Este documento apresenta uma coletânea de afrohistórias e outros escritos tradicionais africanos. Inclui contos, poesias, provérbios e odus de diferentes países africanos. O objetivo é preservar e divulgar as narrativas e sabedorias do continente africano.
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Imagens dessa edição:
Sarau Fórum HiP Hop em SBC,
artista: Opni, fevereiro 2014;
ENLACES SOLIDÁRIOS Cuba,
julho 2013.
Outra árvore,
outras palavras..................................................3
Como o mundo foi criado
de uma gota enorme de leite..........................4
Por que os macacos não falam.......................5
Canção de ninar................................................7
Iwori Wotura.....................................................8
Provérbios..........................................................9
materiais consultados:
- livro Poesía anónima africana (tomo II),
Rogelio Martinez Furé
- livro El árbol de la palabra, Maritxell Seuba
- livro Cuentos y leyendas populares africanos
Neste terceiro número da
coletânea de afrohistórias e
outros escritos, trazemos
algumas novidades: ao lado
dos contos tradicionais, outras
formas e arranjos de palavras
utilizados por africanos e seus
descendentes. Aqui
apresentamos odus, poesias,
além dos já apreciados
provérbios. E assim vamos nos
encantando mais e mais pelas
narrativas dos países do
genuíno antigo continente.
AfroAbraços
Odé Amorim
3. Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 3 #
Outra árvore,
outras palavras
Dizem que num país muito distante, num vale precioso, havia um povoado
rodeado de bosques e que onde, igual a todo lugarejo, havia uma praça.
Dizem também que no centro dessa praça havia uma árvore enorme que
todos conheciam como a árvore da palavra.
Contam que as crianças do povoado, no trajeto diário pela praça para ir à
escola, perguntavam qual a origem de tal nome. Perguntaram então à
professora mas ela não pode responder pois a árvore já estava ali antes
dela nascer.
Tinham tanta curiosidade os pequenos que um dia a professora sugeriu
que eles indagassem seus pais e suas mães, seus avôs e suas avós, todos
aqueles que talvez pudessem conhecer a procedência de um nome tão
estranho para uma árvore.
Todas as crianças se entusiasmaram bastante com a ideia porque, como se
sabe, todas as crianças do mundo adoram fazer investigações.
Imaginem só a surpresa delas quando descobriram que nem seus pais e
nem suas mães, nem seus avôs e nem suas avós, ninguém no povoado
podia dar informações precisas sobre aquela dúvida, pois também haviam
nascido depois da árvore.
Comentam que um dia, um dos anciãos do lugar se sentou debaixo da
árvore buscando vestígios para esclarecer o mistério do nome. Não
encontrou nada, mas notou que ao seu redor foram sentando outras
pessoas que nem se conheciam, que nem sabiam como se chamavam e
que começaram a conversar umas com as outras, contando mil coisas.
A partir de então, quando uma pessoa precisava que alguém lhe escutasse,
se dirigia ao centro da praça porque sabia que sempre encontraria debaixo
da árvore algum vizinho ou vizinha com quem falar.
Pouco a pouco, o tempo passou e deixaram de se perguntar a razão do
nome pois descobriram que à sombra da árvore podiam conversar, ser
ouvidos e compartilhar tudo aquilo que preocupava.
Contam também que, ao saber da notícia, todas as comunidades da região
plantaram uma árvore no centro de suas praças e que, desde esse
momento, em todo o vale e em todos os povoados existe um lugar onde as
pessoas se reunem para DIALOGAR.
4. Como o mundo foi criado
de uma enorme gota de leite
No princípio havia uma enorme gota de leite
logo Doondari veio e criou a pedra,
e a pedra criou o ferro,
e o ferro criou o fogo,
e o fogo criou a água,
e a água criou o ar.
Então Doondari desceu pela segunda vez,
tomou os cinco elementos
e os modelou em homem.
Mas o homem era orgulhoso.
Assim Doondari criou a cegueira
e a cegueira venceu o homem.
Mas quando a cegueira se tornou
extremamente orgulhosa,
Doondari criou o sonho
e o sonho venceu a cegueira.
E quando o sonho ficou orgulhoso,
Doondari criou a ansiedade
e a ansiedade venceu o sonho.
E quando a ansiedade ficou orgulhosa,
Doondari criou a morte
e a morte venceu a ansiedade.
Mas quando a morte se tornou
bastante orgulhosa,
Doondari desceu pela terceira vez,
e veio acompanhado de Gueno, o eterno,
e Gueno derrotou a morte.
Gueno: Deus
Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 4 #
5. Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 5 #
Por que os macacos
não falam
Naqueles tempos passados nos quais os animais falavam, os macacos
conviviam nas aldeias com os homens e com eles conversavam.
Mas aconteceu que os humanos celebraram uma grande festa: durante uma
semana inteira tocaram, bailaram e beberam todas as noites sem parar.
Abundantemente havia vinho de palma porque o rei da localidade havia
ordenado colocar 200 tinas grandes cheias do licor na praça do povoado.
Todo mundo havia tomado dele até se saciar, mas o chefe, como lhe
correspondia, bebeu muito mais que os outros. Por isso, ao despontar a
madrugada, suas pernas tremiam como 2 palmeiras frágeis, seus olhos se
confundiam e seu coração se sentia inundado por um mar de felicidade. Suas
mulheres, vendo esse estado, levaram-no ao palácio mas ele se negou a
permanecer ali e, saindo de novo, foi para a aldeia dos macacos.
Quando chegou, estes, rindo e saltando, o cercaram. Um lhe dava tapas no
traseiro, outro lhe arrancava a toca, um terceiro lhe puxava a língua, mais
outro lhe virava o ombro ou fazia um gesto sem vergonha. E assim a diversão
era enorme, sendo o monarca a razão da zombaria de todos os símeos.
O soberano, já um ancião, se irritou muito ao ver a conduta desrespeitosa
daqueles animais e, cheio de raiva, foi se queixar com Nzamé –
simplesmente Deus. Este escutou com atenção a queixa do amo dos homens
e, querendo fazer justiça, chamou o rei dos macacos.
Uma vez em sua presença, perguntou bem bravo:
- “Diga-me, por favor, por que seus companheiros insultaram tão
grosseiramente e sem motivo o chefe dos homens”?
O rei dos macacos não sabia o que responder. Então Nzamé disse com tom
severo:
- “De hoje em diante, você e seus filhos servirão aos homens e eles lhes
castigarão. Então, desde já, ficam submetidos a esta autoridade”.
O amo dos homens e o rei dos macacos se foram mas quando o primeiro
ordenou ao segundo que fosse trabalhar, este, apesar da indicação recebida,
respondeu de forma insolente:
- “Está sonhando? Trabalhar, eu? Não está bem da cabeça”.
O chefe não insistiu. Chegou à aldeia, se deitou e quando estava
descansando, organizou um plano para se vingar dos micos sem vergonha.
Quando chegou a seguinte festa, ordenou que colocassem no centro da
praça da aldeia centenas de tinas grandes cheias de rico vinho de palma.
6. Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 6 #
Mas no vinho havia mandado despejar a erva que faz dormir.
Advertiu os seus conhecidos que só tomassem dos recipientes sinalizados.
Depois convidou os macacos para a festa.
Os símeos não podiam recusar tal convite e foram se divertir e beber. Mas já
nos primeiros goles sentiram profundos desejos de dormir e caíram num sono
pesadíssimo. Então, o vingativo monarca ordenou que amarrassem todos os
animais. Feito isso, os humanos começaram a açoitá-los com enormes
chicotes.
Os símeos, ao sentirem os golpes, despertaram imediatamente, numa
agilidade tremenda e nunca vista. Saltavam e bailavam que era uma
maravilha!
Terminada a memorável surra, os macacos andaram agachados, agitando e
arrancando os pelos. Então o chefe dos homens ordenou que lhes
marcassem com ferro em brasa e lhes obrigou a fazer os trabalhos mais
difíceis da aldeia.
Os micos não tiveram opção a não ser obedecer, mas um dia, fartos de
trabalhar e sofrer, foram ao amo reclamar melhor tratamento.
- “Muito bem,” – respondeu ele – “ agora verão o tratamento que vou dar”.
No mesmo momento, ordenou que seus guerreiros dessem uma nova surra
nos que protestavam e que lhes cortassem as línguas.
- “Assim terminam as reclamações. Ao trabalho, vagabundos”!
Indignados, os macacos não podiam proferir mais que sons sem articulação e
como, ao invés de obter justiça, tinham sido tratados com crueldade e pouca
caridade, decidiram fugir para a floresta.
Os descendentes deles nasceram dotados de línguas mas, como temem que
os homens queiram novamente obrigá-los a trabalhar, não pronunciam
nenhuma palavra. Continuam a saltar e a brincar como no dia que lhes deram
aquela surra. E soltam muitos, muitos gritos, isso sim.
7. Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 7 #
Canção
de ninar
Durma meu filho e não chore
que te trarei um sapo
de nossa fazenda em Awututu.
Durma meu filho e não chore.
Não chore meu filho,
tua mãe foi a fazenda
com seu grande seio.
Não chore meu filho,
logo ela retornará
com seu grande seio.
Por que chora, Olukorondo?
Um espinho nunca pica
o pé de uma criança.
Não te carrego sempre
em minhas costas?
Por que chora então, Olukorondo?
8. Odù é a palavra em
iorubá para destino.
Também pode ser
compreendida como a
poesía de Ifá, o oráculo,
o adivinho de tal cultura
Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 8 #
Iwori Wotura
Todo aquele que encontra a beleza e não a olha
logo será pobre
As penas vermelhas são o orgulho do papagaio
As folhas novas são o orgulho da palmeira
Iwori Wotura
As flores brancas são o orgulho das folhas
A galeria bem varrida é o orgulho do patrão
Iwori Wotura
A árvore ereta é o orgulho da mata
A galeria bem varrida é o orgulho do patrão
Iwori Wotura
O arco-íris é o orgulho do céu
A mulher bonita é o orgulho do marido
Iwori Wotura
Os filhos são o orgulho da mãe
A lua e as estrelas são o orgulho do sol
Iwori Wotura
Ifá diz:
“A beleza e tudo a ela relacionada
se aproximam, se conectam“
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obs.: Iwori Wotura é o nome do odù aqui exposto
9. Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 9 #
Provérbios
"Mostra sua força
para que possa manter suas amizades"
Suaíle
"A chuva não cai só num telhado"
Efik, Nigéria
"Um dedo só
não consegue recolher o grão do chão"
Malinké / Bambara, Mali
"A flecha mortal só alcança o elefante uma vez"
Pigmeus, Gabão
"Quanto mais lenha colocar, mais a chama crescerá"
Jasaniya, Mauritânia
"Melhor caminhar com quem te ama
que descansar com quem te odeia“
Tigrai, Etiópia