir
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do momento em que apresenta atitudes absurdas, Lear nos confronta com as
atitudes esperadas para aquelas situações, levando-nos a repensar nossas rotinas,
nossos modos, nossa humanidade e nossa língua. À primeira vista, o limerique pode
parecer uma peça com sérios problemas de coerência. Um texto coerente pode ser
definido como aquele no qual há uma continuidade de sentidos entre os
conhecimentos ativados pelas expressões do texto, enquanto incoerente é “aquele
em que o leitor/alocutário não consegue descobrir nenhuma continuidade,
comumente porque há uma série discrepância entre a configuração de conceitos e
relações expressas e o conhecimento anterior de mundo dos receptores.”
(BEAUGRANDE e DRESSLER apud FÁVERO, 2009, p.61)
Tais definições, embora perfeitamente aplicáveis à análise da competência
textual de diversos textos, não se mostram suficientes para analisar exemplares da
literatura nonsense, dadas as especificidades que tais textos apresentam. Isso
porque se é verdade que os acontecimentos inesperados nos limeriques trazem
dificuldade para o leitor dos poemas, não se pode afirmar que não há continuidade
possível à trama. Os limeriques de Lear, além de apresentarem relações de coesão
e coerência perfeitas, muitas vezes apresentam uma solução possível, ainda que
incomum, para o problema/particularidade do protagonista. A identificação do
nonsense em Lear está, portanto, fora da sintaxe, e muito mais próxima no campo
da semântica. A especificidade do nonsense leariano está, portanto, em diversos
embates entre forças de ordem e desordem, que se dão em vários níveis do texto.
Há embates dentro do texto e embates fora do texto, como por exemplo, o confronto
entre a realidade absurdo dos limeriques e o seu contexto de produção – a
sociedade realista e rígida da Era Vitoriana.
Os poemas de Lear propõem uma reflexão (que na verdade é dependente
da linguagem, e por isso é reflexão linguística também) sobre a vida, uma vez que o
texto nonsense, por meio da linguagem, desconstrói significados, imagens e idéias.
Há, ainda, as reflexões que o texto nonsense provoca em seus leitores mais
experimentados. São reflexões linguísticas e cognitivas, atreladas ao complexo
processo de produção de sentido, que durante a leitura do texto nonsense é
desnudado diante do leitor, como se fosse uma engrenagem que, ao perder uma
peça, desmonta-se. A leitura dos limeriques de Edward Lear aponta para a
afirmação de que os poemas apresentam múltiplas formas de nonsense, ou seja,
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variados jogos – ou embates - entre a ordem e a desordem: seja o conflito entre
imagem e texto, ou o conflito do protagonista com o resto da sociedade, ou então o
uso inesperado de um vocábulo em determinada cena. Uma vez que a leitura dos
limeriques absurdos de Lear coloca o leitor diante de múltiplos nonsenses e
múltiplos questionamentos, entrar em contato com os limeriques desse fantástico
autor é refletir sobre o que o ser humano tem de óbvio e tolo. E fazer isso rindo.
REFERÊNCIAS:
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São Paulo: Annablume, 1995
BARING-GOULD, Willian S. The Lure of The Limerick: An Uninhibited History. New
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BASTOS, L. K. Anotações sobre leitura e nonsense. 1996. 126f. Tese (Doutorado em
Linguística). Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas.
Campinas. 2001.
CARVALHO, Castelar de. Saussure e a língua portuguesa. In:
http://www.filologia.org.br/viisenefil/09.htm Acesso em 10/10/21013
FÁVERO, Leonor Lopes. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 2009.
LEAR, Edward. Adeus, ponta do meu nariz! Tradução de Marcos Maffei. São Paulo:
Hedra, 2003.
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LEAR, Edward. Viagem numa peneira. Tradução de Dirce Waltrick do Amarante. São
Paulo: Iluminuras, 2001.
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EUTE@AMO.COM – O CARTEIRO CHEGOU
A FALTA DE PRIVACIDADE NO CIBERESPAÇO, A EXPOSIÇÃO DE GOSTOS E
PREFERÊNCIAS E O ESTÍMULO CONSTANTE AO USO DAS NOVAS
TECNOLOGIAS INFLUENCIANDO NAS RELAÇÕES AMOROSAS
Rosilda da Silva
Mestranda em Patrimônio Cultural e Sociedade na Univille.
Orientadora Profª Drª Taiza Mara Rauen Moraes.
(rosildasilva@univille.br)
O gênero textual carta íntima, de caráter dialógico, interativo e interlocutivo;
instaurado pelas idas e vindas e troca de correspondências entre as pessoas,
apresenta em seu funcionamento uma produção de linguagem capaz de situar
socialmente aquele que a escreve. Todavia, a carta íntima vem se transformando
com o avanço dos meios eletrônicos, pois, com o surgimento da internet os usuários
desta prática têm cada vez mais se distanciado deste tipo de escrita e optado por
outros meios; mais rápidos e supostamente mais seguros, como os e-mails, as redes
sociais e até mesmo sites de relacionamento.
Nesses tempos pautados pelo imediatismo, pela mídia, de relacionamentos
fluidos, marcados pela anulação do individual e pela hegemonia da multidão,
criando-se assim um cenário característico do anonimato e que ambienta as novas
condições de existência, nas quais as pessoas parecem sempre estar acopladas a
algum tipo de máquina, percebe-se que muitas mudanças ocorreram nos processos
comunicativos.
De um modo geral as pessoas inquietam-se. Buscam a todo custo a felicidade
nas mais variadas fontes; baladas, internet e tecnologias afins; na satisfação sexual;
no culto às eternas beleza e
juventude fabricadas pelo bisturi; no acúmulo de
riquezas materiais e em tantas outras fugas existenciais que acabam por perderemse no caminho das efemeridades tornando-se reféns desses novos tempos
permissivos, no qual aprenderam com tamanha facilidade a desencontrarem-se do
seu verdadeiro eu. Buscam soluções para esse reencontro consigo mesmas no
olhar do outro e sobre si próprias, muitas vezes, por meio do novo espaço público
surgido, o ciberespaço; influenciando em muitos casos no relacionamento humano,
no qual o avatar substitui o indivíduo/sujeito.
Entretanto, é válido lembrar que as cartas íntimas já imortalizaram vivências e
sentimentos de casais apaixonados, como por exemplo, Dom Pedro I e a Marquesa
de Santos, Fernando Pessoa e Ofélia, Machado de Assis e Carolina, Jean-Paul
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Sartre e Simone de Beauvoir, além de tantos outros. As cartas aproximavam os
apaixonados pela escrita, encurtavam distâncias e ofereciam o conhecimento sobre
o outro, alicerce para um futuro relacionamento, por vezes, tão sonhado e em muitos
casos, duradouro.
Pierre Nora (1993, p.02), historiador francês contemporâneo, afirma em Les
Lieux de Mémoire, traduzido para a cátedra Seminário de História Argentina pelo
professor Fernando Jumar que
La memória es la vida, siempre llevada por grupos vivientes y a este
título, está en evolucion permanente, abierta a la dialéctica del
recuerdo y la amnésia insconsciente de sus deformaciones
sucessivas, vulnerable a todas las utilizaciones y manipulaciones,
susceptible a largas latências y repentinas revitalizaciones. La historia
es la reconstrucción, siempre problemática e incompleta, de ló que ya
no es. La memória es un fenômeno siempre actúa un lazo vivido em
presente eterno; la historia, una representación; ella se alimenta de
recuerdos vagos, globales o flontantes, particulares o simbólicos,
sensible a todas las tranferencias, pantallas, censura o proyecciones.
Cartas, até mesmo as de amor, são documentos escritos, que merecem um
olhar atento porque fornecem registros identificadores de uma cultura. O sentimento
pode até ser ilusório, ou efêmero, ou provisório, mas as palavras escritas, trocadas
entre o casal podem, se isto teve algum valor para pelo menos uma das partes,
tornarem-se permanentes, porque, acredita-se que, quem ama preserva aquilo que
ama. Mas, para o pensador alemão Walter Benjamin (1995, p.84),“algumas vezes o
choque de resgatar o passado seria tão destrutivo, que no exato momento,
forçosamente deixaríamos de compreender nossa saudade”. E é por isso talvez que
tantas pessoas ao terminarem seus relacionamentos destroem ou desfazem-se de
suas correspondências, dificultando dessa forma aos pesquisadores, um resgate do
que se prefere deixar no esquecimento.
Em Memória e Poder: dois movimentos, Mário de Souza Chagas expõe o que
pensa acerca deste tema,
[...] trata-se freqüentemente de justificar a preservação pela iminência
da perda e a memória pela ameaça do esquecimento, com isso,
deixa-se de considerar que o jogo e as regras do jogo entre
esquecimento e memória não são alimentados por eles mesmos e
que a preservação e a destruição não se opõem num duelo mortal,
complementam-se e sempre estão a serviço de sujeitos que se
constroem e são construídos através de práticas sociais.
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Aqui, vale ressaltar que as cartas que sobrevivem ao tempo e aos jogos de
poder entre preservação e destruição, perdem seus significados e outra função entra
em jogo. A escrita é refuncionalizada para atender a outras intenções e objetivos,
tornando-se assim objeto de estudo, provocando o interesse de quem pesquisa e a
curiosidade de quem se interessa pelo tema.
Quanto maior a liberdade, maior o prazer
Nesses tempos voltados e movidos à tecnologia em que vivemos, criou-se
uma visão que se supõe otimista para os relacionamentos pessoais e amorosos, são
os novos arranjos disponibilizados por sites de relacionamentos, assim como o “Par
Perfeito”, encontrados facilmente na internet, nos quais as pessoas ficam expostas
como os produtos em uma vitrine, que cada um pode escolher o que quer,
experimentar e se decidir a levar ou não. Parece que os critérios aplicados aqui,
pode-se dizer que são os mesmos disponibilizados para os bens de consumo, nos
relacionamentos assim como nas aquisições de bens, o que importa é a utilidade e
não o outro ser humano. Perdendo-se a utilidade torna-se obsoleto, perde-se
também o vínculo, pois já não se conhece mais a noção básica de dignidade
humana.(WESTPHAL, 2010)
Atualmente tem se tornado um hábito o agir mimético, a descaracterização da
personalidade e a paralisia visual diante do computador. Frente à fragilização dos
sentimentos e aos absurdos vistos diariamente tudo isso se mostra tão desconexo.
Procura-se o virtual para realizar os desejos da vida real. E, pressupondo que nos
grandes centros urbanos uma aproximação entre pessoas ou a busca por
relacionamentos amorosos nos ciberespaços demonstre um desejo de ser visto, de
ser aceito, de colocar-se em evidência; acredita-se que o tempo ocupado
virtualmente, não seja capaz em muitos casos de suprir a insatisfação e a solidão. É
possível que haja aí uma crise de identidade, que é o que se supõe acontecer
quando as pessoas passam a não se reconhecerem mais no meio em que estão, ou
quando suas práticas entram em conflito com seu modo de pensar; e para Castell
(1999, p.22), identidade é definida como
[...] o processo de construção de significado com base em um atributo
cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s)
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qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significado. Para um indivíduo
(...) [há] identidades múltiplas. No entanto, essa pluralidade é fonte de
tensão e contradição tanto na auto-representação quanto na ação social.
Vale lembrar que as facilidades que são ofertadas virtualmente e que tantas
contradições oferecem com o acúmulo de informações e possibilidades, não
representam sinônimo de conhecimento ou autoconhecimento e tampouco dão
garantias de satisfação; o que por sua vez nos remete ao pensamento foucaultiano
em relação ao poderio exercido pela identidade dominante de cada indivíduo, pois
dependendo da posição ocupada por essa pessoa será a sua prática social.
Em A Dialética do Esclarecimento, Theodor W. Adorno (1988) afirma que
O indivíduo vê-se completamente anulado em face dos poderes
econômicos. Ao mesmo tempo, estes elevam o poder da sociedade
sobre a natureza a um nível jamais imaginado. Desaparecendo diante
do aparelho a que serve, o indivíduo vê-se ao mesmo tempo, melhor
do que nunca provido por ele. Numa situação injusta, a impotência e
a dirigibilidade da massa aumentam com a quantidade de bens a ela
destinados. A elevação do padrão de vida das classes inferiores,
materialmente considerável e socialmente lastimável, reflete-se na
difusão hipócrita do espírito. Sua verdadeira aspiração é a negação
da reificação. Mas ele necessariamente se esvai quando se vê
concretizado em um bem cultural e distribuído para fins de consumo.
A enxurrada de informações precisas e diversões assépticas desperta
e idiotiza as pessoas ao mesmo tempo.
Vivemos em um período no qual, as pessoas de uma forma geral optam pelas
informações prontas, compactadas e de preferência com imagens e fotos, para lhes
facilitar a leitura e reduzir os esforços do pensar reflexivo.
O que Theodor W.
Adorno preconizava já em meados do século XX ainda hoje se faz atual, pois a pósmodernidade é o período que se caracteriza pelo isolamento dos sujeitos, a
alienação e o anonimato nos grandes centros urbanos. Esvai-se aí a individualidade
e se sobressai a coletividade mimética, ou seja, é a anulação do indivíduo, que entre
tantas outras coisas também sai à procura de parceiros amorosos na internet,
buscando dessa forma minimizar sua solidão.
Nessas relações virtuais parece haver algo que assusta e fascina ao mesmo
tempo. A rapidez com que se criam vínculos impressiona, pois, neste caso muitas
etapas são queimadas, diferente dos relacionamentos ao vivo, “olho no olho”, nos
quais primeiro estuda-se o terreno, depois surge um primeiro convite, um primeiro
encontro e assim se segue o que pode vir a ser duradouro ou não.
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Já em trocas de e-mails tudo isso é feito em pouco tempo, algumas horas às
vezes. Bastam algumas dúzias de mensagens para que a intimidade comece a se
impor. Cada um a seu modo, no seu mundo tecnológico, com seu micro, notebook,
tablet, ipad, iphone ou qualquer outro eletrônico, fica livre para criar, fantasiar e
transgredir.
As pessoas tornam-se personagens, alguns mais sedutores e
fascinantes, outros mais ousados, outros ainda, misteriosos. Perde-se a timidez,
uma possível gagueira, perde-se o medo de errar e não agradar. Tudo pode ser
escrito e reescrito antes, várias vezes, até que se pareça bem natural.
O ritmo com que o avanço acontece nas relações cibernéticas é tão intenso
que por vezes é possível às pessoas sentirem-se como que roubadas de seus
próprios pensamentos, de sua intimidade. Todavia, ao se intencionar passar do
virtual para o real como num passe de mágica, como a continuidade do que foi
iniciado por detrás das telas, é preciso cautela e bom senso, pois, pelas dificuldades
naturais de ajustamento, quando este se dá, nem sempre as coisas ficam como
deveriam ficar; e nesse contexto pós-moderno e globalizado, um fato relevante é
que nossas vidas podem facilmente ser afetadas por qualquer coisa que aconteça
em qualquer lugar do mundo.(GIDDENS, 2002)
Contraditoriamente a isso, Canclini expõe alguns pontos envolvendo o
homem pós-moderno, o que imediatamente nos leva a pensar que a modernização
provocou o desaparecimento das culturas tradicionais. Entretanto, é preciso se
perguntar como essas culturas estão se transformando e como interagem com as
forças da modernidade. (CANCLINI, 2008)
Isso por sua vez nos permite observar a tecnologia como um recurso
contemporâneo que se transforma em um meio para se chegar a um fim, como uma
ponte a se transpor do virtual para o real. Em muitas vezes as dimensões de uso
são tão amplas que as trocas virtuais além de reduzirem o espaço/tempo entre
pessoas que talvez nunca se viram, proporcionam o anonimato e a liberdade para se
expressarem de forma mais livre, porque se sentem seguras, protegidas e, por
conseguinte, se revelam, em alguns casos muito mais do que fariam com alguém
que já conhecessem, dividindo segredos, intimidades e desejos, intensamente e
sem culpa, na busca do prazer sem conexões com cobranças ou responsabilidades
que transgridam a ideia de manter os privilégios que as facilidades tecnológicas
oferecem.
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Santaella, em sua obra “A cultura das mídias” (2000), apresenta algumas
sugestões às inúmeras indagações surgidas em relação à cibercultura. Apresenta o
homem como um humano-máquina e o significado dessa nova figura para
mudanças na cultura e na comunicação. Vive-se, segundo ela, em um período de
incertezas, para o qual se tem muito mais perguntas que respostas, pois ao mesmo
tempo em que a tecnologia aproxima também distancia as pessoas. O novo homem
do século XXI vê, na maioria dos casos, os eletrônicos como uma extensão do seu
corpo e muitas vezes é mais presente com quem está do outro lado da tela do que
com quem está realmente ao seu lado.
Por isso, em uma época anterior ao computador, à internet e/ou aos
ciberespaços, espaços esses identificados por Marc Augé (2004) como não-lugares,
na qual a comunicação entre os pares amorosos acontecia também e, em grande
quantidade, por meio da troca de cartas, era possível observar um campo de
possibilidades, circunscritos histórica e culturalmente. As cartas trocadas entre pares
amorosos nos permitem observar algumas mudanças socioculturais ocorridas nos
últimos tempos. Algumas mudanças que influenciaram entre tantas outras coisas,
diretamente, no meio de comunicação dos relacionamentos amorosos, porque
cultura para Eagleton (2011) é em grande parte, também o que se vive, pelo qual se
tem afeto e se relaciona, como um lugar, um prazer, uma satisfação; é memória.
E a memória pode sim ser preservada, selecionada e transformada em
patrimônio, lembrando que para isto não há a necessidade de uma valoração
monetária, mas principalmente de um valor simbólico, mágico, representativo,
identitário, no qual o indivíduo se reconheça e pelo qual desenvolva um sentimento
de pertencimento; isso pode acontecer tanto em relação a bens materiais, quanto a
representações imateriais, fazendo com que um patrimônio transite tanto no
passado quanto no presente, representando um discurso à distância, carregado de
espontaneidade, emoções, sentimentos, vivências.
No início era o verbo – agora, verborragia
Assim como para se apreciar uma obra de arte é necessário o afastamento
para que se possa ter uma visão melhor do conjunto, é possível que nas relações
pessoais, principalmente à distância, ocorresse ou ainda ocorra o mesmo.
As
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palavras são as ligaduras que dão vida aos sentimentos, alimentam o imaginário e
suscitam em seus usuários uma poesia muitas vezes capaz de captar a alma do
outro e comover de forma tão cadenciada que acaba conquistando o receptor
solitário. Fica mais fácil dessa forma fazê-lo crer na promessa de dias melhores,
cheios de encantamentos, compreensão, harmonia, paixão, da quietude que tanto
inspira as tomadas de decisões e norteia o sentido da vida.
E os amores que já foram tão desfolhados em cartas, tanto quanto os
dissabores; sofrem atualmente com a influência da mídia, o que pode ser verificado
por meios dos mais diversos sites que oportunizam essa facilidade pós-moderna
ofertando uma possibilidade de sentimentos nos mais diversos pares cadastrados,
podendo ou não corresponder ao amor que se busca no outro.
Fragmento de carta de acervo pessoal especialmente cedida para esta
pesquisa
Perfil de um usuário encontrado em site de relacionamento no ciberespaço
roquentin Usuário Ouro
Quando eu me vi nos seus olhos...
Apresentação pessoal
Sou simples, gentil, um pouco retraído, com uma tendência a ser protetor e
quase sempre bem humorado. Gosto de uma boa conversa e uma boa
música. Não acredito que pessoas possam ser selecionadas por um "check
list" (não tenho vocação para Frankestein). Creio que palavras bem escritas,
bem arranjadas, imagens produzidas podem nos enganar. Conhecer
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alguém, para mim, é muito mais que saber detalhes sobre sua vida ou seus
hábitos. Conhecer alguém é trocar visões, se expor, tocar em sentimentos.
Se você tem algo para trocar será um prazer conversar com você.
Fale mais sobre você
Acredito que a vida é um grande enigma e que nossa missão é tentar
desvendar a pequena fração que nos é permitida.
Descrição de quem roquentin busca
Pessoa bem-humorada e inteligente, que goste de ouvir boa música. Goste
de ter seu espaço e respeite o dos demais. Que tenha alguns valores
tradicionais, mas não seja fechada em seus conceitos. Que acredite que a
vida vai muito além que "curtir" e "compartilhar". Que se preocupe com o
mundo que vai entregar para os seus.
Intenção, Fidelidade, Romantismo
Intenção: Amizade/Diversão/Relacionamento sério
Fidelidade no relacionamento: Sou sempre fiel
Romantismo: Sou relativamente romântico
Disponível em: www.parperfeito.com.br
Depois de quatro décadas entre a carta afetuosa de Mariângela para Sérgio,
muitas transformações ocorreram na escrita, representação de mundo fixada pela
palavra em gênero historicamente demarcado.
Enquanto em uma época
escrevia-se para manter acesa a chama de um relacionamento à distância; hoje o
ciberespaço, na tentativa de encurtar estas distâncias e aproximar as pessoas,
coloca à disposição os mais íntimos desejos de se relacionar, expondo aquilo que
deveria estar reservado sem, contudo, implicar compromisso, intimidade ou conexão
amorosa. A complexidade da sociedade atual parece ir de encontro ao pensamento
de Huyssen (2000, p.30)
[...] uma das lamentações permanentes da modernidade se refere à
perda de um passado melhor, da memória de viver em um lugar
seguramente circunscrito, com um senso de fronteiras estáveis e
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numa cultura construída localmente com o seu fluxo regular de tempo
e um núcleo de relações permanentes.
A busca realizada no ciberespaço por parceiros amorosos remete-se ao
tempo em que se publicavam anúncios em revistas para troca de cartas à procura
de namorado; tornando assim, o antigo muito atual.
A partir disto é possível
observar que não é novidade esse modo de se comunicar à distância, mas, uma
releitura mais acelerada, carregada de mudanças profundas naquilo que se
mostrava um processo moroso e que visava tornar presente aquele que escrevia.
A elaboração e o cadastro de um perfil em um site de relacionamento deixa
visível a falta de privacidade que há no ciberespaço, a exposição de gostos e
preferências e o estímulo constante ao uso das novas tecnologias influenciando nas
relações amorosas, pois a escolha de parceiros é facilitada, como quem escolhe
uma mercadoria em um mercado qualquer. A contemporaneidade com todos os
seus avanços tecnológicos permite isso, a relação entre entretenimento e
ressignificação de sentimentos de maneira diferenciada, sem a preocupação de ser
original, sem o compromisso com a perenidade. É a ruptura com os conceitos até
então bem definidos e aceitos acerca do relacionamento humano.
O quase abandono à escrita de cartas de amor, a busca por parceiros
amorosos e a retomada da escrita sentimental no ciberespaço, apresenta a
reconstrução de um costume passado, representando o desapego de um hábito hoje
obsoleto em detrimento da teatralização de um estigma comportamental, que muito
além da pedra e cal, marca a fluidez cultural de um tempo, o nosso, o
contemporâneo.
Entretanto, mesmo após todas essas mudanças ocorridas na sociedade,
parece que o medo de não encontrar um parceiro ideal continua rondando os
usuários cibernéticos, pois, assumir possibilidades de conhecer alguém que traga
emoções mais intensas, profundas e verdadeiras, que possam de alguma forma
quebrar a rotina e alterar os padrões é urgente. E, por isso, gastar parte do tempo
livre analisando e procurando perfis interessantes e compatíveis com o que se quer
marca o eterno retorno ao mito da “alma gêmea”, ainda que com reedição dos
antigos papéis, homem/mulher, hoje adaptados às novas exigências. Além disso, a
possibilidade de escolher um parceiro (a), ainda que não com o interesse de uma
relação a longo prazo, coloca um certo temor em não corresponder às buscas feitas
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pelo sexo oposto, pois quem se dispõe a escolher alguém em um site de
relacionamento, também pode ser escolhido.
Por outro lado, há momentos em que até mesmo em meio a tanta tecnologia
e facilidades o tédio aparece. A tentativa de amar outra pessoa e não estar
comprometido com ela envolve muitas possibilidades de novos encontros, novas
buscas e talvez, novos amores, porque tudo está fácil demais. Consegue-se tudo o
que se quer, mas o encanto facilmente se esvai e então se abrem novas
possibilidades para outras inquietações, outras escuridões contemporâneas ou
experimentações, que não se transformam em um relacionamento duradouro,
mas em recortes metafóricos que não chegam à narrativas construídas por uma
história de amor, mas apenas por fragmentos, pedaços de histórias que a
efemeridade plantou.
REFERÊNCIAS
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contemporâneos. 2.ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2009.
Patrimônio:
ensaios
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Híbridas. Tradução: Heloísa Pezza Cintrão e Ana Regina Lessa, 4 ed. São Paulo:
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Editora Univille, 2010, v. , p. 11-32
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LEITURA FRUITIVA, CULTURA BRASILEIRA - PIBID: A LEITURA DO TEXTO,
DO CONTEXTO E DE SI
Adair de Aguiar Neitzel, Universidade do Vale do Itajaí (CI)
Cleide J. M. Pareja, Universidade do Vale do Itajaí (CA)
(neitzel@univali.br; cleidepareja@univali.br)
Trazer ao aluno uma nova concepção de leitura e de livros que esteja
desvinculada das propostas fragmentadas da leitura escolarizada, ainda dentro do
ambiente escolar, é um grande desafio aos educadores que acreditam na leitura
literária. Assim, ler histórias para e com os alunos é uma das práticas que pode vir a
contribuir significativamente com a educação.
Todorov (2009), em seu livro A literatura em perigo, convida-nos a pensar
sobre as metodologias empregadas na escola para o ensino da literatura. Tendo em
vista a função estética do texto literário, segundo Todorov, o seu ensino deveria
possibilitar que o leitor pudesse encontrar nelas um sentido que o permitisse
compreender “[...] melhor o homem e o mundo, para nelas descobrir uma beleza que
enriqueça sua existência”. (TODOROV, 2009, p. 33). Lidar com a literatura tendo em
vista a percepção estética em uma instituição de ensino requer, portanto, inovar nas
metodologias de ensino, pois as estratégias de leitura precisam levar o leitor a
perceber o texto de modo poético para que não nos arrisquemos a afastá-lo do texto
literário. É preciso, antes de retirar informações do texto, ter “amor pela literatura”,
sinaliza Todorov (2009).
A partir desses pressupostos, o PIBID/Letras da UNIVALI, que tem como
foco a formação de leitores na Educação Básica, apresenta o livro como objeto
artístico, com propriedades estéticas e que, portanto, deve ser apreciado como uma
obra de arte e a leitura como um exercício de fruição. Pensar e refletir acerca do
texto literário como objeto artístico, nem sempre é lugar comum, como exemplificam
Todorov (2009) e Duarte Jr. (2010). Com isso em mente, o programa foi implantado
na Escola Estadual Alcuíno Gonçalo Vieira em 2012.
O PIBID é uma política pública brasileira de valorização do magistério
público, que está sendo implementado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES) desde 2007. É viabilizado por meio da
distribuição de bolsas a três segmentos: professores da rede pública, licenciandos e
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professores coordenadores das universidades. O PIBID visa “[...] elevar a qualidade
das ações acadêmicas voltadas à formação inicial de professores nos cursos de
licenciatura das universidades” (BRASIL, 2010, p. 3), com vistas a “[...] inserir os
licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de educação, promovendo a
integração entre educação superior e educação básica”. (BRASIL, 2010, p. 3). O
programa possibilita ao professor da rede pública ser um coformador dos
licenciandos, o qual participa de diversas atividades de formação e desenvolve
projetos inovadores na escola alterando sua rotina - atividades que o levam a
repensar sua prática em sala de aula. Desta forma, o PIBID contribui para a
elevação da qualidade do ensino na Educação Básica e no Ensino Superior.
Após o diagnóstico e o reconhecimento do contexto escolar da EEB Alcuíno
Gonçalo Vieira, foi elaborado um projeto de leitura em parceria com outro já
existente na escola, intitulado Projeto AMBIAL, do Governo Estadual de Santa
Catarina, para promoção de crianças em situação de risco e extrema pobreza. Esse
projeto é desenvolvido dentro da noção de sustentabilidade, educação ambiental e
alimentar. Ele surgiu a partir do ideal de escola que oportuniza vivências
significativas, ou seja, vivências que tornam o aluno protagonista de suas ações
para transformar a realidade física e social, além de alertar a comunidade para que
modifique sua forma de conviver com o meio ambiente. O Projeto proporciona a
vivência desses conhecimentos, por meio de oficinas que ensinam técnicas de
reaproveitamento dos alimentos e dos recursos naturais, confecção de artesanato e
reciclagem de lixo. São vários os espaços organizados com auxílio de verba do
Estado que contribuem para a realização plena do Projeto AMBIAL na escola:
a horta agroecológica, a cozinha comunitária, a quadra de multiuso e a sala
informatizada. Esses espaços ampliam as oportunidades de aprendizagem dos
alunos.
As atividades são desenvolvidas extraclasse
e com alunos do Ensino
Fundamental / Médio, uma vez que estes devem ficar o dia inteiro na escola,
fazendo, inclusive, suas refeições. A coordenadora do projeto tem formação em
Biologia e desenvolve atividades que devem despertar para a importância da
qualidade de vida e ajudem a forjar a consciência coletiva da sociedade sustentável.
Em uma de suas apresentações, em reunião com os professores, a coordenadora
solicitou ajuda no sentido de que um professor de Português se incorporasse ao
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programa uma vez que há uma grande quantidade de livros ofertados para leitura,
mas os alunos apresentam muita dificuldade para lidar com ela. Assim sendo,
estava aberto o projeto para a implantação de nosso programa o qual enfoca a
leitura e a formação de leitores.
Tendo em vista essa realidade diferenciada, carente, plural em séries de
estudo, adotou-se para leitura o livro Tosco, de autoria de Gilberto Mattje, Filósofo e
Psicólogo, Especialista em Psicanálise, Mestre em Psicologia Social e da Saúde,
Psicológico Clínico e Professor Universitário. Pautados nessas ideias e com a obra
escolhida, os licenciandos foram responsáveis em aguçar o interesse dos
educandos pela leitura com a adoção de estratégias diferenciadas e inovadoras.
Como metodologia de trabalho, os seis alunos de Letras dividiram-se em
dois grupos, com três licenciandos em cada um, atuando um grupo no período
matutino e o outro no turno vespertino, para que todos os alunos do projeto fossem
atendidos. Os licenciandos efetuaram um planejamento que consistiu em: a) leitura
pelo grupo de licenciandos das obras escolhidas; b) encontros dos licenciandos para
discussão sobre as obras; c) reunião com a coordenadora de área e supervisora
para criar estratégias de leitura das obras; d) produção de estratégias de leitura que
foram aplicadas a cada encontro, na escola, junto aos alunos para que eles
pudessem apreciar o texto literário como objeto de arte e sentirem-se envolvidos
pelo texto; e) vivências literárias; f) socialização das atividades em seminário interno
do PIBID.
Desta forma, percebeu-se que, não apenas os alunos do projeto foram
iniciados em um movimento crescente de aprendizagem sobre o texto literário, de
desejo pela leitura, mas também os licenciandos e os professores supervisores que
se envolveram em um processo de leitura individual, silenciosa, oral e coletiva, que
os auxiliou a ampliar seu repertório e compreender como a satisfação estética é
fundamental em projetos de formação de leitores. Pois, se o desejo é que o aluno
seja leitor, deve o professor ser o primeiro a apropriar-se do texto, mostrar-se leitor,
para então propor deslocamentos sobre o texto. Para Michele Petit (2008), a leitura
“trabalha” o leitor, é o texto que o lê e, por isso, é o texto que o revela. Assim, a
entrega ao texto, sem intenções outras, é o primeiro passo para que a paixão pelo
texto aconteça.
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Com o objetivo de aproximar o leitor do livro, foram planejadas estratégias
de leitura no decorrer do projeto.
A primeira estratégia foi intitulada Lendo e divulgando a obra na escola. Em
seguida foram realizadas as estratégias Lendo e interagindo com a natureza, Lendo
e reconhecendo o contexto, Lendo e indo ao cinema, Lendo e Contando Histórias na
Feira de Ciências e Programa Ação Global.
1. Lendo e divulgando a obra na escola
O que mata um jardim,
Não é
Abandono...
O que mata um jardim é esse olhar
Vazio,
De quem por ele passa indiferente.
Mário Quintana
A apresentação do autor e da obra ao público foi a estratégia inicial dos
bolsistas do Programa PIBID. Após apresentação inicial do grupo da Universidade
às crianças, fez-se a entrega da obra a ser lida. Foi realizada a leitura do primeiro
capítulo na sala do Projeto AMBIAL com a participação dos que se sentiam a
vontade para leitura em voz alta. A partir da leitura inicial, todos puderam captar o
tema da história e foi proposta uma atividade para a leitura do próximo encontro. A
estratégia seria elaborar crachás com o vocábulo “Tosco” que, ao mesmo tempo, é
substantivo e adjetivo, sendo importante chave para a compreensão leitora e para a
escolha do nome da personagem. Na sequência, foi proposto que todos viessem
vestidos como as pessoas toscas costumam apresentar-se no seu contexto, para
que os alunos, antes da leitura do dia, fizessem um passeio pela escola, divulgando
a leitura da obra e incitando todos à leitura, uma vez que a escola possuía uma
quantidade considerável de obras na biblioteca.
2. Lendo e interagindo com a natureza
A escola, em sua singularidade,
contém em si a presença da sociedade como um todo.
Edgar Morin
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Para quebrar a linearidade da maioria dos espaços escolares e em sintonia
com os objetivos da leitura fruitiva do projeto AMBIAL foi programada uma leitura ao
ar livre, em um espaço preservado para lazer da comunidade, na qual está inserida
a escola, tendo a noção de que “[...] letramento é diversão, é leitura à luz de vela, ou
lá fora, à luz do sol”. (SOARES, 1999, p.45).
A atividade de leitura trabalhou com todos os sentidos, corporal, visual, tátil,
gustativa, olfativa e complementando-se com a leitura fruitiva. Levou-se uma bola e
a estratégia era passe a bola e a leitura. Então, quem recebia a bola, lia um trecho e
assim sucessivamente. Cada um leu um trecho com todos sentados na grama do
Parque da Bica, como é chamado o local. Finalizou-se com um lanche e retorno à
escola. Foram uma tarde e uma manhã dedicadas a essa atividade, uma vez que
eram dois os grupos atendidos.
3. Lendo e reconhecendo o contexto
Dize-me qual é o teu infinito e eu saberei o sentido do teu universo;
é o infinito do mar ou do céu,
é o infinito da terra profunda ou da fogueira?
Gaston Bachelard
Ao ler uma obra, buscamos o sentido do universo, de nós mesmos, dos
outros que nos cercam, porque a leitura de mundo tece tramas na leitura da obra.
Assim, atravessou-se o mundo da ficção para o mundo real para discutir sobre o que
as atitudes toscas podem provocar na realidade ao homem real. Para contribuir com
este momento da leitura que levou a reflexões, convidou-se um policial rodoviário
aposentado por invalidez para fazer leitura com e para os alunos, bem como dar
uma palestra sobre sua vida.
Após a explanação sobre a causa de sua paraplegia, os alunos fizeram uma
entrevista com o convidado especial que estabeleceu uma relação de afetividade
com eles. Na sequência, ele foi convidado a realizar a leitura de mais um capítulo da
obra. Houve, assim, o compartilhamento da leitura com uma intensa interação.
Para encerrar o encontro, as bolsistas colocaram algumas questões a
respeito da palestra e sua relação com a obra que foram entregues na semana
seguinte. Em suas respostas, os alunos fizeram questão de relatar episódios
pessoais ou familiares similares aos vividos pelo palestrante.
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