Este documento apresenta uma coletânea de histórias e provérbios africanos, incluindo três histórias curtas - "Como a sabedoria se espalhou pelo mundo", "A menina de barro" e "A Serpente Cósmica" - assim como alguns provérbios de diferentes regiões da África. O documento também fornece informações sobre o projeto Hadithi Njoo e sua segunda coletânea.
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Imagens dessa edição:
ENLACES SOLIDÁRIOS Cuba (Santiago de Cuba e Havana), registros de JULHO 2013
Como a sabedoria
se espalhou pelo mundo.......3
A menina de barro..................5
A Serpente Cósmica...............8
Provérbios................................9
materiais consultados:
- livro Poesía anónima africana (tomo II),
Rogelio Martinez Furé
- livro Cuentos y leyendas populares africanos
- site Casa África España (cuentos de Zimbabwe)
E a FESTA continua nesse segundo número da
coletânea organizada pelo Festival Internacional de
AfroContação de Histórias HADITHI NJOO. O
anterior foi muito bem recebido e daí surgiram mil
outras ideias, desejos. Assim vamos nos recriando
dia a dia, como as próprias narrativas...
Assumimos de vez nosso caráter e formatos
itinerante, ativista e educativo – sempre com
ressalvas ao que convencionalmente entendemos
por tais conceitos – e já estamos trocando e
espalhando nossas sementes em diferentes
espaços e possibilidades. Fazemos algo juntos?
AfroAbraços
Odé Amorim
3. Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 3 #
Como a sabedoria
se espalhou pelo mundo
Em tempos remotos, remotíssimos, vivia em Taubilândia um homem
que possuía toda a sabedoria do mundo. Esse homem se chamava
Ananzi e sua fama tinha se estendido pelo país até os lugares mais
afastados. Por essa razão, de todos os cantos chegava gente para
lhe pedir conselhos e para com ele aprender.
Mas alguns dos visitantes se comportaram indevidamente. Ananzi
ficou bravo e pensou numa maneira de castigá-los.
Após longas e profundas reflexões, decidiu privar-lhes da sabedoria,
escondendo-a num lugar tão fundo e pouco suspeito que ninguém
poderia encontrá-la. Guardou o conhecimento numa jarra e logo foi
buscar um esconderijo. Por último, se dispôs a levar seu tesouro até
o local escolhido.
4. Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 4 #
Mas Ananzi tinha um filho chamado Kweku Tsjin, que não era bobo.
Quando viu seu pai andando com segredos e tanta cautela de um lado
a outro com seu recipiente, pensou consigo:
- “Coisa de grande importância deve ser essa”. E como era esperto,
ficou de olho vigiando o que estava acontecendo.
Bem cedo, o pai saiu de casa silenciosamente. Então, Kweku saltou da
cama e o seguiu com precaução para que ele não o percebesse.
Kweku notou que o pai levava uma jarra grande e estava bastante
curioso para saber o que havia nela.
Ananzi atravessou o povoado tão cedo que todos ainda dormiam. E se
enterrou nas profundezas da mata. Quando chegou a um maciço de
palmeiras altas feito o céu, procurou a mais esbelta e começou a subir,
com a jarra da sabedoria presa por uma cordinha em seu pescoço.
Sem dúvida queria escondê-la na copa da árvore, sua parte mais
elevada, onde nenhum mortal poderia pegá-la. A subida era difícil e
pesada mas seguia trepando e olhando para baixo. Mesmo com a
altura não se assustou e continuou sua missão.
A jarra que continha toda a sabedoria do mundo, balançava de um lado
ao outro, da direita para a esquerda como um pêndulo e outras vezes
de seu peito para o tronco da árvore. A subida era complicada mas
Ananzi era muito teimoso! Não parou de trepar até que Kweku Tsjin,
que bem lá embaixo observava com curiosidade, já não o conseguia
enxergar.
- “Pai, por que não leva essa jarra preciosa amarrada nas costas?
Assim como está fazendo é mais difícil e arriscado”!
Ananzi apenas escutou essas palavras, se virou para olhar a terra que
estava a seus pés.
- “Eu acreditava ter colocado toda a sabedoria do mundo nesta jarra e
agora descubro que meu próprio filho me dá lições. Não tinha o jeito
certo para carregar esse recipiente sem risco e com comodidade até lá
em cima, mas meu filhinho foi bem sábio para me alertar”.
Sua decepção foi tão grande que, com todas as suas forças, jogou a
jarra o mais longe que pode. Essa se chocou a uma pedra e se
quebrou em mil pedaços. E como se imagina, toda a sabedoria do
mundo que ali dentro estava guardada, derramou e se espalhou por
toda a terra.
5. Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 5 #
A menina de barro
Havia uma mulher que não teve filhos. Um dia
pensou um plano e se perguntou:
- “Se faço minha própria criança com argila, terei
alguém com quem brincar, terei alguém que viva
em minha casa quando eu morrer”?
Então foi buscar o barro em uma colina.
Modelou uma menina e a levou para casa
dizendo:
- “Terei alguém que me faça companhia pois
realmente se parece a uma pessoa”.
Quando terminou de falar, observou que os
olhos da figura piscaram. Era um ser que podia
se comunicar e a mulher exclamou:
- “Oh, minha filha de barro já é uma pessoa!
Minha nossa! Minha filha, meu bebê. Na
verdade você veio para me salvar”.
A filha foi crescendo ao lado de sua mãe até que
chegou a idade de se casar. Os rapazes
começaram aos montes a visitar a moça mas a
cuidadora recusava todos dizendo:
- “Vocês não tem capacidade de manter a minha
filha. E esta é a razão: se a chuva lhe molhar ela
se desfaz”.
Um dia, um jovem chamado Mukwambo se
aproximou e já foi saudando com palmas:
- “Olá”!
- “Bem vindo”, disse a mãe.
Entrou na casa e começaram a conversar. Logo
a filha o observou também e foi logo se
confidenciar com a genitora:
- “Mãe, esse rapaz se chama Mukwambo e eu
me apaixonei por ele”.
A mulher respondeu:
6. Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 6 #
- “Quer que ele se case com você, não? Mas ele será capaz de evitar
que a chuva te molhe? Durante a estação úmida não pode deixar que
você saia de casa. Conseguirá fazer isso”?
- “Não sei mamãe mas amo muito esse rapaz”.
Então a mãe foi falar com Mukwambo e lhe perguntou:
- “Você Mukwambo deseja minha filha, não é? Mas será capaz de
conservá-la”?
E o jovem confirmou:
- “Sim, minha senhora, eu poderei conservar sua filha“.
- “É que minha filha não pode se molhar com a chuva. Deverá
permanecer em casa durante toda a vida para que não haja aguaceiro
inesperado que a encharque”.
- “Eu a conservarei, senhora”.
Mukwambo se encantou com a bela moça e logo se casaram. Ela saiu
da casa de sua mãe para viver na aldeia do esposo.
Viveram juntos e Mukwambo fez todo o possível para que sua esposa
nunca se molhasse.
Mas um dia, quando parecia que a estação das chuvas tinha
terminado, Mukwambo e sua amada saíram em viagem. De repente,
enquanto caminhavam, começou a chover muito forte.
Mukwambo não sabia o que fazer. E lembrou:
- “Sua mãe me disse que não podia se molhar mas o que devo fazer
quando chove inesperadamente? Não vejo por aqui nenhuma casa
onde possamos nos proteger”.
Mukwambo começou a recolher folhas para cobri-la. Tirou folhas de
diferentes árvores, tentando que não se encharcasse de água.
Arrancou a própria roupa e a cobriu. Mas a chuva disse:
- “Não, hoje acontecerá”!
Tanto as folhas como as roupas que a envolviam se molharam. A moça
começou a se dissolver voltando a forma da argila que a mãe tinha
usado para lhe dar vida. Logo não sobrou nada.
Mukwambo disse:
- “Que vou fazer agora? Que direi a sua mãe que tinha receio de
deixá-la casar com alguém que não pudesse protegê-la”?
Nesse exato momento, a mãe da garota sentiu o coração bater mais
forte e saiu em direção à casa de Mukwambo. E cantava:
7. Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 7 #
"Tu, Mukwambo, Mukwambo
caminha cada vez, chove mais
estou pensado nela, corre..."
Quando a mulher chegou a aldeia de Mukwambo, estava chorando e
perguntou:
- “Onde está Mukwambo”?
Responderam:
- “Saiu em viagem com sua esposa”.
- “Verdade”?
- “Sim”.
Então a mulher se pôs a caminhar no mesmo sentido o qual havia
saído sua filha. E cantava:
"Tu, Mukwambo, Mukwambo
caminha cada vez, chove mais
corre, estou pensado nela..."
Encontrou Mukwambo no mesmo lugar onde havia desaparecido sua
filha. Mukwambo começou a contar, soluçando:
- “O que me disse, senhora, era verdade. No fundo, fracassei na
missão de conservar sua filha. Dela apenas resta esse monte de barro
ali”.
- “Não posso acreditar. Minha filha não pode ter se dissolvido. É ela
que está aqui”...
Vagarosamente, retornaram juntos à casa de Mukwambo. Quando
chegaram, todos indagaram chorando:
- “Nossa nora desapareceu”?
- “Sim, ela se desfez”, respondeu Mukwambo a seus pais.
A mãe gritou:
- “É impossível. Minha filha tem de estar viva. Vocês tem de me
compensar por essa perda”.
Assim a família de Mukwambo decidiu ajudar de alguma forma.
Enviaram à senhora uma jovem bela que muito a agradou.
obs.: Mukwambo na língua shona significa filho
8. Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 8 #
A Serpente Cósmica
O povo Fon, conta como a serpente cósmica, Aida-Hwedo, foi
idealizada no início dos tempos pelo Criador, um deus andrógino
com duas faces: Mawu, a lua (feminino), e Lisa, o sol (masculino).
Aido-Hwedo ajudou a mais bela obra
de todos os tempo trazendo o próprio
Criador em sua boca, enquanto o
mundo se formava. Quando a obra
terminou, o Criador viu que a Terra
ficou extremamente pesada: muitas
árvores, muitas montanhas, muitos
elefantes, muito de tudo.
Então, pediu a Aido-Hwedo que se
encaixasse por debaixo da Terra
sobrecarregada, como se fosse uma
almofada, para suportá-la. Como
Aido-Hwedo não gostava do calor
que havia ali, o Criador fez o oceano
para que ela vivesse tranquilamente.
Aido-Hwedo, sentindo muita pressão
sobre seu corpo, tem que mudar de
posição vez ou outra para se aliviar.
Exatamente nesses momentos
acontecem os mais terríveis
terremotos.
Aido-Hwedo come barras de ferro forjadas por alguns macacos
vermelhos que vivem no fundo do mar. Quando o ferro se esgota,
a fome faz com que ela coma o próprio rabo. Em seguida a terra,
com toda a sua carga, desequilibra e cai no mar .
Uma segunda Aido-Hwedo, a Serpente do Arco-Íris, vive no céu e
manda para a Terra os raios luminosos dos deuses...
9. Provérbios
"Não há diferença entre envelhecer e viver a vida"
Kikuyu, Quênia
"A abelha não pica a abelha"
Pigmeus, Gabão
"Aquele que come o ovo não imagina a dor
pela qual passou a galinha"
Iorubá, Nigéria
"As palavras voam como flechas
mas as escrituras permanecem"
Mandinga / Diola / Fulbé, Guiné
"Não é possível fundir um coração com outro"
Txonga, África do Sul
Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 9 #
10. "Hadithi Njoo" significa
"história vem" ou "que
venha a história". É uma
expressão em suaíle
(swahili / kiswahili)
utilizada no leste africano
- Quênia, Uganda,
Tanzânia, Congo - por
contadores tradicionais
quando iniciam suas
intervenções: hadithi,
hadithi, hadithi njoo!
(história, história,
eles dizem,
que venha a história,
responde o público).
“Os pais
que não contam
contos a seus filhos
vão ficar carecas...“
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