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Contradições da Sociedade Brasileira e a Construção da Ordem
                            Social

                              A todos aqueles que neste momento habitam
                              um ventre e que nascerão na miséria, morarão
                              nas ruas, terão como teto o tempo, sentirão
                              frio, acostumar-se-ão com o medo, comerão
                              lixo, cheirarão cola, conhecerão o sexo na
                              infância,   procriarão    na   puberdade     e,
                              analfabetos, morrerão antes de atingirem a
                              idade adulta. Sua vida já é conhecida, antes de
                              nascerem, filhos órfãos que são da cidade
                              grande. Muitos dos que sobreviverem, seu
                              caminho também não é mistério, pois as portas
                              da prisão os aguardam.


      O retrato do Rio de Janeiro - reflexo da desigualdade do Brasil.

A pobreza aumentou no Rio de Janeiro, entre 99/01, passou de 2,781 milhões
para 3,345 milhões de pessoas, segundo o Instituto de Estudos de Trabalho e
Sociedade, embora nesse período a população pobre do país tenha se mantido
estabilizada.
Esse percentual representa, segundo o Instituto, o número de habitantes com
renda menor do que R$ 125,00. Considerado por ele como insuficiente para
suprir as necessidades básicas de subsistência.
Assim como a penúria, a indigência também cresceu no Estado, no mesmo
período, de 5,7% para 7,7%, representando, aproximadamente, 1,124 milhões
de pessoas sobrevivendo com menos de R$ 62,00.
Daí o Rio de janeiro representar a 17ª capital com um dos maiores índices de
exclusão social do país. Isso equivale a afirmar que o Rio de Janeiro faz parte
dos 42% dos 5507 municípios do país, que apresenta alto índice de exclusão
social. Isso permite concluir que uma criança que nasce em São Caetano do
Sul (ABC paulista - menor índice de exclusão social) tem perspectivas bem
diferente de outra que nasceu no Rio de Janeiro.
No dia 14 de setembro de 2003 o JB veiculou uma reportagem - "Uma nova
geografia da fome" - cujo teor reproduz-se a seguir, litteris:

                               “O índice de pobreza na zona oeste do Rio
                               pode ser comparado a alguns municípios
                               pobres do Nordeste”. O bairro de Santa
                               Cruz, por exemplo, tem mais de 15% de
                               pobres, o dobro da média do município -
                               7,17%. Ao propor uma nova divisão da malha
                               municipal, o levantamento Nova Geografia
                               da Pobreza, feito pela economista Sônia
                               Rocha, em conjunto com o IBGE e o Inae,




                                                                             1
encontrou grotões de pobreza escondidos
                               em áreas desenvolvidas nas metrópoles. (...)
O caso da baixada fluminense é emblemático. Ao se destacarem área mais
pobre e uniforme do município de Caxias, verifica-se um aumento do índice
de pobreza de 14% para 21%. O mesmo acontece em Nova Iguaçu, dividido em
10 subáreas. Com exceção de duas destas, mais próximas aos centros, todas
as oito mostraram índices de pobreza maiores do que a média."
O grande paradoxo vivenciado pelo Rio de Janeiro, diante dessa dicotomia
social, é poder contar com alguns bairros da zona sul, segundo estudos ainda
inacabados da prefeitura local, com o maior índice de desenvolvimento
humano do planeta, isto é, maior do que a ONU considera para a Noruega.
Isso faz dos bairros de Ipanema, Leblon, Lagoa, Jardim Botânico, Gávea e São
Conrado uma espécie de país independente. Uma república com o maior IDH
do planeta dentro de um perímetro de 20,92 Km² e com uma população
aproximada de 174.062 mil habitantes.
Na outra ponta, a realidade pobre da cidade mostra o Rio de Janeiro com 752
comunidades carentes, recentemente cadastradas pela prefeitura, 32 bairros
dominados pelo tráfico de drogas, e o bairro de Acari, considerado pela ONU
como o de pior índice de desenvolvimento humano.
Não se pode ter realidade mais difícil e paradoxal do que a vivenciada pela
sociedade, em especial, a carioca diante do grande abismo social que existe
entre as favelas e o asfalto. Essa distância social, segundo o IBGE - censo
2000, pode chegar a representar 5 vezes em termos salariais, que diminui à
medida que os bairros se aproximam da periferia.


É uma realidade que, para o antropólogo, professor e escritor, Gilberto Velho,
define o cerne da questão da violência que para ele, não está apenas na
pobreza e, sim, na desigualdade social, que no Brasil é terrível. A disparidade
entre os altos padrões de vida e a indigência social é bastante expressivas no
Brasil, o que gera, por conseguinte, grande abismo social. Essa desigualdade
tem provocado, segundo ele, crise de valores, levando o indivíduo a buscar
soluções com a justificativa de não aceitar viver das sobras dos ricos. O
referido antropólogo resume que a desigualdade social é o banquete da
violência.
                                  Conclusão

Este é o cenário do Rio de Janeiro. Ele não é diferente do de outras grandes
cidades do país e do mundo, mas guarda peculiaridades que se tem de levar
em consideração, principalmente com relação à exclusão social. Segundo
Roberto Kant de Lima é uma sociedade marcada pelos contrastes, pelo
paradoxo, se comparada ao modelo igualitário de paises desenvolvidos,
pois o Brasil forma um modelo de sociedade hierárquica excludente, que
tem a forma de pirâmide, onde a característica principal é de uma
estrutura desigual e complementar, que resolve seus conflitos apenas pela
conciliação, o que difere da sociedade igualitária, por constituir uma
sociedade includente, onde a igualdade formal é a garantia do mérito.
Assim, como sinaliza Roberto da Matta, na sociedade desigual: o papel do
indivíduo não é sua identidade social, como papel nivelador igualitário. Ao
contrário, opera através de relações pessoais, o que, sem dúvida, define a


                                                                             2
sociedade brasileira como uma sociedade excludente, onde ser cidadão: é ser
ninguém. É um problema histórico, todos sabem, mas acredita-se ser um
fator determinante, aliado a outros fatores como miséria, indigência,
desemprego, falta de oportunidades, família e educação, fortes
incrementadores da criminalidade, que, segundo Orlando Soares, no livro
Curso de Criminologia, se denomina estimulantes do crime.

Carlos Alberto Pereira de Aguiar
Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade de Lomas/ Buenos
Aires, Mestre em Direito, Oficial da Polícia Militar, Professor de Direito
Penal há pelo menos vinte anos e atualmente é Coordenador do Curso de
Direito da Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas - SUESC
E-mail: falecom@professorcarlosaguiar.com.br

Autor de dois livros: Contradições da Sociedade Brasileira e a Construção
da Ordem Social, em 2006; e em 2009, As duas Faces da Polícia, ambos
editora Luzes/ Rio de Janeiro.




                                                                         3

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Contradições da Sociedade Brasileira e e Construção da Ordem Social

  • 1. Contradições da Sociedade Brasileira e a Construção da Ordem Social A todos aqueles que neste momento habitam um ventre e que nascerão na miséria, morarão nas ruas, terão como teto o tempo, sentirão frio, acostumar-se-ão com o medo, comerão lixo, cheirarão cola, conhecerão o sexo na infância, procriarão na puberdade e, analfabetos, morrerão antes de atingirem a idade adulta. Sua vida já é conhecida, antes de nascerem, filhos órfãos que são da cidade grande. Muitos dos que sobreviverem, seu caminho também não é mistério, pois as portas da prisão os aguardam. O retrato do Rio de Janeiro - reflexo da desigualdade do Brasil. A pobreza aumentou no Rio de Janeiro, entre 99/01, passou de 2,781 milhões para 3,345 milhões de pessoas, segundo o Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade, embora nesse período a população pobre do país tenha se mantido estabilizada. Esse percentual representa, segundo o Instituto, o número de habitantes com renda menor do que R$ 125,00. Considerado por ele como insuficiente para suprir as necessidades básicas de subsistência. Assim como a penúria, a indigência também cresceu no Estado, no mesmo período, de 5,7% para 7,7%, representando, aproximadamente, 1,124 milhões de pessoas sobrevivendo com menos de R$ 62,00. Daí o Rio de janeiro representar a 17ª capital com um dos maiores índices de exclusão social do país. Isso equivale a afirmar que o Rio de Janeiro faz parte dos 42% dos 5507 municípios do país, que apresenta alto índice de exclusão social. Isso permite concluir que uma criança que nasce em São Caetano do Sul (ABC paulista - menor índice de exclusão social) tem perspectivas bem diferente de outra que nasceu no Rio de Janeiro. No dia 14 de setembro de 2003 o JB veiculou uma reportagem - "Uma nova geografia da fome" - cujo teor reproduz-se a seguir, litteris: “O índice de pobreza na zona oeste do Rio pode ser comparado a alguns municípios pobres do Nordeste”. O bairro de Santa Cruz, por exemplo, tem mais de 15% de pobres, o dobro da média do município - 7,17%. Ao propor uma nova divisão da malha municipal, o levantamento Nova Geografia da Pobreza, feito pela economista Sônia Rocha, em conjunto com o IBGE e o Inae, 1
  • 2. encontrou grotões de pobreza escondidos em áreas desenvolvidas nas metrópoles. (...) O caso da baixada fluminense é emblemático. Ao se destacarem área mais pobre e uniforme do município de Caxias, verifica-se um aumento do índice de pobreza de 14% para 21%. O mesmo acontece em Nova Iguaçu, dividido em 10 subáreas. Com exceção de duas destas, mais próximas aos centros, todas as oito mostraram índices de pobreza maiores do que a média." O grande paradoxo vivenciado pelo Rio de Janeiro, diante dessa dicotomia social, é poder contar com alguns bairros da zona sul, segundo estudos ainda inacabados da prefeitura local, com o maior índice de desenvolvimento humano do planeta, isto é, maior do que a ONU considera para a Noruega. Isso faz dos bairros de Ipanema, Leblon, Lagoa, Jardim Botânico, Gávea e São Conrado uma espécie de país independente. Uma república com o maior IDH do planeta dentro de um perímetro de 20,92 Km² e com uma população aproximada de 174.062 mil habitantes. Na outra ponta, a realidade pobre da cidade mostra o Rio de Janeiro com 752 comunidades carentes, recentemente cadastradas pela prefeitura, 32 bairros dominados pelo tráfico de drogas, e o bairro de Acari, considerado pela ONU como o de pior índice de desenvolvimento humano. Não se pode ter realidade mais difícil e paradoxal do que a vivenciada pela sociedade, em especial, a carioca diante do grande abismo social que existe entre as favelas e o asfalto. Essa distância social, segundo o IBGE - censo 2000, pode chegar a representar 5 vezes em termos salariais, que diminui à medida que os bairros se aproximam da periferia. É uma realidade que, para o antropólogo, professor e escritor, Gilberto Velho, define o cerne da questão da violência que para ele, não está apenas na pobreza e, sim, na desigualdade social, que no Brasil é terrível. A disparidade entre os altos padrões de vida e a indigência social é bastante expressivas no Brasil, o que gera, por conseguinte, grande abismo social. Essa desigualdade tem provocado, segundo ele, crise de valores, levando o indivíduo a buscar soluções com a justificativa de não aceitar viver das sobras dos ricos. O referido antropólogo resume que a desigualdade social é o banquete da violência. Conclusão Este é o cenário do Rio de Janeiro. Ele não é diferente do de outras grandes cidades do país e do mundo, mas guarda peculiaridades que se tem de levar em consideração, principalmente com relação à exclusão social. Segundo Roberto Kant de Lima é uma sociedade marcada pelos contrastes, pelo paradoxo, se comparada ao modelo igualitário de paises desenvolvidos, pois o Brasil forma um modelo de sociedade hierárquica excludente, que tem a forma de pirâmide, onde a característica principal é de uma estrutura desigual e complementar, que resolve seus conflitos apenas pela conciliação, o que difere da sociedade igualitária, por constituir uma sociedade includente, onde a igualdade formal é a garantia do mérito. Assim, como sinaliza Roberto da Matta, na sociedade desigual: o papel do indivíduo não é sua identidade social, como papel nivelador igualitário. Ao contrário, opera através de relações pessoais, o que, sem dúvida, define a 2
  • 3. sociedade brasileira como uma sociedade excludente, onde ser cidadão: é ser ninguém. É um problema histórico, todos sabem, mas acredita-se ser um fator determinante, aliado a outros fatores como miséria, indigência, desemprego, falta de oportunidades, família e educação, fortes incrementadores da criminalidade, que, segundo Orlando Soares, no livro Curso de Criminologia, se denomina estimulantes do crime. Carlos Alberto Pereira de Aguiar Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade de Lomas/ Buenos Aires, Mestre em Direito, Oficial da Polícia Militar, Professor de Direito Penal há pelo menos vinte anos e atualmente é Coordenador do Curso de Direito da Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas - SUESC E-mail: falecom@professorcarlosaguiar.com.br Autor de dois livros: Contradições da Sociedade Brasileira e a Construção da Ordem Social, em 2006; e em 2009, As duas Faces da Polícia, ambos editora Luzes/ Rio de Janeiro. 3