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Em defesa das aventuras intelectuais
Especialista em Nietzsche, Deleuze e Foucault, o filósofo e professor
titular da UFRJ Roberto Machado traça paralelos entre três grandes
pensadores modernos.
Por Matheus Moura*
Poucos pesquisadores, filósofos ou estudiosos brasileiros tiveram a oportunidade de estar frente a frente com
grandes pensadores mundiais. Menos ainda aqueles que estudaram com intelectuais desse porte. Esse é caso
do filósofo Roberto Machado, professor titular do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ).
Graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco, em 1965, durante o mestrado Machado
fez estágios sob orientação de Michel Foucault no Collège de France entre 1973 e 1980. Já no pós-
doutorado na Universidade de Paris VIII, entre 1985-86, teve a oportunidade de estar lado a lado com Gilles
Deleuze. Dessas experiências, o filósofo brasileiro adquiriu muito mais do que conhecimento: levou para a
vida acadêmica o profundo interesse nesses pensadores, tornando- se, hoje, um dos maiores especialistas do
país em Deleuze e Foucault.
Resultado traduzido na publicação de livros como Foucault, a filosofia e a literatura; Foucault, a ciência e
o saber; e Deleuze, a arte e a filosofia, todos lançados pela Zahar, editora para a qual ainda dirige a coleção
Estéticas. Também pela Zahar, Machado publicou Zaratustra, tragédia nietzschiana; e O nascimento do
trágico: de Schiller a Nietzsche, com foco em Nietzsche - autor a que se refere como sendo o que tem "mais
convivência". Além dos livros citados acima, Machado é autor de A trajetória da arqueologia de Foucault
(Graal); Nietzsche e a verdade (Rocco); Deleuze e a filosofia (Graal) e organizador das coletâneas de Michel
Foucault, Microfísica do poder (Graal); de Michel Serres (com Sophie Poirot- Delpech), Hermes, uma
filosofia das ciências (Graal); e Nietzsche e a polêmica sobre O nascimento da tragédia (Zahar).
Os estudos de Machado perpassam a História da Filosofia, Estética e Ontologia, tendo como pesquisa atual a
"Estética e metafísica de Proust". Na entrevista a seguir, a Conhecimento Prático Filosofia conversou com
Machado sobre a tríade Deleuze, Foucault e Nietzsche, além do novo rumo tomado por suas pesquisas.
Conhecimento Prático Filosofia: O senhor foi aluno de Deleuze. Ele, como pessoa, transparecia aquilo
demonstrado pelos escritos? Como esse contato influenciou-o na pesquisa sobre o autor?
Roberto Machado: Deleuze era um professor extraordinário. Trazia de casa um esquema de aula, escrito a
mão, fruto de longa preparação, e o desenvolvia com calma, descontração e muitos exemplos. Suas aulas, na
Universidade de Paris VIII, tinham humor e demonstravam grande consideração pelos alunos, muitos dos
quais nunca haviam estudado filosofia. Eram da própria Universidade, dos departamentos de filosofia,
psicanálise, cinema, literatura... mas também de fora, universitários ou não, da França ou do resto do mundo.
Fiz vários de seus cursos entre 73 e 80, época em que ele estava escrevendo, com Guattari, Mil platôs, e
voltei no ano letivo de 85-86, quando eu estava escrevendo sobre sua filosofia e fui fazer um pós-doutorado
com ele, que durante aquele ano estava preparando seu Foucault. O extraordinário em suas aulas era vermos
o seu pensamento nascendo e se exercendo sobre objetos diferentes, buscando novos caminhos, lançando,
ainda hesitante, novas hipóteses. Depois era possível reencontrar, em seus livros, aquelas ideias expostas
sintética e sistematicamente e, por isso, de modo bem mais difícil, às vezes até mesmo enigmático.
Ouvir as aulas de Deleuze foi um dos maiores prazeres intelectuais que tive. Pois, apesar de todos os seus
conhecimentos, ele não era propriamente um erudito. Pode-se notar isso por seus livros, mas ainda mais por
suas aulas. O que lhe interessava não era estudar um tema ou um autor, cercado de todo aparato crítico, para
explicar ou aprofundar algum ou alguns de seus conceitos. O que Deleuze fazia com perfeição e muita
delicadeza era entrar no pensamento de outro pensador para explorar sua potencialidade, sua intensidade, a
partir da explicitação das questões e problemas que ele pretendeu pensar, sempre atento à relação que ele
estabeleceu com a vida, e para utilizá-lo na criação de seu próprio pensamento. Assim, qualquer pensador
estudado por ele era alguém vivo, e não uma múmia conceitual. A grande alegria produzida por um curso de
Deleuze provinha do fato de estarmos presenciando alguém usar a filosofia como foi feita por outros para
pensar por si mesmo.
Pois bem, como seu pensamento filosófico é muito difícil, escrevi sobre ele para mostrar, com clareza e de
maneira sistemática, como ele produz seu pensamento e por que esse pensamento é instigante, sugestivo e
capaz de dar tanta alegria.
Mil platôs
Dividido em 5 volumes, Mil Platôs -
Capitalismo e esquizofrenia é uma obra de
autoria de Gilles Deleuze com o pensador Felix
Guattari (1930-1992) e publicada no Brasil pela
editora 34.
CPF: Ao todo o senhor publicou dois livros sobre o filósofo: Deleuze e a filosofia (Graal) e Deleuze, a
arte e a filosofia (Zahar). De que maneira eles dialogam entre si?
RM: Minha ambição nos dois livros foi apresentar o conteúdo da filosofia de Deleuze como sendo norteado
pelo privilégio da diferença, em detrimento da identidade ou pela afirmação da identidade da diferença; mas
foi também mostrar como seu modo próprio de fazer isso, adotando um procedimento de torção criadora -
um procedimento de apropriação e modificação das ideias dos pensadores que ele considera aliados - o leva
a criar a diferença. A distinção entre os dois livros é que Deleuze, a arte e a filosofia amplia as análises
feitas no livro anterior, publicado em 1990 e há muito esgotado.
Se escrevi esse segundo livro foi porque, lendo os livros que ele escreveu depois do meu, ou relendo mais
atentamente livros que ele havia escrito sobre a pintura, o cinema e a literatura, descobri que as hipóteses
que eu procurava comprovar levando em conta seus textos sobre filósofos, também podiam ser confirmadas
pelos textos não analisados anteriormente. Assim, a idéia central de Deleuze, a arte e a filosofia é que a
questão da diferença é o invariante que torna possível esclarecer a filosofia de Deleuze em todas as suas
variações, tanto em seus escritos monográficos sobre Espinosa, Nietzsche, Bergson, Foucault etc. quanto
em sua formulação sistemática, em Diferença e repetição, Lógica do sentido, a Mil platôs e O que é a
filosofia?, mas também tanto em seus estudos sobre a filosofia quanto em seus estudos sobre pintura,
cinema ou literatura.
CPF: No livro O nascimento do trágico: de Schiller a Nietzsche, o senhor comenta ser Nietzsche o
primeiro filósofo trágico, por expandir o entendimento da tragédia além das artes. Poderia explicar
melhor?
RM: O nascimento do trágico procura esclarecer um ponto ao qual não se tem dado muita importância no
Brasil, pois o estudo da filosofia em nossas universidades é muito compartimentado, muito centrado no
estudo de um autor. Esse ponto é em que Nietzsche é o ápice de um tipo de pensamento que começou muito
antes dele, na Alemanha do final do século 18. Assim, nesse livro, faço a história filosófica do conceito de
trágico, situando seu nascimento e suas transformações, defendendo que as visões trágicas do homem e do
mundo, embora tenham sido elaboradas a partir de uma reflexão sobre a tragédia grega, só nasceram na
modernidade. Foram filósofos e poetas modernos que projetaram nos gregos uma visão trágica. O trágico
ensina mais sobre a modernidade do que sobre a antiguidade.
O que eu quis fazer foi mostrar como e por que certos pensadores modernos, filósofos ou artistas, pensaram
o trágico. Por que nasceu uma visão trágica do mundo? O nascimento de uma visão trágica do mundo se
deve ao desaparecimento dos fundamentos absolutos, universais, tais como existiam nas metafísicas
chamadas por Kant de "dogmáticas". Para usar uma expressão famosa, foi com o início da "morte de Deus",
como chamou Nietzsche - com o fato moderno de que a fé no Deus cristão deixou de ser plausível -, que
surgiu uma visão trágica, que em Nietzsche será oposta à racionalidade e à moral. Mas o que me interessou
ainda mais foi mostrar "como" o nascimento do trágico foi possível. E a esse respeito ficou evidente o
quanto o trágico deve a Kant, filósofo que não tem nada de trágico, no sentido de que o conflito trágico que
a tragédia apresenta foi pensado a partir da teoria kantiana do sublime, exposta na Crítica da faculdade do
juízo, por um deslocamento do privilégio que Kant concede à natureza, quando trata dos juízos de beleza e
de sublime, para o campo da arte. Para isso, estudo as reflexões filosóficas sobre a tragédia feitas por
Schiller, que lhe dá uma interpretação moral, de inspiração kantiana; por a Schiller e Hegel, que lhe dão
uma interpretação ontológica, fundada na dialética; por a Hölderlin , que foi o primeiro a se afastar da
interpretação dialética da tragédia, esboçando uma lógica do paradoxo que possibilita um pensamento da
diferença; por Schopenhauer, que denuncia a prioridade que a filosofia atribui à razão e elogia a arte como
conhecimento da essência das coisas; e, finalmente, pelo Nietzsche de O nascimento da tragédia, para
situá-lo em relação a essa reflexão sobre o trágico.
Como se pode ver, o trágico foi pensado por filósofos e por artistas. E, a esse respeito, a posição de
Nietzsche é interessante pois, considerando- -se um filósofo trágico - e não apenas do trágico -, ele se
aproxima mais de Schiller e Hölderlin, que são mais poetas e dramaturgos do que filósofos e têm uma visão
do trágico que faz parte de sua própria visão de mundo, enquanto que, por exemplo, Hegel considera o
trágico apenas um momento de um processo histórico. Além disso, a subordinação da reflexão sobre o
trágico à interpretação da tragédia vai desaparecer completamente em Nietzsche, quando ele elabora, no
Zaratustra, uma visão trágica independentemente de tomar o teatro como objeto.
Considero Nietzsche o ápice de todo esse processo, não só por valorizar a arte trágica, como também pelo
deslocamento que produz da temática do trágico do campo da arte para a filosofia, ao pensar o trágico - com
Schiller
Johann Christoph Friedrich von Schiller
(1759 - 1805), atuou como poeta,
filósofo e historiador. Ao lado de
Goethe, Wieland e Herder, é
considerado um dos grandes escritores
da Alemanha do século 18 e
representante do Romantismo alemão e
do Classicismo de Weimar.
CPF: Sua pesquisa atual é a questão da arte/ estética no pensamento filosófico, mas tendo, agora, o
foco em Proust. Explique o mote da pesquisa e suas hipóteses.
RM: O objetivo dessa pesquisa é mostrar que há em Proust uma estética, no sentido de uma reflexão sobre
as artes, que faz parte de sua criação artística; mas também que essa estética está ligada a uma metafísica, é
uma estética metafísica profundamente inspirada pela reflexão filosófica sobre a arte. Assim, considerando
Em busca do tempo perdido o relato da descoberta de uma vocação literária, meu objetivo é mostrar como
as impressões sensíveis - esses momentos privilegiados que dizem respeito ao tempo, ao espaço, à
imaginação e à memória -, mas também a música e a pintura, são condições de possibilidade de uma
literatura não realista capaz de revelar a essência da realidade.
Assim, para fazer esse estudo tenho procurado: primeiro, definir a memória involuntária como uma memória
afetiva, diferente da memória voluntária e a ela superior, analisar seu mecanismo e a razão da intensidade ou
da plenitude que ela proporciona, para mostrar que ela é uma das condições de possibilidade da descoberta
da vocação literária do narrador pela experiência no tempo e no espaço que proporciona; segundo, investigar
a noção proustiana de música, estabelecendo sua relação com a teoria schopenhaueriana da música e das
artes em geral, para mostrar que a música constitui, para Proust, o modelo de uma literatura capaz de revelar
a essência da realidade; terceiro, analisar as passagens em que Proust faz apreciações de pinturas reais e
descreve as "obras de arte imaginárias" do pintor Elstir, criado por ele, para mostrar como a pintura lhe
permite a descoberta de que a metáfora, concebida como metamorfose, é o meio capaz de realizar essa
literatura que revela a essência das coisas; finalmente, relacionar esses três aspectos, para mostrar que a
união desse aprendizado com a música e a pintura só é possível com a descoberta de que a intensidade dada
pela memória involuntária se deve ao tempo puro, é a experiência da simultaneidade do passado, do presente
e do futuro.
CPF: Como surgiu o interesse em estudar Proust por esse viés?
RM: Sempre me interessei por literatura. Acontece que desde que comecei a estudar filosofia, para me
dedicar a seu estudo, tive que deixar esse interesse como um passatempo das horas vagas. Agora, resolvi
transformar esse interesse em trabalho, e Proust é um artista que, além de ter criado uma das obras mais
extraordinárias que já foram escritas, tem a peculiaridade de refletir sobre essa obra no próprio romance que
está escrevendo. Pois, além de apresentar análises profundas sobre a sociedade, o amor e o ciúme, o
sofrimento, a amizade, a linguagem etc., Em busca do tempo perdido é, antes de tudo, o relato da descoberta
da vocação literária do narrador. Como se pode ver, a obra de Proust trata de questões que também têm
interessado à filosofia, e é muito enriquecedor estudar a relação entre a sua obra e a de filósofos que ele
levou em consideração, como Schelling e Schopenhauer, como também examinar a importância que sua
obra teve para filósofos contemporâneos como Deleuze e Benjamin.
Mas há outro motivo para eu estar estudando Proust e a literatura de um modo geral. É que sempre gostei de
escrever ficção. De vez em quando escrevia um pequeno conto. Mas logo tinha que voltar a pensar na minha
pesquisa filosófica. Agora, estudar um grande literato numa perspectiva filosófica e, ao mesmo tempo, ler e
escrever literatura me têm permitido unir mais profundamente esses dois interesses. Estou vivendo um
momento novo de minha vida intelectual que me faz pensar nos versos de João Cabral: "Belo como o
caderno novo/ quando a gente principia".
CPF: O que Nietzsche, Foucault e Deleuze teriam em comum? Visto já ter pesquisado e publicado a
respeito dos três autores.
RM: Nietzsche foi muito importante para Foucault, sobretudo na década de 60, no período "arqueológico".
Suas análises histórico-filosóficas dos saberes modernos, considerados como saberes "antropológicos",
foram profundamente inspirados na crítica nietzschiana do niilismo da modernidade, ou na ideia de que a
"morte de Deus", de que falava Nietzsche para caracterizar a relatividade dos valores modernos, deve ser
radicalizada com uma crítica do humanismo burguês que ocupou o lugar dos valores absolutos. Os três
grandes livros que escreveu nessa época - História da loucura, que está fazendo 50 anos, Nascimento da
clínica e As palavras e as coisas - mostram isso muito bem. Além disso, quando Foucault estuda a literatura,
nessa época, nota-se que esse privilégio que concedeu a Nietzsche em sua análise crítica das ciências do
homem reaparece na importância que deu aos literatos que introduziram na França um estilo nietzschiano de
pensamento: Bataille, Klossovski, Blanchot. Assim, Nietzsche é fundamental para se compreender a crítica
de Foucault aos saberes sobre o homem na modernidade e sua valorização da literatura como contestação do
humanismo das ciências do homem e das filosofias modernas. É isso que tento esclarecer em meu livro
Foucault, a filosofia e a literatura.
Nietzsche também é muito importante para Deleuze. Atrás de todo pensamento deleuziano há o pensamento
Hölderlin
Johann Christian Friedrich Hölderlin
(1770 - 1843) foi um poeta e
romancista alemão. Conhecido
principalmente por, em seus
escritos, revitalizar o espírito da Grécia
Antiga. É considerado hoje um dos
grandes poetas germânicos.
CPF: Atualmente, o senhor considera-se filósofo ou historiador da filosofia?
RM: É difícil ter uma ideia clara do próprio trabalho. Mas, pensando no que fiz, ousaria dizer o seguinte:
escrevi alguns livros sobre filósofos: Nietzsche, Foucault e Deleuze. Como vejo esses livros? Primeiro,
jamais quis fazer neles trabalho de especialista. Sempre procurei dar conta de um pensamento globalmente,
expondo como ele é organizado, como funciona, o que deseja pensar, qual é sua originalidade ou
singularidade. Segundo, escrevi esses livros para expor minha própria interpretação, sem que se possa
subordinar o que disse à interpretação de algum outro filósofo de quem gosto, como Foucault ou Deleuze.
Terceiro, em todos esses livros, o que me interessou foi, antes de tudo, expor o que temos a aprender com
um grande pensador, como ele contribui para esclarecer problemas que estamos querendo pensar. E fiz isso
sem que eles fossem apologéticos, pois considero o pluralismo essencial ao trabalho filosófico.
Além desses, escrevi livros mais temáticos do que monográficos: Danação da norma. A medicina social e a
psiquiatria no Brasil e O nascimento do trágico. São livros mais ousados, mais ambiciosos, mais
exploratórios, e talvez por isso mais hipotéticos, provisórios. E é engraçado que eles estão mais marcados
por Foucault do que pelos outros filósofos que estudei. Danação da norma é fruto de minha empolgação
com a genealogia de Foucault, com a qual entrei em contato quando ele veio à PUC do Rio de Janeiro em
1973. A motivação para fazer essa pesquisa foi usar aquela "metodologia" para fazer alguma coisa sobre o
Brasil, articulando o discurso filosófico com o discurso exterior à própria filosofia. Isto é, situado numa
perspectiva histórico-filosófica, procurei relacionar as teorias e as práticas da medicina social e da
psiquiatria, desde o seu nascimento no século 9, com o poder no Brasil. Em vez de ficar só repetindo os
filósofos, usar o instrumental filosófico, ou histórico-filosófico para produzir um conhecimento novo.
A presença de Foucault - e, dessa vez, do arqueólogo dos saberes - também pode ser percebida em O
nascimento do trágico. Eu a encontro, primeiro, no fato de fazer um estudo mais temático do que
monográfico; segundo, no fato de fazer uma análise que privilegia o conceito, o sentido conceitual das
palavras, e, consequentemente, a teia conceitual dos sistemas de pensamento.
Do mesmo modo que Foucault estudou a loucura, a doença, a prisão, a sexualidade, procurei estudar
conceitualmente o trágico; terceiro, no fato de que, nesse livro, procuro fazer uma história filosófica do
conceito de trágico, analisando seu nascimento e sua trajetória, suas transformações no tempo. Daí eu
defender que a ideia de uma visão trágica do homem e do mundo, embora tenha sido elaborada a partir da
reflexão sobre a tragédia grega, é moderna.
CPF: Atualmente é comum o senhor declarar ter como objetivo ser um filósofo mais extenso do que
profundo. Comente, por favor.
RM: Tenho dito isso em aulas, palestras, entrevistas e, principalmente, conversando com amigos. Com
essas palavras estou expressando minha luta contra ser "especialista no cérebro da sanguessuga", como diz
Nietzsche no Zaratustra. O que é difícil, porque somos formados para isso. Penso hoje que, em filosofia, é
mais importante saber um pouco de muitas coisas - de filosofia e do que está fora dela - do que muito de
uma coisa só. Se você aprofunda o detalhe, passando a vida a estudar um conceito, ou um autor, torna-se
incapaz de fazer inter-relações conceituais e formular mais criativamente seu próprio pensamento.
Relacionar pensadores diferentes é uma boa maneira - não a única, evidentemente - de soltar o pensamento,
de pensar por si mesmo, sem se limitar a reproduzir o que já foi dito. Foi por isso que em O nascimento do
trágico fiz um estudo mais temático do que monográfico, e por isso mais criativo, começando com Kant e
sua teoria do sublime e depois analisando como o trágico foi pensado por Schiller, Schelling, Hegel,
Hölderlin, Schopenhauer, Nietzsche. Isto significa que ele não é um livro de especialista, pois, dos autores
que estudei, aquele com quem tenho mais convivência é Nietzsche. Evidentemente cada uma das análises
teria sido mais profunda se esse livro tivesse sido o produto de uma vida de trabalho, o que não é o caso,
pois levei seis ou sete anos para escrevê-lo. Mas foi uma opção, pois a alegria que sinto com o trabalho
intelectual provém do contato com um pensamento novo e da possibilidade de dizer alguma coisa nova em
relação ao tema pesquisado. Ficar eternamente polindo as ideias que temos não me interessa muito. Estou
sempre motivado para fazer novos estudos, como o atual sobre filosofia e literatura. Gosto dessas pequenas
aventuras intelectuais.
Roberto machado   deleuze ii - entrevista revista filosofia

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Roberto machado deleuze ii - entrevista revista filosofia

  • 1. Em defesa das aventuras intelectuais Especialista em Nietzsche, Deleuze e Foucault, o filósofo e professor titular da UFRJ Roberto Machado traça paralelos entre três grandes pensadores modernos. Por Matheus Moura* Poucos pesquisadores, filósofos ou estudiosos brasileiros tiveram a oportunidade de estar frente a frente com grandes pensadores mundiais. Menos ainda aqueles que estudaram com intelectuais desse porte. Esse é caso do filósofo Roberto Machado, professor titular do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ). Graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco, em 1965, durante o mestrado Machado fez estágios sob orientação de Michel Foucault no Collège de France entre 1973 e 1980. Já no pós- doutorado na Universidade de Paris VIII, entre 1985-86, teve a oportunidade de estar lado a lado com Gilles Deleuze. Dessas experiências, o filósofo brasileiro adquiriu muito mais do que conhecimento: levou para a vida acadêmica o profundo interesse nesses pensadores, tornando- se, hoje, um dos maiores especialistas do país em Deleuze e Foucault. Resultado traduzido na publicação de livros como Foucault, a filosofia e a literatura; Foucault, a ciência e o saber; e Deleuze, a arte e a filosofia, todos lançados pela Zahar, editora para a qual ainda dirige a coleção Estéticas. Também pela Zahar, Machado publicou Zaratustra, tragédia nietzschiana; e O nascimento do trágico: de Schiller a Nietzsche, com foco em Nietzsche - autor a que se refere como sendo o que tem "mais convivência". Além dos livros citados acima, Machado é autor de A trajetória da arqueologia de Foucault (Graal); Nietzsche e a verdade (Rocco); Deleuze e a filosofia (Graal) e organizador das coletâneas de Michel Foucault, Microfísica do poder (Graal); de Michel Serres (com Sophie Poirot- Delpech), Hermes, uma filosofia das ciências (Graal); e Nietzsche e a polêmica sobre O nascimento da tragédia (Zahar). Os estudos de Machado perpassam a História da Filosofia, Estética e Ontologia, tendo como pesquisa atual a "Estética e metafísica de Proust". Na entrevista a seguir, a Conhecimento Prático Filosofia conversou com Machado sobre a tríade Deleuze, Foucault e Nietzsche, além do novo rumo tomado por suas pesquisas. Conhecimento Prático Filosofia: O senhor foi aluno de Deleuze. Ele, como pessoa, transparecia aquilo demonstrado pelos escritos? Como esse contato influenciou-o na pesquisa sobre o autor? Roberto Machado: Deleuze era um professor extraordinário. Trazia de casa um esquema de aula, escrito a mão, fruto de longa preparação, e o desenvolvia com calma, descontração e muitos exemplos. Suas aulas, na Universidade de Paris VIII, tinham humor e demonstravam grande consideração pelos alunos, muitos dos quais nunca haviam estudado filosofia. Eram da própria Universidade, dos departamentos de filosofia, psicanálise, cinema, literatura... mas também de fora, universitários ou não, da França ou do resto do mundo. Fiz vários de seus cursos entre 73 e 80, época em que ele estava escrevendo, com Guattari, Mil platôs, e voltei no ano letivo de 85-86, quando eu estava escrevendo sobre sua filosofia e fui fazer um pós-doutorado com ele, que durante aquele ano estava preparando seu Foucault. O extraordinário em suas aulas era vermos o seu pensamento nascendo e se exercendo sobre objetos diferentes, buscando novos caminhos, lançando, ainda hesitante, novas hipóteses. Depois era possível reencontrar, em seus livros, aquelas ideias expostas sintética e sistematicamente e, por isso, de modo bem mais difícil, às vezes até mesmo enigmático. Ouvir as aulas de Deleuze foi um dos maiores prazeres intelectuais que tive. Pois, apesar de todos os seus conhecimentos, ele não era propriamente um erudito. Pode-se notar isso por seus livros, mas ainda mais por suas aulas. O que lhe interessava não era estudar um tema ou um autor, cercado de todo aparato crítico, para explicar ou aprofundar algum ou alguns de seus conceitos. O que Deleuze fazia com perfeição e muita delicadeza era entrar no pensamento de outro pensador para explorar sua potencialidade, sua intensidade, a partir da explicitação das questões e problemas que ele pretendeu pensar, sempre atento à relação que ele estabeleceu com a vida, e para utilizá-lo na criação de seu próprio pensamento. Assim, qualquer pensador estudado por ele era alguém vivo, e não uma múmia conceitual. A grande alegria produzida por um curso de Deleuze provinha do fato de estarmos presenciando alguém usar a filosofia como foi feita por outros para pensar por si mesmo. Pois bem, como seu pensamento filosófico é muito difícil, escrevi sobre ele para mostrar, com clareza e de maneira sistemática, como ele produz seu pensamento e por que esse pensamento é instigante, sugestivo e capaz de dar tanta alegria. Mil platôs Dividido em 5 volumes, Mil Platôs - Capitalismo e esquizofrenia é uma obra de autoria de Gilles Deleuze com o pensador Felix Guattari (1930-1992) e publicada no Brasil pela editora 34. CPF: Ao todo o senhor publicou dois livros sobre o filósofo: Deleuze e a filosofia (Graal) e Deleuze, a arte e a filosofia (Zahar). De que maneira eles dialogam entre si? RM: Minha ambição nos dois livros foi apresentar o conteúdo da filosofia de Deleuze como sendo norteado pelo privilégio da diferença, em detrimento da identidade ou pela afirmação da identidade da diferença; mas foi também mostrar como seu modo próprio de fazer isso, adotando um procedimento de torção criadora - um procedimento de apropriação e modificação das ideias dos pensadores que ele considera aliados - o leva a criar a diferença. A distinção entre os dois livros é que Deleuze, a arte e a filosofia amplia as análises feitas no livro anterior, publicado em 1990 e há muito esgotado. Se escrevi esse segundo livro foi porque, lendo os livros que ele escreveu depois do meu, ou relendo mais atentamente livros que ele havia escrito sobre a pintura, o cinema e a literatura, descobri que as hipóteses que eu procurava comprovar levando em conta seus textos sobre filósofos, também podiam ser confirmadas pelos textos não analisados anteriormente. Assim, a idéia central de Deleuze, a arte e a filosofia é que a questão da diferença é o invariante que torna possível esclarecer a filosofia de Deleuze em todas as suas variações, tanto em seus escritos monográficos sobre Espinosa, Nietzsche, Bergson, Foucault etc. quanto em sua formulação sistemática, em Diferença e repetição, Lógica do sentido, a Mil platôs e O que é a filosofia?, mas também tanto em seus estudos sobre a filosofia quanto em seus estudos sobre pintura, cinema ou literatura. CPF: No livro O nascimento do trágico: de Schiller a Nietzsche, o senhor comenta ser Nietzsche o primeiro filósofo trágico, por expandir o entendimento da tragédia além das artes. Poderia explicar melhor? RM: O nascimento do trágico procura esclarecer um ponto ao qual não se tem dado muita importância no Brasil, pois o estudo da filosofia em nossas universidades é muito compartimentado, muito centrado no estudo de um autor. Esse ponto é em que Nietzsche é o ápice de um tipo de pensamento que começou muito antes dele, na Alemanha do final do século 18. Assim, nesse livro, faço a história filosófica do conceito de trágico, situando seu nascimento e suas transformações, defendendo que as visões trágicas do homem e do mundo, embora tenham sido elaboradas a partir de uma reflexão sobre a tragédia grega, só nasceram na modernidade. Foram filósofos e poetas modernos que projetaram nos gregos uma visão trágica. O trágico ensina mais sobre a modernidade do que sobre a antiguidade. O que eu quis fazer foi mostrar como e por que certos pensadores modernos, filósofos ou artistas, pensaram o trágico. Por que nasceu uma visão trágica do mundo? O nascimento de uma visão trágica do mundo se deve ao desaparecimento dos fundamentos absolutos, universais, tais como existiam nas metafísicas chamadas por Kant de "dogmáticas". Para usar uma expressão famosa, foi com o início da "morte de Deus", como chamou Nietzsche - com o fato moderno de que a fé no Deus cristão deixou de ser plausível -, que surgiu uma visão trágica, que em Nietzsche será oposta à racionalidade e à moral. Mas o que me interessou ainda mais foi mostrar "como" o nascimento do trágico foi possível. E a esse respeito ficou evidente o quanto o trágico deve a Kant, filósofo que não tem nada de trágico, no sentido de que o conflito trágico que a tragédia apresenta foi pensado a partir da teoria kantiana do sublime, exposta na Crítica da faculdade do juízo, por um deslocamento do privilégio que Kant concede à natureza, quando trata dos juízos de beleza e de sublime, para o campo da arte. Para isso, estudo as reflexões filosóficas sobre a tragédia feitas por Schiller, que lhe dá uma interpretação moral, de inspiração kantiana; por a Schiller e Hegel, que lhe dão uma interpretação ontológica, fundada na dialética; por a Hölderlin , que foi o primeiro a se afastar da interpretação dialética da tragédia, esboçando uma lógica do paradoxo que possibilita um pensamento da diferença; por Schopenhauer, que denuncia a prioridade que a filosofia atribui à razão e elogia a arte como conhecimento da essência das coisas; e, finalmente, pelo Nietzsche de O nascimento da tragédia, para situá-lo em relação a essa reflexão sobre o trágico. Como se pode ver, o trágico foi pensado por filósofos e por artistas. E, a esse respeito, a posição de Nietzsche é interessante pois, considerando- -se um filósofo trágico - e não apenas do trágico -, ele se aproxima mais de Schiller e Hölderlin, que são mais poetas e dramaturgos do que filósofos e têm uma visão do trágico que faz parte de sua própria visão de mundo, enquanto que, por exemplo, Hegel considera o trágico apenas um momento de um processo histórico. Além disso, a subordinação da reflexão sobre o trágico à interpretação da tragédia vai desaparecer completamente em Nietzsche, quando ele elabora, no Zaratustra, uma visão trágica independentemente de tomar o teatro como objeto. Considero Nietzsche o ápice de todo esse processo, não só por valorizar a arte trágica, como também pelo deslocamento que produz da temática do trágico do campo da arte para a filosofia, ao pensar o trágico - com Schiller Johann Christoph Friedrich von Schiller (1759 - 1805), atuou como poeta, filósofo e historiador. Ao lado de Goethe, Wieland e Herder, é considerado um dos grandes escritores da Alemanha do século 18 e representante do Romantismo alemão e do Classicismo de Weimar. CPF: Sua pesquisa atual é a questão da arte/ estética no pensamento filosófico, mas tendo, agora, o foco em Proust. Explique o mote da pesquisa e suas hipóteses. RM: O objetivo dessa pesquisa é mostrar que há em Proust uma estética, no sentido de uma reflexão sobre as artes, que faz parte de sua criação artística; mas também que essa estética está ligada a uma metafísica, é uma estética metafísica profundamente inspirada pela reflexão filosófica sobre a arte. Assim, considerando Em busca do tempo perdido o relato da descoberta de uma vocação literária, meu objetivo é mostrar como as impressões sensíveis - esses momentos privilegiados que dizem respeito ao tempo, ao espaço, à imaginação e à memória -, mas também a música e a pintura, são condições de possibilidade de uma literatura não realista capaz de revelar a essência da realidade. Assim, para fazer esse estudo tenho procurado: primeiro, definir a memória involuntária como uma memória afetiva, diferente da memória voluntária e a ela superior, analisar seu mecanismo e a razão da intensidade ou da plenitude que ela proporciona, para mostrar que ela é uma das condições de possibilidade da descoberta da vocação literária do narrador pela experiência no tempo e no espaço que proporciona; segundo, investigar a noção proustiana de música, estabelecendo sua relação com a teoria schopenhaueriana da música e das artes em geral, para mostrar que a música constitui, para Proust, o modelo de uma literatura capaz de revelar a essência da realidade; terceiro, analisar as passagens em que Proust faz apreciações de pinturas reais e descreve as "obras de arte imaginárias" do pintor Elstir, criado por ele, para mostrar como a pintura lhe permite a descoberta de que a metáfora, concebida como metamorfose, é o meio capaz de realizar essa literatura que revela a essência das coisas; finalmente, relacionar esses três aspectos, para mostrar que a união desse aprendizado com a música e a pintura só é possível com a descoberta de que a intensidade dada pela memória involuntária se deve ao tempo puro, é a experiência da simultaneidade do passado, do presente e do futuro. CPF: Como surgiu o interesse em estudar Proust por esse viés? RM: Sempre me interessei por literatura. Acontece que desde que comecei a estudar filosofia, para me dedicar a seu estudo, tive que deixar esse interesse como um passatempo das horas vagas. Agora, resolvi transformar esse interesse em trabalho, e Proust é um artista que, além de ter criado uma das obras mais extraordinárias que já foram escritas, tem a peculiaridade de refletir sobre essa obra no próprio romance que está escrevendo. Pois, além de apresentar análises profundas sobre a sociedade, o amor e o ciúme, o sofrimento, a amizade, a linguagem etc., Em busca do tempo perdido é, antes de tudo, o relato da descoberta da vocação literária do narrador. Como se pode ver, a obra de Proust trata de questões que também têm interessado à filosofia, e é muito enriquecedor estudar a relação entre a sua obra e a de filósofos que ele levou em consideração, como Schelling e Schopenhauer, como também examinar a importância que sua obra teve para filósofos contemporâneos como Deleuze e Benjamin. Mas há outro motivo para eu estar estudando Proust e a literatura de um modo geral. É que sempre gostei de escrever ficção. De vez em quando escrevia um pequeno conto. Mas logo tinha que voltar a pensar na minha pesquisa filosófica. Agora, estudar um grande literato numa perspectiva filosófica e, ao mesmo tempo, ler e escrever literatura me têm permitido unir mais profundamente esses dois interesses. Estou vivendo um momento novo de minha vida intelectual que me faz pensar nos versos de João Cabral: "Belo como o caderno novo/ quando a gente principia". CPF: O que Nietzsche, Foucault e Deleuze teriam em comum? Visto já ter pesquisado e publicado a respeito dos três autores. RM: Nietzsche foi muito importante para Foucault, sobretudo na década de 60, no período "arqueológico". Suas análises histórico-filosóficas dos saberes modernos, considerados como saberes "antropológicos", foram profundamente inspirados na crítica nietzschiana do niilismo da modernidade, ou na ideia de que a "morte de Deus", de que falava Nietzsche para caracterizar a relatividade dos valores modernos, deve ser radicalizada com uma crítica do humanismo burguês que ocupou o lugar dos valores absolutos. Os três grandes livros que escreveu nessa época - História da loucura, que está fazendo 50 anos, Nascimento da clínica e As palavras e as coisas - mostram isso muito bem. Além disso, quando Foucault estuda a literatura, nessa época, nota-se que esse privilégio que concedeu a Nietzsche em sua análise crítica das ciências do homem reaparece na importância que deu aos literatos que introduziram na França um estilo nietzschiano de pensamento: Bataille, Klossovski, Blanchot. Assim, Nietzsche é fundamental para se compreender a crítica de Foucault aos saberes sobre o homem na modernidade e sua valorização da literatura como contestação do humanismo das ciências do homem e das filosofias modernas. É isso que tento esclarecer em meu livro Foucault, a filosofia e a literatura. Nietzsche também é muito importante para Deleuze. Atrás de todo pensamento deleuziano há o pensamento
  • 2. Hölderlin Johann Christian Friedrich Hölderlin (1770 - 1843) foi um poeta e romancista alemão. Conhecido principalmente por, em seus escritos, revitalizar o espírito da Grécia Antiga. É considerado hoje um dos grandes poetas germânicos.
  • 3. CPF: Atualmente, o senhor considera-se filósofo ou historiador da filosofia? RM: É difícil ter uma ideia clara do próprio trabalho. Mas, pensando no que fiz, ousaria dizer o seguinte: escrevi alguns livros sobre filósofos: Nietzsche, Foucault e Deleuze. Como vejo esses livros? Primeiro, jamais quis fazer neles trabalho de especialista. Sempre procurei dar conta de um pensamento globalmente, expondo como ele é organizado, como funciona, o que deseja pensar, qual é sua originalidade ou singularidade. Segundo, escrevi esses livros para expor minha própria interpretação, sem que se possa subordinar o que disse à interpretação de algum outro filósofo de quem gosto, como Foucault ou Deleuze. Terceiro, em todos esses livros, o que me interessou foi, antes de tudo, expor o que temos a aprender com um grande pensador, como ele contribui para esclarecer problemas que estamos querendo pensar. E fiz isso sem que eles fossem apologéticos, pois considero o pluralismo essencial ao trabalho filosófico. Além desses, escrevi livros mais temáticos do que monográficos: Danação da norma. A medicina social e a psiquiatria no Brasil e O nascimento do trágico. São livros mais ousados, mais ambiciosos, mais exploratórios, e talvez por isso mais hipotéticos, provisórios. E é engraçado que eles estão mais marcados por Foucault do que pelos outros filósofos que estudei. Danação da norma é fruto de minha empolgação com a genealogia de Foucault, com a qual entrei em contato quando ele veio à PUC do Rio de Janeiro em 1973. A motivação para fazer essa pesquisa foi usar aquela "metodologia" para fazer alguma coisa sobre o Brasil, articulando o discurso filosófico com o discurso exterior à própria filosofia. Isto é, situado numa perspectiva histórico-filosófica, procurei relacionar as teorias e as práticas da medicina social e da psiquiatria, desde o seu nascimento no século 9, com o poder no Brasil. Em vez de ficar só repetindo os filósofos, usar o instrumental filosófico, ou histórico-filosófico para produzir um conhecimento novo. A presença de Foucault - e, dessa vez, do arqueólogo dos saberes - também pode ser percebida em O nascimento do trágico. Eu a encontro, primeiro, no fato de fazer um estudo mais temático do que monográfico; segundo, no fato de fazer uma análise que privilegia o conceito, o sentido conceitual das palavras, e, consequentemente, a teia conceitual dos sistemas de pensamento. Do mesmo modo que Foucault estudou a loucura, a doença, a prisão, a sexualidade, procurei estudar conceitualmente o trágico; terceiro, no fato de que, nesse livro, procuro fazer uma história filosófica do conceito de trágico, analisando seu nascimento e sua trajetória, suas transformações no tempo. Daí eu defender que a ideia de uma visão trágica do homem e do mundo, embora tenha sido elaborada a partir da reflexão sobre a tragédia grega, é moderna. CPF: Atualmente é comum o senhor declarar ter como objetivo ser um filósofo mais extenso do que profundo. Comente, por favor. RM: Tenho dito isso em aulas, palestras, entrevistas e, principalmente, conversando com amigos. Com essas palavras estou expressando minha luta contra ser "especialista no cérebro da sanguessuga", como diz Nietzsche no Zaratustra. O que é difícil, porque somos formados para isso. Penso hoje que, em filosofia, é mais importante saber um pouco de muitas coisas - de filosofia e do que está fora dela - do que muito de uma coisa só. Se você aprofunda o detalhe, passando a vida a estudar um conceito, ou um autor, torna-se incapaz de fazer inter-relações conceituais e formular mais criativamente seu próprio pensamento. Relacionar pensadores diferentes é uma boa maneira - não a única, evidentemente - de soltar o pensamento, de pensar por si mesmo, sem se limitar a reproduzir o que já foi dito. Foi por isso que em O nascimento do trágico fiz um estudo mais temático do que monográfico, e por isso mais criativo, começando com Kant e sua teoria do sublime e depois analisando como o trágico foi pensado por Schiller, Schelling, Hegel, Hölderlin, Schopenhauer, Nietzsche. Isto significa que ele não é um livro de especialista, pois, dos autores que estudei, aquele com quem tenho mais convivência é Nietzsche. Evidentemente cada uma das análises teria sido mais profunda se esse livro tivesse sido o produto de uma vida de trabalho, o que não é o caso, pois levei seis ou sete anos para escrevê-lo. Mas foi uma opção, pois a alegria que sinto com o trabalho intelectual provém do contato com um pensamento novo e da possibilidade de dizer alguma coisa nova em relação ao tema pesquisado. Ficar eternamente polindo as ideias que temos não me interessa muito. Estou sempre motivado para fazer novos estudos, como o atual sobre filosofia e literatura. Gosto dessas pequenas aventuras intelectuais.