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QUEM SÃO OS CLIENTES DO DIREITO PENAL BRASILEIRO:
      uma construção crítica da realidade do sistema carcerário



                     A todos aqueles que neste momento habitam um ventre e que
                     nascerão na miséria, morarão nas ruas, terão como teto o
                     tempo, sentirão frio, acostumar-se-ão com o medo, comerão
                     lixo, cheirarão cola, conhecerão o sexo na infância, procriarão
                     na puberdade e, analfabetos, morrerão antes de atingirem a
                     idade adulta. Sua vida já é conhecida, antes de nascerem,
                     filhos órfãos que são da cidade grande. Muitos dos que
                     sobreviverem, seu caminho também não é mistério, pois as
                     portas da prisão os aguardam. [1].


SUMÁRIO: 1. A Sociedade e a Miséria, 2. O Brasil das Desigualdades - Séc. XXI , 3.
O Retrato do Rio de Janeiro - reflexo da desigualdade do Brasil, 4. Rio de Janeiro -
uma cidade violenta, 5. O Comportamento Humano como Fonte e Base
Fundamental para a Criminologia, 6. Processo de Desorganização Social como
Fator Criminógeno, 7. A Criminologia da Reação Social: uma perspectiva de
avaliação e exame, 8. Os Jovens no Processo, 9. O Sistema Penitenciário Brasileiro:
prestes a Explodir, 10. Conclusão, 11. Referências Bibliográficas.


       Objetiva-se dar ao presente estudo uma seqüência metodológica que possa
permitir ao leitor uma melhor compreensão dos limites desta proposição e, acima
disso, realmente permitir um juízo de reflexão a respeito do tema que, salvo juízo,
vem causando muita preocupação por parte de toda sociedade.




1. A SOCIEDADE E A MISÉRIA


       É o tema central. Daí começar envolvendo o leitor com as seguintes
perguntas: o que significa a expressão miséria? Ela realmente guarda relação de
causa e efeito com a criminalidade? A miséria seria por si só, um fator
incrementador da violência? E a indigência, qual seria o seu significado e a sua
repercussão no     contexto   social? São estes       e outros pontos     que, no
desenvolvimento do tema, pretende-se abordar, visando mostrar ao leitor o

                                                                                  1
quanto representa a complexidade social que hoje se vive no Estado do Rio de
Janeiro e qual o prognóstico para o futuro, se nada for feito ou, pelo menos, mal
aplicado.


        A palavra miséria significa: situação ou estado de grande sofrimento falta
total dos meios de subsistência. Nesse sentido, a fome na Etiópia pode
representar bem essa falta de meios de subsistência, quando, ainda neste século,
ela poderá sofrer uma das maiores catástrofes já vistas no mundo. A razão do
alarme internacional é a forte seca que vem assolando o país. A previsão do
Governo é de que a fome deverá atingir aproximadamente 15 milhões de
pessoas. Um número quinze vezes maior se comparado à grande crise
vivenciada na década de 80, quando a fome atingiu um milhão de pessoas que se
viram à mercê da indigência, da penúria.




2. O BRASIL DAS DESIGUALDADES - SÉC. XXI


        O retrato da miséria tem nome e endereço no Brasil. Esse lugar se chama
Guaribas, município do Piauí, localizado a 533 km da capital, Teresina. Guaribas
é uma cidade de ruas áridas e de barro amarelado, com uma pequena atividade
comercial.   População   estimada   em     4.800   habitantes,   dos   quais   1.700
desempregados. Cerca de 60% das casas não têm condições de habitação
razoáveis dos 942 municípios, apenas 88 têm banheiros, e seus moradores
caminham cerca de 6 km para buscar água de um poço. A mortalidade infantil em
Guaribas, que representa quase o dobro da média apresentada no país, é de
59,9 por mil nascidos vivos. Por isso, Guaribas é conhecida por ter péssimos
indicadores sociais, não só pela ONU, que a considera como o pior índice de
desenvolvimento humano do País, como pelo IBGE, em razão do pior índice de
vulnerabilidade. Guaribas é uma das cidades mais pobres do Brasil. Pode-se
dizer, sem medo de errar, que ela é extremamente pobre. Precisa, com a devida
urgência, da aplicação efetiva de políticas públicas que possam minimizar os
efeitos da miséria.


        O Brasil é um país que, apesar de ter diminuído o número de pessoas

                                                                                   2
pobres, ainda conta, segundo o IBGE, com 54 milhões de miseráveis. É um
número muito elevado, levando-se em consideração que a vizinha Colômbia tem
40 milhões de habitantes.


        Para ilustrar, traz-se à colação trecho do livro "A violência sem retoque",
de Ib Teixeira, verbis:



                     Segundo a ONU, o Brasil é um dos campeões mundiais em
                     matéria de pobreza”. No ranking mundial, estamos em 3º lugar,
                     com 58 milhões de habitantes que estão abaixo até mesmo da
                     linha da pobreza, com um dólar diário per capita. Só a Índia e a
                     Indonésia ganham do Brasil nesta tristíssima competição do
                     mundo miserável.


        Além disso, 20% de nossos pobres detêm apenas 2,5% da renda
nacional, enquanto os 20% mais ricos abiscoitam 64,2%. Embora a distribuição
ideal de renda exista apenas em tribos indígenas como a dos ianomanis - onde
todos sofrem com igual miséria -, a realidade brasileira é singular.


        O mapa da miséria, segundo o IBGE, mostra que os pobres se distribuem
de forma desigual pelas regiões do País. No Nordeste, 50,9% das pessoas vivem
com até meio salário mínimo mensal. No Sudeste, esse percentual é de 17,8%.


        O retrato sócio-econômico do Brasil no novo século foi recentemente
publicado pelo IBGE, através da PNAD, a qual revela que, apesar dos avanços
nos indicadores educacionais e no acesso a bens duráveis, a renda média dos
trabalhadores vem caindo desde 1996. Os rendimentos já acumulam queda de
10,3% acima da inflação.


        Os estudos mostram que o fosso entre trabalhadores ricos e pobres
aumentou. A renda média dos 10 % mais pobres encolheu na proporção de
3,17%, passando de R$ 63,00 para R$ 61,00. Na outra extremidade, a camada
da população que forma o 1% mais rico teve seu rendimento aumentado na
proporção de 5,19%, no biênio de 99/01. Disso extrai-se que o Brasil é o país com
maior concentração de renda da América Latina. Estimativa que representa a
                                                                                   3
péssima distribuição de renda no país, que possui uma das maiores cargas
tributárias do planeta, algo em torno de 38,6 % do PIB, mas nem por isso, os
serviços prestados à população estão em igualdade de condições com as Nações
do primeiro mundo, pois, aqui, as pessoas estão morrendo na fila do hospital
público por falta de atendimento.


       O BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) revela que o Brasil é
campeão de desigualdade, sendo superado apenas por Serra Leoa, na África.
Eles chegaram a essa conclusão em razão da pior distribuição de renda do
planeta, uma vez que aqui se permite que os 10% mais ricos controlem 50% da
renda nacional, enquanto que os 50% mais pobres participam com menos de
10%, aproximadamente. Segundo o BID, nos EEUU, os 10 % mais ricos têm
renda média de 60% maior que o segmento de população imediatamente abaixo.
Na América Latina, continua o BID, essa diferença é de 160%. Na América
Latina, portanto, um quarto da renda está nas mãos de apenas 5% da população.
Representando uma concentração de renda maior que a África.


       A desigualdade se reflete em setores sensíveis da sociedade brasileira
como educação, família, justiça social e trabalho. Essa última atividade foi motivo
de pesquisa da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade do
município de São Paulo. Em 1980, no Brasil, havia 964 mil pessoas,
aproximadamente, sem emprego. Em 2000, esse número saltou para 12 milhões,
aproximadamente, de pessoas desempregadas. Em 20 anos, o Brasil foi de 9º no
ranking mundial para 2º lugar, só perdendo para a Índia, no primeiro lugar com 41
milhões de desempregados, aproximadamente.


       O Brasil, embora seja responsável por pelo menos 3% da população do
planeta, tem 7% dos desempregados do mundo, superando países como EEUU,
Rússia, Alemanha e até a Indonésia.


       Apesar da pobreza e da grande desigualdade, a ONU considera o Brasil
como um país de democracia razoável. Recebendo de zero a dez, a nota quatro,
em razão, principalmente, da corrupção, que ainda é alta. Eles entendem que a
corrupção está ligada, proporcionalmente, à qualidade de vida da população.

                                                                                 4
Mas o Brasil tem avançado. E foi principalmente a educação, que permitiu
ao país alcançar o 65º lugar em IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do
mundo, passando a ser considerado, pela ONU, como de médio desenvolvimento
humano. Ficando bem atrás de países como: México, Chile, Argentina, Uruguai e
até a Malásia, considerados os quatro primeiros países com alto desenvolvimento
humano. A Noruega é o país de maior IDH do planeta.




3. O RETRATO DO RIO DE JANEIRO - REFLEXO DA DESIGUALDADE DO
BRASIL


       A pobreza aumentou no Rio de Janeiro, entre 99/01, passou de 2,781
milhões para 3,345 milhões de pessoas, segundo o Instituto de Estudos de
Trabalho e Sociedade, embora nesse período a população pobre do país tenha
se mantido estabilizada.


       Esse percentual representa, segundo o Instituto, o número de habitantes
com renda menor do que R$ 125,00. Considerado por ele como insuficiente para
suprir as necessidades básicas de subsistência.


       Assim como a penúria, a indigência também cresceu no Estado, no mesmo
período, de 5,7% para 7,7%, representando, aproximadamente, 1,124 milhões de
pessoas sobrevivendo com menos de R$ 62,00.


       Daí o Rio de janeiro representar a 17ª capital com um dos maiores índices
de exclusão social do país. Isso equivale a afirmar que o Rio de Janeiro faz parte
dos 42% dos 5507 municípios do país, que apresenta alto índice de exclusão
social. Isso permite concluir que uma criança que nasce em São Caetano do Sul
(ABC paulista - menor índice de exclusão social) tem perspectivas bem diferente

                                                                                5
de outra que nasceu no Rio de Janeiro.


        No dia 14 de setembro de 2003 o JB veiculou uma reportagem - "Uma
nova geografia da fome" - cujo teor reproduz-se a seguir, litteris:


                     O índice de pobreza na zona oeste do Rio pode ser comparado
                     a alguns municípios pobres do Nordeste”. O bairro de Santa
                     Cruz, por exemplo, tem mais de 15% de pobres, o dobro da
                     média do município - 7,17%. Ao propor uma nova divisão da
                     malha municipal, o levantamento Nova Geografia da Pobreza,
                     feito pela economista Sônia Rocha, em conjunto com o IBGE e
                     o INAE, encontrou grotões de pobreza escondidos em áreas
                     desenvolvidas nas metrópoles. (...)


        O caso da baixada fluminense é emblemático. Ao se destacarem área
mais pobre e uniforme do município de Caxias, verifica-se um aumento do índice
de pobreza de 14% para 21%. O mesmo acontece em Nova Iguaçu, dividido em
10 subáreas. Com exceção de duas destas, mais próximas aos centros, todas as
oito mostraram índices de pobreza maiores do que a média.


        O grande paradoxo vivenciado pelo Rio de Janeiro, diante dessa
dicotomia social, é poder contar com alguns bairros da zona sul, segundo estudos
ainda inacabados da prefeitura local, com o maior índice de desenvolvimento
humano do planeta, isto é, maior do que a ONU considera para a Noruega.


        Isso faz dos bairros de Ipanema, Leblon, Lagoa, Jardim Botânico, Gávea
e São Conrado uma espécie de país independente. Uma república com o maior
IDH do planeta dentro de um perímetro de 20,92 Km² e com uma população
aproximada de 174.062 mil habitantes.


        Na outra ponta, a realidade pobre da cidade mostra o Rio de Janeiro com
752 comunidades carentes, recentemente cadastradas pela prefeitura, 32 bairros
dominados pelo tráfico de drogas, e o bairro de Acari, considerado pela ONU
como o de pior índice de desenvolvimento humano.


        Não se pode ter realidade mais difícil e paradoxal do que a vivenciada


                                                                              6
pela sociedade, em especial, a carioca diante do grande abismo social que existe
entre as favelas e o asfalto. Essa distância social, segundo o IBGE - censo 2000,
pode chegar a representar 5 vezes em termos salariais, que diminui à medida que
os bairros se aproximam da periferia.


       É uma realidade que, para o antropólogo, professor e escritor, Gilberto
Velho, define o cerne da questão da violência que para ele, não está apenas na
pobreza e, sim, na desigualdade social, que no Brasil é terrível. A disparidade
entre os altos padrões de vida e a indigência social é bastante expressivas no
Brasil, o que gera, por conseguinte, grande abismo social. Essa desigualdade tem
provocado, segundo ele, crise de valores, levando o indivíduo a buscar soluções
com a justificativa de não aceitar viver das sobras dos ricos. O referido
antropólogo resume que a desigualdade social é o banquete da violência.




4. RIO DE JANEIRO - UMA CIDADE VIOLENTA


       Recentemente, foi publicado no jornal "O Globo" uma matéria intitulada "a
década da violência", fruto da pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e
Cidadania da Universidade Cândido Mandes CESEC - UCAM, que analisa os
dados da criminalidade nos últimos doze anos, período, segundo eles, de quatro
mandatos governamentais. De todos os números apresentados, cabe ressaltar os
dados relativos aos homicídios ocorridos no período. Segundo a pesquisa,
aproximadamente 84 mil pessoas foram vítimas de violência letal. Fazendo uma
comparação com o menor município do Rio de Janeiro, Macuco, com cerca de 4
mil habitantes, pode-se afirmar que 20 municípios foram, ao longo desse período,
dizimados pela violência. Isso impressiona porque se deu durante a vigência da
Lei de Crimes Hediondos, editada em 1990, com a esperança de que a Lei Penal
poderia livrá-los dos assassinos.


       É bem verdade que hoje, em pleno século XXI, mais precisamente em

                                                                               7
maio, ainda são vitimadas pelo mesmo crime cerca de 590 pessoas por mês. Se
multiplicar por doze, levando-se em consideração os números constantes, obter-
se-á um resultado anual de aproximadamente sete mil homicídios. Se forem
computados dez anos, o resultado será de 70.000 pessoas vítimas de homicídios.
Quanto custa cada vida perdida? E a família dessas vitimas?


       Mesmo assim, o Rio de Janeiro não é considerado a capital mais violenta
do país. Ainda disputam os primeiros lugares, as cidades de Vitória, Recife e São
Paulo que apresentam, proporcionalmente, uma realidade bem mais dramática.


       A conseqüência de tudo isso, quer dizer, da indigência, da desigualdade
social, da necessidade de emprego e da falta de oportunidades, transformou o
tráfico de drogas no Rio de Janeiro no maior empregador de jovens.


       As crianças não são forçadas ou coagidas pelas ditas facções a ingressar
para a atividade do tráfico. Elas são recrutadas. É uma alternativa profissional.
Isso é muito bem definido por Luke Dowdney (2003), no seu livro Crianças do
Tráfico, quando explica a idade para o ingresso na atividade:


                     A idade média de entrada no tráfico como trabalho em tempo
                     integral de crianças e adultos é de 13 anos e um mês. No
                     entanto, as crianças começam a andar com traficantes mais
                     cedo e o processo de recrutamento "voluntário" pode começar
                     já aos oito anos. Em geral, as crianças empregadas pelas
                     facções não trabalham imediatamente armadas; só serão
                     armadas quando consideradas capacitadas e "preparadas".
                     Apesar de não incomum o uso de armas aos 13 anos para
                     segurança da facção, a faixa dos 15 aos 17 anos é a mais
                     usualmente armada e utilizada como soldados.


       O envolvimento de crianças com o tráfico é incontestável, o que tem
gerado perdas significativas desses jovens no dia-a-dia dessa guerra injusta e
indecente. A realidade, infelizmente, é bem pior, levando-se em consideração os
dados de 2000 - Unesco, quando 2.816 adolescentes foram assassinados,
representando 107,6 por cem mil habitantes, ou seja, mais que o dobro da média
brasileira. Nesse diapasão reproduz-se essa triste estatística nas linhas a seguir:



                                                                                      8
O crescimento da violência no Brasil, treze das quais com mais
                     de um milhão de habitantes, tem se acelerado desde os anos
                     1970. Homens com idade entre 15 e 24 anos são os mais
                     atingidos, sendo o assassinato a maior causa de mortalidade.
                     Um estudo da UNESCO mostra que o Brasil está em terceiro
                     lugar no mundo quanto aos índices de homicídios de pessoas
                     na faixa etária de 15 a 24 anos, apenas abaixo da Colômbia e
                     da Venezuela.


        Isso se reflete diretamente na expectativa de vida do carioca, segundo
análise publicada recentemente no jornal "O Globo" pela Fundação Nacional de
Saúde, na qual se afirma que o crescimento dos homicídios no Estado é
suficiente para superar os ganhos em qualidade de vida adquiridos pelo cidadão
carioca nesses últimos anos. Isso, segundo eles, aproxima o Rio de Estados bem
mais pobres.




5. O COMPORTAMENTO HUMANO COMO FONTE E BASE FUNDAMENTAL
PARA A CRIMINOLOGIA


        Como podemos perceber, a questão da Justiça Criminal e da Segurança
Publica, no Brasil, tem ocupado cada vez mais espaço na mídia e,
principalmente, em seminários que começam a agregar informações sobre
pesquisas empíricas realizadas sobre questões que legitimam o estudo, apesar
dos esforços serem incipientes, representam, nesse momento, o pontapé para
discussões que permitam a reflexão crítica de forma a implementar a formulação
de Políticas Públicas para o setor, com o objetivo de estancar os fatores que
representam as fontes criminógenas.


        Esses estudos são considerados em países de tradição anglo-americana,
germânica e latina como a França, quando reconhecem este campo do
conhecimento como legítimo e capaz de subsidiar de forma eficaz a formulação
de políticas públicas.


        Daí o comportamento do homem, enquanto pessoa humana, servir de
base para o acompanhamento e estudo da Criminologia que nos levará à

                                                                                 9
realidade fática, sem ideologias e teorias, que não nos impeçam de cumprir seu
objetivo científico.
           A conduta humana sempre foi objeto de atenção dos observadores, posto
que o crime é um fato tão antigo quanto o homem. Nesse sentido, a criminologia
não representa um conhecimento recente, por isso, o fenômeno humano e social
que constituem seu objeto independe de fronteiras.


           Portanto, para seu estudo todas as teorias deverão ser consideradas, pois
conhecer e compreender o presente e prever o futuro sem refletir sobre o
passado seria um grande absurdo.




6. PROCESSO DE DESORGANIZAÇÃO SOCIAL COMO FATOR CRIMINÓGENO


           É possível observar que o normal funcionamento de um grupo social está
atrelado ao equilíbrio interno, por parte de cada integrante e diante de suas
tarefas legítimas. Elas representam o papel do conjunto grupal. Os papéis não
sendo cumpridos e/ou bem desempenhados, importam em processo de
desorganização social.


           A busca de razões que explicitam o fenômeno da criminalidade tem
construído campo para várias correntes. É preciso não perder de vista que cada
fato social deve resultar de uma série de variáveis, consideradas como elementos
causadores e atuantes dentro de um contexto em permanente modificação.
Diante disso, pode-se considerar que a delinqüência se prende muito mais à
inadequada atenção da comunidade às insuficiências, do que a própria
predisposição. Não enfrentar o problema e nem sequer compensar essas
insuficiências, é possibilitar que eles possam ser manipulados por elementos anti-
sociais.


           O crime é um produto sociocultural, porque os elementos condicionantes
principais do seu surgimento são eminentemente sociais - decorrem dessa
realidade. Nesses termos, a criminalidade vai variar em relação ao grau de
integração     social,   isto   quer   dizer,   as   sociedades   cujos   processos   de

                                                                                      10
desorganização social não representa índices de grande amplitude, a incidência
criminal é reduzida, ao contrário das sociedades com grandes níveis de
desorganização social, onde esses índices são alarmantes. Essas sociedades
podem estar representadas nos parâmetros dos grandes centros urbanos, por
serem sociedades dinâmicas, com grandes desajustes sociais e econômicos. É
nessas sociedades que se observam a criminalidade em todos os tipos nas suas
mais variadas formas.


        O Rio de Janeiro representante legítimo dessa sociedade em pleno
século XXI, não é diferente de outras cidades do Brasil, que convivem com
grandes problemas de desorganização social. Por outro lado, a delinqüência
juvenil está ligada aos mesmos fundamentos sociais, quando invisíveis ao
Estado, tentam ser reconhecidos como cidadãos do mundo ao serem recebidos
como integrantes das gangues. É uma maneira de legitimar a fome de ser visto,
se tornar visível, só que há um problema: ele tem uma arma na mão.




7.   A CRIMINOLOGIA DA REAÇÃO             SOCIAL:    UMA PERSPECTIVA DE
     AVALIAÇÃO E EXAME


        A criminalidade representa um fenômeno crescente, onde há evidente
sobrecarga no sistema da justiça penal e conseqüente aumento da população
carcerária.


        A grande questão seria: como conciliar no Brasil, particularmente no Rio
de Janeiro o Direito Penal repressivo e a criminalidade cada vez mais crescente e
violenta, tendo em vista que os três elementos do sistema de Justiça Criminal
(política, justiça e sistemas penitenciários) não acompanharam as mudanças
sociais e muitas vezes não preservam e respeitam os direitos humanos?


        O fato de a grande maioria dos processados, presos e condenados
pertencerem à classe pobre.


        O que se observa no Rio de Janeiro e em São Paulo é que nas décadas

                                                                              11
anteriores sempre se cuidou da Segurança Nacional, deixando em segundo plano
a Segurança Pública. Isso é uma representação histórica e cultural para todos os
cidadãos brasileiros, onde o autoritarismo estatal sempre resistiu às inovações,
objetivando manter o status quo ante. Daí objetivando grande dificuldade por não
se ter feito um estudo sócio-histórico da criminalidade para apuração das razões
e as falhas de nossas estruturas sociais e administrativas, tomando-se como
ponto de partida o Direito Penal brasileiro.


        Estudar criminalidade no Brasil é ter a consciência da crise no nosso
tempo, das mudanças para        novos modelos, bem como, termos idéias claras
sobre nossa realidade social. Daí a dimensão social da conduta humana ser de
grande valia para avaliação dos fatos sociais. Portanto, o trabalho objetiva
permitir a reflexão acerca dos direitos humanos e da ordem social sob o ponto de
vista do preso (do condenado).


        É no campo crescente da criminalidade tradicional, da violência aquisitiva,
que fica nítida a crise da aplicação do Direito Penal brasileiro de forma repressiva
em face da classe pobre, caracterizando um verdadeiro paradoxo entre o binômio
lei-ordem e o princípio de reserva legal.


        A violência não pode ser debatida de forma improvisada, destituída do
panorama científico e até mesmo cultural. Vivemos em uma sociedade injusta,
marcada por profundas desigualdades e onde a indigência, como foi visto nos
primeiros itens deste trabalho, castiga hoje 53 milhões de brasileiros.


        É preciso urgentemente mobilizar estudos no sentido de demonstrar que
o modelo adotado não tem atingido a demanda. Precisa, pois, ser repensado uma
vez que como Estado Democrático de Direito, o Brasil não passa de uma
verdadeira contradição. Entre a teoria e a prática, a realidade tem se mostrado
bastante perversa, pois a vida no cárcere pode representar não só um sinal claro
de descumprimento dos preceitos básicos dos direitos humanos por ferir a
dignidade humana, como também não propicia a reintegração social, evidente
pelas altas taxas de reincidência, que pode chegar a 80%, dependendo da região
onde a maior parte da massa carcerária é de jovens pobres de 18 a 30 anos.

                                                                                 12
A Criminologia da reação social deve representar o exame e a avaliação
do sistema criminal, especialmente, os clientes do sistema carcerário do Rio de
Janeiro no período de 1996 a 2006.




8. OS JOVENS NO PROCESSO


       A institucionalização da democracia tem sido acompanhada por uma lenta
e gradual melhora nos indicadores sociais. Pode-se perceber no item 2 que é uma
realidade. Embora haja progressão, o mesmo não se caracteriza no âmbito da
ordem pública, pois de duas décadas para cá o Estado se mostrou incapaz de
controlar a criminalidade e a violência. A taxa de homicídios passou de 12 para
27 por grupo de 100 mil habitantes de 1980 a 2004. O perfil etário das vítimas e
agressores apontam jovens de 15 a 24 anos e do sexo masculino.


       Esses índices se mostram evidentes nas áreas mais pobres dos grandes
centros urbanos, onde através dessa lógica perversa são os mais pobres e os
menos educados matam e morrem mais.


       Os pobres e negros são os principais autores e vítimas desse processo de
deterioração da sociabilidade urbana, apesar de melhoria das condições dos
indicadores sociais.


       O que se pode afirmar de forma muito particularizado é que os jovens
fazem parte desse contexto de violência, o que nos permite comparar que são a
grande maioria presente, como preso, no Sistema Carcerário Brasileiro, inclusive,
em bom percentual no Sistema Carcerário do Rio de Janeiro.


       Cabe ressaltar que um indicador trazendo como referência o Brasil como
o segundo em desemprego do mundo, só ficando atrás da Índia, que tem 41
milhões de desempregados, enquanto o Brasil luta para reduzir seus 11 milhões.


                                                                              13
Não fosse somente o nível de desemprego para demonstrar a realidade
cruel do Brasil, prepare-se para outro fator desalentador, o de ter como metade,
segundo o IPEA - (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/08), desses
milhares de desempregados, 46,6% do total de jovens de 15 a 24 anos.


       É de observar que o pano de fundo desse processo é realmente uma
estrutura social bastante desigual. Essa desigualdade tem duas maneiras de se
apresentar: social e econômica, seja pela desigualdade da cidadania, como na
definição de oportunidades.


       A outra face desse processo crescente de disseminação da violência é a
fragilidade do Sistema de Justiça Criminal, onde, por exemplo, a alta taxa de
atrito é fator que pode ser considerado para aumentar a impunidade. O
subsistema prisional apresenta índices alarmantes, como descreve Luiz Eduardo
Soares, em entrevista ao jornal “O Globo” em 21 maio 2006:


                    ... As unidades prisionais, em todo o país – e São Paulo não é
                    exceção – descumprem a Lei de Execuções Penais (LEP),
                    promulgada em 1984: os presos são misturados,
                    indenpendentemente da gravidade de seus crimes; as
                    penitenciárias são muito grandes, dificultando a gestão, a
                    vigilância e a separação necessária; a superlotação ultrapassa
                    todos os limites; não há o acompanhamento da situação legal
                    dos apenados, proporcionando-lhes a progressão prevista na
                    sentença – a realidade de São Paulo, nesse sentido, é
                    assustadora: dos presos daquele estado, 38 mil estão
                    cumprindo pena além do tempo da sentença; as condições de
                    higiene são degradantes e insalubres; trabalho e educação são
                    raramente oferecidos; a progressão do regime freqüentemente
                    é uma fraude, porque não há controle rigoroso do preso, no
                    semi-aberto, o que enseja fugas e/ou práticas de crimes,
                    perpetuando o retorno do egresso ao sistema; o egresso não é
                    apoiado para reinserir-se na comunidade; os agentes
                    penitenciários raramente contam com escolas de formação e
                    uma carreira – o que reduziria a corrupção e aperfeiçoaria o
                    trabalho.
                    Se não garante os direitos consagrados na LEP, o sistema
                    penitenciário brasileiro, de um modo geral, não é mais eficiente
                    e legalista no controle da massa carcerária e na repressão a
                    ações criminosas, cometidas no interior e no exterior das
                    unidades prisionais, por meio de ordens transmitidas pelas vias
                    mais diversas. Combinando-se as duas faces da incompetência

                                                                                 14
institucionalizada e da ilegalidade, temos o pior dos dois
                    mundos: nem direitos assegurados, nem deveres impostos. A
                    primeira falha gera revolta na massa carcerária. A segunda
                    propicia a transformação do ressentimento em atos de rebeldia.
                    Com um braço se atiça a brasa, com o outro se distribui
                    gasolina.
                    Se o país está encarcerando mais e não cumpre a LEP, está
                    jogando lenha na fogueira. São Paulo tem seguido o padrão
                    nacional numa proporção avassaladora. Portanto, a insurreição
                    de São Paulo está presente, embrionariamente, em todo o
                    país. Não se pode prender aos milhares e despejar essa
                    multidão no inferno, dotando a massa de ferramentas de
                    organização e ação criminosa. O caso de São Paulo antecipa
                    cenários possíveis em outras regiões, por razão da escala e
                    intensidade das pressões exercidas.[10]


       Enfim, o quadro que se apresenta é alarmante, quando vemos o processo
ser levado a efeito por jovens que se matam nos grandes centros, como vítimas
de um sistema desigual, quando engrossam os números das cadeias do país.




9. O SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO: PRESTES A EXPLODIR


       O Brasil pode contar hoje com algo em torno de 410.000 de detentos,
embora com cerca de 550.000 mandados não cumpridos. Esses presos estão
amontoados em 1855 penitenciárias do território nacional, onde só deveriam
caber 262.000 mil detentos. Cada preso pode custar aos cofres públicos por mês,
cerca de R$ 3.000,00 (três mil reais). Para se ter idéia de quanto custa o guarda
do sistema, é algo em torno de R$1.400,00. É preciso 61.000 guardas que mal
pagos tomam conta de um sistema corrupto, onde a taxa de reincidência pode
chegar a 80%.


       O perfil dos detentos pode ser assim definido: 96% SÃO HOMENS; 53%
ENTRE 18 A 30 ANOS DE IDADE; 95% POBRES OU MUITO POBRES; 75%
NÃO COMPLETARAM O ENSINO FUNDAMENTAL; 12% ANALFABETOS E 65%
NEGROS E MULATOS.


       Apesar do número elevado de detentos, o Brasil não representa o maior

                                                                               15
nível de encarceramento. No topo da lista estão: EEUU, China e Rússia.


        O EEUU apesar de terem 5% da população mundial, representa 25% do
total de encarcerados do globo. O país tem 751 presos para 100 mil habitantes.
São 2.5 milhões de presos. O Brasil tem taxas aproximadas de 127 presos para
100 mil habitantes. Em relação ao nível de encarceramento, o Brasil encontra-se
em 4º lugar.


        A taxa de encarceramento de São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal
são referências para os demais estados como os que mais prendem no país.


        É, pois, um país de tradição hierarquizada, onde convivem duas formas
de mobilidade social – teórica e prática. Em outras palavras: embora exista uma
ordem    constitucional   igualitária,   implícita   nela   está   uma    cadeia   social
hierarquizada,   caracterizando     assim:    o   paradoxo    existente   em   face   da
dissonância entre normas e princípios. Perante a lei, todos são iguais, mas
prevalecem normas que privilegiam determinados grupos, a ponto de existir em
pleno século XXI prisão especial para os detentores de diploma de ensino
superior no Brasil.


        A navegação social no Brasil se faz de maneira diferenciada, onde as
pessoas próximas do modelo têm direitos reconhecidos, enquanto os outros são
apenas indivíduos. Daí podemos constatar a casa e a rua como forma de
reconhecimento desses direitos, como sendo condição de ser cidadão no Brasil.


        O presídio parece retratar muito bem essa realidade, basta ver os
números. Afinal, se preocupar com o quê? São coisas.


        O Brasil, com seus métodos prisionais medievais, desumanos, cruéis e
sua frouxidão primitiva frente aos corruptos, continua firme na conquista pelo
título de campeão da violência e impunidade. São 507 anos de atrocidades, pois
não se constrói um país violento da noite para o dia.




                                                                                      16
10. CONCLUSÃO


       Embora não seja objetivo deste trabalho fazer estudo sobre a questão da
violência enquanto fenômeno social, será preciso destacar que é a violência
institucional pública como responsável pela manutenção de um sistema perverso
e desumano, pois criminaliza a miséria e não lhes dá direito de ressocialização.
Este trabalho não é uma tese, mas representa a elaboração preliminar para a
construção do saber a respeito de quem são os clientes do Direito Penal
Brasileiro no Sistema Carcerário do Rio de Janeiro e o que em uma década foi
feito pela gestão desse universo de pessoas, que não são tratadas como tal e
aplica a pena como forma de expiação, como forma de retribuição do mal pelo
mal, onde as condições de dignidade humana não são consideradas, pois a
superlotação é forma constante nesse processo. O sistema carcerário representa
uma história de duzentos anos de fracasso. Uma história cuja eficiência é medida
de forma inversa, pois em lugar de reduzir a criminalidade, introduz os
condenados em carreiras criminosas, produzindo a reincidência e organizando a
delinqüência.




       É objetivo do Principio da humanidade observar       desde a: cominação,
aplicação e a execução da pena, onde o condenado deve ser considerado pessoa
humana. Será através desta constatação crítica que a Criminologia servirá como
fundamento dessa discussão no sentido de:


                     ...enquanto houver uma cela com quarenta homens ou
                    mulheres quando caberiam dez, com 100 quando caberiam
                    quarenta, enquanto houver pátios sujos de sangue, urina e
                    fezes, enquanto houver tortura, maus-tratos e injustiças que
                    gritam aos céus, não teremos direito de falar em lei e direito
                    neste país. Seremos todos direta e indiretamente
                    malfeitores.[18]


       Por fim, a Criminologia Crítica procurará verificar o desempenho prático
do sistema penal em uma sociedade de classes historicamente determinada,
fazendo aparecer o invisível.



                                                                               17
Carlos Alberto Pereira de Aguiar
Doutorando pela Universidad del Lomas de Zamora – Buenos Aires, Mestre em
Direito Público, Coronel da Polícia Militar e Professor de Direito Penal


e-mail: mj.carlosaguiar@uol.com.br ou mj.carlosaguiar@gmail.com




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


[1] Freitas, Wagner Cinele de Paula. Espaço Urbano e criminalidade. IBCCrim. São
Paulo: 2002.


[2] HOUAISS . Dicionário da Língua Portuguesa. 1 ed. Rio de Janeiro: Objetiva,
2001.


[3] Políticas públicas, por sua vez, compreendem o conjunto das decisões e ações
relativas à alocação imperativa valores para a satisfação de demandas por
intermédio da atuação governamental e contam com a participação de atores
políticos que recebem o apoio ou a pressão de outros atores privados: os
burocratas, os tecnocratas, os trabalhadores sindicalizados, as organizações e
outras instituições que compõe o quadro social. Cristsinelis, Marco Falcão. Políticas
Públicas e normas jurídicas. América Jurídica. Rio de Janeiro: 2003. p. 43.


[4] TEIXETRA, Ib. A violência sem retoque. Rio de Janeiro: Univer Cidade Editora
2002. p. 165.


[5] BRASIL. IBGE. Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios - É realizado
anualmente pelo IBGE, tendo por objetivo investigar assuntos relacionados com
habitação, trabalho, rendimento, educação e imigração.


[6] DOWDNEY, Luke. Crianças do tráfico. Rio de Janeiro: 7 letras, 2003. p.151.


[7] Vicente da Silva Filho, José e Gall, Norman. Insegurança Pública. São Paulo:

                                                                                  18
Nova Alexandria, 2002. p. 201.


[8] SOARES, Orlando. Curso de criminologia. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.
67.


[9] Aguiar, Carlos Alberto. Contradições da sociedade brasileira e a construção
ordem social. Rio de Janeiro: Luzes, 2006.


[10] SOARES, Luiz Eduardo; GUINDANI, Mirian. Muita lenha na fogueira. O Globo,
Rio de Janeiro, 21 maio 2006, p. 12.


[11] BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao Direito Penal Brasileiro. 4 ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2001.


[12] MAZZILI NETO, Ramieri. Os caminhos do sistema penal. Rio de Janeiro:
Revan, 2007.


[13]SAPORI, Luis Flávio. Segurança pública no Brasil. Rio de Janeiro: FVG, 2007.


[14]DONNICI, Virgilio. A criminalidade no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1984.


[15]FELLIPE, Rosa A. de Miranda. Patologia social. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.


[16] FOUCOULT, Michel. Vigiar e punir. São Paulo: Vozes, 2001.


[17] DA MATTA, Roberto. A casa e a rua. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.


[18] LUFT, Lya. A dignidade humana. Veja, Rio de Janeiro, p. 12, jan. 2008.




                                                                                   19

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  • 1. QUEM SÃO OS CLIENTES DO DIREITO PENAL BRASILEIRO: uma construção crítica da realidade do sistema carcerário A todos aqueles que neste momento habitam um ventre e que nascerão na miséria, morarão nas ruas, terão como teto o tempo, sentirão frio, acostumar-se-ão com o medo, comerão lixo, cheirarão cola, conhecerão o sexo na infância, procriarão na puberdade e, analfabetos, morrerão antes de atingirem a idade adulta. Sua vida já é conhecida, antes de nascerem, filhos órfãos que são da cidade grande. Muitos dos que sobreviverem, seu caminho também não é mistério, pois as portas da prisão os aguardam. [1]. SUMÁRIO: 1. A Sociedade e a Miséria, 2. O Brasil das Desigualdades - Séc. XXI , 3. O Retrato do Rio de Janeiro - reflexo da desigualdade do Brasil, 4. Rio de Janeiro - uma cidade violenta, 5. O Comportamento Humano como Fonte e Base Fundamental para a Criminologia, 6. Processo de Desorganização Social como Fator Criminógeno, 7. A Criminologia da Reação Social: uma perspectiva de avaliação e exame, 8. Os Jovens no Processo, 9. O Sistema Penitenciário Brasileiro: prestes a Explodir, 10. Conclusão, 11. Referências Bibliográficas. Objetiva-se dar ao presente estudo uma seqüência metodológica que possa permitir ao leitor uma melhor compreensão dos limites desta proposição e, acima disso, realmente permitir um juízo de reflexão a respeito do tema que, salvo juízo, vem causando muita preocupação por parte de toda sociedade. 1. A SOCIEDADE E A MISÉRIA É o tema central. Daí começar envolvendo o leitor com as seguintes perguntas: o que significa a expressão miséria? Ela realmente guarda relação de causa e efeito com a criminalidade? A miséria seria por si só, um fator incrementador da violência? E a indigência, qual seria o seu significado e a sua repercussão no contexto social? São estes e outros pontos que, no desenvolvimento do tema, pretende-se abordar, visando mostrar ao leitor o 1
  • 2. quanto representa a complexidade social que hoje se vive no Estado do Rio de Janeiro e qual o prognóstico para o futuro, se nada for feito ou, pelo menos, mal aplicado. A palavra miséria significa: situação ou estado de grande sofrimento falta total dos meios de subsistência. Nesse sentido, a fome na Etiópia pode representar bem essa falta de meios de subsistência, quando, ainda neste século, ela poderá sofrer uma das maiores catástrofes já vistas no mundo. A razão do alarme internacional é a forte seca que vem assolando o país. A previsão do Governo é de que a fome deverá atingir aproximadamente 15 milhões de pessoas. Um número quinze vezes maior se comparado à grande crise vivenciada na década de 80, quando a fome atingiu um milhão de pessoas que se viram à mercê da indigência, da penúria. 2. O BRASIL DAS DESIGUALDADES - SÉC. XXI O retrato da miséria tem nome e endereço no Brasil. Esse lugar se chama Guaribas, município do Piauí, localizado a 533 km da capital, Teresina. Guaribas é uma cidade de ruas áridas e de barro amarelado, com uma pequena atividade comercial. População estimada em 4.800 habitantes, dos quais 1.700 desempregados. Cerca de 60% das casas não têm condições de habitação razoáveis dos 942 municípios, apenas 88 têm banheiros, e seus moradores caminham cerca de 6 km para buscar água de um poço. A mortalidade infantil em Guaribas, que representa quase o dobro da média apresentada no país, é de 59,9 por mil nascidos vivos. Por isso, Guaribas é conhecida por ter péssimos indicadores sociais, não só pela ONU, que a considera como o pior índice de desenvolvimento humano do País, como pelo IBGE, em razão do pior índice de vulnerabilidade. Guaribas é uma das cidades mais pobres do Brasil. Pode-se dizer, sem medo de errar, que ela é extremamente pobre. Precisa, com a devida urgência, da aplicação efetiva de políticas públicas que possam minimizar os efeitos da miséria. O Brasil é um país que, apesar de ter diminuído o número de pessoas 2
  • 3. pobres, ainda conta, segundo o IBGE, com 54 milhões de miseráveis. É um número muito elevado, levando-se em consideração que a vizinha Colômbia tem 40 milhões de habitantes. Para ilustrar, traz-se à colação trecho do livro "A violência sem retoque", de Ib Teixeira, verbis: Segundo a ONU, o Brasil é um dos campeões mundiais em matéria de pobreza”. No ranking mundial, estamos em 3º lugar, com 58 milhões de habitantes que estão abaixo até mesmo da linha da pobreza, com um dólar diário per capita. Só a Índia e a Indonésia ganham do Brasil nesta tristíssima competição do mundo miserável. Além disso, 20% de nossos pobres detêm apenas 2,5% da renda nacional, enquanto os 20% mais ricos abiscoitam 64,2%. Embora a distribuição ideal de renda exista apenas em tribos indígenas como a dos ianomanis - onde todos sofrem com igual miséria -, a realidade brasileira é singular. O mapa da miséria, segundo o IBGE, mostra que os pobres se distribuem de forma desigual pelas regiões do País. No Nordeste, 50,9% das pessoas vivem com até meio salário mínimo mensal. No Sudeste, esse percentual é de 17,8%. O retrato sócio-econômico do Brasil no novo século foi recentemente publicado pelo IBGE, através da PNAD, a qual revela que, apesar dos avanços nos indicadores educacionais e no acesso a bens duráveis, a renda média dos trabalhadores vem caindo desde 1996. Os rendimentos já acumulam queda de 10,3% acima da inflação. Os estudos mostram que o fosso entre trabalhadores ricos e pobres aumentou. A renda média dos 10 % mais pobres encolheu na proporção de 3,17%, passando de R$ 63,00 para R$ 61,00. Na outra extremidade, a camada da população que forma o 1% mais rico teve seu rendimento aumentado na proporção de 5,19%, no biênio de 99/01. Disso extrai-se que o Brasil é o país com maior concentração de renda da América Latina. Estimativa que representa a 3
  • 4. péssima distribuição de renda no país, que possui uma das maiores cargas tributárias do planeta, algo em torno de 38,6 % do PIB, mas nem por isso, os serviços prestados à população estão em igualdade de condições com as Nações do primeiro mundo, pois, aqui, as pessoas estão morrendo na fila do hospital público por falta de atendimento. O BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) revela que o Brasil é campeão de desigualdade, sendo superado apenas por Serra Leoa, na África. Eles chegaram a essa conclusão em razão da pior distribuição de renda do planeta, uma vez que aqui se permite que os 10% mais ricos controlem 50% da renda nacional, enquanto que os 50% mais pobres participam com menos de 10%, aproximadamente. Segundo o BID, nos EEUU, os 10 % mais ricos têm renda média de 60% maior que o segmento de população imediatamente abaixo. Na América Latina, continua o BID, essa diferença é de 160%. Na América Latina, portanto, um quarto da renda está nas mãos de apenas 5% da população. Representando uma concentração de renda maior que a África. A desigualdade se reflete em setores sensíveis da sociedade brasileira como educação, família, justiça social e trabalho. Essa última atividade foi motivo de pesquisa da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade do município de São Paulo. Em 1980, no Brasil, havia 964 mil pessoas, aproximadamente, sem emprego. Em 2000, esse número saltou para 12 milhões, aproximadamente, de pessoas desempregadas. Em 20 anos, o Brasil foi de 9º no ranking mundial para 2º lugar, só perdendo para a Índia, no primeiro lugar com 41 milhões de desempregados, aproximadamente. O Brasil, embora seja responsável por pelo menos 3% da população do planeta, tem 7% dos desempregados do mundo, superando países como EEUU, Rússia, Alemanha e até a Indonésia. Apesar da pobreza e da grande desigualdade, a ONU considera o Brasil como um país de democracia razoável. Recebendo de zero a dez, a nota quatro, em razão, principalmente, da corrupção, que ainda é alta. Eles entendem que a corrupção está ligada, proporcionalmente, à qualidade de vida da população. 4
  • 5. Mas o Brasil tem avançado. E foi principalmente a educação, que permitiu ao país alcançar o 65º lugar em IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do mundo, passando a ser considerado, pela ONU, como de médio desenvolvimento humano. Ficando bem atrás de países como: México, Chile, Argentina, Uruguai e até a Malásia, considerados os quatro primeiros países com alto desenvolvimento humano. A Noruega é o país de maior IDH do planeta. 3. O RETRATO DO RIO DE JANEIRO - REFLEXO DA DESIGUALDADE DO BRASIL A pobreza aumentou no Rio de Janeiro, entre 99/01, passou de 2,781 milhões para 3,345 milhões de pessoas, segundo o Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade, embora nesse período a população pobre do país tenha se mantido estabilizada. Esse percentual representa, segundo o Instituto, o número de habitantes com renda menor do que R$ 125,00. Considerado por ele como insuficiente para suprir as necessidades básicas de subsistência. Assim como a penúria, a indigência também cresceu no Estado, no mesmo período, de 5,7% para 7,7%, representando, aproximadamente, 1,124 milhões de pessoas sobrevivendo com menos de R$ 62,00. Daí o Rio de janeiro representar a 17ª capital com um dos maiores índices de exclusão social do país. Isso equivale a afirmar que o Rio de Janeiro faz parte dos 42% dos 5507 municípios do país, que apresenta alto índice de exclusão social. Isso permite concluir que uma criança que nasce em São Caetano do Sul (ABC paulista - menor índice de exclusão social) tem perspectivas bem diferente 5
  • 6. de outra que nasceu no Rio de Janeiro. No dia 14 de setembro de 2003 o JB veiculou uma reportagem - "Uma nova geografia da fome" - cujo teor reproduz-se a seguir, litteris: O índice de pobreza na zona oeste do Rio pode ser comparado a alguns municípios pobres do Nordeste”. O bairro de Santa Cruz, por exemplo, tem mais de 15% de pobres, o dobro da média do município - 7,17%. Ao propor uma nova divisão da malha municipal, o levantamento Nova Geografia da Pobreza, feito pela economista Sônia Rocha, em conjunto com o IBGE e o INAE, encontrou grotões de pobreza escondidos em áreas desenvolvidas nas metrópoles. (...) O caso da baixada fluminense é emblemático. Ao se destacarem área mais pobre e uniforme do município de Caxias, verifica-se um aumento do índice de pobreza de 14% para 21%. O mesmo acontece em Nova Iguaçu, dividido em 10 subáreas. Com exceção de duas destas, mais próximas aos centros, todas as oito mostraram índices de pobreza maiores do que a média. O grande paradoxo vivenciado pelo Rio de Janeiro, diante dessa dicotomia social, é poder contar com alguns bairros da zona sul, segundo estudos ainda inacabados da prefeitura local, com o maior índice de desenvolvimento humano do planeta, isto é, maior do que a ONU considera para a Noruega. Isso faz dos bairros de Ipanema, Leblon, Lagoa, Jardim Botânico, Gávea e São Conrado uma espécie de país independente. Uma república com o maior IDH do planeta dentro de um perímetro de 20,92 Km² e com uma população aproximada de 174.062 mil habitantes. Na outra ponta, a realidade pobre da cidade mostra o Rio de Janeiro com 752 comunidades carentes, recentemente cadastradas pela prefeitura, 32 bairros dominados pelo tráfico de drogas, e o bairro de Acari, considerado pela ONU como o de pior índice de desenvolvimento humano. Não se pode ter realidade mais difícil e paradoxal do que a vivenciada 6
  • 7. pela sociedade, em especial, a carioca diante do grande abismo social que existe entre as favelas e o asfalto. Essa distância social, segundo o IBGE - censo 2000, pode chegar a representar 5 vezes em termos salariais, que diminui à medida que os bairros se aproximam da periferia. É uma realidade que, para o antropólogo, professor e escritor, Gilberto Velho, define o cerne da questão da violência que para ele, não está apenas na pobreza e, sim, na desigualdade social, que no Brasil é terrível. A disparidade entre os altos padrões de vida e a indigência social é bastante expressivas no Brasil, o que gera, por conseguinte, grande abismo social. Essa desigualdade tem provocado, segundo ele, crise de valores, levando o indivíduo a buscar soluções com a justificativa de não aceitar viver das sobras dos ricos. O referido antropólogo resume que a desigualdade social é o banquete da violência. 4. RIO DE JANEIRO - UMA CIDADE VIOLENTA Recentemente, foi publicado no jornal "O Globo" uma matéria intitulada "a década da violência", fruto da pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mandes CESEC - UCAM, que analisa os dados da criminalidade nos últimos doze anos, período, segundo eles, de quatro mandatos governamentais. De todos os números apresentados, cabe ressaltar os dados relativos aos homicídios ocorridos no período. Segundo a pesquisa, aproximadamente 84 mil pessoas foram vítimas de violência letal. Fazendo uma comparação com o menor município do Rio de Janeiro, Macuco, com cerca de 4 mil habitantes, pode-se afirmar que 20 municípios foram, ao longo desse período, dizimados pela violência. Isso impressiona porque se deu durante a vigência da Lei de Crimes Hediondos, editada em 1990, com a esperança de que a Lei Penal poderia livrá-los dos assassinos. É bem verdade que hoje, em pleno século XXI, mais precisamente em 7
  • 8. maio, ainda são vitimadas pelo mesmo crime cerca de 590 pessoas por mês. Se multiplicar por doze, levando-se em consideração os números constantes, obter- se-á um resultado anual de aproximadamente sete mil homicídios. Se forem computados dez anos, o resultado será de 70.000 pessoas vítimas de homicídios. Quanto custa cada vida perdida? E a família dessas vitimas? Mesmo assim, o Rio de Janeiro não é considerado a capital mais violenta do país. Ainda disputam os primeiros lugares, as cidades de Vitória, Recife e São Paulo que apresentam, proporcionalmente, uma realidade bem mais dramática. A conseqüência de tudo isso, quer dizer, da indigência, da desigualdade social, da necessidade de emprego e da falta de oportunidades, transformou o tráfico de drogas no Rio de Janeiro no maior empregador de jovens. As crianças não são forçadas ou coagidas pelas ditas facções a ingressar para a atividade do tráfico. Elas são recrutadas. É uma alternativa profissional. Isso é muito bem definido por Luke Dowdney (2003), no seu livro Crianças do Tráfico, quando explica a idade para o ingresso na atividade: A idade média de entrada no tráfico como trabalho em tempo integral de crianças e adultos é de 13 anos e um mês. No entanto, as crianças começam a andar com traficantes mais cedo e o processo de recrutamento "voluntário" pode começar já aos oito anos. Em geral, as crianças empregadas pelas facções não trabalham imediatamente armadas; só serão armadas quando consideradas capacitadas e "preparadas". Apesar de não incomum o uso de armas aos 13 anos para segurança da facção, a faixa dos 15 aos 17 anos é a mais usualmente armada e utilizada como soldados. O envolvimento de crianças com o tráfico é incontestável, o que tem gerado perdas significativas desses jovens no dia-a-dia dessa guerra injusta e indecente. A realidade, infelizmente, é bem pior, levando-se em consideração os dados de 2000 - Unesco, quando 2.816 adolescentes foram assassinados, representando 107,6 por cem mil habitantes, ou seja, mais que o dobro da média brasileira. Nesse diapasão reproduz-se essa triste estatística nas linhas a seguir: 8
  • 9. O crescimento da violência no Brasil, treze das quais com mais de um milhão de habitantes, tem se acelerado desde os anos 1970. Homens com idade entre 15 e 24 anos são os mais atingidos, sendo o assassinato a maior causa de mortalidade. Um estudo da UNESCO mostra que o Brasil está em terceiro lugar no mundo quanto aos índices de homicídios de pessoas na faixa etária de 15 a 24 anos, apenas abaixo da Colômbia e da Venezuela. Isso se reflete diretamente na expectativa de vida do carioca, segundo análise publicada recentemente no jornal "O Globo" pela Fundação Nacional de Saúde, na qual se afirma que o crescimento dos homicídios no Estado é suficiente para superar os ganhos em qualidade de vida adquiridos pelo cidadão carioca nesses últimos anos. Isso, segundo eles, aproxima o Rio de Estados bem mais pobres. 5. O COMPORTAMENTO HUMANO COMO FONTE E BASE FUNDAMENTAL PARA A CRIMINOLOGIA Como podemos perceber, a questão da Justiça Criminal e da Segurança Publica, no Brasil, tem ocupado cada vez mais espaço na mídia e, principalmente, em seminários que começam a agregar informações sobre pesquisas empíricas realizadas sobre questões que legitimam o estudo, apesar dos esforços serem incipientes, representam, nesse momento, o pontapé para discussões que permitam a reflexão crítica de forma a implementar a formulação de Políticas Públicas para o setor, com o objetivo de estancar os fatores que representam as fontes criminógenas. Esses estudos são considerados em países de tradição anglo-americana, germânica e latina como a França, quando reconhecem este campo do conhecimento como legítimo e capaz de subsidiar de forma eficaz a formulação de políticas públicas. Daí o comportamento do homem, enquanto pessoa humana, servir de base para o acompanhamento e estudo da Criminologia que nos levará à 9
  • 10. realidade fática, sem ideologias e teorias, que não nos impeçam de cumprir seu objetivo científico. A conduta humana sempre foi objeto de atenção dos observadores, posto que o crime é um fato tão antigo quanto o homem. Nesse sentido, a criminologia não representa um conhecimento recente, por isso, o fenômeno humano e social que constituem seu objeto independe de fronteiras. Portanto, para seu estudo todas as teorias deverão ser consideradas, pois conhecer e compreender o presente e prever o futuro sem refletir sobre o passado seria um grande absurdo. 6. PROCESSO DE DESORGANIZAÇÃO SOCIAL COMO FATOR CRIMINÓGENO É possível observar que o normal funcionamento de um grupo social está atrelado ao equilíbrio interno, por parte de cada integrante e diante de suas tarefas legítimas. Elas representam o papel do conjunto grupal. Os papéis não sendo cumpridos e/ou bem desempenhados, importam em processo de desorganização social. A busca de razões que explicitam o fenômeno da criminalidade tem construído campo para várias correntes. É preciso não perder de vista que cada fato social deve resultar de uma série de variáveis, consideradas como elementos causadores e atuantes dentro de um contexto em permanente modificação. Diante disso, pode-se considerar que a delinqüência se prende muito mais à inadequada atenção da comunidade às insuficiências, do que a própria predisposição. Não enfrentar o problema e nem sequer compensar essas insuficiências, é possibilitar que eles possam ser manipulados por elementos anti- sociais. O crime é um produto sociocultural, porque os elementos condicionantes principais do seu surgimento são eminentemente sociais - decorrem dessa realidade. Nesses termos, a criminalidade vai variar em relação ao grau de integração social, isto quer dizer, as sociedades cujos processos de 10
  • 11. desorganização social não representa índices de grande amplitude, a incidência criminal é reduzida, ao contrário das sociedades com grandes níveis de desorganização social, onde esses índices são alarmantes. Essas sociedades podem estar representadas nos parâmetros dos grandes centros urbanos, por serem sociedades dinâmicas, com grandes desajustes sociais e econômicos. É nessas sociedades que se observam a criminalidade em todos os tipos nas suas mais variadas formas. O Rio de Janeiro representante legítimo dessa sociedade em pleno século XXI, não é diferente de outras cidades do Brasil, que convivem com grandes problemas de desorganização social. Por outro lado, a delinqüência juvenil está ligada aos mesmos fundamentos sociais, quando invisíveis ao Estado, tentam ser reconhecidos como cidadãos do mundo ao serem recebidos como integrantes das gangues. É uma maneira de legitimar a fome de ser visto, se tornar visível, só que há um problema: ele tem uma arma na mão. 7. A CRIMINOLOGIA DA REAÇÃO SOCIAL: UMA PERSPECTIVA DE AVALIAÇÃO E EXAME A criminalidade representa um fenômeno crescente, onde há evidente sobrecarga no sistema da justiça penal e conseqüente aumento da população carcerária. A grande questão seria: como conciliar no Brasil, particularmente no Rio de Janeiro o Direito Penal repressivo e a criminalidade cada vez mais crescente e violenta, tendo em vista que os três elementos do sistema de Justiça Criminal (política, justiça e sistemas penitenciários) não acompanharam as mudanças sociais e muitas vezes não preservam e respeitam os direitos humanos? O fato de a grande maioria dos processados, presos e condenados pertencerem à classe pobre. O que se observa no Rio de Janeiro e em São Paulo é que nas décadas 11
  • 12. anteriores sempre se cuidou da Segurança Nacional, deixando em segundo plano a Segurança Pública. Isso é uma representação histórica e cultural para todos os cidadãos brasileiros, onde o autoritarismo estatal sempre resistiu às inovações, objetivando manter o status quo ante. Daí objetivando grande dificuldade por não se ter feito um estudo sócio-histórico da criminalidade para apuração das razões e as falhas de nossas estruturas sociais e administrativas, tomando-se como ponto de partida o Direito Penal brasileiro. Estudar criminalidade no Brasil é ter a consciência da crise no nosso tempo, das mudanças para novos modelos, bem como, termos idéias claras sobre nossa realidade social. Daí a dimensão social da conduta humana ser de grande valia para avaliação dos fatos sociais. Portanto, o trabalho objetiva permitir a reflexão acerca dos direitos humanos e da ordem social sob o ponto de vista do preso (do condenado). É no campo crescente da criminalidade tradicional, da violência aquisitiva, que fica nítida a crise da aplicação do Direito Penal brasileiro de forma repressiva em face da classe pobre, caracterizando um verdadeiro paradoxo entre o binômio lei-ordem e o princípio de reserva legal. A violência não pode ser debatida de forma improvisada, destituída do panorama científico e até mesmo cultural. Vivemos em uma sociedade injusta, marcada por profundas desigualdades e onde a indigência, como foi visto nos primeiros itens deste trabalho, castiga hoje 53 milhões de brasileiros. É preciso urgentemente mobilizar estudos no sentido de demonstrar que o modelo adotado não tem atingido a demanda. Precisa, pois, ser repensado uma vez que como Estado Democrático de Direito, o Brasil não passa de uma verdadeira contradição. Entre a teoria e a prática, a realidade tem se mostrado bastante perversa, pois a vida no cárcere pode representar não só um sinal claro de descumprimento dos preceitos básicos dos direitos humanos por ferir a dignidade humana, como também não propicia a reintegração social, evidente pelas altas taxas de reincidência, que pode chegar a 80%, dependendo da região onde a maior parte da massa carcerária é de jovens pobres de 18 a 30 anos. 12
  • 13. A Criminologia da reação social deve representar o exame e a avaliação do sistema criminal, especialmente, os clientes do sistema carcerário do Rio de Janeiro no período de 1996 a 2006. 8. OS JOVENS NO PROCESSO A institucionalização da democracia tem sido acompanhada por uma lenta e gradual melhora nos indicadores sociais. Pode-se perceber no item 2 que é uma realidade. Embora haja progressão, o mesmo não se caracteriza no âmbito da ordem pública, pois de duas décadas para cá o Estado se mostrou incapaz de controlar a criminalidade e a violência. A taxa de homicídios passou de 12 para 27 por grupo de 100 mil habitantes de 1980 a 2004. O perfil etário das vítimas e agressores apontam jovens de 15 a 24 anos e do sexo masculino. Esses índices se mostram evidentes nas áreas mais pobres dos grandes centros urbanos, onde através dessa lógica perversa são os mais pobres e os menos educados matam e morrem mais. Os pobres e negros são os principais autores e vítimas desse processo de deterioração da sociabilidade urbana, apesar de melhoria das condições dos indicadores sociais. O que se pode afirmar de forma muito particularizado é que os jovens fazem parte desse contexto de violência, o que nos permite comparar que são a grande maioria presente, como preso, no Sistema Carcerário Brasileiro, inclusive, em bom percentual no Sistema Carcerário do Rio de Janeiro. Cabe ressaltar que um indicador trazendo como referência o Brasil como o segundo em desemprego do mundo, só ficando atrás da Índia, que tem 41 milhões de desempregados, enquanto o Brasil luta para reduzir seus 11 milhões. 13
  • 14. Não fosse somente o nível de desemprego para demonstrar a realidade cruel do Brasil, prepare-se para outro fator desalentador, o de ter como metade, segundo o IPEA - (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/08), desses milhares de desempregados, 46,6% do total de jovens de 15 a 24 anos. É de observar que o pano de fundo desse processo é realmente uma estrutura social bastante desigual. Essa desigualdade tem duas maneiras de se apresentar: social e econômica, seja pela desigualdade da cidadania, como na definição de oportunidades. A outra face desse processo crescente de disseminação da violência é a fragilidade do Sistema de Justiça Criminal, onde, por exemplo, a alta taxa de atrito é fator que pode ser considerado para aumentar a impunidade. O subsistema prisional apresenta índices alarmantes, como descreve Luiz Eduardo Soares, em entrevista ao jornal “O Globo” em 21 maio 2006: ... As unidades prisionais, em todo o país – e São Paulo não é exceção – descumprem a Lei de Execuções Penais (LEP), promulgada em 1984: os presos são misturados, indenpendentemente da gravidade de seus crimes; as penitenciárias são muito grandes, dificultando a gestão, a vigilância e a separação necessária; a superlotação ultrapassa todos os limites; não há o acompanhamento da situação legal dos apenados, proporcionando-lhes a progressão prevista na sentença – a realidade de São Paulo, nesse sentido, é assustadora: dos presos daquele estado, 38 mil estão cumprindo pena além do tempo da sentença; as condições de higiene são degradantes e insalubres; trabalho e educação são raramente oferecidos; a progressão do regime freqüentemente é uma fraude, porque não há controle rigoroso do preso, no semi-aberto, o que enseja fugas e/ou práticas de crimes, perpetuando o retorno do egresso ao sistema; o egresso não é apoiado para reinserir-se na comunidade; os agentes penitenciários raramente contam com escolas de formação e uma carreira – o que reduziria a corrupção e aperfeiçoaria o trabalho. Se não garante os direitos consagrados na LEP, o sistema penitenciário brasileiro, de um modo geral, não é mais eficiente e legalista no controle da massa carcerária e na repressão a ações criminosas, cometidas no interior e no exterior das unidades prisionais, por meio de ordens transmitidas pelas vias mais diversas. Combinando-se as duas faces da incompetência 14
  • 15. institucionalizada e da ilegalidade, temos o pior dos dois mundos: nem direitos assegurados, nem deveres impostos. A primeira falha gera revolta na massa carcerária. A segunda propicia a transformação do ressentimento em atos de rebeldia. Com um braço se atiça a brasa, com o outro se distribui gasolina. Se o país está encarcerando mais e não cumpre a LEP, está jogando lenha na fogueira. São Paulo tem seguido o padrão nacional numa proporção avassaladora. Portanto, a insurreição de São Paulo está presente, embrionariamente, em todo o país. Não se pode prender aos milhares e despejar essa multidão no inferno, dotando a massa de ferramentas de organização e ação criminosa. O caso de São Paulo antecipa cenários possíveis em outras regiões, por razão da escala e intensidade das pressões exercidas.[10] Enfim, o quadro que se apresenta é alarmante, quando vemos o processo ser levado a efeito por jovens que se matam nos grandes centros, como vítimas de um sistema desigual, quando engrossam os números das cadeias do país. 9. O SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO: PRESTES A EXPLODIR O Brasil pode contar hoje com algo em torno de 410.000 de detentos, embora com cerca de 550.000 mandados não cumpridos. Esses presos estão amontoados em 1855 penitenciárias do território nacional, onde só deveriam caber 262.000 mil detentos. Cada preso pode custar aos cofres públicos por mês, cerca de R$ 3.000,00 (três mil reais). Para se ter idéia de quanto custa o guarda do sistema, é algo em torno de R$1.400,00. É preciso 61.000 guardas que mal pagos tomam conta de um sistema corrupto, onde a taxa de reincidência pode chegar a 80%. O perfil dos detentos pode ser assim definido: 96% SÃO HOMENS; 53% ENTRE 18 A 30 ANOS DE IDADE; 95% POBRES OU MUITO POBRES; 75% NÃO COMPLETARAM O ENSINO FUNDAMENTAL; 12% ANALFABETOS E 65% NEGROS E MULATOS. Apesar do número elevado de detentos, o Brasil não representa o maior 15
  • 16. nível de encarceramento. No topo da lista estão: EEUU, China e Rússia. O EEUU apesar de terem 5% da população mundial, representa 25% do total de encarcerados do globo. O país tem 751 presos para 100 mil habitantes. São 2.5 milhões de presos. O Brasil tem taxas aproximadas de 127 presos para 100 mil habitantes. Em relação ao nível de encarceramento, o Brasil encontra-se em 4º lugar. A taxa de encarceramento de São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal são referências para os demais estados como os que mais prendem no país. É, pois, um país de tradição hierarquizada, onde convivem duas formas de mobilidade social – teórica e prática. Em outras palavras: embora exista uma ordem constitucional igualitária, implícita nela está uma cadeia social hierarquizada, caracterizando assim: o paradoxo existente em face da dissonância entre normas e princípios. Perante a lei, todos são iguais, mas prevalecem normas que privilegiam determinados grupos, a ponto de existir em pleno século XXI prisão especial para os detentores de diploma de ensino superior no Brasil. A navegação social no Brasil se faz de maneira diferenciada, onde as pessoas próximas do modelo têm direitos reconhecidos, enquanto os outros são apenas indivíduos. Daí podemos constatar a casa e a rua como forma de reconhecimento desses direitos, como sendo condição de ser cidadão no Brasil. O presídio parece retratar muito bem essa realidade, basta ver os números. Afinal, se preocupar com o quê? São coisas. O Brasil, com seus métodos prisionais medievais, desumanos, cruéis e sua frouxidão primitiva frente aos corruptos, continua firme na conquista pelo título de campeão da violência e impunidade. São 507 anos de atrocidades, pois não se constrói um país violento da noite para o dia. 16
  • 17. 10. CONCLUSÃO Embora não seja objetivo deste trabalho fazer estudo sobre a questão da violência enquanto fenômeno social, será preciso destacar que é a violência institucional pública como responsável pela manutenção de um sistema perverso e desumano, pois criminaliza a miséria e não lhes dá direito de ressocialização. Este trabalho não é uma tese, mas representa a elaboração preliminar para a construção do saber a respeito de quem são os clientes do Direito Penal Brasileiro no Sistema Carcerário do Rio de Janeiro e o que em uma década foi feito pela gestão desse universo de pessoas, que não são tratadas como tal e aplica a pena como forma de expiação, como forma de retribuição do mal pelo mal, onde as condições de dignidade humana não são consideradas, pois a superlotação é forma constante nesse processo. O sistema carcerário representa uma história de duzentos anos de fracasso. Uma história cuja eficiência é medida de forma inversa, pois em lugar de reduzir a criminalidade, introduz os condenados em carreiras criminosas, produzindo a reincidência e organizando a delinqüência. É objetivo do Principio da humanidade observar desde a: cominação, aplicação e a execução da pena, onde o condenado deve ser considerado pessoa humana. Será através desta constatação crítica que a Criminologia servirá como fundamento dessa discussão no sentido de: ...enquanto houver uma cela com quarenta homens ou mulheres quando caberiam dez, com 100 quando caberiam quarenta, enquanto houver pátios sujos de sangue, urina e fezes, enquanto houver tortura, maus-tratos e injustiças que gritam aos céus, não teremos direito de falar em lei e direito neste país. Seremos todos direta e indiretamente malfeitores.[18] Por fim, a Criminologia Crítica procurará verificar o desempenho prático do sistema penal em uma sociedade de classes historicamente determinada, fazendo aparecer o invisível. 17
  • 18. Carlos Alberto Pereira de Aguiar Doutorando pela Universidad del Lomas de Zamora – Buenos Aires, Mestre em Direito Público, Coronel da Polícia Militar e Professor de Direito Penal e-mail: mj.carlosaguiar@uol.com.br ou mj.carlosaguiar@gmail.com REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: [1] Freitas, Wagner Cinele de Paula. Espaço Urbano e criminalidade. IBCCrim. São Paulo: 2002. [2] HOUAISS . Dicionário da Língua Portuguesa. 1 ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. [3] Políticas públicas, por sua vez, compreendem o conjunto das decisões e ações relativas à alocação imperativa valores para a satisfação de demandas por intermédio da atuação governamental e contam com a participação de atores políticos que recebem o apoio ou a pressão de outros atores privados: os burocratas, os tecnocratas, os trabalhadores sindicalizados, as organizações e outras instituições que compõe o quadro social. Cristsinelis, Marco Falcão. Políticas Públicas e normas jurídicas. América Jurídica. Rio de Janeiro: 2003. p. 43. [4] TEIXETRA, Ib. A violência sem retoque. Rio de Janeiro: Univer Cidade Editora 2002. p. 165. [5] BRASIL. IBGE. Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios - É realizado anualmente pelo IBGE, tendo por objetivo investigar assuntos relacionados com habitação, trabalho, rendimento, educação e imigração. [6] DOWDNEY, Luke. Crianças do tráfico. Rio de Janeiro: 7 letras, 2003. p.151. [7] Vicente da Silva Filho, José e Gall, Norman. Insegurança Pública. São Paulo: 18
  • 19. Nova Alexandria, 2002. p. 201. [8] SOARES, Orlando. Curso de criminologia. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 67. [9] Aguiar, Carlos Alberto. Contradições da sociedade brasileira e a construção ordem social. Rio de Janeiro: Luzes, 2006. [10] SOARES, Luiz Eduardo; GUINDANI, Mirian. Muita lenha na fogueira. O Globo, Rio de Janeiro, 21 maio 2006, p. 12. [11] BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao Direito Penal Brasileiro. 4 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001. [12] MAZZILI NETO, Ramieri. Os caminhos do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007. [13]SAPORI, Luis Flávio. Segurança pública no Brasil. Rio de Janeiro: FVG, 2007. [14]DONNICI, Virgilio. A criminalidade no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1984. [15]FELLIPE, Rosa A. de Miranda. Patologia social. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. [16] FOUCOULT, Michel. Vigiar e punir. São Paulo: Vozes, 2001. [17] DA MATTA, Roberto. A casa e a rua. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. [18] LUFT, Lya. A dignidade humana. Veja, Rio de Janeiro, p. 12, jan. 2008. 19