Ex-gestor do BPN critica supervisão e nacionalização do banco
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Entrevista
“A supervisão não viu ou esforçou-se por não ver”
esforçou- ver”
Maria Ana Barroso
02/11/10 00:05
Em entrevista ao Diário Ec onómic o antigo
o,
responsável do BPN c ritic o destino dado ao banc
a o
e o papel do Governo e do Banc de Portugal.
o
Foi o homem que sucedeu a Oliveira Costa à frente
do grupo BPN, que se revelou estar recheado de
problemas e suspeitas de crime. A crise acabaria por
pregar uma primeira partida a Miguel Cadilhe,
culminando com a nac ionalização do banc e a sua
o
posterior saída do grupo. Dois anos depois, o ex-
ministro das Finanças lembra, em entrevista por
esc rito, aqueles dias, deixa duras crític ao Banc
as o
de Portugal e ao Governo e faz o seu balanço do que foi feito c om o BPN.
Chegou ao grupo SLN e depois do trabalho que terá desenvolvido para perceber a situação exac do grupo e
ta
do banc assustou-se?
o, assustou-
Assustar, só me assustei com o ac da nac
to ionalização. Ac que o tempo mostrou que a nac
ho ionalização foi
um caríssimo ac falhado.
to
Percebeu que o seu trabalho iria ser bem mais complicado do que inicialmente pensava?
Sim, muito mais c omplicado. Sobretudo, depois da primeira reunião no Banc de Portugal. E depois das nossas
o
auditorias externas independentes que identificaram imparidades, evidenciaram operações danosas e
ruinosas, algumas delas talvez dolosas, e denunciaram uma extensa manc de irregularidades e ilic
ha itudes.
Cumprimos a lei e transmitimos isso a quem de direito, comprámos, é claro, uma guerra. Todavia, ao mesmo
tempo, íamos pela positiva, lançávamos fortes medidas de regeneração do banc e do grupo. Surgiu então
o
uma operação stop, estivemos no banc uns quatro meses apenas.
o
Como foi o primeiro contac c
to om Vítor Constânc io?
Telefonei ao Governador Constânc antes de ac
io eitar, era ainda uma hipótese. E de novo antes de ser eleito.
Ele mostrou-se muito satisfeito, mas disse-me que não podia reunir comigo enquanto eu não estivesse
formalmente em funções. Com o formal, ele apagou o essenc ial. Isto chama-se, noutros contextos, reserva
mental. Pergunto se ele tinha o dever de silenciar, como fez, ou se tinha o poder de me dar informação prévia,
sob confidencialidade...
E depois da sua eleição?
Logo que fomos eleitos, o Governador c hamou-nos ao BP e então, só então, nos disse muito, não tudo, o que
ele sabia sobre o BPN e o grupo. Disse-nos bastante menos do que nós a seguir apurámos. Mais tarde, já com
a nacionalização, ele disse que a sua convicção inic era a de que a minha equipa ia dar a volta à situação,
ial
disse que apostou nisso mas sobreveio a c rise internac ional... Bem, se apostou, a verdade é que ele atraiçoou
essa aposta nas horas c iais da c
ruc rise de liquidez.
Traçou depois o plano que considerava ser o correc para salvar o grupo e sobretudo o banc Entretanto, há
to o.
uma crise financeira que começa a assumir proporções mais graves. Quando é que perc ebeu que esse plano
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poderia já não ser suficiente?
Talvez em finais de Setembro... Executávamos com ânimo o chamado PRV, plano de reestruturação e
valorização, a chamada operação cabaz, a chamada operação César... Os depósitos aumentavam
significativamente. Depois, veio a crise geral de liquidez. O BP portou-se miseramente, com extremas
condicionalidades, como se fosse a donzela no meio da novela e do novelo. Entretanto, apercebiam-se disto
os quadros e os clientes do BPN.
Em que momento percebeu que, mais do que isso, o futuro do BPN podia estar comprometido sem uma ajuda
externa, fosse da Caixa ou do Estado, ainda que em moldes que não os da nacionalização?
Talvez naquela mesma altura. Foi quando apresentei ao BP um pedido de financiamento a prazo longo e juro
zero. Chamei-lhe «missão impossível», era mais para marcar posição e lembrar ao BP certas
responsabilidades. Entendia e entendo que a supervisão tinha grave co-responsabilidade na deplorável
situação do banco. Durante anos a supervisão não viu, ou fez um grande esforço para não ver. Porquê e como,
não sei. Nem sei se foi internamente indagado.
Como viveu esses dias e o caminho que acabaria por culminar no dia 2 de Novembro de 2008?
Foi uma luta desigual. A incerteza era aumentada pela atitude indecisa do Governador. A liquidez do banco era
gerida dia a dia. O BP cedia liquidez gota a gota e com manifesta má vontade. A Caixa emprestava mas queria
garantir-se com bons activos que demorava a valorizar. Grandes depositantes do Estado retiravam depósitos.
De fora, empréstimos sindicados antecipavam reembolsos. O mal foi agravado pelas desesperantes hesitações
dos apoios de liquidez. Veio a nacionalização e então foi o alarme social, foi o diabo, piorou tudo, foi uma
nova onda de fuga de depositantes.
O BPN constituía ou não um risco sistémico?
A nacionalização foi politicamente justificada pelo risco sistémico, mas isto foi uma colossal mistificação. O
BPN era um banco relativamente muito pequeno, perante quem a supervisão fechou os olhos anos a fio.
Quando ela abriu os olhos, o BPN foi literalmente empurrado para a nacionalização, o autêntico porquê do
empurrão é que é um mistério para muita gente. Nesse momento, vieram alguns dos nossos banqueiros
aclamar o acto, mas isso, a meu ver, vale o que vale, é preciso ler nas entrelinhas.
Quando é que suspeitou que o banco ia ser nacionalizado?
Mesmo, mesmo nacionalizado? Uma ou duas semanas antes. Disse sempre ao Ministro e ao Governador que
não concordaria com o acto. Pedi ao Ministro para acolher o «plano BPN 23X08», mas ele rejeitou. Acho que a
história foi assim, o Ministro foi certamente muito mal aconselhado, disse não ao nosso esforço e ao nosso
plano, dispensou a entrada adicional de capital privado, escolheu nacionalizar, colocou um tampão em toda a
nossa actividade. Mas, afinal, o tampão não tapou tudo, várias matérias eram já imparáveis.
Em que circunstâncias recebeu a notícia de que o Governo tinha decidido avançar com a nacionalização do
banco?
Era domingo, visitava, veja bem, os cemitérios, ia a caminho de Ponte da Barca. Recebi um telefonema em
nome do Ministro, a deliberação estava a ser tomada em reunião extraordinária do Conselho de Ministros. Ao
fim do dia, encontrámo-nos no gabinete do Ministro.
Se estivesse do outro lado e fosse de novo ministro das Finanças, teria feito diferente de Teixeira dos Santos,
tendo em conta o nervosismo em torno do sistema bancário que então se fazia sentir?
Acho que teria feito diferente. Não teria permitido que as coisas fossem tão longe, teria atalhado mais cedo,
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sem nacionalizar. E, já agora, invertendo os lugares, se Teixeira dos Santos fosse presidente do BPN desde fins
de Junho desse ano, eu teria acreditado no plano e na equipa dele, e teria disso dado inequívoco sinal ao
mercado. Ele venceria e salvaria as coisas. Mas, se de todo em todo, ele não conseguisse mesmo assim salvar
o banco, então sim, só então, restaria passar à pior e mais cara das soluções, nacionalizar.
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