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UM HOMEM MUITO ALÉM DO SEU
TEMPO
Alcibíades de Araújo Porto
NILSON MAGNO BAPTISTA
Um homem muito além do seu tempo
Esta é a história de Alcibíades de Araújo Porto, de quem tenho a honra de ser neto, filho de
Carmen de Araújo Porto Baptista, sua quarta filha e de minha avó Narcisa Henriques de Araújo
Porto.
Oitavo filho de Joaquim Antônio de Araújo Porto e Felisbina Francisca de Mendonça, Alcibíades
nasceu em Piedade de Leopoldina, hoje Piacatuba-Mg, na fazenda Boa Vista, de propriedade de
seu pai, no dia 15 de maio de 1890. Lá fez seus estudos primários e trabalhou na lavoura e
candeando bois.
Aos quinze anos de idade (1905) veio morar em São João Nepomuceno com seu irmão, então
padre coadjutor. Logo procurou aprender uma profissão, o que não foi fácil, mas por fim
conseguiu trabalhar como aprendiz de barbeiro com o Sr. Juca Freire (José Freire, um português),
que aceitou a oferta do rapazinho vindo da roça e que sonhava fazer a vida na cidade. Muito
esforçado, em pouco tempo abria seu próprio salão.
Casou-se com Narcisa Henriques em 28 de fevereiro de 1910, aos vinte anos incompletos e já
era proprietário de um bar, confeitaria e bilhar.
Sempre ávido por novos conhecimentos, em 1912 interessou-se pela então chamada arte
dentária, quando conheceu os trabalhos do Dr.Mário de Aquino, formado em Odontologia pela
escola Grambery. Nessa época começou a estudar por conta própria, passando a praticar a arte
com o Sr.Dãmaso dos Reis Torres.
Em 1913, já estava estabelecido como dentista em Sapé de Ubá, hoje Guidoval, onde residiu por
seis anos. Era uma época de grandes dificuldades (período da primeira grande guerra
mundial),quando não havia dinheiro e Alcibíades viajava a cavalo com seu gabinete portátil
pelas redondezas, tratando os dentes das famílias dos fazendeiros. Eram emocionantes os
relatos de suas experiências por aquelas plagas.
Por volta de 1919, retornou a São João Nepomuceno ainda como dentista prático. Matriculou-se,
em 1923, na Escola de Odontologia e Farmácia de Ubá, formando-se em 1925, portanto com
apenas dois anos de estudos, por já ter sido dentista prático por muitos anos.
Em 1931 Alcibíades vendeu propriedades em São João Nepomuceno e mudou-se com toda a
família para Belo Horizonte com o desejo de dar melhor futuro aos filhos, que já eram nove. Mas
o tempo tumultuado de pós-revolução de 30 e as dificuldades de matricular seus filhos nas
escolas estaduais fizeram-no recuar. Mudou-se então para Ubá onde conseguiu escolas,
continuando a trabalhar em São João Nepomuceno, onde ainda possuía casa própria. Em 1932
voltou a residir em São João, onde permaneceu até 1959. Foram, portanto, quase cinquenta
anos vividos ali.
Alcibíades, o Neném Porto, como era conhecido, teve atuação marcante na história de São João
Nepomuceno, onde passou a sua infância e maturidade, praticando com amor e honestidade
todas as profissões por ele abraçadas: barbeiro, comerciante, dentista e empresário. Em São
João casou-se com Narcisa, que lhe deu dez filhos. Participou ativamente do projeto político,
social e cultural do município, lutando sempre pela modernização e avanço tecnológico, como a
fundação do Aeroclube (do qual foi o primeiro vice-presidente, ao lado de Sebastião Carlos Leite,
o primeiro presidente) e a implantação da Rádio Difusora, da qual foi sócio proprietário, ao lado
de Joaquim Ferreira Campos e Mateus Caldas de Oliveira), sendo ambas as conquistas
realizadas no ano de 1953. Nesse ano, de muitas transformações no mundo, acontecia a
primeira tentativa de revolução cubana (liderada por Fidel Castro), o casamento de John
Fitzgerald Kennedy (mais tarde presidente dos Estados Unidos) com a jornalista Jaqueline
Bouvier, o fim da Guerra da Coréia, entre muitos outros fatos importantes.
“Neném Porto” foi ainda gerente do Cine Brasil, propriedade de uma rede de cinemas da família
Marques, de Ubá, presidente do Novo Clube Trombeteiros de Momo e ainda suplente de
delegado, tendo exercido a função por várias vezes.
Ainda na época da implantação da Rádio Difusora de São João Nepomuceno, que em julho de
2013 completa 60 anos de existência, viajou muitas vezes à capital federal, então no Rio de
Janeiro, para tratar de papéis e finalmente trazer equipamentos e a torre de transmissão, que
vieram por transporte ferroviário. Os equipamentos foram trocados muitas vezes, sempre por
mais modernos, mas a torre de transmissão é a mesma até hoje e se localiza no mesmo local
onde foi instalada originalmente, em terras da família de Dona Isabel Leite, hoje bairro que leva
seu nome.
Um grande sãojoanense de coração, capixaba nascido em Colatina, o conhecido Paulo Gotti,
homem de grande inteligência e memória prodigiosa, lembra claramente do Dr.Alcbíades e de
seus filhos Jarbas e Alcibíades Filho, o “Bidinho” se movimentando em funções diversas na
emissora, gerenciada mais tarde por Mateus Caldas de Oliveira, chegado de terras paulistas,
aqui se radicando definitivamente e constituindo família. Paulo Gotti trabalhou por vários anos
na Difusora, como locutor esportivo e é um dos poucos que ali exerceram funções e que ainda
vivem.
Onde e quando surgisse uma ideia nova, algo importante a fazer pelo bem da cidade, alguém
devia ser chamado para opinar e dar sua colaboração – o Neném Porto. Com sua maneira franca
e até mesmo, quem sabe, desconcertante, de dizer a verdade, ele nunca faltava ao seu dever de
cidadão. Numa de suas empreitadas, ingressou como acionista da Usina Açucareira Santa
Teresinha, que funcionou por muitos anos no distrito de Roça Grande, mas depois, ao se mudar
novamente de São João, acabou negociando suas ações. Mas, aquele cidadão que estava
constantemente pronto a atender a quem o procurasse para solicitar opiniões e conselhos,
sempre com posições claras e determinadas, vendeu suas propriedades em 1959. Em princípios
do ano de 1960, mudou-se para Belo Horizonte, onde iniciou uma nova fase da sua profícua
existência. Deixou em São João Nepomuceno um grande número de amigos e admiradores.
Alcibíades, então com 70 anos, ingressou como dentista do Corpo de Bombeiros da Polícia
Militar de Minas Gerais, onde, cinco anos depois, foi efetivado como lº Tenente. Era muito
estimado na corporação, arregimentando grande número de amigos fiéis, desde os ocupantes
de postos mais simples até aos mais graduados.
O “velho jequitibá” como era chamado por seu filho “Bidinho”, cujo nome também era
Alcibíades, foi aposentado, sob protesto, aos 82 anos, pois se sentia ainda muito apto ao
trabalho, tanto que, aos 90 anos, substituiu seu filho José Carlos, em seu consultório no Rio de
Janeiro (Brás de Pina), quando este se encontrava passando por problemas de saúde.
Aos 80 anos Alcibíades ficou viúvo de sua amada Narcisa, vitimada por uma queda, acidente que
a levou a uma cirurgia, da qual não mais regressou. Abalado pela perda, mas não querendo
deixar-se abater por ela, procurou preencher sua vida, ingressando no “Projeto Rondon”.
O jornal ESTADO DE MINAS, de 15 de maio de 1994, publicou reportagem de meia página com o
título “EM PLENA LUCIDEZ, ALCEBÍADES FAZ 104 ANOS”. O texto é o seguinte:
“Quem passa pela Praça da Liberdade, próximo ao coreto, e vê sentado em um banco um
homem todo bem arrumado, de boné na cabeça e a bengala encostada ao lado, imagina que se
trata de qualquer idoso que saiu para passear”. Não é bem assim. É Alcebíades de Araújo Porto
que, hoje, completa nada menos do que 104 anos. Ao conversar com ele, a surpresa aumenta,
pois sua prosa é completamente lúcida.
Como não podia deixar de ser, Alcebíades tem muitos casos para contar. Afinal uma vida tão
longa é tempo o bastante para ter visto a virada do século, as duas grandes guerras, grandes
alterações nos costumes e tantas coisas mais. Dentista, Alcebíades, que nasceu em Piacatuba
de Leopoldina, foi viver em São João Nepomuceno aos 15 anos. Começou a estudar Odontologia
aos 22 anos, depois de casado e já pai de dois filhos. Antes, havia sido barbeiro.
Como dentista, os casos são muitos. Era comum ir exercitar sua profissão com um consultório
ambulante nas fazendas. “os fazendeiros não deixavam suas filhas irem à cidade para tratar”,
explica. Durante a I Guerra, Alcebíades morava em Guidoval. Segundo ele, foi uma época dura
em que ninguém tinha dinheiro. Os clientes pagavam seus serviços com vacas ou outros animais.
Para pagar o aluguel, a solução foi vender uma vaca que ganhara de presente. E, mesmo com
todas estas dificuldades, Alcebíades conseguiu formar os dez filhos, dos quais, hoje, apenas três
estão vivos.
AVENTURA
Até os 82 anos foi dentista do Corpo de Bombeiros. Mas sua maior aventura foi a participação
no Projeto Rondon, quando tinha 80 anos. “Estava muito triste porque fiquei viúvo e resolvi fazer
uma coisa diferente. Então, resolvi ir para a Amazônia, tratar dos dentes dos índios”, relembra. A
estadia na Amazônia, onde ficou menos de um mês por causa de uma queda que levou, lhe
rendeu a retirada de mais de 500 dentes. Estabelecido em Santana do Araguaia, viajava até as
fazendas em teco-tecos que desciam em clareiras.
Alcebíades mudou para Belo Horizonte aos 72 anos, porém, antes disso, costumava visitar a
capital, onde moravam filhos que vieram estudar. “Belo Horizonte era linda, com aqueles prédios
em estilo francês. Hoje só constroem caixotes. Outro dia vi um apartamento onde o chuveiro da
empregada era em cima do vaso sanitário”, comenta surpreso.
Para Alcebíades, tanto a vida de antigamente quanto a atual têm seus lados bom e ruim.
“Antigamente, era muito difícil. Para viajar dez léguas (60 quilômetros) tinha de ser a cavalo e
demorava dias. Hoje, uma viagem destas é feita em horas”, compara. Mas ele perde o otimismo
quando olha para o futuro: “A vida moderna vai piorar para muita gente. A produção de gente é
muito grande e a agrícola é muito pequena. Vai ter muita fome”, comenta.
LIVRO RESGATA A HISTÓRIA DA FAMÍLIA
Aos 90 anos, Alcebíades de Araújo Porto escreveu um livro sobre a árvore genealógica de sua
família, que foi lançado quando ele completou 100 anos. A ideia de escrever a obra surgiu
quando ele se aposentou. “Meu pai falava que a nossa família descendia de Fernão Dias Paes
Leme. Resolvi pesquisar e vi que, realmente, um antepassado nosso havia sido casado com uma
trineta de Borba Gato”, diz.
A vida de Alcebíades é simples e ele diz não ter maiores segredos para manter a longevidade.
Diariamente, acorda às 5h, lê os jornais e sai para passear na Praça da Liberdade. Sua
alimentação é normal, com ênfase nas frutas e fibras. De vez em quando ele abusa e come até
pimenta moída, “para abrir o apetite”. “Cachaça, Alcebíades provou aos 60 anos, como remédio
dado por um curandeiro.” Eu tinha de tomar na hora do almoço e do jantar. Comecei a perceber
que eu já acordava querendo que chegasse o almoço. Aí, parei, “porque nunca tive “nenhum
vício”, conta”.
Alcibíades de Araújo Porto nos deixou no dia 02 de novembro de 1994 e ficou uma grande e
dolorosa saudade, que ainda perdura em nossos corações.
NOTA DO AUTOR
Este trabalho foi baseado principalmente no livro “A árvore genealógica dos Araújo Porto”, de
autoria do meu avô, Alcibíades de Araújo Porto, a quem presto homenagem pelo homem ímpar
que ele soube ser.
UM HOMEM MUITO ALÉM DO SEU TEMPO

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UM HOMEM MUITO ALÉM DO SEU TEMPO

  • 1. UM HOMEM MUITO ALÉM DO SEU TEMPO Alcibíades de Araújo Porto NILSON MAGNO BAPTISTA
  • 2. Um homem muito além do seu tempo Esta é a história de Alcibíades de Araújo Porto, de quem tenho a honra de ser neto, filho de Carmen de Araújo Porto Baptista, sua quarta filha e de minha avó Narcisa Henriques de Araújo Porto. Oitavo filho de Joaquim Antônio de Araújo Porto e Felisbina Francisca de Mendonça, Alcibíades nasceu em Piedade de Leopoldina, hoje Piacatuba-Mg, na fazenda Boa Vista, de propriedade de seu pai, no dia 15 de maio de 1890. Lá fez seus estudos primários e trabalhou na lavoura e candeando bois. Aos quinze anos de idade (1905) veio morar em São João Nepomuceno com seu irmão, então padre coadjutor. Logo procurou aprender uma profissão, o que não foi fácil, mas por fim conseguiu trabalhar como aprendiz de barbeiro com o Sr. Juca Freire (José Freire, um português), que aceitou a oferta do rapazinho vindo da roça e que sonhava fazer a vida na cidade. Muito esforçado, em pouco tempo abria seu próprio salão. Casou-se com Narcisa Henriques em 28 de fevereiro de 1910, aos vinte anos incompletos e já era proprietário de um bar, confeitaria e bilhar. Sempre ávido por novos conhecimentos, em 1912 interessou-se pela então chamada arte dentária, quando conheceu os trabalhos do Dr.Mário de Aquino, formado em Odontologia pela escola Grambery. Nessa época começou a estudar por conta própria, passando a praticar a arte com o Sr.Dãmaso dos Reis Torres. Em 1913, já estava estabelecido como dentista em Sapé de Ubá, hoje Guidoval, onde residiu por seis anos. Era uma época de grandes dificuldades (período da primeira grande guerra mundial),quando não havia dinheiro e Alcibíades viajava a cavalo com seu gabinete portátil pelas redondezas, tratando os dentes das famílias dos fazendeiros. Eram emocionantes os relatos de suas experiências por aquelas plagas. Por volta de 1919, retornou a São João Nepomuceno ainda como dentista prático. Matriculou-se, em 1923, na Escola de Odontologia e Farmácia de Ubá, formando-se em 1925, portanto com apenas dois anos de estudos, por já ter sido dentista prático por muitos anos. Em 1931 Alcibíades vendeu propriedades em São João Nepomuceno e mudou-se com toda a família para Belo Horizonte com o desejo de dar melhor futuro aos filhos, que já eram nove. Mas o tempo tumultuado de pós-revolução de 30 e as dificuldades de matricular seus filhos nas escolas estaduais fizeram-no recuar. Mudou-se então para Ubá onde conseguiu escolas, continuando a trabalhar em São João Nepomuceno, onde ainda possuía casa própria. Em 1932 voltou a residir em São João, onde permaneceu até 1959. Foram, portanto, quase cinquenta anos vividos ali. Alcibíades, o Neném Porto, como era conhecido, teve atuação marcante na história de São João Nepomuceno, onde passou a sua infância e maturidade, praticando com amor e honestidade todas as profissões por ele abraçadas: barbeiro, comerciante, dentista e empresário. Em São João casou-se com Narcisa, que lhe deu dez filhos. Participou ativamente do projeto político, social e cultural do município, lutando sempre pela modernização e avanço tecnológico, como a
  • 3. fundação do Aeroclube (do qual foi o primeiro vice-presidente, ao lado de Sebastião Carlos Leite, o primeiro presidente) e a implantação da Rádio Difusora, da qual foi sócio proprietário, ao lado de Joaquim Ferreira Campos e Mateus Caldas de Oliveira), sendo ambas as conquistas realizadas no ano de 1953. Nesse ano, de muitas transformações no mundo, acontecia a primeira tentativa de revolução cubana (liderada por Fidel Castro), o casamento de John Fitzgerald Kennedy (mais tarde presidente dos Estados Unidos) com a jornalista Jaqueline Bouvier, o fim da Guerra da Coréia, entre muitos outros fatos importantes. “Neném Porto” foi ainda gerente do Cine Brasil, propriedade de uma rede de cinemas da família Marques, de Ubá, presidente do Novo Clube Trombeteiros de Momo e ainda suplente de delegado, tendo exercido a função por várias vezes. Ainda na época da implantação da Rádio Difusora de São João Nepomuceno, que em julho de 2013 completa 60 anos de existência, viajou muitas vezes à capital federal, então no Rio de Janeiro, para tratar de papéis e finalmente trazer equipamentos e a torre de transmissão, que vieram por transporte ferroviário. Os equipamentos foram trocados muitas vezes, sempre por mais modernos, mas a torre de transmissão é a mesma até hoje e se localiza no mesmo local onde foi instalada originalmente, em terras da família de Dona Isabel Leite, hoje bairro que leva seu nome. Um grande sãojoanense de coração, capixaba nascido em Colatina, o conhecido Paulo Gotti, homem de grande inteligência e memória prodigiosa, lembra claramente do Dr.Alcbíades e de seus filhos Jarbas e Alcibíades Filho, o “Bidinho” se movimentando em funções diversas na emissora, gerenciada mais tarde por Mateus Caldas de Oliveira, chegado de terras paulistas, aqui se radicando definitivamente e constituindo família. Paulo Gotti trabalhou por vários anos na Difusora, como locutor esportivo e é um dos poucos que ali exerceram funções e que ainda vivem. Onde e quando surgisse uma ideia nova, algo importante a fazer pelo bem da cidade, alguém devia ser chamado para opinar e dar sua colaboração – o Neném Porto. Com sua maneira franca e até mesmo, quem sabe, desconcertante, de dizer a verdade, ele nunca faltava ao seu dever de cidadão. Numa de suas empreitadas, ingressou como acionista da Usina Açucareira Santa Teresinha, que funcionou por muitos anos no distrito de Roça Grande, mas depois, ao se mudar novamente de São João, acabou negociando suas ações. Mas, aquele cidadão que estava constantemente pronto a atender a quem o procurasse para solicitar opiniões e conselhos, sempre com posições claras e determinadas, vendeu suas propriedades em 1959. Em princípios do ano de 1960, mudou-se para Belo Horizonte, onde iniciou uma nova fase da sua profícua existência. Deixou em São João Nepomuceno um grande número de amigos e admiradores. Alcibíades, então com 70 anos, ingressou como dentista do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar de Minas Gerais, onde, cinco anos depois, foi efetivado como lº Tenente. Era muito estimado na corporação, arregimentando grande número de amigos fiéis, desde os ocupantes de postos mais simples até aos mais graduados. O “velho jequitibá” como era chamado por seu filho “Bidinho”, cujo nome também era Alcibíades, foi aposentado, sob protesto, aos 82 anos, pois se sentia ainda muito apto ao
  • 4. trabalho, tanto que, aos 90 anos, substituiu seu filho José Carlos, em seu consultório no Rio de Janeiro (Brás de Pina), quando este se encontrava passando por problemas de saúde. Aos 80 anos Alcibíades ficou viúvo de sua amada Narcisa, vitimada por uma queda, acidente que a levou a uma cirurgia, da qual não mais regressou. Abalado pela perda, mas não querendo deixar-se abater por ela, procurou preencher sua vida, ingressando no “Projeto Rondon”. O jornal ESTADO DE MINAS, de 15 de maio de 1994, publicou reportagem de meia página com o título “EM PLENA LUCIDEZ, ALCEBÍADES FAZ 104 ANOS”. O texto é o seguinte: “Quem passa pela Praça da Liberdade, próximo ao coreto, e vê sentado em um banco um homem todo bem arrumado, de boné na cabeça e a bengala encostada ao lado, imagina que se trata de qualquer idoso que saiu para passear”. Não é bem assim. É Alcebíades de Araújo Porto que, hoje, completa nada menos do que 104 anos. Ao conversar com ele, a surpresa aumenta, pois sua prosa é completamente lúcida. Como não podia deixar de ser, Alcebíades tem muitos casos para contar. Afinal uma vida tão longa é tempo o bastante para ter visto a virada do século, as duas grandes guerras, grandes alterações nos costumes e tantas coisas mais. Dentista, Alcebíades, que nasceu em Piacatuba de Leopoldina, foi viver em São João Nepomuceno aos 15 anos. Começou a estudar Odontologia aos 22 anos, depois de casado e já pai de dois filhos. Antes, havia sido barbeiro. Como dentista, os casos são muitos. Era comum ir exercitar sua profissão com um consultório ambulante nas fazendas. “os fazendeiros não deixavam suas filhas irem à cidade para tratar”, explica. Durante a I Guerra, Alcebíades morava em Guidoval. Segundo ele, foi uma época dura em que ninguém tinha dinheiro. Os clientes pagavam seus serviços com vacas ou outros animais. Para pagar o aluguel, a solução foi vender uma vaca que ganhara de presente. E, mesmo com todas estas dificuldades, Alcebíades conseguiu formar os dez filhos, dos quais, hoje, apenas três estão vivos. AVENTURA Até os 82 anos foi dentista do Corpo de Bombeiros. Mas sua maior aventura foi a participação no Projeto Rondon, quando tinha 80 anos. “Estava muito triste porque fiquei viúvo e resolvi fazer uma coisa diferente. Então, resolvi ir para a Amazônia, tratar dos dentes dos índios”, relembra. A estadia na Amazônia, onde ficou menos de um mês por causa de uma queda que levou, lhe rendeu a retirada de mais de 500 dentes. Estabelecido em Santana do Araguaia, viajava até as fazendas em teco-tecos que desciam em clareiras. Alcebíades mudou para Belo Horizonte aos 72 anos, porém, antes disso, costumava visitar a capital, onde moravam filhos que vieram estudar. “Belo Horizonte era linda, com aqueles prédios em estilo francês. Hoje só constroem caixotes. Outro dia vi um apartamento onde o chuveiro da empregada era em cima do vaso sanitário”, comenta surpreso. Para Alcebíades, tanto a vida de antigamente quanto a atual têm seus lados bom e ruim. “Antigamente, era muito difícil. Para viajar dez léguas (60 quilômetros) tinha de ser a cavalo e demorava dias. Hoje, uma viagem destas é feita em horas”, compara. Mas ele perde o otimismo
  • 5. quando olha para o futuro: “A vida moderna vai piorar para muita gente. A produção de gente é muito grande e a agrícola é muito pequena. Vai ter muita fome”, comenta. LIVRO RESGATA A HISTÓRIA DA FAMÍLIA Aos 90 anos, Alcebíades de Araújo Porto escreveu um livro sobre a árvore genealógica de sua família, que foi lançado quando ele completou 100 anos. A ideia de escrever a obra surgiu quando ele se aposentou. “Meu pai falava que a nossa família descendia de Fernão Dias Paes Leme. Resolvi pesquisar e vi que, realmente, um antepassado nosso havia sido casado com uma trineta de Borba Gato”, diz. A vida de Alcebíades é simples e ele diz não ter maiores segredos para manter a longevidade. Diariamente, acorda às 5h, lê os jornais e sai para passear na Praça da Liberdade. Sua alimentação é normal, com ênfase nas frutas e fibras. De vez em quando ele abusa e come até pimenta moída, “para abrir o apetite”. “Cachaça, Alcebíades provou aos 60 anos, como remédio dado por um curandeiro.” Eu tinha de tomar na hora do almoço e do jantar. Comecei a perceber que eu já acordava querendo que chegasse o almoço. Aí, parei, “porque nunca tive “nenhum vício”, conta”. Alcibíades de Araújo Porto nos deixou no dia 02 de novembro de 1994 e ficou uma grande e dolorosa saudade, que ainda perdura em nossos corações. NOTA DO AUTOR Este trabalho foi baseado principalmente no livro “A árvore genealógica dos Araújo Porto”, de autoria do meu avô, Alcibíades de Araújo Porto, a quem presto homenagem pelo homem ímpar que ele soube ser.