O documento discute o conceito de Reino de Deus no Novo Testamento. Apresenta diferentes perspectivas teológicas sobre se o Reino é presente ou futuro, e analisa como o tema é abordado no Antigo Testamento e em literatura judaica. Também discute os diferentes paradigmas de interpretação das parábolas de Jesus sobre o Reino e como elas ilustram aspectos do Reino, como o anúncio do Evangelho e a presença do inimigo.
1. 5
6
1 O Reino de Deus
Marcos observa no prólogo do seu livro que Jesus pregava na Galiléia: “....o Reino de
Deus está próximo” (Mc 1.14-15). Essa ideia de Reino trazida por João Batista e Jesus e
depois pelos discípulos tem sido objeto de algumas discussões na teologia. Discute-se, por
exemplo, se “Reino” é presente ou futuro. Para alguns, “o Reino” estava presente na própria
pessoa de Jesus. Nele estava se realizando tudo aquilo que o profetismo do Antigo
Testamento pregava e aguardava. Nesse sentido o Reino era real e presente no próprio Senhor
Jesus. Outros, embora reconheçam que alguns aspectos do Reino de Deus poderiam ser
identificados com o ministério terreno de Jesus, ensinam que sua realidade total não é
presente, mas no futuro¹.
Um problema na identificação do “Reino”, para alguns, é que esse ensino parece estar ausente
das páginas do Antigo Testamento. Entretanto, Ladd² afirma que essa ideia pode ser
encontrada lá. Alusões do “Reino” podem ser vista na dupla ênfase no Antigo Testamento
acerca da soberania real de Deus. Ele é visto, tanto, como Rei de Deus Israel, quanto, Rei de
todo universo ( Êx 15.18; Nm23.21; Dt 33.5; Is 43.15; 2 Rs 19.15; Is 6.5; Jr 46.18; Sl 29.10;
99.1-4). Este conceito como uma alusão ao Reino, apontaria para uma manifestação da
soberania real de Deus no mundo dos homens e das nações (Is 24.23; 33.22; 52.7; Sf 3.15; Zc
14.9). Segundo Ladd esta é a chave para se entender o conceito de “Reino” nos Evangelhos
Na literatura judaica e não-canônica é possível encontrar várias alusões ao “Reino de Deus”.
Na apocalíptica judaica, por exemplo, ele representa a destruição de Satanás, o castigo dos
gentios e a felicidade para Israel³. No judaísmo farisaico-rabínico o “Reino” estava
relacionado a obediência da Tora, a aceitação do monoteísmo e a declaração do Shema. E
apontava para a vinda do Messias-rei que libertaria Israel da escravidão dos povos4.
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¹ Uma boa discussão sobre o conceito “Reino de Deus” é apresentado por Ladd em sua Teologia do Novo
Testamento, páginas 84-123. Ver:Ladd,George Eldon. Teologia do Novo Testamento. Hagnos,2003. p.84-123.
2 Ibidem.
3Numes, Leonardo Godinho. A parábola do semeador no Evangelho de Mateus. Disponível em:
http:ead.mackezie.br/cpaj/pluginfile.php/12972/mod_resource/content/0/A%20Parabola%do%20semeador
%20em%20Mateus.pdf
4 Ibidem.
1.1 O ensino de Jesus sobre o Reino
2. Jesus apresenta o “Reino de Deus” em harmonia com o que dele foi discorrido no
Antigo Testamento, um reino davídico e histórico (Sl 89,44 e Mt 1.1), mas também espiritual
e interior (Lc 17.21), um reino escatológico e final (Is 33 e Mt 24.29-30), sem aparência
visível (Lc 17.20) e presente agora. A inauguração do Reino era o sinal que antecede todas as
coisas. Jesus afirma a realidade presente desse Reino em quatro momentos distintos, a saber:
(1) na expulsão de demônios (Mt 12.28); (2) nas curas (Mt11.3); na oferta do Evangelho aos
pobres (Mt 11.5) e na afirmação do seu messiado (Mt 11.6)5.Pode-se afirmar que a mensagem
do Reino pregada por João, Jesus e os discípulos, incluía tanto a necessidade de
arrependimento quanto o anúncio da vinda iminente do Reino6. Fontes importantes na
compreensão do conceito do Reino de Deus são as parábolas, algumas das quais possuem
importantes ensinos acerca do Reino.
1.1.1 Parábolas
Para Moisés Silva a característica mais distintiva dos métodos de ensino de Jesus era o seu
uso de parábolas7. A parábola típica utiliza-se de um evento comum da vida natural para
acentuar ou esclarecer uma importante verdade espiritual8. O termo parábola vem do grego
“parabol»” e significa, uma narrativa breve com significado simbólico. Em quase todas as
línguas existe uma maneira de falar sobre parábolas ou alegorias. Em algumas línguas, o
equivalente pode ser “uma história com comparação”9. Segundo Silva Jesus teria escolhido
esse modo de instrução, por ser simples e interessante e porque ele permite um fácil
acompanhamento das histórias pelos ouvintes10 .
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5 Numes, Leonardo Godinho. A parábola do semeador no Evangelho de Mateus. Disponível em:
http:ead.mackezie.br/cpaj/pluginfile.php/12972/mod_resource/content/0/A%20Parabola%do%20semeador
%20em%20Mateus.pdf
6Bailey, Mark L. The doctrine of the Kingdom in Matthew 13. Disponível
em:http://ead.mackenzie.br/cpaj/pluginfile.php/12496/mod_resource/content/0/Bailey8-KingdomMat13-BS.pdf
7 Kaiser,Jr, Walter C., Silva Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. Editora Cultura Cristã, 2009.p.106
7
8 Virkler, Henry. Hermenêutica avançada. Editora Vida,2007.p.125
9 Louw, Johannes, Nida Eugene. Léxico Grego-Português do Novo Testamento. SBB, 2013.p.350.
10Kaiser,Jr, Walter C., Silva Moisés. 2009.p.106
1.1.2 Os paradigmas na interpretação das Parábolas
Reinstorf e Aarde em um artigo intitulado: Jesus’ Kingdom parables as metaphorical
stories: a challenge to a conventional worldview, afirmam que nos últimos anos ocorreu uma
mudança acentuada na forma como se estuda a parábola. Eles atribuem essa mudança na
3. abordagem da parábola a dois fatores, primeiro, os trabalhos realizados pelos teóricos
literários trouxeram um novo entendimento das narrativas nos Evangelhos em geral e das
parábolas em particular. O segundo fator que irradiou a mudança teria sido a descoberta do
significado e do valor das metáforas como um veículo apropriado para se falar de Deus e
transmitir visões alternativas sobre a realidade11.
Reinstorf e Aarde ainda Afirmam que o estudo da história da interpretação da parábola
mostra que há sempre uma clara relação entre os paradigmas científicos dominantes e
esquemas hermenêuticos usados para interpretar parábolas. Os paradigmas científicos que os
intérpretes da parábola teriam dialogado teriam sido três, a saber, o vitalista, o mecanicista e o
holístico.
O paradigma vitalista, segundo Reinstorf e Aarde, teria sido dominante do período do
Novo Testamento até o fim do século XVI. Esse era o paradigma orgânico, da vida, e do
crescimento. Este período era caracterizado por uma harmonia entre os seres humanos e o
mundo ao seu redor, e com Deus que é parte integrante deste mundo. A interpretação bíblica
associada a este período era simbólica, com cada coisa criada referindo-se simbolicamente a
sua realidade celestial. A interpretação da parábola nessa época era acentuadamente alegórica.
Como Galileu, Descartes e Newton teria tido início o paradigma mecânico, o qual se entendeu
do século XVII até a segunda metade do século XX. A ênfase nesse período comentam
Reinstorf e Aarde, encontrava-se na máquina e suas partes. A interpretação bíblica desse
período é predominantemente analítica. A interpretação da parábola era realizada por meio da
metodologia de um único ponto. Por exemplo, o único ponto na parábola dos talentos (Mt
25.14-30) diz respeito à fidelidade e a confiança. Na parábola do administrado injusto (Lc
16.1-8) o único ponto seria: o uso sábio da oportunidade presente é a melhor preparação para
um futuro feliz, e assim por diante12.
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11 Reinstorf, Dieter, Aarde, Andries Van. Jesus' kingdom parables as metaphorical stories: a challenge to a
conventional worldview. Disponível em:
http://ead.mackenzie.br/cpaj/pluginfile.php/12495/mod_resource/content/0/Jesus%20Kingdom%20Parables.8
pdf
12 Ibidem.
O terceiro paradigma científico que tinha correlação com esquemas hermenêuticos para
interpretar parábolas era o holístico. Esse período se caracteriza pela plenitude. A ênfase da
interpretação bíblica desse período gira em torno de toda a história de um texto e de todo o
processo de comunicação. O texto está vivo, ele evoca emoções, sentimentos, ele se comunica
como o leitor de forma diferente dentro um contexto diferente. A área da pesquisa hoje é,
4. portanto, literária, com ênfase na narratividade. Nesse conceito parábolas da bíblia não são
registros à sua situação histórica única no passado, mas têm a capacidade de gerar nova
relevância na situação de hoje. O foco da pesquisa da parábola de acordo com o paradigma
holístico ampliou-se para incluir muitas dimensões novas e emocionantes, finalizam,
Reinstorf e Aarde13.
Kistemaker14argumenta que as parábolas do Novo Testamento têm uma conotação tão ampla
que inclui formas de parábolas que são, geralmente, divididas em três categorias: parábolas
autênticas, histórias em forma de parábolas e ilustrações. Parábolas autênticas, segundo
Kistemaker, são aquelas que usam como ilustração um fato comum (Mt 13.33; Mt 18.12-14;
Lc 15.8-10).
As histórias em forma de parábolas, não teriam relação com a verdade óbvia ou com um
costume geralmente aceito. Elas se referem a um acontecimento em particular, que teve lugar
no passado- geralmente a experiência de uma pessoa. (Mt 13.24-30; Lc 16.1-9).
Ilustrações. Essa forma de parábola, Kistemaker, classifica como histórias que servem de
modelo. Elas contêm exemplos a serem imitados ou evitados e focalizam diretamente o
caráter e a conduta de um indivíduo( Lc 12.16-21; Lc 18.9-14).
Como pode ser visto o estudo desse gênero não pode ser tão simples como os leigos às vezes
pensam. Ao contrário, como bem observou Moisés Silva: precisamos de tantas habilidades
hermenêuticas para entender parábolas quanto precisamos para compreender outras partes da
Bíblia. Além disso, o uso que Jesus fez das parábolas reflete certas preocupações teológicas
que não podem ser ignoradas 15
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13Reinstorf, Dieter, Aarde, Andries Van. Jesus' kingdom parables as metaphorical stories: a challenge to a
conventional worldview. Disponível em:
9
http://ead.mackenzie.br/cpaj/pluginfile.php/12495/mod_resource/content/0/Jesus%20Kingdom%20Parables.pdf
14 Kistemaker, Simon J. As parabolas de Jesus. CEP, 1992. p. Xv-Xvii
15Kaiser,Jr, Walter C., Silva Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. Editora Cultura Cristã, 2009.p.106-107.
1.1.3 Jesus e as parábolas Reino
As parábolas de Jesus dão uma ênfase muito importante a ideia do “Reino de Deus”.
Seus ensinamentos sobre o Reino eram geralmente o centro de sua mensagem. A palavra
grega Basiléia, que, significa, o reino real de Deus, aparecem mais de cem vezes nos
Evangelhos16.
Em Mateus 13 encontra-se uma coletânea de parábolas que fazem alusão ao Reino, são
elas: A parábola do semeador (Mt 13.1-23), do joio (Mt 13. 24-30); do grão de mostarda
5. (Mt 13.31-32); a parábola do fermento(Mt 13.33); do tesouro escondido (Mt 13.44); a da
pérola (Mt 13.45-46) e a parábola da rede (Mt 13.47-50). Cada uma destas parábolas de
Jesus ilustra algum aspecto do Reino17. Esse Reino é anunciado quando se prega o Evangelho,
esse detalhe sutil não passou despercebido por Bailey, Mark no seu artigo: The doctrine of the
kingdom in Matthew 13.
Bailey observa que Lucas em 8.11 chama a semente de “palavra de Deus”,Mateus
apropriadamente refere a ela como “a palavra do Reino” (Mt 13.19), ou seja, destaca, Bailey,
“ a boa notícia de Deus”. A boa notícia é que Deus agiu por meio de Jesus Cristo para
oferecer a redenção para a humanidade e para derrotar todos os inimigos que estariam no
caminho de Jesus18. Para Bailey dois líderes espirituais são revelados em Mateus 13 como
concorrentes por influência no mundo: o Filho do Homem e Satanás. O diabo como inimigo e
seus filhos (o joio), os quais estão mascarados como filhos de Deus, são aqueles que se
interpõem no caminho do Jesus buscando impedir que ele seja reconhecido como Rei pelo
mundo. Bailey ainda destaca que o joio que representa a religiosidade disfarçada sempre foi
uma das táticas do inimigo do Reino de Deus19.
___________
16 Michelsen, A. Berkeley, Mickelsen, Alvera M. Como entender a Bíblia. Editora Geográfica, 2010. p.111.
17 Ibidem.
18Bailey, Mark L. The doctrine of the Kingdom in Matthew 13. Disponível
em:http://ead.mackenzie.br/cpaj/pluginfile.php/12496/mod_resource/content/0/Bailey8-KingdomMat13-BS.pdf
19 Ibidem.
10
Aliás, na parábola do joio (Mt 13.24-30), que pertence a coletânea das parábolas do Reino,
Jesus está ensinando que o Reino de Deus está presente, mas ainda não é absoluto. Essa é a
razão pela qual o joio não pode ser arrancado no presente, mas será no futuro, quando o Reino
atingir sua plenitude (versos 41-43).
Nas parábolas de Mateus 13 Jesus apresentou ensinos peculiares e profundos acerca do
Reino, os quais cobrem um período de tempo que vai desde a sua rejeição pelos judeus até a
6. sua segunda Vinda. Um resumo do significado dessas parábolas correlacionado ao Reino de
Deus seria o seguinte:
Na parábola do semeador Jesus retrata o mundo como sendo o palco do conflito entre
ele e Satanás, e entre os filhos do maligno e os filhos do Reino. Na parábola da semente de
mostarda e do fermento Jesus ensina acerca do crescimento do Reino. Nas parábolas do
tesouro escondido e da pérola ele aponta para a singularidade e grandeza do Reino, as quais
estavam representadas no próprio Jesus. Na parábola da rede ocorre uma referência ao juízo,
ocasião em que o Reino estará em sua plenitude no universo.
Conclusão
Ao final desse breve ensaio se conclui-se que o Reino de Deus anunciado por Jesus era real e
presente em seu ministério. Jesus revelou muitos aspectos desse Reino em suas palavras. Por
exemplo, nas parábolas da mostarda e do fermento, ele ensinou que o Reino se inicia no
mundo quase que imperceptível, mas que no futuro tomaria proporções surpreendentes. Ele
também ensinou na parábola da rede que embora seu Reino fosse visível e presente seria
também escatológico e futuro. Por fim, é preciso reconhecer que há ainda muito debate acerca
do conceito Reino de Deus, contudo, é opinião desta pesquisa, que qualquer que seja o lado
que o pêndulo dos debates acerca de assunto for deverá passar por Jesus. Pois não existe
Reino de Deus sem o Cristo.
7. sua segunda Vinda. Um resumo do significado dessas parábolas correlacionado ao Reino de
Deus seria o seguinte:
Na parábola do semeador Jesus retrata o mundo como sendo o palco do conflito entre
ele e Satanás, e entre os filhos do maligno e os filhos do Reino. Na parábola da semente de
mostarda e do fermento Jesus ensina acerca do crescimento do Reino. Nas parábolas do
tesouro escondido e da pérola ele aponta para a singularidade e grandeza do Reino, as quais
estavam representadas no próprio Jesus. Na parábola da rede ocorre uma referência ao juízo,
ocasião em que o Reino estará em sua plenitude no universo.
Conclusão
Ao final desse breve ensaio se conclui-se que o Reino de Deus anunciado por Jesus era real e
presente em seu ministério. Jesus revelou muitos aspectos desse Reino em suas palavras. Por
exemplo, nas parábolas da mostarda e do fermento, ele ensinou que o Reino se inicia no
mundo quase que imperceptível, mas que no futuro tomaria proporções surpreendentes. Ele
também ensinou na parábola da rede que embora seu Reino fosse visível e presente seria
também escatológico e futuro. Por fim, é preciso reconhecer que há ainda muito debate acerca
do conceito Reino de Deus, contudo, é opinião desta pesquisa, que qualquer que seja o lado
que o pêndulo dos debates acerca de assunto for deverá passar por Jesus. Pois não existe
Reino de Deus sem o Cristo.