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Cruz e Souza

                                           Flor do Mar


                           És da origem do mar, vens do secreto,
                            do estranho mar espumaroso e frio
                              que põe rede de sonhos ao navio
                           e o deixa balouçar, na vaga, inquieto.
                           Possuis do mar o deslumbrante afeto,
                            as dormências nervosas e o sombrio
                              e torvo aspecto aterrador, bravio
                           das ondas no atro e proceloso aspecto.
                           Num fundo ideal de púrpuras e rosas
                              surges das águas mucilaginosas
                          como a lua entre a névoa dos espaços...
                          Trazes na carne o eflorescer das vinhas,
                            auroras, virgens músicas marinhas,
                             acres aromas de algas e sargaços...



Alphonshus Guimarães

Árias e Canções

II
A suave castelã das horas mortas
Assoma à torre do castelo. As portas,

Que o rubro ocaso em onda ensangüentara,
Brilham do luar à luz celeste e clara.

Como em órbitas de fatias caveiras
Olhos que fossem de defuntas freiras,

Os astros morrem pelo céu pressago...
São como círios a tombar num lago.

E o céu, diante de mim, todo escurece...
E eu que nem sei de cor uma só prece!


Pobre alma, que me queres, que me queres?
São assim todas, todas as mulheres.
Pedro kilkerry

Ritmo Eterno

Abro as asas da Vida à Vida que há lá fora.
Olha... Um sorriso da alma! — Um sorriso da aurora!
E Deus — ou Bem! ou Mal — é Deus cantando em mim,
Que Deus és tu, sou eu — a Natureza assim.

Árvore! boa ou má, os frutos que darás
Sinto-os sabendo em nós, em mim, árvore, estás.
E o Sol, de cujo olhar meu pensamento inundo,
Casa multiplicando as asas deste mundo...

Oh, braços para a Vida! Oh, vida para amar!
Sendo uma onda do mar, dou-me ilusões de um mar...
Alvor, turquesa, ondula a matéria... É veludo,

É minh'alma, é teu seio, e um firmamento mudo.
Mas, aos ritmos da Terra, és um ritmo do Amor?
Homem! ouve a teus pés a Natureza em flor!



Bruno de Menezes

Escola dos Sapos
Do charco à beira fica o colégio dos sapos.
As aulas são noturnas e o período letivo
é quando o inverno facilita aos alunos sair.

Ah! que alegria quando chove e a escola aquática funciona!
Aos grulhos que são ralhos as mães batráquias vendo a
[chuva
correm com a saparia infantil para a escola.

O método é à moda e ao tempo do "Estudante alsaciano":
— lições bem decoradas ditas em rasgos de regougos.
Um velho sapo idealista professor de matemática,
que vive amando a Lua entre as ninféias pelo charco,
pergunta em rouca sabatina
a tabuada aos estudantes.
E eles respondem como em coro:

"8 + 8 = 18
8 + 8 = 18"

...enquanto o mestre sonhador,
de olhos perdidos nas estrelas
ruge em meio ao silêncio
alheio à aula e aos seus discípulos:

"stá errado!
stá errado!"

E em torno a saparia adulta vaia os sapinhos madraços.

"Deu rata...
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  • 1. Cruz e Souza Flor do Mar És da origem do mar, vens do secreto, do estranho mar espumaroso e frio que põe rede de sonhos ao navio e o deixa balouçar, na vaga, inquieto. Possuis do mar o deslumbrante afeto, as dormências nervosas e o sombrio e torvo aspecto aterrador, bravio das ondas no atro e proceloso aspecto. Num fundo ideal de púrpuras e rosas surges das águas mucilaginosas como a lua entre a névoa dos espaços... Trazes na carne o eflorescer das vinhas, auroras, virgens músicas marinhas, acres aromas de algas e sargaços... Alphonshus Guimarães Árias e Canções II A suave castelã das horas mortas Assoma à torre do castelo. As portas, Que o rubro ocaso em onda ensangüentara, Brilham do luar à luz celeste e clara. Como em órbitas de fatias caveiras Olhos que fossem de defuntas freiras, Os astros morrem pelo céu pressago... São como círios a tombar num lago. E o céu, diante de mim, todo escurece... E eu que nem sei de cor uma só prece! Pobre alma, que me queres, que me queres? São assim todas, todas as mulheres.
  • 2. Pedro kilkerry Ritmo Eterno Abro as asas da Vida à Vida que há lá fora. Olha... Um sorriso da alma! — Um sorriso da aurora! E Deus — ou Bem! ou Mal — é Deus cantando em mim, Que Deus és tu, sou eu — a Natureza assim. Árvore! boa ou má, os frutos que darás Sinto-os sabendo em nós, em mim, árvore, estás. E o Sol, de cujo olhar meu pensamento inundo, Casa multiplicando as asas deste mundo... Oh, braços para a Vida! Oh, vida para amar! Sendo uma onda do mar, dou-me ilusões de um mar... Alvor, turquesa, ondula a matéria... É veludo, É minh'alma, é teu seio, e um firmamento mudo. Mas, aos ritmos da Terra, és um ritmo do Amor? Homem! ouve a teus pés a Natureza em flor! Bruno de Menezes Escola dos Sapos Do charco à beira fica o colégio dos sapos. As aulas são noturnas e o período letivo é quando o inverno facilita aos alunos sair. Ah! que alegria quando chove e a escola aquática funciona! Aos grulhos que são ralhos as mães batráquias vendo a [chuva correm com a saparia infantil para a escola. O método é à moda e ao tempo do "Estudante alsaciano": — lições bem decoradas ditas em rasgos de regougos. Um velho sapo idealista professor de matemática, que vive amando a Lua entre as ninféias pelo charco, pergunta em rouca sabatina a tabuada aos estudantes. E eles respondem como em coro: "8 + 8 = 18 8 + 8 = 18" ...enquanto o mestre sonhador, de olhos perdidos nas estrelas
  • 3. ruge em meio ao silêncio alheio à aula e aos seus discípulos: "stá errado! stá errado!" E em torno a saparia adulta vaia os sapinhos madraços. "Deu rata... DEU RATA..."