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A INTERPRETAÇÃO DA MATEMÁTICA NA ESCOLA, NO DIZER DOS
ALUNOS: ressonâncias do sentido de "dificuldade"
Marisa Rosâni Abreu da Silveira
Mestre em Educação pela UFRGS
Orientadora: Prof. (a) Dr. (a) Regina Maria Varini Mutti
Data da defesa: 13 de abril de 2000.
Palavras-chave: Ensino e Aprendizagem de Matemática; Análise de Discurso;
Heterogeneidade.
Um dos grandes problemas educacionais da atualidade é o fracasso
escolar, ocasionado pelo desempenho insatisfatório do estudante em algumas
áreas do conhecimento que resulta na repetência do aluno na série e muitas
vezes por conseqüência, na sua evasão da escola. O aluno sentindo-se
fracassado e impedido de seguir adiante os seus estudos, já que ser reprovado
significa, no próprio dicionário, não ser aprovado por "falta de preparo ou
capacidade", prefere abandonar a escola do que, quem sabe, atestar
novamente esta incapacidade no ano letivo seguinte.
Valendo-se da tríade "ler, escrever e contar", a Matemática ocupa o
lugar das disciplinas que mais reprova o aluno na escola. A justificativa que a
comunidade escolar dá a esta "incapacidade" do aluno com esta área do
conhecimento é que "Matemática é difícil" e o senso comum confere-lhe o aval.
Como Matemática é considerada útil, o aluno não pode passar para a série
seguinte sem atestar seu conhecimento na disciplina e desta forma aceita-se
inclusive que o aluno seja reprovado apenas em Matemática, nem que seja por
décimos para atingir a média instituída pela escola onde estuda.
O fato de a Matemática reprovar significativamente o aluno na escola ser
aceito sem contestações pela comunidade escolar, nos leva a fazer algumas
reflexões sobre o fracasso do aluno nesta disciplina, levando em conta a
justificativa de que "Matemática é difícil".
Para contribuir com o ensino e a aprendizagem da Matemática, a
pesquisa se propôs analisar as formulações discursivas dos alunos quando
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falam desta dificuldade, bem como os fatos históricos que contribuíram para
que este pré-construído que diz "Matemática é difícil" e por conseqüência
"Matemática é para poucos" mantivesse seus resquícios ao longo do tempo,
manifestado, assim por toda comunidade escolar e pela mídia. A re-
significação do pré-construído é uma nova interpretação da dificuldade da
matemática, mas que mesmo mostrando facetas diferentes, corrobora com a
sua manutenção.
A busca de subsídios no referencial teórico da Análise de Discurso
Francesa para guiar estas reflexões, se justifica pelo fato de que para analisar
este pré-construído, é preciso oportunizar a palavra ao aluno, já que ele é o
sujeito mais afetado por esta dificuldade.
Michel Pêcheux (1997) se preocupou com a produção de sentidos
através das enunciações do sujeito, levando em conta um sujeito interpretante,
valorizando a construção social e histórica de sentidos, que estão inseridos no
interdiscurso, no qual este se filia. É por meio da língua que este sujeito do
discurso re-significa, pois ao carregar sentidos prontos, reconhece e estranha
as próprias palavras, quando percebe a presença de palavras que não são
suas, que carregam sentidos alheios.
Busquei os elementos para este acesso ao “outro” no discurso, em
Jacqueline Authier-Revuz (1998), que analisa através das marcas lingüísticas a
representação deste “outro”, apoiando-se no dialogismo de Bakhtin e em
Lacan. Ela postula os conceitos de heterogeneidade constitutiva e de
heterogeneidade mostrada, na análise da enunciação.
A Análise de Discurso que é disciplina de entremeio entre a Lingüística,
o Marxismo e a Psicanálise oferece suporte metodológico para entendermos
como o estudante insere-se neste discurso que fala da Matemática. Portanto, a
investigação na sala de aula tornou-se necessária para perceber o modo como
o aluno lida com esse imaginário de dificuldades com a Matemática e buscar
uma análise discursiva de seus pronunciamentos.
Este sujeito na posição de aprendente e na condição de sujeito que
estuda e não aprende, mostra este discurso outro nas suas formulações
discursivas.
3
As marcas lingüísticas encontradas no corpus analisado deixaram
rastros para se perceber a interpretação da Matemática na escola no dizer dos
alunos, bem como as ressonâncias do sentido de dificuldade, atestando desta
forma o outro que lhe constitui, pois ao repetir o que já ouviu falar da disciplina
retira do interdiscurso o que está impregnado na memória do dizer. Este já-dito
sofre alterações de sentidos, pois o sujeito aluno é falado enquanto fala, mas
também tem desejos que manifestam-se quando faz a sua interpretação da
disciplina.
A manutenção ou desestabilização do pré-construído no interdiscurso
depende de continuarmos aceitando, reproduzindo o já-dito sem
questionamento ou interrogarmos a veracidade desta expressão consolidada e
banalizada em diferentes vozes.
Como "Matemática é difícil" é uma expressão naturalizada, já que circula
no discurso do senso comum e no discurso acadêmico, procurei analisar o que
se repete, o que ressoa e aponta para a heterogeneidade mostrada e
constitutiva nos sujeitos deste discurso.
O aluno que está inserido no interdiscurso acaba reconhecendo estas
vozes e passa a ser seu porta voz, atestando também esta heterogeneidade.
Porém, ao internalizar vozes outras, vozes que não são suas, modifica e
acrescenta outros sentidos dados à Matemática.
Este discurso pré-construído que foi re-significado ao longo da história
encontrou ecos nas diferentes vozes analisadas, representando verdades
cristalizadas, já que parece não poder ser contemplado com um olhar diferente.
"Matemática não é difícil" é difícil ser dito.
Para os professores da disciplina, Matemática precisa tornar-se fácil, o
que pressupõe que ela seja difícil. Estes identificam na voz do aluno que ela é
chata, misteriosa, assusta, causa pavor, medo diante da sua dificuldade e
vergonha por não aprendê-la. Como resultado de tantos sentimentos ruins que
esta disciplina proporciona ao aluno, somado ao bloqueio em não dominar sua
linguagem e não ter acesso ao seu conhecimento, vem o sentimento de ódio
pela matemática. Ódio, porque ela é difícil.
Estes professores também reconhecem que não são todos os alunos
que odeiam matemática, já que existem os talentosos, porém estes são
4
poucos. Uma professora citou inclusive a seleção natural. A Matemática na
perspectiva desta professora pode banir com os fracos. Já para outro
professor, estes alunos são fracos ou não têm aptidão para a Matemática. O
que não é muito diferente para o professor de Matemática no filme "O preço do
desafio" produzido pela Warner Bros, quando diz aos seus alunos que esta
disciplina é a grande niveladora e que Matemática ama-se ou odeia-se.
O sentido de que Matemática seleciona os mais inteligentes pelos
professores tem ressonância do sentido "não entre quem não souber
geometria" para Platão. A seleção natural referida pela professora, também
encontra ressonância de sentido no candidato expulso que se retirava
envergonhado do Instituto Pitágoras. Esta vergonha perante a incapacidade de
aprender matemática, mencionada por professores e alunos, tem suas origens
na própria história da matemática.
Como o pré-construído é ilocalizável, não podemos atribuir a Pitágoras
ou a Platão a origem deste discurso, nem tampouco aos primeiros calculistas
que detinham conhecimentos matemáticos com exclusividade para obter poder
e prestígio. A Matemática, para Pitágoras e Platão, tinha caráter religioso.
Platão também diz que "Deus sempre geometriza", mostrando o caráter ideal
da Matemática e supondo um mundo de idéias puras.
Os professores de Matemática do Ensino Médio manifestaram o sentido
de jogar a culpa do fracasso dos alunos nas professoras de séries iniciais, pelo
fato de estarem despreparadas e por optarem pelo curso de magistério por não
gostar de matemática e para fugir dela. Este sentido de empurrar a culpa longe
de si, faz emergir o sentido de que ensinar Matemática também é para poucos,
e que recai novamente no pré-construído, pois ensinar uma disciplina
considerada difícil dá status ao professor, conforme pesquisa feita, e que me
parece, o professor de matemática procura manter.
A mídia para cativar seus leitores também repete o pré-construído,
ressaltando através das falas dos diferentes sujeitos a quem deu voz.
Textos com enunciados: "A eterna dificuldade com a matemática", "a
histórica dificuldade enfrentada por professores e estudantes no ensino da
ciência dos números", "o mito de que a matemática é disciplina difícil", "o mito
de que só aprende matemática quem é inteligente" e "o mito de que
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matemática é difícil e feita para alguns iluminados" fazem emergir a
identificação de muitos leitores com esta problemática na escola.
O mito assinala para o sentido histórico da dificuldade da Matemática,
sua origem quem sabe, nos primeiros ensinamentos, nas primeiras
reprovações de quem estuda e não aprende, em oposição ao inteligente e ao
iluminado. A eterna dificuldade aponta para um caminho sem saída.
Após a polêmica prova de Matemática de um vestibular da UFRGS, um
professor entrevistado diz: "Matemática é sempre assim. É a prova mais difícil"
mostrando a ressonância do mito da dificuldade, já que "é sempre assim",
denota o sentido que não pode ser diferente, pois está consolidado, é um a
priori que não se questiona.
A mídia adverte os alunos que a Matemática causa: calafrios, terror,
pânico, medo e dor, como também assusta e tortura. A Matemática também é
caricaturada por bichos maus: bicho-papão, bicho feio e bicho de sete cabeças.
Os sentidos que emergem destes bichos recaem novamente no pré-construído,
pois Matemática sendo difícil pode ser representada pelo: bicho-papão que dá
medo, o bicho feio que assusta e o bicho de sete cabeças que tortura.
A desmistificação do bicho papão proposto pela mídia recai novamente
no mito. Desmistificar o mito, o mito da dificuldade. A Matemática não apenas
representa bichos maus, como também o diabo, o diabo dos números também
é matéria para jornal.
Já a Revista do PROVÃO do Ministério de Educação (1999, p. 47)
aponta para uma saída dizendo que "As dores de cabeça que a Matemática
"ainda" provoca ganharam um remédio". Bichos maus, mito, sentimentos ruins
e como não bastaria, provoca também dor física, a dor de cabeça. "Ainda
provoca" remete ao passado e que faz parte do presente, apontando
novamente para o mito e para a histórica dificuldade.
Como o caminho para o conhecimento da Matemática parece sem
saída, a mídia acrescenta que alguns estudantes preferem escapar da
Matemática, assim como a professora citada anteriormente que também disse
que as professoras das séries iniciais procuram o curso de magistério para
fugir da Matemática.
6
O sentido da fuga toma sentido, pois se o caminho é sem saída e cheio
de bichos maus, a única alternativa é desviar da disciplina.
A mídia não conta apenas estórias ruins da Matemática, pois ela
reconhece os que não querem escapar dela; os gênios, os que gostam de
desafios, como o garotão nota dez, um dos classificados na Olimpíada
Internacional de Matemática que inclusive almoçou com o presidente Fernando
Henrique Cardoso.
As informações da Matemática não param por aí, pois o "complicado
universo da Matemática" pode ser visto em CD-Rom. Na rua os estudantes
podem saber que existe "Matemática mais fácil" visualizando o outdoor do
KUMON e desde tenra idade a criança pode ser presenteada com o brinquedo
"Matemática fácil". Todas estas mensagens recaem no pré-construído que diz
que "Matemática é difícil". O complicado universo da Matemática aponta
diretamente, já Matemática mais fácil ou Matemática fácil traz o implícito que
Matemática é difícil.
O estudante bombardeado por todas estas informações, o que pode
pensar da Matemática? O que a Matemática reserva na sua memória? Como
este aluno interpreta este saber instituicionalizado como difícil? Por que a
Matemática é considera difícil e não outra disciplina em seu lugar? Não seria
porque a Matemática é considerada útil? Mas é útil para quem?
Estas perguntas em suspensão nortearam a análise do que diz o aluno
em situações de aprendizagem da Matemática na escola.
O aluno, ao interpretar este sentido de dificuldade concedido à
Matemática repete-o, porém desloca-o, produzindo outros sentidos de acordo
com o acervo de sua memória (Pêcheux, 1999) e da sua experiência como
aluno.
Os alunos, ao repetirem o pré-construído, parafraseiam-no, assinalando
o que pode ser dito da Matemática, porém nestes dizeres, novos sentidos
surgem, abrindo desta forma um espaço para deslocamentos e rupturas. Nesta
polissemia nas formulações discursivas dos alunos percebe-se o conflito entre
o que pode e que não pode ser dito da disciplina.
Matemática é importante assinala o sentido que aponta diretamente para
a heterogeneidade constitutiva do sujeito-aluno. "A matemática é
7
supervalorizada por muitos professores, supervisores, administradores e pelos
próprios alunos.", diz um pesquisador em Educação Matemática. O aluno fala
desta importância porque já ouviu falar dela, daí repete. Matemática é questão
de segurança social, disse um professor. Matemática é importante para
contabilizar os gastos, diz o senso comum. O aluno diz que é importante para
saber calcular o troco no supermercado e porque a Matemática de uma série é
pré requisito para a série seguinte. Diz que é importante, mas não sabe
explicar para que é importante.
Matemática é útil no sentido de que a matemática deveria servir ao
cotidiano, emerge nas formulações discursivas dos alunos. A Matemática é
importante porque é útil e é útil porque é importante, expressam redundâncias
que parece se completarem, mas que justificam-se apenas com os cálculos
aritméticos. O aluno fica confuso e não sabe explicar esta utilidade que ouve
falar.
Matemática é chata, disse o aluno, chatemática, disse um professor de
Geografia, na condição de ex-aluno, Má-temática ou temática má, foi o
trocadilho usado por uma pesquisadora em Educação. Estas expressões
concordam com a publicação literária "Meu pavor a números" do folclorista e
escritor Luiz Carlos Barbosa Lessa. As formulações discursivas expressam a
insatisfação que a Matemática causa no aluno, já que "chata", na linguagem
usual, representa algo desagradável, que causa aborrecimento e incomoda.
O que então causa aborrecimento e incomoda o aluno quando estuda
Matemática? É a temática má ou o pavor aos números? O pavor aos números
ou ao diabo dos números não seriam derivações do bicho papão, do bicho feio
e do bicho de sete cabeças? Percebe-se desta forma que chata também deriva
de difícil e que é mais um efeito do pré-construído.
"Não gosto de Matemática", diz o aluno, o professor reconhece que o
aluno odeia, então o aluno também poderia dizer "odeio Matemática", mas não
diz porque, talvez ache muito pesado o termo. "Ui! Matemática!" é uma
expressão que já ouvi algumas vezes. Estas manifestações de repúdio
assinalam a rejeição, mostrando os sentidos de protesto e revolta, com este
saber que causa pânico e que para um professor filiado à Sociedade Brasileira
de Educação Matemática representa "uma torre de marfim, aquela que
8
simboliza o isolamento dos poetas e dos loucos (...) a torre de marfim que os
alunos não desejam visitar" e que para a mídia causa inclusive "complexos de
inferioridade".
O aluno, ao dizer que não gosta de Matemática, pode mostrar um desejo
de poder dizer que gosta, mas que não diz porque não consegue entender sua
linguagem, que é carregada de símbolos normatizados.
"Não gosto de Matemática" aponta diretamente para o pré-construído:
dos bichos, do mito, do diabo e dos sentimentos ruins que os alunos
demonstram não gostar ou "a torre que os alunos não desejam visitar".
O filósofo e matemático Pitágoras de Samos, que se tornou figura
legendária na própria Antigüidade, pretendia com esta ciência dos números
purificar seus discípulos, pois realizou uma modificação fundamental na
doutrina órfica, transformando no sentido da "via de salvação das almas", onde
em lugar do deus Dioniso colocou a Matemática. Já para Platão Deus sempre
geometriza. Atualmente, a Matemática é vista como um diabo.
Nos processos de re-significação, ao significar o discurso do outro, o
sujeito significa o próprio, alterando efeitos de sentidos, por isso é falado
enquanto fala. Isto quer dizer que enquanto os professores de Matemática re-
significaram o discurso de Pitágoras e de Platão, passaram pela inserção da
Matemática no positivismo comtiano das escolas militares e ouviram o discurso
de Malba Tahan que dizia que era mais fácil uma baleia ir à Meca em
peregrinação do que uma mulher aprender Matemática, vinculando a
Matemática numa problemática de gênero.
Em cada uma destas diferentes épocas, os professores ao significar o
discurso do outro, significaram o próprio, dando a sua interpretação da
Matemática. Assim, alteraram sentidos e a Matemática, vista antes como
salvadora, hoje é vista como selecionadora.
Quando o aluno diz: "Achar x e y, que coisa mais idiota" denota o
sentido de que Matemática se constitui de armadilhas sem sentido. A
linguagem Matemática, objetiva e abstrata, por fechar-se em sua própria
estrutura, impede que o aluno domine seu discurso, daí que sentindo-se um
estrangeiro quando não consegue dialogar com seus enunciados, prefere dizer
que Matemática é chata ou idiota. Como resultado de um leitor impotente, as
9
variáveis que a Matemática apresenta, para o aluno, são expressas por "achar
x e y, que coisa mais idiota", mas que é efeito de sentido do pré-construído
"Matemática é difícil".
Matemática é difícil o sentido de complicado é o próprio pré-construído
que o aluno repete. "Disciplina considerada chata, importante e difícil" já foi
reconhecido por professor-pesquisador. Existe um Programa Piloto de
Alfabetização Matemática após perguntar, no seu folder de propaganda "Por
que as pessoas não gostam de Matemática?" apresenta uma proposta de
ajuda para o professor a "des-com-pli-car a Matemática" e "despertar o prazer
de aprender Matemática", ou seja, descomplicar o complicado ou descomplicar
o difícil. A mídia apontou para os bichos maus e para o mito quando falou desta
dificuldade.
É a ressonância do pré-construído sendo repetido e formando ecos na
voz do professor, do orientador e do supervisor escolar quando confere maior
destaque ao professor de Matemática no conselho de classe, da mídia quando
divulga a polêmica causada pela prova difícil no vestibular, dos pais do aluno
quando concordam com as notas baixas de seu filho na disciplina e, por
conseqüência, na voz do próprio aluno.
"Ela tem a fama de ser ruim" é o reconhecimento do mito da dificuldade
da Matemática pelo aluno e que passa a internalizar, mas que assume um
sentido de provação que tem que enfrentar.
"Não adianta, não podemos fazer nada" disse uma aluna, já que sabe
que este "outro" representado pela Matemática, com um discurso consolidado
pela comunidade que defende sua importância e utilidade é muito eficaz.
Conformada com a penúria e o sacrifício do caminho a trilhar para encontrar os
bichos maus, só resta-lhe o consolo do desafio.
"Prestar muita atenção" aponta para o sentido de constante alerta ao
perigo é outro efeito do pré-construído. O perigo representa estar sempre de
olhos e ouvidos atentos em sala de aula, não permitindo divagações, o que
para o aluno adolescente é muito comum.
Quando o aluno diz que "Matemática é fácil", sempre faz ponderações
usando as adversativas "apenas..., porém..., mas...", como que um retorno ao
dito. Percebe que tem que explicar por que considera fácil, já que sabe da
10
existência de outros colegas que acham difícil. E neste retorno a sua própria
enunciação acaba mostrando o que não é fácil e que recai novamente no pré-
construído.
"A Matemática é difícil porque os professores explicam mal" aponta para
o sentido de jogar a culpa no professor, assim como o professor do Ensino
Médio joga a culpa para o professor das séries iniciais. Esta culpa que passa
de um para outro, do aluno para o professor, do professor para o aluno, de
professor para professor, da família para a escola e da escola para a família, é
um jogo interminável e que me parece, não existe culpado e inocente.
Existe sim, é uma ausência de reflexão que vislumbre a possibilidade de
olhar o saber matemático de forma diferente, ou seja, não como difícil, e sim
como uma disciplina que possui alguns impedimentos para o acesso à
aprendizagem, assim como todas as demais disciplinas.
A iniciativa de romper com este mito de dificuldade da Matemática, não
está na mão das professoras de séries iniciais, nem tampouco na mão dos
alunos. O necessário é tentar desestabilizar estas verdades prontas e
acabadas que falam da Matemática. Não adianta apenas técnicas que facilitem
o difícil. É preciso interrogar este pré-construído numa tentativa de ruptura com
os seus efeitos que levam o estudante de Matemática a ojerizar a disciplina.
Não faz muito tempo que os alunos tinham que saber amontoados de
fórmulas de cor, hoje muitos professores sabem que o importante é o aluno
saber aplicá-las. A um tempo atrás, o estudante de Matemática tinha que
decorar a tabuada, hoje o professor sabe que o importante é o aluno saber
operar mentalmente, aplicando as propriedades operatórias. Isto mostra que
existem formas de mudar o que é considerado iníquo quando se pretende
educar, e que assinalam para novas leituras e interpretações do ensino e da
aprendizagem da Matemática, pelo professor.
Desmanchar esta relação significativa que existe entre o pré-construído
e os efeitos é o que aponta este trabalho. A possibilidade desta ruptura e de
alterações de sentidos que emergem destes dizeres que expressam a
dificuldade da Matemática, se efetua via enunciação.
11
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. Palavras incertas: as não-coincidências do
dizer. Campinas: Ed. da Unicamp, 1998.
PÊCHEUX, Michel. O discurso: estrutura ou acontecimento. São Paulo:
Pontes, 1997.
___. Papel da memória. In : Papel da memória. Nunes, José Horta (Org.) :
Campinas, Pontes, p. 49-57, 1999.

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A interpretação da matemática na escola

  • 1. 1 A INTERPRETAÇÃO DA MATEMÁTICA NA ESCOLA, NO DIZER DOS ALUNOS: ressonâncias do sentido de "dificuldade" Marisa Rosâni Abreu da Silveira Mestre em Educação pela UFRGS Orientadora: Prof. (a) Dr. (a) Regina Maria Varini Mutti Data da defesa: 13 de abril de 2000. Palavras-chave: Ensino e Aprendizagem de Matemática; Análise de Discurso; Heterogeneidade. Um dos grandes problemas educacionais da atualidade é o fracasso escolar, ocasionado pelo desempenho insatisfatório do estudante em algumas áreas do conhecimento que resulta na repetência do aluno na série e muitas vezes por conseqüência, na sua evasão da escola. O aluno sentindo-se fracassado e impedido de seguir adiante os seus estudos, já que ser reprovado significa, no próprio dicionário, não ser aprovado por "falta de preparo ou capacidade", prefere abandonar a escola do que, quem sabe, atestar novamente esta incapacidade no ano letivo seguinte. Valendo-se da tríade "ler, escrever e contar", a Matemática ocupa o lugar das disciplinas que mais reprova o aluno na escola. A justificativa que a comunidade escolar dá a esta "incapacidade" do aluno com esta área do conhecimento é que "Matemática é difícil" e o senso comum confere-lhe o aval. Como Matemática é considerada útil, o aluno não pode passar para a série seguinte sem atestar seu conhecimento na disciplina e desta forma aceita-se inclusive que o aluno seja reprovado apenas em Matemática, nem que seja por décimos para atingir a média instituída pela escola onde estuda. O fato de a Matemática reprovar significativamente o aluno na escola ser aceito sem contestações pela comunidade escolar, nos leva a fazer algumas reflexões sobre o fracasso do aluno nesta disciplina, levando em conta a justificativa de que "Matemática é difícil". Para contribuir com o ensino e a aprendizagem da Matemática, a pesquisa se propôs analisar as formulações discursivas dos alunos quando
  • 2. 2 falam desta dificuldade, bem como os fatos históricos que contribuíram para que este pré-construído que diz "Matemática é difícil" e por conseqüência "Matemática é para poucos" mantivesse seus resquícios ao longo do tempo, manifestado, assim por toda comunidade escolar e pela mídia. A re- significação do pré-construído é uma nova interpretação da dificuldade da matemática, mas que mesmo mostrando facetas diferentes, corrobora com a sua manutenção. A busca de subsídios no referencial teórico da Análise de Discurso Francesa para guiar estas reflexões, se justifica pelo fato de que para analisar este pré-construído, é preciso oportunizar a palavra ao aluno, já que ele é o sujeito mais afetado por esta dificuldade. Michel Pêcheux (1997) se preocupou com a produção de sentidos através das enunciações do sujeito, levando em conta um sujeito interpretante, valorizando a construção social e histórica de sentidos, que estão inseridos no interdiscurso, no qual este se filia. É por meio da língua que este sujeito do discurso re-significa, pois ao carregar sentidos prontos, reconhece e estranha as próprias palavras, quando percebe a presença de palavras que não são suas, que carregam sentidos alheios. Busquei os elementos para este acesso ao “outro” no discurso, em Jacqueline Authier-Revuz (1998), que analisa através das marcas lingüísticas a representação deste “outro”, apoiando-se no dialogismo de Bakhtin e em Lacan. Ela postula os conceitos de heterogeneidade constitutiva e de heterogeneidade mostrada, na análise da enunciação. A Análise de Discurso que é disciplina de entremeio entre a Lingüística, o Marxismo e a Psicanálise oferece suporte metodológico para entendermos como o estudante insere-se neste discurso que fala da Matemática. Portanto, a investigação na sala de aula tornou-se necessária para perceber o modo como o aluno lida com esse imaginário de dificuldades com a Matemática e buscar uma análise discursiva de seus pronunciamentos. Este sujeito na posição de aprendente e na condição de sujeito que estuda e não aprende, mostra este discurso outro nas suas formulações discursivas.
  • 3. 3 As marcas lingüísticas encontradas no corpus analisado deixaram rastros para se perceber a interpretação da Matemática na escola no dizer dos alunos, bem como as ressonâncias do sentido de dificuldade, atestando desta forma o outro que lhe constitui, pois ao repetir o que já ouviu falar da disciplina retira do interdiscurso o que está impregnado na memória do dizer. Este já-dito sofre alterações de sentidos, pois o sujeito aluno é falado enquanto fala, mas também tem desejos que manifestam-se quando faz a sua interpretação da disciplina. A manutenção ou desestabilização do pré-construído no interdiscurso depende de continuarmos aceitando, reproduzindo o já-dito sem questionamento ou interrogarmos a veracidade desta expressão consolidada e banalizada em diferentes vozes. Como "Matemática é difícil" é uma expressão naturalizada, já que circula no discurso do senso comum e no discurso acadêmico, procurei analisar o que se repete, o que ressoa e aponta para a heterogeneidade mostrada e constitutiva nos sujeitos deste discurso. O aluno que está inserido no interdiscurso acaba reconhecendo estas vozes e passa a ser seu porta voz, atestando também esta heterogeneidade. Porém, ao internalizar vozes outras, vozes que não são suas, modifica e acrescenta outros sentidos dados à Matemática. Este discurso pré-construído que foi re-significado ao longo da história encontrou ecos nas diferentes vozes analisadas, representando verdades cristalizadas, já que parece não poder ser contemplado com um olhar diferente. "Matemática não é difícil" é difícil ser dito. Para os professores da disciplina, Matemática precisa tornar-se fácil, o que pressupõe que ela seja difícil. Estes identificam na voz do aluno que ela é chata, misteriosa, assusta, causa pavor, medo diante da sua dificuldade e vergonha por não aprendê-la. Como resultado de tantos sentimentos ruins que esta disciplina proporciona ao aluno, somado ao bloqueio em não dominar sua linguagem e não ter acesso ao seu conhecimento, vem o sentimento de ódio pela matemática. Ódio, porque ela é difícil. Estes professores também reconhecem que não são todos os alunos que odeiam matemática, já que existem os talentosos, porém estes são
  • 4. 4 poucos. Uma professora citou inclusive a seleção natural. A Matemática na perspectiva desta professora pode banir com os fracos. Já para outro professor, estes alunos são fracos ou não têm aptidão para a Matemática. O que não é muito diferente para o professor de Matemática no filme "O preço do desafio" produzido pela Warner Bros, quando diz aos seus alunos que esta disciplina é a grande niveladora e que Matemática ama-se ou odeia-se. O sentido de que Matemática seleciona os mais inteligentes pelos professores tem ressonância do sentido "não entre quem não souber geometria" para Platão. A seleção natural referida pela professora, também encontra ressonância de sentido no candidato expulso que se retirava envergonhado do Instituto Pitágoras. Esta vergonha perante a incapacidade de aprender matemática, mencionada por professores e alunos, tem suas origens na própria história da matemática. Como o pré-construído é ilocalizável, não podemos atribuir a Pitágoras ou a Platão a origem deste discurso, nem tampouco aos primeiros calculistas que detinham conhecimentos matemáticos com exclusividade para obter poder e prestígio. A Matemática, para Pitágoras e Platão, tinha caráter religioso. Platão também diz que "Deus sempre geometriza", mostrando o caráter ideal da Matemática e supondo um mundo de idéias puras. Os professores de Matemática do Ensino Médio manifestaram o sentido de jogar a culpa do fracasso dos alunos nas professoras de séries iniciais, pelo fato de estarem despreparadas e por optarem pelo curso de magistério por não gostar de matemática e para fugir dela. Este sentido de empurrar a culpa longe de si, faz emergir o sentido de que ensinar Matemática também é para poucos, e que recai novamente no pré-construído, pois ensinar uma disciplina considerada difícil dá status ao professor, conforme pesquisa feita, e que me parece, o professor de matemática procura manter. A mídia para cativar seus leitores também repete o pré-construído, ressaltando através das falas dos diferentes sujeitos a quem deu voz. Textos com enunciados: "A eterna dificuldade com a matemática", "a histórica dificuldade enfrentada por professores e estudantes no ensino da ciência dos números", "o mito de que a matemática é disciplina difícil", "o mito de que só aprende matemática quem é inteligente" e "o mito de que
  • 5. 5 matemática é difícil e feita para alguns iluminados" fazem emergir a identificação de muitos leitores com esta problemática na escola. O mito assinala para o sentido histórico da dificuldade da Matemática, sua origem quem sabe, nos primeiros ensinamentos, nas primeiras reprovações de quem estuda e não aprende, em oposição ao inteligente e ao iluminado. A eterna dificuldade aponta para um caminho sem saída. Após a polêmica prova de Matemática de um vestibular da UFRGS, um professor entrevistado diz: "Matemática é sempre assim. É a prova mais difícil" mostrando a ressonância do mito da dificuldade, já que "é sempre assim", denota o sentido que não pode ser diferente, pois está consolidado, é um a priori que não se questiona. A mídia adverte os alunos que a Matemática causa: calafrios, terror, pânico, medo e dor, como também assusta e tortura. A Matemática também é caricaturada por bichos maus: bicho-papão, bicho feio e bicho de sete cabeças. Os sentidos que emergem destes bichos recaem novamente no pré-construído, pois Matemática sendo difícil pode ser representada pelo: bicho-papão que dá medo, o bicho feio que assusta e o bicho de sete cabeças que tortura. A desmistificação do bicho papão proposto pela mídia recai novamente no mito. Desmistificar o mito, o mito da dificuldade. A Matemática não apenas representa bichos maus, como também o diabo, o diabo dos números também é matéria para jornal. Já a Revista do PROVÃO do Ministério de Educação (1999, p. 47) aponta para uma saída dizendo que "As dores de cabeça que a Matemática "ainda" provoca ganharam um remédio". Bichos maus, mito, sentimentos ruins e como não bastaria, provoca também dor física, a dor de cabeça. "Ainda provoca" remete ao passado e que faz parte do presente, apontando novamente para o mito e para a histórica dificuldade. Como o caminho para o conhecimento da Matemática parece sem saída, a mídia acrescenta que alguns estudantes preferem escapar da Matemática, assim como a professora citada anteriormente que também disse que as professoras das séries iniciais procuram o curso de magistério para fugir da Matemática.
  • 6. 6 O sentido da fuga toma sentido, pois se o caminho é sem saída e cheio de bichos maus, a única alternativa é desviar da disciplina. A mídia não conta apenas estórias ruins da Matemática, pois ela reconhece os que não querem escapar dela; os gênios, os que gostam de desafios, como o garotão nota dez, um dos classificados na Olimpíada Internacional de Matemática que inclusive almoçou com o presidente Fernando Henrique Cardoso. As informações da Matemática não param por aí, pois o "complicado universo da Matemática" pode ser visto em CD-Rom. Na rua os estudantes podem saber que existe "Matemática mais fácil" visualizando o outdoor do KUMON e desde tenra idade a criança pode ser presenteada com o brinquedo "Matemática fácil". Todas estas mensagens recaem no pré-construído que diz que "Matemática é difícil". O complicado universo da Matemática aponta diretamente, já Matemática mais fácil ou Matemática fácil traz o implícito que Matemática é difícil. O estudante bombardeado por todas estas informações, o que pode pensar da Matemática? O que a Matemática reserva na sua memória? Como este aluno interpreta este saber instituicionalizado como difícil? Por que a Matemática é considera difícil e não outra disciplina em seu lugar? Não seria porque a Matemática é considerada útil? Mas é útil para quem? Estas perguntas em suspensão nortearam a análise do que diz o aluno em situações de aprendizagem da Matemática na escola. O aluno, ao interpretar este sentido de dificuldade concedido à Matemática repete-o, porém desloca-o, produzindo outros sentidos de acordo com o acervo de sua memória (Pêcheux, 1999) e da sua experiência como aluno. Os alunos, ao repetirem o pré-construído, parafraseiam-no, assinalando o que pode ser dito da Matemática, porém nestes dizeres, novos sentidos surgem, abrindo desta forma um espaço para deslocamentos e rupturas. Nesta polissemia nas formulações discursivas dos alunos percebe-se o conflito entre o que pode e que não pode ser dito da disciplina. Matemática é importante assinala o sentido que aponta diretamente para a heterogeneidade constitutiva do sujeito-aluno. "A matemática é
  • 7. 7 supervalorizada por muitos professores, supervisores, administradores e pelos próprios alunos.", diz um pesquisador em Educação Matemática. O aluno fala desta importância porque já ouviu falar dela, daí repete. Matemática é questão de segurança social, disse um professor. Matemática é importante para contabilizar os gastos, diz o senso comum. O aluno diz que é importante para saber calcular o troco no supermercado e porque a Matemática de uma série é pré requisito para a série seguinte. Diz que é importante, mas não sabe explicar para que é importante. Matemática é útil no sentido de que a matemática deveria servir ao cotidiano, emerge nas formulações discursivas dos alunos. A Matemática é importante porque é útil e é útil porque é importante, expressam redundâncias que parece se completarem, mas que justificam-se apenas com os cálculos aritméticos. O aluno fica confuso e não sabe explicar esta utilidade que ouve falar. Matemática é chata, disse o aluno, chatemática, disse um professor de Geografia, na condição de ex-aluno, Má-temática ou temática má, foi o trocadilho usado por uma pesquisadora em Educação. Estas expressões concordam com a publicação literária "Meu pavor a números" do folclorista e escritor Luiz Carlos Barbosa Lessa. As formulações discursivas expressam a insatisfação que a Matemática causa no aluno, já que "chata", na linguagem usual, representa algo desagradável, que causa aborrecimento e incomoda. O que então causa aborrecimento e incomoda o aluno quando estuda Matemática? É a temática má ou o pavor aos números? O pavor aos números ou ao diabo dos números não seriam derivações do bicho papão, do bicho feio e do bicho de sete cabeças? Percebe-se desta forma que chata também deriva de difícil e que é mais um efeito do pré-construído. "Não gosto de Matemática", diz o aluno, o professor reconhece que o aluno odeia, então o aluno também poderia dizer "odeio Matemática", mas não diz porque, talvez ache muito pesado o termo. "Ui! Matemática!" é uma expressão que já ouvi algumas vezes. Estas manifestações de repúdio assinalam a rejeição, mostrando os sentidos de protesto e revolta, com este saber que causa pânico e que para um professor filiado à Sociedade Brasileira de Educação Matemática representa "uma torre de marfim, aquela que
  • 8. 8 simboliza o isolamento dos poetas e dos loucos (...) a torre de marfim que os alunos não desejam visitar" e que para a mídia causa inclusive "complexos de inferioridade". O aluno, ao dizer que não gosta de Matemática, pode mostrar um desejo de poder dizer que gosta, mas que não diz porque não consegue entender sua linguagem, que é carregada de símbolos normatizados. "Não gosto de Matemática" aponta diretamente para o pré-construído: dos bichos, do mito, do diabo e dos sentimentos ruins que os alunos demonstram não gostar ou "a torre que os alunos não desejam visitar". O filósofo e matemático Pitágoras de Samos, que se tornou figura legendária na própria Antigüidade, pretendia com esta ciência dos números purificar seus discípulos, pois realizou uma modificação fundamental na doutrina órfica, transformando no sentido da "via de salvação das almas", onde em lugar do deus Dioniso colocou a Matemática. Já para Platão Deus sempre geometriza. Atualmente, a Matemática é vista como um diabo. Nos processos de re-significação, ao significar o discurso do outro, o sujeito significa o próprio, alterando efeitos de sentidos, por isso é falado enquanto fala. Isto quer dizer que enquanto os professores de Matemática re- significaram o discurso de Pitágoras e de Platão, passaram pela inserção da Matemática no positivismo comtiano das escolas militares e ouviram o discurso de Malba Tahan que dizia que era mais fácil uma baleia ir à Meca em peregrinação do que uma mulher aprender Matemática, vinculando a Matemática numa problemática de gênero. Em cada uma destas diferentes épocas, os professores ao significar o discurso do outro, significaram o próprio, dando a sua interpretação da Matemática. Assim, alteraram sentidos e a Matemática, vista antes como salvadora, hoje é vista como selecionadora. Quando o aluno diz: "Achar x e y, que coisa mais idiota" denota o sentido de que Matemática se constitui de armadilhas sem sentido. A linguagem Matemática, objetiva e abstrata, por fechar-se em sua própria estrutura, impede que o aluno domine seu discurso, daí que sentindo-se um estrangeiro quando não consegue dialogar com seus enunciados, prefere dizer que Matemática é chata ou idiota. Como resultado de um leitor impotente, as
  • 9. 9 variáveis que a Matemática apresenta, para o aluno, são expressas por "achar x e y, que coisa mais idiota", mas que é efeito de sentido do pré-construído "Matemática é difícil". Matemática é difícil o sentido de complicado é o próprio pré-construído que o aluno repete. "Disciplina considerada chata, importante e difícil" já foi reconhecido por professor-pesquisador. Existe um Programa Piloto de Alfabetização Matemática após perguntar, no seu folder de propaganda "Por que as pessoas não gostam de Matemática?" apresenta uma proposta de ajuda para o professor a "des-com-pli-car a Matemática" e "despertar o prazer de aprender Matemática", ou seja, descomplicar o complicado ou descomplicar o difícil. A mídia apontou para os bichos maus e para o mito quando falou desta dificuldade. É a ressonância do pré-construído sendo repetido e formando ecos na voz do professor, do orientador e do supervisor escolar quando confere maior destaque ao professor de Matemática no conselho de classe, da mídia quando divulga a polêmica causada pela prova difícil no vestibular, dos pais do aluno quando concordam com as notas baixas de seu filho na disciplina e, por conseqüência, na voz do próprio aluno. "Ela tem a fama de ser ruim" é o reconhecimento do mito da dificuldade da Matemática pelo aluno e que passa a internalizar, mas que assume um sentido de provação que tem que enfrentar. "Não adianta, não podemos fazer nada" disse uma aluna, já que sabe que este "outro" representado pela Matemática, com um discurso consolidado pela comunidade que defende sua importância e utilidade é muito eficaz. Conformada com a penúria e o sacrifício do caminho a trilhar para encontrar os bichos maus, só resta-lhe o consolo do desafio. "Prestar muita atenção" aponta para o sentido de constante alerta ao perigo é outro efeito do pré-construído. O perigo representa estar sempre de olhos e ouvidos atentos em sala de aula, não permitindo divagações, o que para o aluno adolescente é muito comum. Quando o aluno diz que "Matemática é fácil", sempre faz ponderações usando as adversativas "apenas..., porém..., mas...", como que um retorno ao dito. Percebe que tem que explicar por que considera fácil, já que sabe da
  • 10. 10 existência de outros colegas que acham difícil. E neste retorno a sua própria enunciação acaba mostrando o que não é fácil e que recai novamente no pré- construído. "A Matemática é difícil porque os professores explicam mal" aponta para o sentido de jogar a culpa no professor, assim como o professor do Ensino Médio joga a culpa para o professor das séries iniciais. Esta culpa que passa de um para outro, do aluno para o professor, do professor para o aluno, de professor para professor, da família para a escola e da escola para a família, é um jogo interminável e que me parece, não existe culpado e inocente. Existe sim, é uma ausência de reflexão que vislumbre a possibilidade de olhar o saber matemático de forma diferente, ou seja, não como difícil, e sim como uma disciplina que possui alguns impedimentos para o acesso à aprendizagem, assim como todas as demais disciplinas. A iniciativa de romper com este mito de dificuldade da Matemática, não está na mão das professoras de séries iniciais, nem tampouco na mão dos alunos. O necessário é tentar desestabilizar estas verdades prontas e acabadas que falam da Matemática. Não adianta apenas técnicas que facilitem o difícil. É preciso interrogar este pré-construído numa tentativa de ruptura com os seus efeitos que levam o estudante de Matemática a ojerizar a disciplina. Não faz muito tempo que os alunos tinham que saber amontoados de fórmulas de cor, hoje muitos professores sabem que o importante é o aluno saber aplicá-las. A um tempo atrás, o estudante de Matemática tinha que decorar a tabuada, hoje o professor sabe que o importante é o aluno saber operar mentalmente, aplicando as propriedades operatórias. Isto mostra que existem formas de mudar o que é considerado iníquo quando se pretende educar, e que assinalam para novas leituras e interpretações do ensino e da aprendizagem da Matemática, pelo professor. Desmanchar esta relação significativa que existe entre o pré-construído e os efeitos é o que aponta este trabalho. A possibilidade desta ruptura e de alterações de sentidos que emergem destes dizeres que expressam a dificuldade da Matemática, se efetua via enunciação.
  • 11. 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. Palavras incertas: as não-coincidências do dizer. Campinas: Ed. da Unicamp, 1998. PÊCHEUX, Michel. O discurso: estrutura ou acontecimento. São Paulo: Pontes, 1997. ___. Papel da memória. In : Papel da memória. Nunes, José Horta (Org.) : Campinas, Pontes, p. 49-57, 1999.