A Bahia fechou 2013 com 42,7% da sua população cadastrada no Bolsa Família. As mais de 1,8 milhão de famílias baianas atendidas pelo programa fazem do Estado o primeiro em número de beneficiários no Brasil. O segundo lugar fica com São Paulo (1,3 milhão de famílias).
Os números demonstram que quase metade da população do Estado (aproximadamente 6,5 milhões) vive com menos de um salário mínimo por mês. Para ter direito ao benefício, as famílias devem ter renda mensal por pessoa de R$ 70 a R$ 140.
Bahia lidera o Bolsa Família com 6,5 mi de beneficiários
1. B6
ECONOM IA
ASSISTÊNCIA Especialistas atribuem o
número à baixa qualificação profissional
Bahia lidera o
Bolsa Família
com 6,5 mi de
beneficiários
PAULA JANAY ALVES
E LUIZ TITO
A Bahia fechou 2013 com
42,7% da sua população cadastrada no Bolsa Família. As
mais de 1,8 milhão de famílias
baianas atendidas pelo programa fazem do Estado o primeiro em número de beneficiários no Brasil. O segundo
lugar fica com São Paulo (1,3
milhão de famílias).
Os números demonstram
que quase metade da população do Estado (aproximadamente 6,5 milhões) vive com
menos de um salário mínimo
por mês. Para ter direito ao
benefício, as famílias devem
ter renda mensal por pessoa
de R$ 70 a R$ 140.
Especialistas ouvidos por A
TARDE afirmam que esse percentual expressivo da população sobrevivendo com uma
renda mínima indica entraves que a economia baiana
ainda tem de enfrentar para o
completo desenvolvimento.
Segundo o diretor de pesquisas da Superintendência
de Estudos Econômicos da Bahia (SEI), Armando Castro, um
Estado com um grande percentual de pessoas que dependem da transferência de
renda é um mercado com baixo potencial de consumo.
“Isso tem reflexo na nossa
estrutura produtiva. Há poucas empresas produtoras de
bens finais (eletrodomésticos, por exemplo). O mercado
é mais voltado para bens intermediários (que ainda serão utilizados para produzir
outros bens)”, afirma Castro.
Na avaliação do economista e professor da Universidade Federal da Bahia, Oswaldo
Guerra, o principal problema
que os números do Bolsa Família demonstram é a falta de
mão de obra qualificada, particularmente na região do semiárido. Dos 417 municípios
do Estado, 258 estão nesta região.
“Pessoas que dependem de
programas sociais geralmente têm um nível de qualificação baixo. Isso significa
uma forte desvantagem competitiva. Fica difícil atrair empreendimentos de porte que
possam mudar a realidade
econômica da região”, afirma
SALVADOR DOMINGO 19/1/2014
BOLSA FAMÍLIA NA BAHIA Evolução do bolsa família em número de beneficiários e valores transferidos
FAMILIAS
1.391.245
838.963
1.411.662
1.372.763
1.581.639
1.662.069
1.752.993
519.268
VALOR TOTAL (Em R$ bilhão)
0,083
2003
0,532
2004
0,751
2005
1,006
2006
1,204
1,423
1,663
2007
2008
2009
1,938
2010
IZABEL DA CONCEIÇÃO, beneficiária
2,261
2011
3,257
2,702
2012
2013
Editoria de Arte A TARDE
Fotos Luiz Tito / Ag. A TARDE
Programa cria
oportunidades
para as futuras
gerações
PAULA JANAY ALVES
Transferência
“Recebo R$ 70
do Bolsa
Família. É
pouco, mas
fazer o quê? ”
1.800.055
1.067.291
Guerra.
Para o economista Rodrigo
Oliveira, especialista em programas sociais, a falta de qualificação e a baixa infraestrutura das regiões menos ricas
da Bahia acabam favorecendo a concentração de riquezas
em outras áreas, como a Região Metropolitana de Salvador. “É preciso criar políticas
para a capacitação de mão de
obra nas regiões mais deprimidas do Estado para que haja possibidade de empresas
serem atraídas”, diz.
Foram mais de R$ 3,2 bilhões
de reais transferidos na Bahia
somente em 2013. O valor por
família é variável e depende
da quantidade de crianças,
adolescentes e grávidas. Famílias com cinco integrantes,
por exemplo, podem receber
até R$ 306.
Alexandra Maria da Silva é
um exemplo de beneficiária.
Com um bebê de sete meses,
ela recebe R$ 64 mensais. Para
sobreviver, ainda lava roupa.
Já o marido repara aparelhos
eletrônicos. Atualmente, a família mora em um terreno
invadido em Feira de Santana.
“A nossa sorte é que não pagamos nem luz, nem água”,
diz. O abastecimento da sua
casa é irregular.
1.808.346
Alexandra Maria da Silva (com o filho) recebe R$ 64 mensais do programa federal
Feira recebe R$ 6 milhões por mês
para atender a 46 mil famílias
LUIZ TITO
Quem vai para a ocupação
Chico Pinto, localizada no
bairro Aviário, pela BR 324,
sentido Feira de Santana/ Salvador (a 109 Km da capital)
percebe o contraste entre a
riqueza e a pobreza.
A um quilômetro dali, vê-se
diversas empresas, com suas
carretas transportando riqueza Brasil a fora. Na invasão, barracos de lonas, ruas
esburacadas, muita sujeira e
famílias utilizando água e luz
através de “gatos”.
O local é considerado um
dos mais pobres da cidade e
grande parte dos moradores
são beneficiados com o Bolsa
Família.
Daiane Conceição, 32 anos,
tem quatro filhos, todos menores de idades. Mãe solteira,
recebe R$ 282 do programa.
“Preciso me virar nas faxinas
para sobreviver e criar minhas crianças”, disse.
É no terreno cheio de papel,
garrafas pets e ferro que dona
Eliete Magna Viana Reis, 48
anos, quatro filhos, tira o
complemento para garantir o
pagamento das contas do final do mês.
Ela é recicladora de lixo e
recebe R$ 70 reais do Bolsa
Família. “Meu filho! Minhas
mãos estão calejadas. Faço faxinas, cato lixo e lavo roupas
de ganho para poder conseguir comer”.
O secretário de Desenvolvimento Social de Feira de
Santana, Ildes Ferreira, informou que o Bolsa Família injeta mensalmente R$ 6 milhões no município. “São 46
mil famílias inscritas e o Conjunto George Américo concentra esses números”.
Ferreira destacou o caráter
social do programa.
A possibilidade de ascensão
social para quem recebe o Bolsa Família será alcançada nas
próximas gerações. Especialistas ouvidos por A TARDE
afirmam que os filhos das famílias cadastradas no programa vão conseguir emancipação do benefício após entrarem no mercado de trabalho.
“Os impactos são geracionais. Os filhos dessas pessoas
(beneficiários) passam a ter
melhor acesso à educação e a
demandar mais serviços públicos”, afirma o professor da
Universidade Federal da Bahia, Oswaldo Guerra.
Para o diretor de pesquisas
da Superintendência de Estudos da Bahia (SEI), Armando
Castro, os beneficiários do
Bolsa Família já estão transformando sua realidade social. “O nível de extrema pobreza no Estado, antes do Bolsa Família, estava em torno de
23%. Nos 10 anos de transferência de renda, este percentual foi se reduzindo até os
atuais 7,4%”, afirma.
Transformações
“O programa cria oportunidades para que a próxima geração oriunda de famílias pobres não seja alijada do processo produtivo e não reproduza o ciclo de pobreza de
seus pais”, completa Castro.
Segundo Oswaldo Guerra, a
mudanças imediatas estão
nas economias dos municípios pobres que possuem
grande número de beneficiários. “O Bolsa Família transforma a economia com o impacto que faz no varejo. As
empresas que fornecem mercadorias de bens não-duráveis, como alimentos e roupas simples, começam a ver o
Nordeste com outros olhos”,
diz Guerra.
Luiz Tito / Ag. A TARDE
ENTREVISTA Tereza Campello, ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL É O GRANDE DESAFIO PARA MELHORAR A RENDA
PAULA JANAY ALVES
O próximo desafio do programa Brasil Sem Miséria é promover a formação profissional para os beneficiários do
programa, segundo a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza
Campello.
Em entrevista, a ministra
defende o Programa Nacional
de acesso ao Ensino Técnico e
Emprego (Pronatec), como
um aliado. “Hoje nós temos
dois desafios no Brasil: fazer
com que as pessoas melhorem de renda e garantir que,
com isso, o Brasil também
melhore, porque o País precisa de gente qualificada”.
Na Bahia, 42,7% da população recebem benefícios do
programa Bolsa Família. O
números demonstram a desigualdade de renda do Estado. Qual a explicação para
que a Bahia tenha esse percentual?
A Bahia não está em pri-
meiro lugar em concentração de pessoas pobres por
motivos recentes. Há 200
anos os problemas são os
mesmos. O que tem de diferente? É que agora o Estado está olhando isso como prioridade. É aqui, onde está a população pobre,
que o Estado tem que chegar. Nós estamos usando o
Bolsa Família para fazer
com que o Estado chegue
na população.
Ao longo dos 10 anos de Bolsa Família, o número de beneficiários só aumenta. Isso
significa que esses beneficiários não conseguem ficar
independentes?
As nossas estatísticas mostram que a principal renda
dessas pessoas é do trabalho. Quando a gente olha o
que mais alterou a renda da
população pobre, percebemos que foi o trabalho. A
população tem melhorado
de renda não porque o Bolsa Família tem aumentado,
Marcello Casal Jr / ABr
A população
tem melhorado
de renda não
porque o Bolsa
Família tem
aumentado, mas
porque a renda
do trabalho
dessas pessoas
melhorou
mas porque a renda do trabalho delas melhorou. Hoje nós temos um bom problema, que é ter emprego e
não ter mão de obra qualificada. E como a gente resolve esse problema, tirando o Bolsa Família das pessoas? Não. Levando qualificação profissional e educação. Se você retira o Bolsa
Família dessas pessoas, você parte do princípio de que
a pessoa era pobre porque
queria. E não porque seus
bisavós, avós e pais foram
excluídos do desenvolvimento econômico. Às vezes o que essa pessoa precisa é mais do que isso, é
levar para ela o que nunca
foi levado, que é a quali-
ficação profissional.
Os beneficiários conseguem
ir para o mercado de trabalho depois de cursos técnicos?
Estamos fazendo um esforço para que os cursos ofertados sejam cursos necessários para aquela região.
Os cursos necessários em
Salvador, que é uma cidade
de intenso comércio e prestação de serviços, são diferentes dos cursos necessários em Irecê. Exatamente para que as pessoas
saiam qualificadas e consigam se colocar no mercado. Isso em geral está
acontecendo naturalmente. O problema em alguns
locais tem sido o contrário.
As pessoas estão fazendo o
curso e a construção civil
vai lá e tira a pessoa no
meio do curso. Elas estão
largando o curso pela metade porque precisam.
O Pronatec está presente em
163 municípios baianos. A
Bahia tem mais de 400 municípios. Há possibilidade
do número de municípios
aumentar?
Há possibilidade, sim. Mas
o sistema não tem instalações em todos os municípios e não tem como chegar em todos. Começamos
com os locais de mais de
250 mil habitantes e chegamos, no ano passado, para municípios acima de 80
mil habitantes. Agora estamos em locais que é possível deslocar professores.
E ainda há prefeituras que
estão construindo alternativas e organizando transporte para garantir que as
pessoas possam fazer o
curso em cidades vizinhas.
Esses arranjos permitem
que nós levemos qualificação profissional para a população que quer melhorar
de vida e superar o preconceito de quem acha que eles
não querem melhorar de
vida.