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ÀRVORE GENEALÓGICA

FAMÍLIA
SEBASTIÃO FLORIANO DE CAMARGO SAMPAIO
E MARIA MIQUELINA RIBEIRO DE SAMPAIO
Adolpho José Manzutti e
Ilze Maria Pinheiro Sampaio Manzutti
S-13
Casa de Adão Camargo Sampaio – Família Antonio
Souza Sampaio
Antonio – José Wilson – Ilze Maria – Maria Lucia – Maria do
Carmo

FIGUEIRA - Sylvia, Paulo, Mariza, Amélia, Lourdes,
Soninha e Afonso
TOCO – Amiga – Sylvia – Mariza
– Nilva - Nadir

3
Procissão na Capela da Fazenda Pinheiro
Antonio Sampaio, Wilson, Ilze, Maria Lucia, Maria Helena,
Bené
Dia de Festa de São Joaquim e Santa Ana
Amélia, Luiz, Irani, Ernestina, Ivone, Maria Aparecida, Maria
Luiza

ORAÇÃO DE UM PAI

Peço a Deus, a Jesus e a Virgem Santíssima que protejam
a mim, minha esposa, filhos, noras, genros, netos, meus pais,
4
irmãos, sogros e cunhados, meus tios e os de minha esposa,
nossos afilhados, conhecidos, necessitados, a todos os familiares
e descendentes para que sejam bastante felizes e protegidos de
todos os males e maus fluidos, para que eles galguem o que
tenham em mente, alcançando tudo aquilo que lhes trará
felicidade e realização.
Peço que sejam protegidos na saúde, no trabalho, nos
estudos, nas viagens e no trânsito e que nunca percam a memória
e a inteligência.
Que assim seja,
Graças a Deus.

5
AGRADEÇO A DEUS A VIDA QUE ME DEU
Quando aqui chegamos, nossos pensamentos vagavam
pelo infinito, não imaginávamos como seriam preenchidos os
anos que viriam e o que estaria acontecendo hoje, e como seriam
as nossas vidas.
Hoje compreendemos que é preciso lutar, temos tarefas a
cumprir e que se soubermos vencê-las de acordo com as leis da
natureza e divinas, seremos felizes eternamente.
Nada do que acontece de bom ou ruim, em nossas vidas é
por acaso. Em qualquer situação devemos estar sempre atentos,
permanecendo firmes, sem nos vangloriar ou esmorecer, pois esses
são os parâmetros que nos guiam para o caminho do bem.
Quando nascemos, iniciamos a luta pela sobrevivência, é
um período muito importante e perigoso, não podemos perturbar
e nem explorar nosso irmão, procurar sempre ajudar quem
necessita e viver em comunhão com todos. Desta maneira
amenizaremos nossos sofrimentos e poderemos ter uma passagem
feliz pela Terra e consequentemente uma recompensa no Céu.
Não devemos deixar nosso barco à deriva e navegar
sempre com muita fé em Deus, em Jesus e na Virgem Santíssima
para que nos abençoem e nos ajudem a seguir o caminho do bem e
6
cumprir o que nos foi designado para nossa permanência na
Terra.

PREFÁCIO
A Nossa Árvore Genealógica
Meu pensamento sempre foi conhecer
sobre a família, não se limitando à minha,
mas de todo grau de parentesco.
Sempre pensei resgatar conhecimentos
sobre nossos antepassados, saber suas
origens e de como foram constituídas
nossas famílias.
Em
2001,
já
aposentado
definitivamente, resolvi fazer as árvores
genealógicas de nossas famílias, parei para
pensar como ia iniciar e deparei-me com um
alto grau de dificuldades. Infelizmente era
um pouco tarde, pois os esteios das famílias
7
que podiam me fornecer com naturalidade
esses dados desde a origem, já eram
falecidos.
Para obter os dados (das árvores)
resolvi convocar o parentesco das quatro
famílias: Manzutti e Santos, de minha parte,
e Sampaio e Pinheiro, da parte de minha
esposa Ilze.
Distribui os questionários para serem
preenchidos e recebi os dados. Infelizmente
poucos forneceram alguma historia sobre a
família e os antepassados, limitando-se a
fornecer dados de sua árvore, mas agradeço
de coração a todos, por colaborarem.
Das famílias Manzutti e Santos,
consegui além dos dados para a árvore
algumas histórias vividas por alguns
familiares.
Das famílias, Sampaio e Pinheiro, além
dos
dados
da
Árvore
Genealógica,
acrescentei as histórias de Tibiriçá, Bartira e
João Ramalho, e também transcrevi dados
do livro “Diogo Antonio Feijó” de Ricardo
Gumbleton Daunt – 1943.
8
Os dados das Árvores Genealógicas
foram fornecidos pelos parentes no período
entre 2001 e 2011 e tive também a
colaboração de meus filhos: Adolfo Júnior
sua esposa Madelon, Alexandre José, Ana
Aparecida e Ana Carmen; de meus netos
Adolpho
Neto
e
Rodrigo;
também
colaboraram meus primos Alcyr Azzoni e
Emery do Carmo Granja; Paulo Roberto
Moura Castro e Maria Sylvia Braga Castro;
Valéria Guimarães; meu cunhado Carlos
José Pinheiro Sampaio; meu afilhado Julio
Sampaio Guimarães; e também a tia
Benedita de Souza Sampaio Parente
(Sinhá). Trata-se de um presente aos
parentes.
Anexo, uma mídia onde esta registrado
o conteúdo impresso, para que seja
fornecido aos familiares que tenham
interesse.
Estarei à disposição, nos endereços
abaixo.

9
Adolpho José Manzutti & Ilze Maria
Pinheiro Sampaio Manzutti
São Paulo/Brotas – SP - Dezembro de
2012

Email – adolphojmanzutti@terra.com.br
Fones: 014/3653-8561 e 011/3031-2335
Brotas – SP – Rua Guido Coró, 12 – Jardim
Parizi – CEP. 17380-000
São Paulo – SP – Rua Brás Mendes, 63 –
Vila Madalena – CEP. 05443-070

10
CACIQUE TIIRIÇÁ
Cacique Tibiriçá foi o primeiro índio a
ser catequisado pelo padre José de
Anchieta. Foi convertido e batizado pelos
jesuítas José de Anchieta e Leonardo Nunes.
Seu nome de batismo cristão foi Martim
Affonso, em homenagem ao fundador de
São Vicente. Sua data de nascimento é
calculada em 1440. Seus restos mortais

11
encontram-se na cripta da Catedral da Sé,
na cidade de São Paulo.
"Maioral" ou "Vigilância da Terra", na
língua Tupi, Cacique guaianás ou tupi,
(sendo) divergem nesse ponto as opiniões
dos historiadores. Chefe de uma parte da
nação indígena estabelecida nos campos de
Piratininga, com sede na aldeia de
Inhampuambuçu foi irmão de Piquerobi e de
Caiubi, índios que se salientaram durante a
colonização do Brasil, o primeiro como
inimigo e o segundo como grande
colaborador dos jesuítas.
Teve muitos filhos. Com a índia Potira ,
teve Ítalo, Ará, Pirijá, Aratá, Toruí e Bartira.
A índia Bartira, viria a ser mulher de João
Ramalho, de quem era grande amigo e a
pedido do qual defendeu os portugueses
quando chegaram a São Vicente.
Em 1554, Tibiriça acompanhou Manuel
da Nóbrega e Anchieta na obra da fundação
de São Paulo, e estabeleceu-se no local
onde hoje se encontra o mosteiro de São
Bento, espalhando seus índios pelas
12
imediações. A atual rua de São Bento era
por esse motivo chamada primitivamente
Martim Affonso (seu nome de batismo).
Graças à sua influência, os jesuítas puderam
agrupar as primeiras cabanas de neófitos
nas proximidades do colégio. Tibiriça deu
aos jesuítas a maior prova de fidelidade, a 9
de Julho de 1562 ( e não 10 como
habitualmente
se
escreve),
quando,
levantando a bandeira e uma espada de pau
pintada e enfeitada de diversas cores,
repeliu com bravura o ataque à vila de São
Paulo, efetuado pelos índios tupi, guaianás e
carijós, chefiados por seu sobrinho (filho de
Piquerobi) Jagoanharo.
TIBIRIÇÁ
Esse cacique indígena, chefe da nação
Guaianaz, um dos chefes das tribos aliadas
de São Paulo, prestou inúmeros e
relevantes serviços à colonização paulista. À
sua boa índole, energia e ao seu esforçado
concurso, deveu Martim Afonso de Sousa
uma boa parte do progresso da capitania de
13
S. Vicente. Era irmão de Arari, chefe dos
Tupis e Carijós, que, naquele memorável dia
9 de junho de 1562, atacaram a vila de São
Paulo, sendo derrotados, graças aos
esforços dos jesuítas e do Cacique Tibiriçá.
Amigo dedicado de Martim Afonso
tomou o cacique o seu nome ao ser
batizado, quando convertido pelas prédicas
de Anchieta e Leonardo Nunes. Faleceu a 25
de dezembro de 1562, com avançada idade,
vítima de prolongada enfermidade. Aquele
dia de natal foi de tristeza para os índios. O
cacique, desde cedinho, estava passando
muito mal. O padre Anchieta, a seu lado,
empenhava-se em suavizar-lhe os últimos
momentos. Havia muito tempo vinha ele
sofrendo de câmaras de sangue. E com a
avançada idade que atravessava aquilo mais
lhe torturava os derradeiros estertores... A
indiada, cá fora, não se conformava, e
chorava. Chorava aos gritos angustiados. E
pela aldeia rolava um lamento surdo e
inquietante.
Os
tambores
lá
longe,
ecoavam. Logo mais, a nova melancólica
14
caiu como um raio: Tibiriçá morrera! O
Martim Afonso deixara de existir. Piratininga
inteira vibrou: os índios e os padres. À
tardinha, realizou-se o sepultamento com
toda a pompa. Compareceu todo o mundo.
João Ramalho e sua mulher Bartira,
batizada com o nome de Isabel, seus
numerosos filhos, seus netos, todos os seus
descendentes, os jesuítas, os indígenas
chorando... Seu corpo foi levado para o
colégio de São Paulo e ali sepultado. Hoje
jaz na cripta da Catedral de São Paulo, ali
no largo da Sé.

15
BARTIRA
Princesa Mbicy ou Bartira ou Isabel Dias ou
Butira-Flor
Os arautos reais trombeteavam pelas
ruas e vielas de Lisboa, as alegrias Del-Rei,
o Venturoso, e liam a carta histórica de Pero
Vaz Caminha, contando as belezas e a
fecundidade da terra recém-descoberta por
Cabral (Que não era Cabral, e sim Pedro
Álvares Gouveia).
Os que ouviam iam logo levar a notícia
de casa em casa, e em pouco toda a
Lusitânia sabia e comentava o auspicioso
acontecimento.
Os camponeses ficavam com inveja da
terra ubérrima, na qual "em se plantando
nela dará tudo". Sabiam que eram terras
sem fim que eles saberiam aproveitar. E
meditavam tristes, olhando as pequenas
faixas de terra milenar e cansada, que
tinham diante de si, terra por eles
trabalhada com tanto sacrifício e amor!
Pelas suas cabeças cheias de sonhos e de
16
cobiça passava a ideia: Ah! Se pudéssemos
lá ir...
Os rapazes ficavam encantados com as
noticias das moças morenas, de corpos de
cor de cobre, talhados em curvas sedutoras,
as quais andavam nuas e belas, "tão bem
feitas e tão redondas” diz Caminha de uma
delas "que a muitas mulheres de nossa terra
vendo-lhes tais feições fizera vergonha".
Os poetas e os artistas ficavam
enamorados ao pensar nas paisagens
constituídas
de
montanhas
e
selvas
entremeadas pelas curvas prateadas dos
rios e ribeirões, nas florestas cerradas onde
tinham animais estranhos e aves de linda
plumagem; onde o pôr do sol tingia o céu e
as águas com revérberos de ouro, rubis e
ametistas...
Os banqueiros pensavam em numa
certa madeira cor de brasa, e em outras
especiarias de que era farta a terra; nas
minas de ouro que certamente existiam; na
fonte inesgotável de riquezas de que era
17
prolífera a terra morena e graciosa, que
Caminha tanto gabava.
E perguntamos nós, seria por um
desses motivos que de lá abalou João
Ramalho, de maneira quase desconhecida,
afrontando a imensidão dos mares, as
tempestades os perigos, para se homiziar
num cantinho desse paraíso por tanto
sonhado e desejado?
Teria anseios de plantar, colher,
enriquecer?...Vontade de conhecer as belas
moças cor de bronze? Desejaria deliciar os
olhos e a alma com a paisagem
deslumbrante e encantadora desse mundo
longínquo, ou teria ânsias de aventura de
qualquer espécie, em buscas das quais se
atira de olhos fechados? Ou uma desilusão
terrível, uma dor, uma mágoa profunda,
fizeram-no procurar esses riscos como se
fosse um suicídio? Ninguém sabe.
Quando teria ele deixado Portugal, a
terra amada? Tanto historiadores como
pesquisadores estão em desacordo. Uns
afirmam que saiu de Portugal em 1510;
18
outros afirmam que saíra de Portugal em
1512; outros mencionam o ano de 1515, e
ainda outros atestam ter ele chegado aqui
em 1498.
Não importa quando tenha saído de
Portugal, e porque o fez. Quem sabe mesmo
se não teria sido impelido a essa aventura
empurrado pelo medo de um castigo
cometido por crime? Não importa também.
O fato certo e sabido é que os primeiros
exploradores vieram encontrá-lo já unidos a
mais linda índia da tribo, a filha do Cacique
Tibiriçá, falando e entendendo a linguagem
dos índios brasileiros da costa paulista.
Lá estava ele, feliz, descivilisando à
medida que procurava civilizar os bugres;
desdobrando-se os filhos, os primeiros
mamelucos que a linda esposa Bartira,
ofertava à terra vermelha de São Paulo.
Bartira ou Butira (Machado de Oliveira, dálhe o nome de Butira), nome bonito que
significa "flor". Ela mesma representa na
sua figura gentil de índia guianaz, a
19
primeira flor humana transformada na
primeira mãe cristã, de paulistas cristãos.
Filha do Cacique Tibiriçá, a escolhida
por João Ramalho, esse histórico português
que foi Capitão entre os seus compatriotas
e, segundo Pedro Taques, o linhagista, teve
o foro de Cavaleiro e foi mais tarde o
fundador da vila de Santo André da Borba
do Campo, foi Guarda-Mor e Alcaide-Mor da
expedição contra os índios Tupiniquins que,
confederados com outras tribos, assaltaram
a nascente povoação de São Paulo de
Piratininga. Esse João Ramalho que se
esqueceu de deixar gravada a sua história,
e, como se viu um dia, naqueles primeiros
anos do século XVI, aportado às terras do
Brasil.
A linda Bartira casou-se com ele pelo
cerimonial do íncola; o casamento foi
abençoado por Deus, que lhes floriu a vida
dando-lhes muitos filhos (Tiveram oito
filhos, diz Alfredo Ellis Jr. em "Primeiros
Troncos Paulistas").
20
Quando Padre Manoel da Nóbrega os
conheceu, ambos avançados em anos e
felizes,
não
se
conformou
com
a
ilegitimidade dessa união fora da igreja.
Precisavam da bênção católica, e fazendo
João Ramalho confessar, soube que o
mesmo era casado em Portugal, perante o
altar do Senhor, e que ao partir para rumo
desconhecido, deixara a esposa, a quem
jamais dera notícias suas.
O grande missionário jesuíta, para
tranquilizar sua consciência e cumprir sua
missão, regularizando aquele casamento
perante a Igreja, escreve uma longa carta
datada de 31 de Agosto de 1553 aos
jesuítas em Portugal pedindo à Companhia
que investigue se é viva ou morta a esposa
de Ramalho, "QUE QUER SABER PARA
PODER CASAR COM BARTIRA, E QUE HÁ
MAIS DE 40 ANOS VIVE NO BRASIL E TEM
DELA MUITOS FILHOS E FILHAS".
Nóbrega batizou-a de Isabel Dias;
batizou lhes os filhos e filhas, os primeiros
21
cristãos de São Paulo, nascidos dessa mãe
semibárbara e linda.
Boa mãe, boa esposa, essa quase
desconhecida Bartira, foi aos poucos
adquirindo hábitos civilizados; viu a chegada
de Martin Afonso de Souza em 1532, viu
mais tarde a chegada de Ana Pimentel,
fidalga, rica, trazendo da Metrópole uma
civilização palaciana; viu a fundação da Vila
de Santo André da Borba do Campo, como
já havia visto em 22 de Janeiro de 1532 a
fundação de São Vicente no dia do santo
homônimo; viu Braz Cubas construindo a
Casa do Porto de Santos; viu a ereção do
Hospital de Misericórdia fundado por Ana
Pimentel; viu Anchieta atraindo a si os
curumins e cunhatains, para ensinar-lhes
noções de coisas e a rezar, adorar Deus e
ela também vai aprendendo muitas coisas.
Quando João Ramalho, aos 73 anos de
idade, foi convidado para ser Prefeito de
São Vicente, ela lembra-lhe a idade, e ele
serenamente, numa carta ao Governador,
recusa o alto cargo por "sentir-se velho e
22
cansado" e achar que o governo da cidade
necessitava de uma pessoa moça, cheia de
vida, de entusiasmo e de disposição para o
trabalho.
Essa é a mulher que deve descerrar as
cortinas do pórtico da História da Mulher
Paulista, pois que seu sangue vem passando
de geração em geração pelas veias da gente
de nossa terra, formando os bandeirantes
que alargaram as fronteiras da Pátria,
sangue que ainda hoje circula nas veias dos
estadistas, dos agricultores, dos industriais,
dos poetas, dos operários, e da juventude
gloriosa de São Paulo!
Bartira - Flor, seu nome ficará nas
paginas da História, como já está gravado
no sangue heroico dos bandeirantes de
todas as eras.
Tirado do livro "A Mulher Paulista na
História"
Adalzira Bittencourt - 1954

23
JOÃO RAMALHO

24
Quando Martim Afonso de Sousa
aportou em São Vicente, pelas alturas de
1532, foi recebido, com surpresa sua, por
dois patrícios que aqui já se encontravam
havia longo tempo: Antonio Rodrigues e
João Ramalho. Do primeiro muito pouco se
conhece. Apenas que se casara com uma
filha de Piquerobi, o cacique de São Miguel
de Ururai, com quem teve muitos filhos.
Quanto ao segundo, a fama era das piores.
"Judeu degredado para uns; simples
náufrago casual para outros; precursor de
Colombo na América, segundo frei Gaspar
da Madre de Deus; filho da casa real, dí-lo
Pedro Taques; uma e única pessoa, pelo
menos, iniciado nos rudimentos da Cabala,
para Horácio de Carvalho", João Ramalho foi
uma autêntica figura de novela. Deixara
crescer a barba descuidada. Vivendo no
mato, no meio da indiada, pouco ligava à
indumentária. Era truculento, despótico,
dominado pelos modos desabridos. Em
consequência, não havia quem não o
temesse. Um dia, andejando sempre,
25
galgou a Paranapiacaba, e veio bater nas
margens de Guapituba, onde conheceu o
cacique Tibiriçá, com quem fez boa
amizade. O aventureiro apreciou o lugar.
Resolveu ficar. Aquilo por ali estava cheio de
"índias passivas e ofertantes, que andavam
nuas e não sabiam se negar a ninguém".
Uma, porém, no meio de tantas, mexeu-lhe
com o coração. Chamava-se Bartira. Além
de bonita, Bartira sendo filha do cacique
Tibiriçá, era um bom partido. João Ramalho
não vacilou. Abandonou as demais e ficou
com ela. Tornou-a á predileta. O chefe da
tribo gostou. Ter um branco como genro era
uma incomensurável honraria para a
família... O núcleo de Santo André, assim
chamado em memória do padroeiro da vila,
foi atraindo outros forasteiros. A seleção
não poderia ser das maiores. Apareceu
gente de toda a espécie: bons e maus, estes
em maior número do que aqueles.
Quem era Ramalho
26
Quando Martin Afonso de Sousa
aportou a São Vicente, pelas alturas de
1532, foi recebido, para sua surpresa, por
dois patrícios que aqui já se encontravam,
havia longo tempo: Antônio Rodrigues e
João Ramalho. De Antônio Rodrigues, muito
pouco se conhece. Apenas que se casara
com uma filha de Piquerobi, o cacique de
São Miguel de Ururaí, e teve muitos filhos.
E
sobre
João
Ramalho?
"Judeu
degredado, para uns; simples náufrago
casual, para outros; precursor de Colombo
na América, segundo frei Gaspar da Madre
de Deus; filho da casa Real, di-lo Pedro
Taques; uma e única pessoa com o bacharel
de Cananéia, na opinião de Cândido
Mendes;
boçal
e
rude
analfabeto;
personagem pelo menos iniciado nos
rudimentos da Cabala, para Horácio de
Carvalho." Na verdade, João Ramalho foi
uma autêntica figura de novela. Deixara
crescer a barba descuidada. Vivendo no
mato, no meio da indiada, pouco ligava à
indumentária. Era truculento, despótico,
27
dominando pelos modos desabridos. Em
consequência, não havia quem não o
temesse. Além, muito além daquelas serras.
Um dia, andejando sempre, galgou a
serra de Paranapiacaba [subida de Santos
ao planalto paulista] e veio bater nas
margens de Guapituba, onde conheceu o
cacique Tibiriçá, com quem fez boa
amizade.
O aventureiro apreciou o lugar.
Resolveu ficar. Aquilo ali estava cheio de
"índias mansas, daquelas índias passivas e
ofertantes, que andavam nuas e não sabiam
se negar a ninguém".
Uma delas, no meio de tantas, lhe
mexeu com o coração. Chamava-se Bartira.
Além de bonita, Bartira vinha a ser a filha
do cacique Tibiriçá. Era um bom partido.
João Ramalho não vacilou. Abandonou as
demais e ficou com ela. Tornou-a predileta.
O chefe da tribo gostou. Ter um branco
como genro era uma grande honraria...
O núcleo de Santo André
28
O núcleo de Santo André, assim
chamado em memória ao padroeiro da vila,
foi atraindo outros forasteiros. A seleção
não podia ser das maiores. Apareceu gente
de toda espécie: bons e maus, estes últimos
em maior número do que aqueles. Tendo
brotado na beira do sertão, ficou conhecido
como Santo André da Borda do Campo.
Como
seria,
naqueles
tempos
primitivos, Santo André da Borda do
Campo? Naturalmente, tinha um aspecto
selvagem. A terra era selvagem, os
casebres de taipa-de-mão, cobertos de
sapé, selvagens; as mulheres mestiças, mal
enrodilhadas em panos de algodão, de
fisionomias endurecidas pelos trabalhos
incessantes, seriam, também, selvagens.
"E os homens, na sua rudeza
incomparável, barbudos e desataviados,
possivelmente vestidos de pele, por toda
parte alçando o perfil de lince, seriam, entre
todos os seres, entre as próprias feras, os
mais temerosos e os mais selvagens."
29
Mas não tardou que o pequenino arraial
viesse a receber o título honroso de vila,
passando o seu fundador a ser apontado
com o título mais honroso ainda "Alcaide
Mor e Guarda Mor do Campo"...
Um Alemão Assustado
Foi nesse tempo que, por ali, apareceu
o viajante alemão Ulrico Schmidel, que
andava correndo mundo.
Tinha um tipo esquisito. Sofria de
delírio ambulatório. De Assunção, viera a ter
em São Vicente. De São Vicente foi
andando. E andando, andando sempre,
quando viu, estava no meio de gente
branca. Era ali Santo André. Cedamos-lhe a
palavra:
Afinal, chegamos a uma aldeia
habitada por cristãos, cujo chefe se
chamava João Reinvelle (sic). Felizmente,
para nós, andava ausente, pois o arraial
tinha-me cara de ser um covil de bandidos.
Partira Reinvelle (Ramalho) para ir com
outros
cristãos
que
habitavam
uma
30
povoação chamada Vicenda (São Vicente), a
fim de, com eles, concluir um tratado.
"Apenas lhe vimos o filho, que nos
recebeu bem, embora nos inspirasse muito
mais desconfiança do que os próprios índios.
Deixando este lugar, rendemos graças ao
céu por dele havermos podido sair sãos e
salvos."
"Apesar de tudo, João Ramalho era o
homem mais poderoso da região, mais do
que o próprio soberano: havia guerreado e
pacificado a província, reunindo cinco mil
índios enquanto o rei de Portugal só reuniria
dois mil".
Ramalho excomungado
No ano de 1553, Santo André da Borda
do Campo viveu o ponto mais alto de sua
vida florescente. Então, surgiram os
primeiros jesuítas: Manuel da Nóbrega e
Leonardo Nunes.
O segundo ficou horrorizado com o que
presenciava: a mancebia dos portugueses
com as índias e o cativeiro dos índios.
31
Aquilo lhe pareceu pior que Sodoma e
Gomorra.
E
não
teve
dúvidas
em
excomungar João Ramalho. João Ramalho
achou ruim... E começou a luta, uma luta de
vida e morte.
A mulher de Ramalho decidiu a questão
Uma manhã, a coisa tomou aspecto
muito sério. O padre, tendo ido dizer missa
na igrejinha do povoado, viu entre os
presentes João Ramalho e mandou expulsálo do templo. Foi à conta. Saiu um sarilho
de todos os diabos. Os filhos de João
Ramalho [que não eram poucos] resolveram
tomar um desforço. Lá apareceram armados
de trabuco, dispostos a matar o jesuíta
corajoso.
E foram entrando... Na frente, André, o
mais velho. Depois, os outros: Vitório,
Antonio, Marcos, João... Em casa, ficaram
apenas as meninas: Joana, Margarida, e
Antônia...
Quando
Bartira
soube
de
que
planejavam os filhos, foi atrás, e meteu-se
32
no meio, desarmou-os, fê-los retroceder...
Foi água na fervura. Desistiram do seu
intento. E só assim escapou com vida o
padre Leonardo Nunes.
Um dia depois do outro
A coisa era desse feitio, naqueles
áureos tempos, na primitiva Santo André da
Borda do Campo. Tudo se resolvia a
trabuco. No princípio, João Ramalho deu aos
padres muita dor de cabeça, e por um triz
“não quebrou a pau” a dita cuja de
Leonardo Nunes, o padre intrujão.
Com os anos, tudo foi mudando. O
belicoso João Ramalho já não era o mesmo
das primitivas eras. Foi perdendo aquela
arrogância, aquele jeitão distorcido...
Os filhos, sim, os mamelucos da sua
numerosa descendência, aqueles primeiros
e desenvoltos paulistas, tornaram-se o
terror das cercanias. E deram trabalho
medonho... Foi um tempo quente.
O fim da vila na borda do campo
33
Já nessa época, São Paulo de
Piratininga
progredia,
absorvendo
completamente a vila que ficara atrás. Mem
de Sá determinara que Santo André se
extinguisse e todos se mudassem para São
Paulo.
O próprio João Ramalho acabou por
concordar. E, para contentá-lo, nomearamno capitão-mor de São Paulo. Era uma
maneira jeitosa de atraí-lo.
Mas ele, a tempo, descobriu o golpe.
Desiludido, não desejou ficar por aqui.
Resolveu abandonar o Planalto e ir morar
longe. E foi habitar uma cabana rústica no
vale do Paraíba. Hospedou-se em casa de
Luís Martins.
Estava velho e cansado. Apesar de
tudo, embora com setenta anos, não tinha
uma cã [cabelos brancos] na cabeça nem no
rosto, e costumava andar nove léguas a pé
antes de jantar...
Ramalho vereador
34
Um dia, naqueles 15 de fevereiro de
1564, um grupo pacífico de homens foi
procurá-lo na sua casinhola. João Ramalho
recebeu-os com certo embaraço. Que
queriam dele? Mandou-os entrar.
Não havia banco para tanta gente...
Ficaram de pé, e de pé falaram. Era uma
comissão do Conselho Paulista. Vieram
comunicar-lhe que a gente de Piratininga o
havia elegido para vereador de sua Câmara.
Á hora do troco
Ramalho ouviu tudo com a maior
atenção. Seu olhar parecia andar por muito
longe, distante mesmo... Lembrava-se,
talvez, das ingratidões de que fora vítima.
Recordava-se das humilhações sofridas. E
no mesmo instante, mal sopitando a revolta
tardia, alçou o rosto, e achou que chegara o
momento azado para a desafronta. Solene,
pausado, com um tom superior, retorquiu,
altivo:
"Não aceito. Vivo bem no meu exílio.
Pra que voltar? Além disso, estou velho: sou
35
um homem que já passou dos setenta
anos... Digam ao Conselho que João
Ramalho declina da honraria, e prefere ficar
onde se encontra: prefere acabarem seus
dias entre os contrários do Paraíba, na terra
dos índios..." E deu-lhes as costas. Um a
um, foram saindo. O velho dominador tinha
razão: "não nasceu para vereador de um
mísero burgo, aquele que sempre foi um rei
da floresta”.
Morre Martim Afonso Tibiriçá (o cacique)
Naquele dia 25 de dezembro de 1562,
sofreram os índios um rude golpe. A notícia
espalhara-se
rapidamente.
O
cacique
Tibiriçá estava passando muito mal. O padre
Anchieta, ao seu lado, empenhava-se em
suavizar-lhe os últimos momentos. Havia
muito, vinha ele sofrendo as “câmaras de
sangue”. E com a avançada idade que
atravessava aquilo mais lhe torturava os
derradeiros estertores.
A indiada, cá fora, não se conformava e
chorava. Chorava aos gritos angustiados. E
36
pela aldeia rolava aquele lamento surdo e
inquietante.
Os
tambores,
lá
longe,
ecoavam. Logo mais, a nova melancólica
caiu como um raio. Tibiriçá morrera! O
Martin Afonso [nome cristão que ele
adotara] deixara de existir. Piratininga
inteira vibrou. Os índios e os padres.
Desaparecia um dos seus melhores amigos.
À tardinha, realizou-se o sepultamento.
Um sepultamento com toda a pompa.
Compareceu todo o mundo. João Ramalho e
sua mulher, Bartira, batizada com o nome
de Isabel, seus numerosos filhos, seus
netos, todos os seus descendentes, os
jesuítas, os indígenas, chorando... Seu
corpo foi levado para o colégio São Paulo e
ali sepultado. Era uma deferência das
maiores.
O repórter Padre Anchieta
O padre Anchieta, em carta escrita a
16 de abril de 1563, contava, então, o que
acontecera: "Foi enterrado na nossa igreja,
com muita honra, acompanhando-o todos
37
os cristãos portugueses com a cera de sua
confraria”.
"Ficou toda a capitania com grande
sentimento de sua morte pela falta que
sentem, porque este era o que sustentava
todos os outros, conhecendo-se-lhes muitos
obrigados pelo trabalho que tomou em
defender a terra, mais que todos, acho que
nos devemos nós os da companhia e por
isso determinou dar-lhe em conta não só de
benfeitor, mas ainda de fundador e
conservador da Casa de Piratininga e de
nossas vidas”.
"Fez testamento e faleceu com grandes
sinais de piedade e fé, recomendando à sua
mulher e filhos que não deixassem de
honrar sempre a verdadeira religião que
abraçaram."
Quem mais sentira a morte de Tibiriçá
fora seu genro, aquele barbaçudo e
intrépido João Ramalho. Regressara, depois
do enterro, ao seu retiro às margens
rumorejantes do Paraíba. Parecia que a vida
perdera para ele a razão de ser, seu
38
encanto maior. Talvez a idade avançada,
talvez os dissabores enormes... E meditou
muito longamente sobre a morte.
O vale da sombra da morte
O velho João Ramalho tratou de
preparar-se para enfrentar o momento fatal
que haveria de vir, mais dias, menos dias.
Mandou chamar à sua presença o tabelião
Lourenço Vaz, naqueles três de maio de
1580. Conversaram os dois longamente.
Soube-se apenas que, no mesmo dia, o
funcionário regressava à casa do ex-rei do
Planalto, armado de enorme livro e com a
sua pena de pato. Acompanhavam-no o juiz
ordinário Pedro Dias e quatro testemunhas.
Vinham solenes e carrancudos.
E João Ramalho ditou seu testamento.
O documento famoso ficou transcrito nas
notas do tabelião da Vila de São Paulo.
Narrava toda a sua vida, uma vida
novelesca e cheia de altos e baixos. Frei
Gaspar da Madre de Deus revelou mais
tarde que possuía uma cópia do documento
39
original, mas o certo é que pouquíssimas
pessoas manusearam o testamento tão
discutido.
Capistrano de Abreu [historiador,
contemporâneo
de
Rocha
Pombo],
escrevendo a respeito, deu sua opinião
valiosa: "fora de dúvida está que João
Ramalho foi um dos colonos mais antigos;
preferiu o planalto à beira-mar, fez-se
respeitado pelos indígenas, entre os quais
granjeou numerosa prole”.
"Os hábitos, adquiridos em decênios de
vida solta, incompatibilizaram-no com os
jesuítas, de cujas crônicas saiu mal notado.
Muito deu que falar o seu testamento, do
qual sonsamente deduziu frei Gaspar da
Madre de Deus que fora ele o verdadeiro
descobridor da América; o documento não
foi visto só por frei Gaspar, mas até agora
não reapareceu."
Paulistas de quatrocentos anos

40
João Ramalho morreu tempos depois.
Deixou uma descendência colossal, gerando
os primeiros paulistas:
1) Beatriz Dias, que foi casada com
Lopo Dias, natural de Portugal;
2) Francisco Ramalho Tamarutaca,
que foi casado três vezes, sendo a primeira
e terceira com Francisca e Justina, índias;
3) Antônio de Macedo, casado;
4) Vitorino Ramalho, casado, que foi
assassinado pelos índios Tupiniquins, nas
imediações da Vila de São Paulo;
5) JOANA RAMALHO, casada com
Jorge Ferreira, que foi, em 1556, loco
tenente do donatário da Capitania de Santo
Amaro, pertencente a Martim Afonso, filho
de Pedro Lopes de Souza. E outros mais...
Um lugar perdido no tempo
Santo André - já asseverou Teodoro
Sampaio [historiador, contemporâneo de
Rocha Pombo] - como um ninho de
escravismo
e
toca
de
turbulência,
41
desapareceu sem deixar vestígios, como se,
de vez, a arrasara um braço exterminador.
Nas margens do Guapituba, que flui
para Piratininga, cerca de uma légua na
atual vila de São Bernardo, o viajante
debalde procura um trecho de velho muro
que lhe recorde este baluarte do alcaidemor da Borda do Campo.
Como se fora edificada na areia
movediça, onde um sopro de desolação tudo
subvertera e apagara, nem mesmo a
tradição mameluca se salvou na memória
dos raros habitadores destas paragens. É
que as cidades também se apagam na vida,
como se apagam na iniquidade dos homens.
(Fernando Correia da Silva - Sertanejo,
pioneiro, 1493(?) – (1580)).
Quando Tudo Aconteceu..
1493
(?):
Nascimento
de
João
Ramalho, em Vouzela, distrito de Viseu. 1512 (?): Sua viagem para o Brasil. - 1514
(?): É aceite pela tribo tupiniquim chefiada
pelo cacique Tibiriçá, o qual lhe dá como
42
esposa a sua filha Bartira. - 1532: Ajuda
Martim Afonso de Sousa a fundar a vila de
São Vicente (no litoral do atual Estado de
São Paulo). - 1553: Funda e é nomeado
Alcaide-mor da vila de Santo André da
Borda do Campo, no planalto de Piratininga.
- 1554: Ajuda o jesuíta Padre Manuel da
Nóbrega a levantar a povoação de São
Paulo de Piratininga. - 1560: Mem de Sá,
Governador - geral do Brasil, extingue a vila
de Santo André e promove São Paulo a vila.
- 1562: João Ramalho, com a ajuda de
Tibiriçá, comanda a defesa de São Paulo
contra o ataque da chamada "confederação
dos tamoios". - 1564: Recusa o cargo de
vereador da vila de São Paulo e retira-se
para o vale do Paraíba. - 1580: Morre João
Ramalho em São Paulo.
Confissão
Vossa Reverendíssima insiste ouvir-me
em confissão? Compreendo e agradeço o
cuidado. Já fiz 87 anos, amanhã vou
apagar-me e quereis que eu vá sem mácula
43
à presença do Criador. Porém, nesta
passagem, mais temo por vós do que por
mim. Explico-me e perdoai-me o doesto:
sois muito verde, noviço recém-chegado.
Sem prévia vivência das terras do Brasil,
não conseguireis entender os volteios da
minha vida. Ireis ficar escandalizado como
escandalizado ficou em tempos o Padre
Manuel da Nóbrega, o fundador desta vila
de S. Paulo. Chegou mesmo a pregar que
petra scandali era toda a minha vida. Mais
tarde corrigiu a opinião, mas que o disse lá
isso disse, e quase me excomungou.
“Não, Padre, Ramalho é a minha
alcunha por causa da minha barba que foi
sempre ramalhuda. Maldonado é que é o
apelido do meu pai. Nome de cristão novo
achais que sim? Antes de vós, já outros
disseram o mesmo e até disseram que a
rubrica ou gatafunho com que assino os
documentos é um kaf, letra hebraica.
Portanto, para eles, marrano fugido ou
degredado para o Brasil serei eu. Outros
opinam que eu sou apenas um náufrago que
44
deu à costa. Nada disso eu desminto ou
confirmo. Padre: mais vale cair no mar
fundo do que rolar nas bocas do mundo...
Contra correntes adversas, não vale a pena
resistir-lhes. Não se perca o fôlego, é deixar
que nos arrastem. Só quando começam a
enlanguescer é que, num repelão, delas
podemos nos safar. E eu safei-me, como
estais vendo, pois venho aqui a morrer de
velho. Padre foi por entre duas águas que
atravessei a vida”.
A Ilha do Paraíso
Em Vouzela, onde nasci, despeço-me
de Catarina, a minha esposa, e parto para
Lisboa. O motivo? Padre: essa é matéria
que não vem ao caso. Pecados, se os
cometi, foram aqui e não em Portugal, e
pecados é o que eu devo confessar. Abalo
de
Vouzela,
coração
apertadinho...
Suponho, e bem, que nunca mais tornarei a
ver a Catarina, pois o meu destino é o Brasil
tão distante. Mas, ao chegar a Lisboa, logo
me animo. Não só por causa das novas da
expedição de Fernando Noronha que, esse
45
sim! Veramente cristão-novo e mercador, o
que não obstou que El-Rei D. Manuel, o
Venturoso, lhe tivesse arrendado as terras
de Vera Cruz desde 1502 a 1505 para o
abate e recolha de pau-brasil, então muito
procurado para a tingidura de panos. E
foram 20 mil quintais que renderam cinco
por um. Pensei que o nome do pau-brasil
lhe viesse da cor de brasa, mas um
marinheiro bretão, com quem fiz amizade,
conta-me que na sua terra, e na sua língua,
corre a antiga lenda que O'brazil é o nome
verdadeiro da Ilha do Paraíso, e que tinham
sido os afortunados portugueses a descobrila, e por isso está ele em Lisboa na
esperança de poder ser engajado numa
viagem ao Paraíso.
Arribo a esta costa do Brasil em 1511,
talvez em 12, ou 13, não sei ao certo, com
tantos anos em cima do lombo a memória já
me vai falhando. Bem acolhido sou por
António Rodrigues, o degredado português a
quem todos chamam, ou chamavam, o
"bacharel de Cananéia", e que há muito
46
tempo vive entre os índios tupiniquins da
beira da praia. Apadrinha-me e logo me
parece que demandei veramente o Paraíso,
pois, ao acolherem-me, os índios começam
por me dar mulher nova, escorreita e muito
limpa, e eu estou na casa dos 20 anos,
deslumbramento...
NUDEZ E MALÍCIA

É
o
que
eu
temia:
Vossa
Reverendíssima já começa a benzer-se e a
apostrofar-me por ter caído eu em pecado
mortal, que é o da fornicação e luxúria.
Segui o ditado em Roma sê romano e
confesso que, entre os índios, índio fui. Para
47
eles, pecado é recusar o que a natureza
prazerosa
manda
colher.
Vossa
Reverendíssima escandaliza-se com a nudez
das mulheres nativas e desvia os olhos para
não mirar aquilo a que chama suas
vergonhas. Mas se malícia existe não será
nelas, pois com inocência revelam os corpos
que Deus lhes deu, tal como vós mostrais a
nudez das vossas mãos. E mais vos digo
que assim desnudas são elas mais discretas
e modestas do que as ataviadas damas do
Paço e nem sequer estou a compará-las
com as marafonas que, vestidas da cabeça
aos pés, andam em requebros pelas ruas de
Lisboa. Quanto ao relacionamento que estas
índias têm com os homens, procedem elas
com a mesma naturalidade e prazer com
que se refrescam e matam a sede com a
água de coco.
Uma coisa de comum têm as nativas
com as reinóis: a vaidade. Mas enquanto as
de lá gastam os dias a escolher tecidos,
brocados e roupas com que pensam
adornarem-se, estas daqui passam o tempo
48
a fazer cocares com penas de aves e a
fantasiar desenhos e motivos com que irão
pintar os corpos umas das outras. São elas
também que pintam, com mão firme, a
geometria que se espalha sobre os corpos
de rapazes e guerreiros. Tintas preparadas
com barro, resinas e sumos de frutas.
Portanto pinturas que duram apenas até ao
próximo banho. Porque estes índios são
muito asseados, chegam a tomar um, dois,
ou mesmo três banhos por dia. São muito
diferentes dos portugueses, que fedem
como os porcos que trouxeram do Reino.
Potira e Tibiriçá
Vinda do planalto de Piratininga, um
dia baixou à praia, Potira, cujo nome quer
dizer flor. Não sei por que os portugueses
insistem em chamá-la de Bartira, já que o
seu nome verdadeiro é Potira... Índia
jovem, quase uma menina, esbelta,
verdadeira flor de manacá. Boto os olhos
nela e quedo logo embeiçado. Afaga-me as
barbas, ri-se do meu enleamento e vai-se
49
embora. Resolvo segui-la. Por veredas que
descubro ou invento por entre o mato
grosso da encosta íngreme, trepo pela serra
de Paranapiacaba acima. Aquela a que ides
chamando Serra do Mar. Potira é filha de
Tibiriçá, cacique de Inhapuambuçu, a
principal taba ou aldeamento dos campos de
Piratininga. Também o cacique parece
gostar de mim. Espanta-se com a minha
barba ramalhuda e diverte-se com a minha
forma de falar a sua língua. Adopta-me e
dá-me Potira em casamento. Antes de
construir
a
minha
oca,
ficamos
provisoriamente a viver na maloca, ou
palhoça
colectiva,
do
meu
sogro.
Promiscuidade? Saiba Vossa Reverendíssima
que homem nascido numa maloca não pode
casar ou ter conjunção carnal com mulher
nascida na mesma maloca e todos aceitam
voluntariamente
esta
lei.
Portanto,
promiscuidade não é, mas outra forma de
vida muito diferente daquela a que os
portugueses estão acostumados.
Na maloca de Tibiriçá vivem, entre
50
homens, mulheres e crianças, umas
duzentas pessoas. Está dividido em várias
secções, em vários lares, e em cada lar um
homem com as suas mulheres e os seus
filhos. Entre os moradores da maloca não há
segredos e o que pertence a um pertence a
todos. E o mesmo altruísmo estende-se aos
moradores das seis malocas vizinhas, e aos
dos outros aldeamentos mais à frente
porque, por casamentos cruzados das
mulheres de um grupo, ou maloca, ou taba,
com homens de outro grupo, de outra
maloca, de outra taba, todos eles são
parentes, e assim todas as tribos de uma
mesma nação que ocupa um território por
vezes maior do que o de Portugal vive em
amizade e harmonia.
Sim, Padre, confesso que mulheres tive
e tenho muitas, pois todos os caciques
queriam e querem ser meus parentes. Mas
a esposa principal é Potira. Respeitada pelas
demais, na minha maloca a sua rede fica
sempre armada junto à minha. De Potira e
das outras tenho muitos filhos e filhas. Os
51
meus meninos mestiços... Ou caribocas,
como dizem os índios; ou mamelucos, como
dizem os portugueses; mas esta é palavra
árabe que perdeu o rumo, porque significa
pajem, escravo ou criado e os meus filhos
nunca foram nem meus pajens, nem meus
escravos, nem meus criados, embora outros
caribocas, que não os meus, tenham sido
tudo isso para outrem que não eu. Os meus
caribocas andam por aí desde as praias de
S. Vicente, Bertioga e Itanhaen até aos
campos de Piratininga, a dar-me força e
prestígio, pois casaram e tiveram filhos e
netos que, por sua vez, também se
casaram, e por isso me tornaram parente de
quase todos os tupiniquins. De mim alguém
disse (e não mentiu) que, se necessário,
num só dia eu poderia reunir à minha volta
50 mil homens. E reuni, não foram precisos
tantos, mas uma vez eu reuni largos
milhares e por isso o Padre Manuel da
Nóbrega me ficou muito agradecido. O caso
aconteceu lá pelos idos de 1562, depois eu
conto.
52
Se tudo isto é pecado, então, Padre, eu
pecador me confesso. Mas bater no peito eu
cá não bato, nem faço acto de contrição.
Não podeis, por isso, absolver-me, nem darme a extrema unção? Sossegai, pois, na
Sua omnisciência, saberá Deus Nosso
Senhor entender e perdoar os volteios da
minha vida... Padre, o que fiz nesta vida,
nesta vida eu não renego. E na outra, a ver
vamos...
Fundação de São Vicente
João Ramalho ajuda Martim Afonso de
Sousa a fundar a vila de São Vicente. E,
entretanto, o que está a acontecer no resto
do mundo? Consulta a Tábua Cronológica
Padre: em 1532, tenho eu uns 40
anos, ouço a nova que várias canoas
grandes (assim os índios chamam às naus)
com homens brancos a bordo, tinham
fundeado junto à praia. E que António
Rodrigues, o "bacharel de Cananéia", em
vão tentava interpor-se entre índios e
brancos, guerra à vista. Com os meus
53
homens desço a serra, chego à praia.
Comanda a expedição Martim Afonso de
Sousa, a quem El-Rei D. João III concedera
donataria com cem milhas de costa e todas
as terras que houvesse dentro, limitadas a
norte e a sul por duas paralelas ao Equador.
Se, por um lado, eu sou respeitado
chefe tupiniquim, por outro, português
continuo ainda a ser. A nadar assim por
entre duas águas, só a paz poderá sossegar
o meu tormento e trato de promovê-la. Em
tupi, discurso para os índios e, em
português, para os lusos. Digo-lhes que os
brancos ocupem o litoral, mas que deixem
os índios continuar nas suas fainas de
pesca. Que uns não molestem os outros.
Que iniciem o escambo do que uns têm a
mais e outros a menos, e todos alcançarão
seus proveitos. E assim se faz. Martim
Afonso de Sousa e os seus dão seis anzóis e
dois cunhas por 80 patos, e duas cunhas
grandes mais 20 punções e quatro tesouras
por dois antas, e cinco cunhas mais cinco
anzóis por cinco cargas de milho, e 100
54
facas por 200 rolas, e 15 cunhas mais 15
anzóis médios por 15 veados, e 40 cunhas
mais 12 tesouras e 52 anzóis por 52
cabaças de mel em favo, e dois tesouras
mais 25 punções e 24 anzóis por 26 cargas
de ostras. Portugueses e tupiniquins ficam
todos muito contentes com o escambo, pois
os brancos estão muito carenciados de
mantimentos e, para os índios, ferramentas
de ferro é algo de milagroso.
Mais se firma a paz e a boa amizade
quando eu facilito mulheres para os
portugueses solteiros e as cunhantãs até
quedam muito felizes com o arranjo, pois
num repente melhoram de vida. Padre:
podeis excomungar-me, mas atentai que
alcoviteiro não fui eu, porém apaziguador de
vendavais.
Com António Rodrigues e os meus
filhos caribocas e muitos outros tupiniquins,
ajudo os portugueses de Martim Afonso de
Sousa a construir casario de pedra e cal,
também a igreja matriz e assim rompe a
vila de São Vicente.
55
Então, nos campos em redor de São
Vicente, os portugueses começam a plantar
cana de açúcar e a levantar engenhos e
pedem-me que lhes forneça escravos para
os trabalhos da lavoura. Os tupiniquins não
sabem o que isso seja, mas sei eu. Nas
guerras que mantínhamos com os tamoios e
outros
tapuias,
fazíamos
muitos
prisioneiros. E então me ponho a pensar
que mais vantajoso será vendê-los aos
portugueses do que comê-los, costume que
veramente me dá a volta ao estômago e à
alma. Tento conciliar o inconciliável e assim
ajudo a abrir as portas do inferno em que
hoje vivem todos os índios, os tapuias, mas
também os meus tupis, porque os
portugueses, a partir do momento em que
passam e ter índios como escravos, e não
querendo distinguir tupis de tapuias, acham
que todos os índios devem ser escravos
seus... Padre, por ora não estou a falar de
vós nem dos outros missionários jesuítas,
mas daqueles portugueses que vêm do
Reino ao Brasil com a ambição de fazer
56
fortuna rápida e logo tornar à pátria. Deles
também se queixa o Padre Manuel da
Nóbrega. Um dia ouço que se lamenta,
embora aos solavancos, pois tartamudo é
ele:
-De quantos vieram lá do Reino,
nenhum tem amor a esta terra. Todos
querem fazer em seu proveito, ainda que
seja à custa da terra, porque esperam de se
ir. Não querem bem a terra, pois têm a sua
afeição em Portugal; nem trabalham tanto
para
favorecê-la,
como
para
se
aproveitarem de qualquer maneira que
puderem. ... Mas doutra ouço que assopra
aos missionários:- Se El-Rei quer ver os
índios todos convertidos, pois deve mandar
sujeitá-los. Deve haver um protector dos
índios para fazê-los castigar, para não
deixá-los comer carne humana, nem
guerrear sem licença do Governador, fazerlhes ter uma só mulher, vestirem-se, pois
tem muito algodão, fazê-lo viver quietos
sem se mudarem para outra parte.
E eu já não sei Padre, já não sei qual é
57
a pior sujeição: se a física ou a mental.

ESCRAVIDÃO
Comedores de Carne Humana
Sim, Padre, confesso que, embora a
contra gosto, também eu fui um comedor de
carne humana, em Roma sê romano. Não
fique Vossa Reverendíssima horrorizado que
eu sei de horrores maiores cometidos lá no
Reino. Quando, numa guerra, os tupiniquins
aprisionam um tapuia, não tratam mal o
58
prisioneiro, até antes pelo contrário. Dãolhe de comer e beber, tudo quanto queira.
Chegam mesmo a dar-lhe mulher que em
tudo o serve. E quando amanhece o dia
marcado para o sacrifício, empunhando o
tacape, que é um pilão de guerra, o
carrasco aproxima-se da vítima e diz-lhe:
- Sim, vou matar-te, pois a tua gente
também matou e comeu muitos dos meus.
Se o tapuia não tremer, não desfalecer
de medo, se for homem de coragem,
responderá:
- Depois que eu for morto, os meus
irão vingar-me, tu vais ver.
Então o carrasco, com o tacape,
acerta-lhe uma pancada na nuca e assim é
morto o prisioneiro. Só depois começam a
assar-lhe o corpo. E se ele foi homem de
coragem, mais disputada é a sua carne,
porque todos pensam partilhar assim de tal
coragem.
Padre, não me comove a vossa
repugnância, pois eu sei que no Reino agora
a voga é, em nome de Deus, prender judeus
59
e cristãos-novos, é torturá-los até lhes
partirem os ossinhos todos, é levá-los ainda
em vida à fogueira, o que é grande maldade
que não se usa por aqui. Assam-nos em
vida e depois nem sequer os comem;
desperdício.
Santo André da Borda do Campo
João Ramalho é nomeado Alcaide-mor
da vila de Santo André da Borda do Campo.
E, entretanto, o que está a acontecer no
resto do mundo? Consulta a Tábua
Cronológica
Padre: em 1553, aproximadamente 20
anos depois de Martim Afonso de Sousa se
ter ido embora, e estava eu com mais ou
menos 60 anos, o seu primo Tomé de Sousa
fundeia as suas naus ao largo de São
Vicente. Mas vem como Governador-geral
do Brasil, porque El-Rei tinha acabado com
as donatarias, pois das 15 só dois tinham
resultado: a de São Vicente, por esforço
meu, e a da Bahia por esforço de um Diogo
Álvares Correia, a quem os tupinambás,
60
com os quais vivia, chamavam Caramuru.
Junto com Tomé de Sousa vinha o
jesuíta Padre Manuel da Nóbrega, com a
missão de evangelizar os tupiniquins.
Antipatiza logo comigo e quase me
excomunga, já vos disse. Mas, em abono da
verdade, devo acrescentar que, anos
depois, para me safar de pecado mortal,
tentará casar-me com Potira. Aviso-o que
tenho mulher legítima no Reino. Escreve
para Vouzela, a saber, novas de Catarina,
se ainda é viva ou já finada. Não vem
resposta. Na dúvida, manda que eu acabe
com a mancebia. Recuso repudiar Potira eu
cá não repudio. Para escândalo do Padre
decido continuar a viver em pecado
mortal...
Este Tomé de Sousa é homem
decidido. Para evitar incursões dos corsários
franceses que infestam as costas do Brasil,
manda construir um forte na barra de
Bertioga. E para congregar os colonos que
andavam esparsos pelo litoral ao sul de São
Vicente, manda edificar a vila de Conceição
61
de Itanhaen. Depois, para sustar o comércio
dos moradores de São Vicente com os
castelhanos de Assunção do Paraguai, na
serra de Paranapiacaba cega as veredas de
acesso ao planalto e decide construir, lá no
alto, uma vila cuja guarnição impeça a
passagem dos mercadores num e noutro
sentido. A medida revolta a população de
São Vicente que tem os seus interesses em
tal comércio, mas foi pensado assim e assim
se faz. E, contra a opinião do Padre Manuel
da Nóbrega, sou eu o indicado para, lá na
boca do sertão de Piratininga, fundar a vila
de Santo André da Borda do Campo.
Também sou o seu primeiro e único Alcaidemor, pois a vila será extinta em 1560 pelo
novo Governador-geral Mem de Sá.
São Paulo de Piratininga
João Ramalho ajuda o Padre Manuel da
Nóbrega a fundar São Paulo. E, entretanto,
o que está a acontecer no resto do mundo?
Consulta a Tábua Cronológica.
62
Saiba Vossa Reverendíssima que,
apesar da má vontade do Padre Manuel da
Nóbrega, em 1554 ajudo-o a fundar São
Paulo de Piratininga, povoação que Tomé de
Sousa mandara levantar. Sempre esta
minha mania de nadar por entre duas
águas, conciliação... Santo André e São
Paulo, duas povoações tão próximas uma da
outra, mas por quê? Um capitão, que é
muito meu amigo, pois muito lhe facilitei a
vida
junto
dos
tupiniquins,
comete
inconfidência e mostra-me o Regimento de
D. João III para Tomé de Sousa. As
instruções
são
claras:
"Será
grande
inconveniente os gentios, que se tornaram
cristãos, morarem na povoação dos outros e
andarem misturados com eles; e será muito
serviço de Deus e meu apartarem-nos da
sua conversação. Encomendo-vos e mando
que, os que forem cristãos, morem junto,
perto das povoações das ditas capitanias,
para que conversem com os cristãos e não
com os gentios, e possam ser doutrinados e
ensinados nas coisas da Santa Fé; e aos
63
meninos, porque neles imprimiram melhor a
doutrina, trabalhareis por dar ordem como
se façam cristãos e que sejam ensinados e
tirados da conversação dos gentios".
Tomé de Sousa não pensava povoar o
planalto. São Paulo, com o seu Colégio, e
com o seu Padre Anchieta que tão bem
aprendeu a falar tupi que até nessa língua
faz hinos e poemas, era apenas um
aldeamento para a evangelização dos
índios.
Já Mem de Sá, terceiro Governadorgeral do Brasil, é um pau de dois bicos.
Começa por proibir escravizar os índios.
Mas, ao mesmo tempo, manda desimpedir
as veredas de Paranapiacaba e em 1560
extingue a Santo André dos meus guerreiros
tupiniquins
(e
de
escassos
peões
portugueses) e promove São Paulo a vila. É
um nebuloso convite aos aventureiros,
porém convite: subam ao planalto a caçar
índios! E eles começam a subir, ó se
começam... E são perigosos, devastadores,
pois os portugueses facilmente se adaptam
64
a tudo: se não há farinha de trigo, pois
coma-se a de mandioca, se não há uvas,
pois comam-se jabuticabas, se não há
bagaço de vinho, pois beba-se aguardente
de milho, se não há colchões, pois durma-se
em rede, se não há putas brancas, pois
fodam-se índias! Desleixados, sem planos
prévios levam tudo a eito, dispostos apenas
ao trabalho de pôr os outros a trabalhar
para eles, sequiosos que estão de honrarias
e riquezas...
Atormentado, rolado entre duas águas,
com os meus tupiniquins abandono a
extinta vila de Santo André e retiro-me para
o sertão.
A Conferência dos Tamoios

65
Tantas atrocidades são cometidas que
bastam apenas dois anos para unir todas as
tribos dos tamoios, desde Bertioga ao Cabo
Frio, e até mesmo ao vale do Paraíba... E
eis uma nação de índios congregada para

arrasar São Paulo, com todos os seus
moradores, homens de armas, padres,
artesãos, mercadores e senhores de
engenho, o povo todo... Em desespero de
causa o Padre Manuel da Nóbrega mandame pedido de socorro. Atendo, é a pecha do
costume, as duas águas... Com Tibiriçá, o
66
meu sogro, em dois dias reúno milhares de
homens. Em 1562 há lutas, escaramuças,
guerras e morticínios, mas os tamoios não
conseguem entrar em São Paulo. Sou eu
quem comanda toda a defesa. Assim o
querem os portugueses, assim o faço.
Depois os Padres Manuel da Nóbrega e
Anchieta entram a parlamentar com os
tamoios. Dão razão às suas queixas e
prometem-lhes que os brancos não mais
irão prear índios porque eles, Padres, são
contra a escravização. Os tamoios acreditam
que assim vai ser. Em 1563, em Iperoig, os
Padres e os tapuias fazem a paz. Coitados
de tapuias e tupis...
MEDITAÇÃO
Em 1564 oferecem-me o cargo de
vereador de São Paulo. Recuso e, com os
meus homens, retiro-me para o vale do
Paraíba. Por lá fiquei até hoje, já lá vão 16
anos. Tive muito tempo para meditar sobre
as duas águas em que andei e ando sempre
a rolar.
67
Padre: o índio segue a natureza, o
português luta contra ela. Quando, por
causa das queimadas, se esgotam as suas
terras, o índio abandona-as, procura e
desbrava outras e tantas há que parecem
não ter fim... Constrói uma nova taba ou
aldeamento, reconhece o novo território de
caça. Para apanhar pacas, capivaras,
tamanduás, coatis e outros bichos, coloca as
armadilhas nos trilhos novos. Nos rios que
descobriu observa a que pegões vão os
lambaris e outros peixes em cada época do
ano. O índio está sempre a mudar de lugar,
para ele não tem sentido a casa de pedra e
cal. Também não tem sentido a acumulação
de víveres, pois o calor apodrece-os.
Conhecendo a natureza como conhece, em
cada momento dela vai retirando o que
precisa. Já a ambição do português,
habituado à penúria dos seus Invernos, é
acumular, de tudo, o mais que possa, em
tempo curto, cereais e frutos secos,
conservas em azeite, ou fumeiros, ou
salgadeiras de carnes e peixes. Nem os
68
índios conseguem entender os portugueses
(aos quais chamam de loucos), nem os
portugueses conseguem entender os índios
(aos quais chamam de selvagens). Padre:
olvidei estas diferenças, quis conciliar o
inconciliável e o resultado é o que se vê.
Reparai agora que todas as tribos de
fala tupi, que ocupam a faixa litorânea
desde o norte do Brasil até ao rio da Prata,
por causa dos casamentos cruzados e
alargados, são todas elas aparentadas. Só
mais para o interior é que vivem e reinam
as outras tribos ou nações tapuias, que são
dezenas, se acaso centenas não forem elas.
Até parece que Deus Nosso Senhor, ao
espalhar os tupis pela costa do Brasil, quis
preparar a entrada dos portugueses, pois a
estes lhes bastou aprender apenas mais
uma língua, para se fazerem entender de
norte a sul em tamanho território.
Vossa Reverendíssima não torça o
nariz porque, embora os portugueses sejam
os novos donos do Brasil, aqui a língua
portuguesa é como o latim, lá no Reino, só
69
poucos a falam. Aqui, a língua-geral é o
tupi, embora corrompido pela língua
portuguesa, porém tupi ainda. E até a
língua portuguesa que algumas criancinhas
aprendem no Colégio (não nas ocas ou
malocas) vai sendo corrompida pelo tupi.
Vossa Reverendíssima, em Coimbra, falava
um português impecável. Aqui já vai
dizendo urubu em vez de abutre, mirim em
vez de pequeno, saúva em vez de formiga,
capim em vez de forragem, jabuti em vez
de cágado, arapuca em vez de armadilha,
catapora em vez de bexigas, jararaca em
vez de cobra, e tantas mais...
E eu pergunto-me se as facilidades que
os povos de língua tupi deram aos
portugueses estão a ser devidamente
retribuídas pela forma como estes tratam
aqueles. Não, Padre, não estou a falar
apenas da sujeição física, mas também
daquela outra que promoveis com a
evangelização dos índios, esse vosso
trabalho de sapa das suas antigas crenças e
tradições, afinal suas referências para a vida
70
ter sentido e apetecer. Estou a falar dos
muitos milhares de índios que, em
consequência, vão perdendo a vontade de
viver e de resistir à opressão dos brancos.
Bem sei que anjos, não homens, é o que
vós, jesuítas, pretendíeis fabricar nos
vossos aldeamentos. Mas vejo que não
haveis conseguido nem uma coisa nem
outra, apenas mortos-vivos.
Padre: estou velho e prestes a apagarme. Português nasci e só ambiciono, na
hora da morte, ouvir falar a minha língua
natal. Só por isso tornei a esta vila de São
Paulo, é ainda esta minha pecha das duas
águas...
Padre: se tudo o que digo vos parecer
blasfêmia, pois relevai as patetices de um
velho senil que a vós chega amparado pelos
seus caribocas, e tratai de encomendar-me
a alma a Nosso Senhor, deus dos brancos,
que um pajé, antes do meu retorno, já a
encomendou a Tupã, deus dos índios.

71
72
Histórias das Famílias
Relatos de Antonio Souza Sampaio
SEBASTIÃO FLORIANO E MARIA MIQUILINA
Meu
avô
Sebastião
Floriano
de
Camargo Sampaio, filho de Francisco de
Paula Souza Camargo e Maria Fausta do
Amaral Camargo, casou-se em Campinas
em 25/01/1872, na Matriz de Santa Cruz.
Era advogado na cidade de Campinas,
exerceu suas funções em Amparo (onde
nasceu meu pai, Adão de Camargo
Sampaio) também em Atibaia, Bragança
Paulista, Mogi - Mirim e Capivari.
Minha avó, Maria Miquilina Ribeiro de
Camargo e Castro, era filha do maior
fazendeiro de Campinas, Comendador e
Tenente Coronel Querubim Uriel Ribeiro de
Camargo e Castro.
A
fazenda
do
Tenente
Coronel
Querubim era no arraial dos Sousas, hoje
Distrito de Sousas é ligada á Campinas,
73
ocupava uma imensa área nos dois lados do
rio Atibaia.
O Tenente Coronel também tinha uma
chácara
maravilhosa
na
cidade
de
Campinas, fornecia muitos produtos ao povo
da cidade, como leite, frutas, verduras e
legumes.
Político influente e de grande prestígio
social, foi vereador e presidente da Câmara,
cabendo-lhe saudar o Imperador Dom Pedro
II, em 1846, quando este visitou Campinas
pela primeira vez e ficou hospedado em sua
casa.
Sua majestade o agraciou com a
“Ordem das Rosas” - Tenente Coronel Chefe
do Estado Maior da Guarda Nacional dos
municípios de Campinas, Bragança, Atibaia,
Nazaré, Jundiaí e Constituição, depois
Piracicaba da Província de São Paulo.
O Comendador das Rosas cultivava
suas fazendas com escravos, e seu genro,
meu avô, Sebastião Floriano de Camargo
Sampaio, tinha muita pena da escravidão e
trabalhava com afinco para a libertação, era
74
abolicionista, o que acabou criando uma
grande inimizade com o sogro. O Coronel
ficou muito sentido e bravo com meu avô.
ANTONIO DE SOUZA LARA
Meus avôs Antônio de Souza Lara e
Eudoxia Lazara Ribeiro de Souza Lara, ele
paulista de Piracicaba, ela carioca do Rio de
Janeiro, quando se casaram foram morar
em São Carlos. Meu avô era um famoso
mestre de obras, viviam muito felizes.
Trabalhou com afinco e conseguiu ser
proprietário de várias casas na cidade, onde
nasceu minha mãe.
O coronel Querubim Vieira, político
forte da cidade de Brotas, possuidor de
várias fazendas, contratou meu avô para
construir o prédio do Grêmio Literário
Brotense.
Meu avô mudou-se com a família para
Brotas e começou a obra com muitos
empregados. A construção já estava
bastante adiantada, quando durante uma
75
grande chuva, meu avô foi surpreendido por
uma enxurrada canalizada em direção aos
alicerces, o que comprometeu o serviço já
feito, abalando as paredes, as quais já
estavam respaldadas. Toda culpa recaiu
sobre meu avô.
Homem sério, honesto e cumpridor de
seus deveres, meu avô Antonio demoliu
tudo o que tinha feito e reconstruiu por sua
conta. Para isso teve que vender seu
patrimônio,
ficando
quase
a
zero.
Posteriormente foi comprovado que a
canalização da enxurrada, nos alicerces do
prédio do Grêmio, foi criminosa, feita as
escondidas, por homens a mando de
políticos do partido contrário ao do coronel.
O Coronel era um homem honesto e
muito bom, após os esclarecimentos do
acontecido quis recompensar meu avô por
perdas e danos. Vendeu-lhe a fazenda Bela
Vista por um preço bem baixo, facilitou-lhe
o pagamento, o que o deixou muito feliz e
contente. Após o término dos serviços da
construção do Grêmio Literário Brotense,
76
que até hoje é um belo prédio, mudou-se
com a família para a sua fazenda, onde
viveram felizes muitos anos.
ADÃO DE CAMARGO SAMPAIO E
ERNESTINA DE SOUZA LARA SAMPAIO

Adão de Camargo Sampaio nasceu na
cidade de Amparo – SP, em 28/09/1883,
77
onde seus pais Sebastião Floriano de
Camargo Sampaio e Maria Miquilina Ribeiro
Sampaio
residiam,
sendo
Sebastião
advogado nessa cidade.
O interessante é que na Igreja Matriz
de Amparo existe a imagem da Padroeira,
com os braços curvados em forma de um
amparo, e em 1883, o nenezinho Adão foi
colocado e Batizado nos braços de Nossa
Senhora do Amparo.
Adão, quando criança, juntamente
com seu irmão gêmeo Wenceslau, ficaram
internos e estudaram no Liceu Coração de
Jesus, em São Paulo.
Adão era um menino aplicado e muito
querido pelos professores, possuía uma
excelente voz e fazia parte integrante do
coral, da Igreja, tendo participado de várias
apresentações
do
Coral
em
lugares
importantes na cidade de São Paulo.
Eles não se acostumaram naquela vida
rígida imposta aos internos do Liceu,
principalmente com a comida, e repetidas
vezes fugiram e voltaram para casa.
78
Sebastião Floriano, saturado com essas
idas e vindas dos filhos, sempre fugindo do
Liceu, desgostoso, levou-os para o Colégio
de sua cidade.
Com o passar do tempo, Adão estava
casado com Ernestina de Souza Lara
Sampaio e morava no município de Brotas –
SP – Fazenda Bom Jardim, lecionava e
trabalhava na lavoura.
Fazenda Bom Jardim
Quando nasci, meu pai era o professor
da Escola da Fazenda Bom Jardim, uma
fazenda muito bonita, e lecionava para uns
trinta alunos. Essa fazenda era cortada pelo
rio Jacaré Pepira e os proprietários eram
meus tios Job, Ana e Francisco Uladislau
Figueiredo e tia Mariquinha. Também me
lembro de meu padrinho Albino. Lá morei
até os meus sete anos, época em que
mudamos para a Fazenda Bela Vista.
Valentia Dobrada
Meu pai lecionava, nas horas de folga
fazia algumas plantações e também era
79
barbeiro. Sempre havia pessoas para cortar
o cabelo ou fazer a barba, e ele vivia
sempre ocupado.
Certo dia, meu pai pediu para o
empregado José ir lavar sua espingarda no
rio. Além da espingarda, José levou também
os aviamentos.
Após lavá-la, começou a dar tiros,
mirava e atirava nas bananeiras inclusive
colocando
a
vareta
como
munição.
Contaram a meu pai o que o camarada
estava aprontando e ele saiu ás pressas
rumando até o local. Chegou muito nervoso,
tomou a espingarda da mão do José e o
despediu. Esse empregado era encrenqueiro
e gostava de uma briga, tratava-se de um
negro, magro, alto e muito valente, que
andava com uma faca bem afiada, de ponta
aguda, na cintura.
No acerto de contas, o empregado
ficou devendo e, como pagamento da
dívida, meu pai ficou com enxada dele, que
estava na roça. José não gostou do acerto,
e na hora que foi despedido prometeu que
80
no dia seguinte iria á roça buscar a sua
enxada.
Na manhã seguinte, meu pai estava
rumando para a roça, foi aconselhado por
seus primos a esquecer da enxada, porque
o José prometeu que a levaria de qualquer
maneira. Mesmo assim, como meu pai não
tinha medo, foi para a roça pegou a enxada
e começou carpir.
Chegou José, reclamou pela sua
enxada, meu pai repetiu que era pagamento
de sua divida e não iria devolvê-la. José
tirou a faca da cinta e avançou, meu pai
ergueu a enxada e foi ao seu encontro, o
camarada ficou com medo e saiu correndo.
Meu pai voltou para a sede da fazenda
e foi ovacionado com vivas, o que o deixou
muito envaidecido. Conta-se que até hoje
ninguém sabe o paradeiro do José.
Fazenda Bela Vista
A fazenda Bela Vista era propriedade
dos meus avôs Antônio Souza Lara e
Eudoxia Lazara Ribeiro de Souza Lara,
81
sendo ele paulista de Piracicaba, e ela
carioca do Rio de Janeiro.
Quando se casaram, foram morar em
São Carlos, meu avô era um famoso mestre
de obras, viviam muito felizes, trabalhou
com afinco e conseguiu ser proprietário de
várias casas na cidade, onde nasceu minha
mãe, Ernestina de Souza Lara Sampaio.
Posteriormente,
trabalhando
em
Brotas, conseguiu comprar a Fazenda Bela
Vista e a cultivou por muito tempo.
Depois de muitos anos, a Fazenda Bela
Vista foi dividida entre aos filhos e meu pai
mudou-se para lá e assumiu a parte que lhe
coube.
Mas, como nas famílias sempre há
discordantes, meu pai e o tio Antonio, irmão
de minha mãe, sempre estavam se
estranhando. Tio Antonio sempre irritando
meu pai, muitas vezes chegou às vias de
fatos e foram apaziguados pela turma do
“deixa disso”.

82
Adão não estava gostando nada
daquilo, vivia sempre com o cunhado
atravessado na goela.
Daquela maneira não podia continuar,
precisava resolver a situação, trocou ideias
com minha mãe e resolveram pedir
conselho a avó Miquilina. Montou em seu
cavalo e foi conversar com sua mãe na
Fazenda Pinheiro.
Contou o que estava acontecendo, ela
ficou muito triste e procurando uma saída
para o caso contou tudo ao Maneco (Manoel
Antonio de Oliveira Pinheiro), administrador
da fazenda, e primo de meu pai. Maneco,
para dar uma solução e por um fim nas
desavenças, combinou com meu pai para
que vendesse sua parte na fazenda Bela
Vista, que ele, Maneco, venderia a sua parte
que tinha na Fazenda Pinheiro para meu
pai.
Chegando de volta á Bela Vista, meu
pai procurou o tio Antônio e ofereceu suas
terras, era o que ele sempre queria, devido
ás terras estarem anexas ás dele. Mais que
83
depressa combinaram o preço e fecharam o
negócio.
Logo que meu pai vendeu sua parte na
Fazenda Bela Vista, foi procurar Sr. Maneco
na Fazenda Pinheiro e comprou suas terras,
como haviam combinado.
Deixamos a Bela Vista e mudamos
para a Fazenda Pinheiro. Foi maravilhoso
porque mudamos em nossas terras e livres
das encrencas com meu tio Antonio.
Fazenda Pinheiro
Meu pai, além de cuidar de suas terras,
foi contratado pelo inesquecível José de
Oliveira Pinheiro, para lecionar na escola da
fazenda. Quem diria posteriormente Juca
Pinheiro, como era conhecido, seria meu
sogro e a Carmem, minha esposa, ela
nasceu alguns meses após o falecimento de
seu pai.
Meu Pai e o Juca Pinheiro
Recordo que meu querido pai, quando
lecionava, certo dia aparece na sala de aula,
84
Juca Pinheiro, e encontrou meu pai
dormindo e os alunos fazendo a maior
algazarra. Quando os alunos viram o Sr.
Juca, ficaram todos quietinhos, ele tossiu e
meu pai acordou. Quando viu o Juca na sua
frente, levou um grande susto. Meu pai
alegou que tinha dormido muito mal, devido
um filho que chorou a noite toda, pediu
desculpas e também que o perdoasse. O Sr.
Juca deu por isso mesmo, conversaram
sobre alguns assuntos e retirou-se, e meu
pai continuou dando aulas.
Nossa Casa em Brotas
Recordo-me por volta do ano de 1948
o dia que fui á Brotas procurar uma casa
para meus pais morarem. Eles estavam
envelhecendo e precisavam descansar dos
anos de labuta que tiveram em fazendas.
Visitei muitas casas para comprar, não tinha
gostado de nenhuma, até que encontrei
uma casa perfeita para eles, bem em frente
á Matriz de Brotas. Levei-os para conhecer e
85
dar opinião sobre a compra, meu pai estava
doente, mas, levantou da cama e fomos.
A casa tinha catorze cômodos num
terreno enorme que ia de uma rua á outra,
tinha um grande pomar, horta, e quando
eles abriram a janela da frente ficaram
maravilhados com a vista panorâmica,
viram a Igreja Matriz do outro lado da
praça, meu pai até sarou, pois eram muito
religiosos, e quiseram que eu fechasse o
negócio com urgência.
A compra foi realizada, sendo passada
á escritura e registrada em cartório. Eles
mudaram-se da fazenda para a cidade e
ficaram muito felizes na nova morada.
Posteriormente, vendemos a fazenda e
passamos a residir com meus Pais na cidade
de Brotas. Trabalhava na praça com o meu
Fordinho, o meu filho Mauro a trabalhar na
Granja de Brotas, e o meu filho Wilson foi
trabalhar em São Paulo.
Em 1960, meu pai ficou muito
aborrecido devido à esposa ter sofrido um
derrame cerebral, ela ficou com a memória
86
atrapalhada. Dois anos mais tarde, ela caiu
de cama e passou a necessitar de todos os
cuidados
possíveis,
falecendo
em
17/06/1963.
Meu pai envelheceu e foi levando a
vida até 05/06/1969, nesse dia, assistiu a
procissão de Corpus Christi passar em
frente à sua casa, depois começou a passar
mal. Naquela tarde, inicio da noite, o vigário
da Paróquia foi chamado, e ele faleceu
durante a extrema unção. O padre nos
disse: “Ele morreu como um passarinho”.

87
Ernestina e Adão – Início dos Anos de 1960
Minha mãe, Ernestina, nasceu em São
Carlos, em 15/02/1887, filha de Antonio de
Souza Lara e Eudoxia Lazara Ribeiro de
Souza Lara. Meu avô era mestre de obras.
Posteriormente, foi trabalhar na cidade de
Brotas, e comprou a Fazenda Bela Vista,
para onde mudaram com a família.
Em Brotas, Ernestina conheceu meu
pai, Adão de Camargo Sampaio, com quem

88
se casou, constituíram familia e tiveram
onze filhos.
Morando na Fazenda Bela Vista,
Ernestina sofreu muito devido ao seu irmão
Antonio estar sempre discutindo e em
desacordo com o seu marido Adão.
Sua vida melhorou muito, quando
mudou para a Fazenda Pinheiro, onde viveu
muitos anos feliz ao lado de meu pai e
parentes. Lá casaram todos seus filhos.
Em 1948, já com a idade de 61 anos,
mudou-se para a cidade de Brotas onde
foram muito felizes. Por volta de 1960,
minha mãe adoentou-se, começou ficar
esquecida e foi perdendo á memória aos
poucos, depois sofreu um derrame cerebral
que a levou para a cama. Minha filha Ilze
cuidava dela, sendo ajudada pela irmã Maria
Lúcia, que também foi para Brotas, as duas
cuidavam, davam banhos, trocavam de
roupas, penteavam-na, davam comida na
boca e assim foi até a sua morte no dia
17/06/1963, dia em que a Ilze ficou noiva.
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O Falecimento da Vovó Ernestina
Naquela época, a Vovó Ernestina
estava passando mal, Eu e a Maria Lucia
que cuidávamos dela. No dia que fui para
Bariri, ficar noiva e receber a aliança, a
situação da vovó era crítica, minha mãe
“Carminha” veio da fazenda para ficar no
meu lugar.
Antes de sair, pedi para a vovó não
morrer, que me esperasse voltar de Bariri
com a aliança, que eu ia mostrar para ela.
Á noitinha, quando cheguei de Bariri,
ela estava passando muito mal, mostrei a
aliança, ela sorriu, mas, notei que suas
horas estavam contadas.
O Adolpho, que tinha ido comigo á
Brotas, queria ficar, mas, pedi que
regressasse porque ela podia resistir ainda
muitos dias.
Logo que o Adolpho saiu, talvez ainda
estivesse em viagem, ela faleceu. No outro
dia após o enterro, telefonei ao Adolpho
dando a notícia.
91
Tenho muitas saudades da avó
Ernestina, eu morei um bom tempo com ela.
Quando criança ela fazia vestidinhos
maravilhosos e me presenteava, e eu curtia
muito.
Sua Neta – Ilze Maria

Avó Ernestina Lara, lutadora de grande
caráter, batalhou na educação de todos seus
filhos.
Sempre trabalhando na costura para
ter seus filhos com boa aparência, e
também sempre dando ensinamentos da
sua grande fé e nos ensinando a
espiritualidade, nos abençoando em nome
de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Sua Neta – Diva Celeste

92
ANTONIO SOUZA SAMPAIO
(Antoninho) – Histórias de minha biografia
Recordações desde minha Infância

Antonio Souza Sampaio e Maria do Carmo Pinheiro Sampaio
Fazenda Bom Jardim
Nasci na
Fazenda Bom
Jardim,
município de Brotas – SP, cortada pelo rio
Jacaré Pepira, onde as folhagens e parasitas
se espalhavam por toda margem, tudo era
florido e maravilhoso. Fazenda propriedade
de meus tios Job, Ana, a querida tia Aninha
e Francisco Uladislau Figueiredo, e a
93
inesquecível tia Mariquinha. Lá também
morava o meu padrinho Albino, muito
querido; quando o encontrava, sempre me
agradava e dava dinheiro, me fazendo
muito feliz.
Recordo com alegria da moradia de
meus tios Lau e Mariquinha. Tinha uma
grande mata ás margens do rio Jacaré
Pepira, e no meio dela existia um
jabuticabal. As jabuticabas eram pintadas,
grandes
e
deliciosas,
daquelas
que
estouravam na boca. Nas épocas das frutas
reuniam-se os primos e amigos, e partíamos
para a mata rumo às jabuticabeiras,
chupávamos até nos empanturrar, era uma
delicia. Bons tempos aqueles.
Na fazenda funcionava uma escola, o
professor era meu pai, que lecionava para
uns trinta alunos.
Morei nessa fazenda até os meus sete
anos, e guardo muitas recordações em meu
coração, dos tempos felizes que lá passei.
Um Grande Susto
94
Sinto calafrios ao lembrar-me de uma
aventura no rio Jacaré Pepira, que passava
no fundo de nosso quintal. Margarida,
minha irmã, e minha prima Alexia, filha do
tio Job, lavavam roupas ás margens do rio,
usando uma grande bacia.
Resolveram brincar e colocaram a
bacia vazia nas águas, entraram dentro e
começaram a navegar pela beirada. Eu
estava por ali e vendo-as alegres e
contentes
pedi
para
participar
da
brincadeira e elas me colocaram junto á
elas. Estava uma delícia até que as águas
foram ficando rebeldes, levando a bacia
para a correnteza e começando a descer o
rio. Segurávamos nos capins e ramagens
das margens que alcançávamos, mas,
arrebentavam
e
nós
continuávamos
descendo, cada vez com maior velocidade.
Num certo momento, conseguimos agarrar
num galho resistente e paramos ás
margens.
Foi um grande susto, pois pensávamos
que no caso da bacia virar seria trágico e
95
era uma vez. Mas, com as graças de Deus,
nos salvamos dessa assustadora aventura.
Valentia Dobrada
Meu pai lecionava, nas horas de folga
fazia algumas plantações, e também era
barbeiro. Sempre havia pessoas para cortar
o cabelo ou fazer a barba. Ele vivia sempre
ocupado.
Certo dia, meu pai pediu para o
empregado José ir até o rio, lavar sua
espingarda. Além da espingarda, José levou
também os aviamentos e, após lavá-la,
começou dar tiros. Mirava e atirava nas
bananeiras, inclusive colocando a vareta
como munição.
Contaram a meu pai o que o camarada
estava aprontando, e ele saiu ás pressas,
rumando até o local e chegou nervoso,
tomou a espingarda da mão do José e o
despediu.
No acerto de contas, o empregado
ficou devendo, como pagamento da dívida,
96
meu pai ficou com enxada do José, que
estava na roça.
Esse empregado era encrenqueiro e
gostava de uma briga. Tratava-se de um
negro, magro, alto e muito valente, que
andava com uma faca bem afiada, de ponta
aguda, na cintura. Na hora em que foi
despedido, prometeu que no dia seguinte
iria á roça buscar a sua enxada.
Na manhã seguinte, meu pai estava
rumando
para
a
roça,
quando
foi
aconselhado por seus primos a esquecer da
enxada, porque o José prometeu que a
levaria de qualquer maneira. Mesmo assim,
como meu pai não tinha medo, foi á roça
pegou a enxada e começou carpir.
Chegou o José e reclamou pela sua
enxada, meu pai repetiu que era pagamento
de sua dívida e não ia devolvê-la. José tirou
a faca da cinta e avançou, meu pai ergueu a
enxada e foi ao seu encontro, o camarada
ficou com medo e saiu correndo.
Meu pai voltou para a sede da fazenda
e foi ovacionado com vivas que o deixaram
97
muito envaidecido. Conta-se que até hoje
ninguém sabe o paradeiro do José.
A Procissão
Eu tinha cinco anos, trago gravado em
minha memória, quando houve uma
procissão na Igreja, eu e o Nenê, filho do tio
Job, acompanhamos vestidos de vermelho e
branco, e cada um de nós carregava uma
bandeirinha na mão. Foi um dia muito feliz.
A Cobra
Eu estava sentado no terreiro em
frente à minha casa, nervoso, porque tinha
encrencado com alguém e estava chorando.
Do porão da casa, vi sair uma grande cobra
que passou pelo terreiro e enrolou-se no
mourão do paiol.
Chamei por socorro, e veio o nosso
vizinho, o Leopoldo, que trouxe uma
espingarda, mirou na cobra que estava toda
enroladinha, puxou o gatilho e ela
despencou do mourão. Depois com um
pedaço de pau o Leopoldo levantou-a, todos
98
admiraram o tamanho, jogou-a no pasto
dos porcos, que disputaram para comê-la.
Os Carros de Bois
Lembro-me com saudades dos carros
de bois do tio José da Silva Braga,
proprietário da Fazenda Roseira, uma das
maiores do município de Brotas. Passavam
pela estrada, perto de onde morávamos
carregados com canas de açúcar, eu e meus
amiguinhos corríamos atrás, pedindo uma
cana, os carreiros sempre jogavam um
punhado,
ficávamos
felizes
da
vida,
descascávamos com os dentes e fartávamos
de chupa-las.
Minha Doença
Ainda com a idade de cinco anos fiquei
muito doente, meus pais me levaram á
diversos farmacêuticos e depois á bons
médicos, mas cada vez mais minha saúde
piorava.
Meus pais ficaram desesperados, eu
era o primeiro filho homem, contaram-me
99
que emagreci muito e meu pescoço ficou tão
fino que minha cabeça balançava.
Disseram-me que fui salvo por uma
vaca chamada “Cabrinha”. Ela havia criado
um lindo bezerrinho e como o curral ficava
ao lado da janela de meu quarto eu ficava
olhando o bezerrinho mamar. Fiquei com
vontade de tomar daquele leite, pedi á meu
pai, o qual foi ao curral e tirou um copo e
deu para eu beber, tomei e pedi mais, até
ficar satisfeito.
Daquele dia em diante, continuei
tomando daquele leite, fui melhorando até
sarar completamente, graças á querida
“Cabrinha” e ao poderoso Deus Pai.
O Medo
Certa vez eu, minha saudosa mãe e
minhas irmãs Margarida e Zezé, fomos
dominados pelo medo. Atravessamos o rio e
o marginamos no outro lado, passando por
uma plantação de arroz, lugar muito
perigoso.
100
Seguíamos minha mãe, por uma trilha
e, em dado momento, ela parou e pediu
para que ficássemos bem quietinhos. Vimos
atravessar á nossa frente uma cobra muito
grande. Ficamos atentos, e demorou um
bom tempo para ela sumir de nossas vistas,
indo rumo ao rio e pudemos ouvir um
enorme barulho ao ela entrar nas águas.
Nessa hora agradecemos á Deus pela
proteção, de nada ter nos acontecido.
Essas e muitas recordações trago de
todos os anos que morei na adorada e
inesquecível Fazenda Bom Jardim, meu
querido berço natal, da qual me despeço e
agradeço á Deus, pela melhor parte de
minha infância.
Fazenda Bela Vista
Mudamos para a Fazenda Bela Vista,
propriedade dos meus avós Antônio Souza
Lara e a querida Eudóxia Lázara Ribeiro de
Souza Lara, ele paulista de Piracicaba, ela
carioca do Rio de Janeiro. A avó Eudóxia era
uma pessoa muito gentil e amável, com
101
todos os que a visitavam. Ela servia quitutes
e doces muito gostosos, mas, nada se
comparava á delícia de seu famoso pudim
de queijo.
Quando se casaram, foram morar em
São Carlos. Meu avô era um famoso mestre
de obras, viviam muito felizes. Trabalhou
com afinco e conseguiu ser proprietário de
várias casas na cidade, onde nasceu minha
mãe.
O coronel Querubim Vieira, político
forte da cidade de Brotas, possuidor de
várias fazendas, contratou meu avô, para
construir o prédio do Grêmio Literário
Brotense.
Meu avô mudou-se com a família para
Brotas, e começou a obra com muitos
empregados. A construção já estava
bastante adiantada, quando durante uma
grande chuva, meu avô foi surpreendido por
uma enxurrada, canalizada em direção aos
alicerces, o que comprometeu o serviço já
feito, abalando as paredes, as quais já
102
estavam respaldadas. Toda culpa recaiu
sobre meu avô.
Homem sério, honesto e cumpridor de
seus deveres, meu avô Antonio demoliu
tudo o que tinha feito e reconstruiu por sua
conta. Para isso teve que vender parte de
seu patrimônio, ficando quase a zero.
Posteriormente, foi comprovado que a
canalização da enxurrada, nos alicerces do
prédio do Grêmio, foi criminoso, feito às
escondidas, por homens a mando de
políticos do partido contrário ao do coronel.
O Coronel era um homem honesto e
muito bom, e após os esclarecimentos do
acontecido quis recompensar meu avô, por
perdas e danos. Vendeu-lhe a fazenda Bela
Vista, por um preço bem baixo, facilitou-lhe
o pagamento, o que o deixou muito feliz e
contente. Após o término dos serviços da
construção do Grêmio Literário Brotense,
que até hoje é um belo prédio, mudou-se
com a família para a sua fazenda, onde
viveram felizes muitos anos.
103
Dias Amargos
Na fazenda Bela Vista, morávamos nas
terras que recebemos de meus avós Antônio
e Eudóxia, a fazenda foi dividida e cada filho
recebeu sua parte. Tio Antonio, irmão de
minha mãe, era nosso vizinho, apenas
separado por um terreiro, e ele vivia
encrencando com meu pai. Daquela maneira
não podia continuar, precisava resolver
aquela situação, trocou ideias com minha
mãe e resolveram pedir conselhos á avó
Miquelina. Montou em seu cavalo, e foi
conversar com sua mãe na Fazenda
Pinheiro.
Contou para a avó Miquilina o que
estava acontecendo, ela ficou muito triste e
procurando uma saída para o caso, contou
tudo ao seu Maneco administrador da
fazenda (Manoel Antonio de Oliveira
Pinheiro) filho do padre Antonio. Maneco
para dar uma solução e por um fim nas
desavenças combinou com meu pai para
que vendesse sua parte na fazenda Bela
Vista, que ele Maneco venderia a sua parte,
104
que tinha na Fazenda Pinheiro, para meu
pai.
Chegando de volta á Bela Vista, meu
pai procurou o tio Antônio e ofereceu suas
terras, era o que ele sempre queria, devido
ás terras estarem anexas ás dele, mais que
depressa combinaram o preço e fecharam o
negócio.
Logo que meu pai vendeu sua parte na
fazenda Bela Vista, foi procurar Sr. Maneco
na Fazenda Pinheiro e comprou suas terras
como haviam combinado. Em seguida,
mudou para lá.
Passado muito tempo, em 1941,
quando faleceu minha avó Miquilina, foi feito
o inventário, meu pai recebeu a parte que
lhe coube e também comprou a parte do
seu primo Sebastião, que era solteiro e
residia em Brotas. Nessa época, os cafezais
estavam com uma grande carga de frutos,
nossas terras aumentaram bastante, foi um
ótimo negocio, meu pai ficou muito
contente.
105
Fazenda Pinheiro
Agora morando na fazenda Pinheiro,
estávamos maravilhados em nossas terras,
e também meu pai voltou a lecionar.
A Fazenda Pinheiro tinha sido formada
pelo “padre Antonio”, inicialmente chamouse Fazenda Santana, homenagem a sua
esposa Ana, que era da família Camargo,
Ana Izabel Ribeiro de Camargo e Castro,
depois Fazenda Santana do Laranjal e,
finalmente, Fazenda Pinheiro.
Padre Antônio
Antonio José de Oliveira Pinheiro,
devido a ter estudado para padre era
conhecido como “padre Antônio”, uma
pessoa muito caridosa e boníssima, que nos
domingos montava no lombo de seu burrico
e se locomovia de sua fazenda á Brotas,
para ajudar o vigário rezar a missa.
Tinha costume de levar dinheiro numa
bolsa, para distribuir aos pobres. Quando
chegava á Brotas, logo na entrada, já
encontrava com pessoas pobres esperando
106
por ele, ali já começava distribuir esmolas e
continuava até aos arredores da Matriz.
Deixava o burrico no quintal da casa de um
amigo e se dirigia à Igreja, colocava a
batina, e ajudava o vigário rezar a Santa
Missa.
Terminada a missa, costumava reunirse com amigos e fazendeiros, os quais
sempre o convidavam para bater um papo e
tomar um café. Depois, montava no burrico
e voltava para a fazenda onde todos os
filhos, netos e colonos estavam esperando-o
felizes com seu regresso.
Chegava,
almoçava
e
depois
descansava. Ás seis horas da tarde se
reunia com os familiares e colonos na frente
de sua casa diante da Santa Cruz e todos o
acompanhavam na reza do terço. Isso se
repetia todos os domingos e dias Santos.
Nossa Nova Morada
Meu pai além de cuidar de suas terras,
foi contratado pelo inesquecível José de
Oliveira Pinheiro, para lecionar na escola da
107
fazenda. Quem diria posteriormente Juca
Pinheiro, como era conhecido, seria meu
sogro e a Carmem, minha esposa, ela
nasceu alguns meses após o falecimento do
pai.
José de Oliveira Pinheiro, um dos filhos
do proprietário da Fazenda Pinheiro, pessoa
boníssima, havia estudado medicina e
utilizava seus conhecimentos na sua
fazenda.
Tinha sua farmácia, onde aviava
receitas caseiras e homeopáticas, fabricava
um bom purgante e também fazia lavagens
de intestinos; era ajudado pela sua esposa
Amélia, que também havia aprendido com
ele, e era a sua enfermeira. Atendia seus
colonos e também os das fazendas vizinhas,
e nunca cobrava nada. Seus colonos
recebiam leite e produtos oriundos da
fazenda, tudo de graça.
O Sr. Clementino Florim, genro do
“padre Antonio”, era o administrador da
Fazenda Pinheiro, casado com a Maria do
Rosário conhecida pelo nome de Marica. O
108
“padre Antonio” e Aninha eram meus
padrinhos e tios avós.
Depois
de
seu
falecimento,
a
administração da fazenda passou para seu
filho mais novo, Manoel Antonio de Oliveira
Pinheiro conhecido, por Sr. Maneco.
A Fazenda Pinheiro era maravilhosa,
nos fins de semana havia um movimento
muito grande de pessoas, aparecia gente
que vinha de todas as fazendas vizinhas.
Reuniam-se e divertiam-se nos diversos
jogos, principalmente no futebol, e á noite
não faltava o melhor de tudo, o baile. O
baile era organizado pelas professoras das
fazendas, que pediam o salão e o
enfeitavam. Acabavam conseguindo tudo o
que queriam, também, uma mais bonita que
a outra, e com tanta beleza o que elas não
conseguiam.
Os
bailes
eram
muito
animados, o pessoal amanhecia dançando.
Meu Pai e o Juca Pinheiro
Recordo de meu querido pai quando
lecionava. Certo dia aparece na sala de
109
aulas meu querido Juca Pinheiro e o
encontrou dormindo, enquanto os alunos
faziam a maior algazarra. Quando os alunos
viram o Sr. Juca, ficaram todos quietinhos,
ele tossiu, meu pai acordou e, quando viu o
Juca na sua frente, levou um grande susto.
Meu pai alegou que tinha dormido
muito mal devido a um filho ter chorado a
noite toda, pediu desculpas, e também que
o perdoasse. Sr. Juca deu por isso mesmo,
conversaram sobre alguns assuntos, e
retirou-se, meu pai continuou dando aulas.
Um Dia Muito Triste
Era o mutirão na Fazenda Bom Jardim,
os trabalhadores de todas as fazendas
vizinhas tinham ido dar a sua colaboração.
Já era noite e estavam todos reunidos por lá
para o grande baile e catira.
Pouco antes de iniciarem a festa,
chegou uma triste notícia, um portador
anunciou a morte do inesquecível José de
Oliveira Pinheiro (Juca Pinheiro), primo e
110
patrão de meu pai e muito estimado por
todos. Na hora, a festa foi cancelada.
A morte de Juca Pinheiro deixou uma
lacuna muito grande no seio da família e de
todos os amigos e conhecidos. Tenho
certeza que hoje ele tem um lugar muito
bom no descanso eterno, porque mereceu.
Sebastião Floriano e Maria Miquelina
A tia Aninha esposa do “padre Antônio”
era da família “Camargo” irmã de minha avó
Maria Miquilina Ribeiro de Camargo e
Castro, filhas do maior fazendeiro de
Campinas, Comendador e Tenente Coronel
Querubim Uriel Ribeiro de Camargo e
Castro. Maria Miquelina era casada com
meu avô Sebastião Floriano de Camargo
Sampaio, pais de meu pai Adão de Camargo
Sampaio.
Sebastião Floriano era advogado na
cidade de Campinas, exerceu suas funções
em Amparo onde nasceu meu pai, também
em Atibaia, Bragança Paulista, Mogi - Mirim
e Capivari.
111
A
fazenda
do
Tenente
Coronel
Querubim era no arraial dos Sousas, hoje
Distrito de Souzas, bairro ligado á
Campinas, que ocupa uma imensa área nos
dois lados do rio Atibaia. O Tenente Coronel
também tinha uma chácara maravilhosa na
cidade de Campinas, fornecia muitos
produtos ao povo da cidade como leite,
frutas, verduras e legumes.
Político influente e de grande prestígio
social, foi vereador e presidente da Câmara
cabendo-lhe saudar o Imperador Dom Pedro
II, em 1846, quando este visitou Campinas
pela primeira vez e ficou hospedado em sua
casa. Sua majestade o agraciou com a
“Ordem das Rosas” - Tenente Coronel chefe
do Estado Maior da Guarda Nacional dos
municípios de Campinas, Bragança, Atibaia,
Nazaré, Jundiaí e Constituição (Piracicaba)
da Província de São Paulo.
O Comendador das Rosas cultivava
suas fazendas com escravos, e seu genro,
meu avô, Sebastião Floriano, tinha muita
pena da escravidão e trabalhava com afinco
112
para a libertação. Isso acabou criando uma
grande inimizade com o sogro, que ficou
muito sentido e bravo com meu avô.
Nossa Vida na Fazenda Pinheiro
Minhas
irmãs,
Margarida,
Iaiá
(Eudóxia), Zezé e Cacilda casaram com
primos, e posteriormente eu também,
outras três irmãs também se casaram com
primos. Leonor, minha irmã “raspa do
tacho”, era casada com nosso primo Cássio,
de Campinas. Ela faleceu em 1957, com
vinte e oito anos, e na época foi um grande
choque. Lembro-me do sofrimento de meus
pais e dos familiares e também de muita
gente chorando por todos os cantos.
Nossas Vacas Leiteiras
Lembro-me das criações que nós
tínhamos, das nossas vacas leiteiras de
estimação, que davam bastante leite, e de
suas crias.
Minha irmã Zezé é que cuidava da
ordenha (“tirava o leite”). Eu sempre ficava
113
esperando, com os copos com açúcar, então
ela na hora enchia meu copo, que vinha
derramando espuma, e ai voltava para
encher o copo dela.
Meu Irmão Ricardo
Ricardo era estimado por todos,
principalmente
por
minha
mãe.
Ele
costumava presenteá-la trazendo do pomar
as frutas maiores e bonitas, também trazia
flores do campo. Ele tinha bondade em
tudo, só que não aguentava desaforos e
dificilmente se rebaixava.
Meu irmão gostava muito de desafios,
e certa vez, numa roda de amigos,
convidou-os
para
uma
disputa
de
cabeçadas, tratava-se de bater a cabeça um
contra o outro para ver quem vencia.
Iniciou-se a disputa, era uma coisa de
loucos, pareciam carneiros montanheses,
Ricardo tinha a cabeça grande e treinava
muito isso, ele batia com força e ninguém
conseguiu vencê-lo.
114
Lembro-me de quando meu pai fazia
compras de vestuários para nós, eu sempre
gostava das coisas que comprava para o
Ricardo, eu pedia á ele para trocar comigo,
era chapéu, sapatos, cinta, camisa, calças,
ele trocava com a maior naturalidade. Essas
lembranças e muitas outras agradáveis de
meu saudoso irmão Ricardo ficaram em
minha memória.
Quando tinha 15 anos, Ricardo ficou
doente, foi desenganado, o médico que
começou tratar dele não estava acertando.
Quando o médico de nossa confiança voltou
de São Paulo para onde tinha viajado á
negócios, meu pai o chamou, e ele
constatou que o tratamento estava errado,
a doença era outra, mas, a cura já era
impossível.
Ricardo faleceu em 05/06/1934 no dia
de Corpus Christi. Minha mãe jamais
conseguiu esquecê-lo, entre os familiares
ele deixou uma enorme lacuna e muitas
tristezas.
115
Ricardo foi enterrado no cemitério da
cidade de Brotas, numa vala simples.
Passado algum tempo meu cunhado Celso
Guimarães, marido da Nair, fez uma
promessa que iria mandar construir um
túmulo para o Ricardo, assim que pudesse
removê-lo,
mas,
não
deixou
nada
combinado na Prefeitura.
Passado alguns anos o coveiro foi fazer
a exumação do corpo de Ricardo e levar os
ossos para o ossuário. Quando começou
cavoucar, apareceu na sua frente um moço
de terno branco, e lhe disse: Antes de
começar a remover essa terra, o senhor
precisa falar com o coletor federal, Sr. Celso
Guimarães. O coveiro virou para o outro
lado e desvirando não viu mais o moço,
procurou pelos arredores e nada encontrou.
Caindo em si, ficou assustado, tudo aquilo
tinha acontecido em fração de segundos.
O coveiro foi até a casa do Celso
Guimarães e explicou
o
que tinha
acontecido. Celso lembrou-se da promessa e
mandou que o coveiro aguardasse, foi até o
116
cemitério comprou um terreno e mandou
fazer um túmulo para o Ricardo.
Minhas Peraltices
Na Fazenda Pinheiro, passei uma
infância muito feliz, recordo sempre com
muitas saudades.
Tinha mais ou menos sete anos,
sempre costumava passar uns dias na casa
de minha irmã Margarida. Numa dessas
vezes, lembro-me que o paiol tinha espigas
de milho estocadas e num cantinho havia
uma ninhada de gatinhos. Comecei a brincar
com eles, peguei um que era muito
bonitinho e comecei a dar ordens e queria
que me obedecesse, mas, como não
atendeu o meu pedido dei-lhe uma espigada
na cabeça matando o pobre gatinho. Sai do
paiol, desesperado e fui chamar a Margarida
para salvarmos o gatinho, ela veio
depressa, mas, como já estava morto o
jogamos junto a um pé de bananeira. Minha
irmã me deu pega, disse que era o gato de
estimação de meu cunhado Joãozinho e que
117
ele iria ficar muito bravo quando soubesse
do seu sumiço, isso me deixou muito triste.
Quando meu cunhado chegou logo
notou a falta do gatinho e gritou
perguntando por ele, estava uma fera de
bravo, eu percebendo sai de mansinho e
escondi no quintal. Minha irmã contou-lhe o
que tinha acontecido e ele saiu a minha
procura
soltando
fogo
pelas
ventas,
encontrando-me quis saber, porque eu tinha
feito aquilo, contei a ele como tinha
acontecido, mas, enfurecido ficou muito
bravo.
Quando estávamos voltando para casa
vimos o gatinho que vinha cambaleando e
miando, meu cunhado ficou admirado e
correndo pegou-o e tudo voltou ao normal,
o gatinho ficou completamente recuperado,
foi só alegria.
Nossos Carrinhos
Naquela época também tínhamos
carrinhos de soltar nas descidas, não era de
rolimãs, mas sim, com rodas de madeiras.
118
Fazíamos estradas perigosas com mourões
fincados pelo caminho para tirarmos a
famosa fina.
Todos eram craques, mas, sempre um
ou outro caia ou “enchiam o caneco nos
mourões”, e quando isso acontecia era um
belo de um tombo e só risada que se ouvia.
Os que caiam eram vaiados, sempre se
esfolavam, coçavam as pernas, braços ou
apertavam as costelas, ficavam muito
bravos o que causava muitos risos entre os
que assistiam, e assim passávamos muitas
horas de entretenimentos nos divertindo, o
dia parecia curto demais.
Meu Amigo Mário
Hoje, quando me lembro, penso que
não morri porque não tinha chegado á
minha hora, Deus não me chamou. Essa
aventura foi com meu amigo Mário, menino
muito bonzinho, filho de colonos da fazenda.
Estávamos perto da represa, á água
era usada para impulsionar a máquina de
119
beneficiar café, também ali havia um desvio
para o moinho de fubá.
Naquele dia, nadamos bastante na
represa e depois fomos brincar na bica, sem
saber o perigo que nos rondava. Certo
momento a correnteza ficou mais forte
levando-me para a parte mais estreita onde
as águas caiam de uma considerável altura,
tentei segurar nas beiradas, mas, era cheio
de
limbo
e
muito
lisa,
continuei
escorregando devagar em direção à queda.
Como nós todo tem anjo da guarda,
apareceu o Mário para ajudar-me. Ele tinha
saído ás pressas da bica e correu pelo lado
de fora, alcançou-me e segurou-me pelo
braço e não largou até eu conseguir ficar
em pé fora da bica, salvando-me da morte
certa.
Mário era um grande amigo, mas,
Deus precisou dele, tudo que gostamos nem
sempre dura, depois de um ano dessa
aventura Mário ficou doente e nada pode ser
feito para salvá-lo, sofri muito a sua morte.
120
Peço á Deus para que ele esteja num bom
lugar.
Os Coelhos do Sr. Maneco
Nossa turma, todos com armas de
fogo, nos domingos saíam para caçar
coelhos e pássaros. Eram armas perigosas e
dos mais variados tipos e modelos,
cartucheiras,
winchester,
revolveres,
espingardas de carregar pela boca, etc.
Havia bons e maus atiradores. Os coelhos
abatidos eram levados ao Sr. Maneco, ele
gostava muito de carne de coelho, e
comprava de nós. Todos colaboravam,
combinávamos que aqueles que não tinham
boas pontarias faziam o cerco e espantavam
os coelhos para o nosso lado, assim a caça
vinha de encontro com o cano de nossa
arma, passávamos o dia divertindo e
ganhávamos algum dinheirinho.
Certo domingo, um de meus colegas,
com uma espingarda de carregar pela boca
e espoleta externa de papel a municiou com
muita pólvora, mirou a caça e disparou o
121
tiro. O baque foi enorme a espingarda
saltou de sua mão e foi parar longe, a
fumaça tomou conta do pedaço, nós
gritamos que estava incendiando a sua
cabeça, ele começou a se debater de todos
os lados para apagar o fogo.
Depois do susto começamos a vaiar e
rir dele, ficou valente desafiando todos nós,
depois se acalmou e vimos que o incêndio
era apenas a fumaça embaralhada nos
cabelos.
O Varal
Lembro-me de nossas cavalgadas, eu
no meu cavalo e meu primo no dele. Certa
vez ele chegou e pedi para que recolhesse
no curral o meu cavalo que estava no pasto,
para sairmos passear.
O meu cavalo estava rebelde, corria
por todos os lados e estava difícil de entrar
no curral. Meu primo a todo galope não viu
o varal de roupas estirado perto de minha
casa, enroscou o pescoço e despencou do
cavalo estatelando no chão.
122
História de famílias e ancestrais
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  • 1. ÀRVORE GENEALÓGICA FAMÍLIA SEBASTIÃO FLORIANO DE CAMARGO SAMPAIO E MARIA MIQUELINA RIBEIRO DE SAMPAIO
  • 2. Adolpho José Manzutti e Ilze Maria Pinheiro Sampaio Manzutti S-13
  • 3. Casa de Adão Camargo Sampaio – Família Antonio Souza Sampaio Antonio – José Wilson – Ilze Maria – Maria Lucia – Maria do Carmo FIGUEIRA - Sylvia, Paulo, Mariza, Amélia, Lourdes, Soninha e Afonso TOCO – Amiga – Sylvia – Mariza – Nilva - Nadir 3
  • 4. Procissão na Capela da Fazenda Pinheiro Antonio Sampaio, Wilson, Ilze, Maria Lucia, Maria Helena, Bené Dia de Festa de São Joaquim e Santa Ana Amélia, Luiz, Irani, Ernestina, Ivone, Maria Aparecida, Maria Luiza ORAÇÃO DE UM PAI Peço a Deus, a Jesus e a Virgem Santíssima que protejam a mim, minha esposa, filhos, noras, genros, netos, meus pais, 4
  • 5. irmãos, sogros e cunhados, meus tios e os de minha esposa, nossos afilhados, conhecidos, necessitados, a todos os familiares e descendentes para que sejam bastante felizes e protegidos de todos os males e maus fluidos, para que eles galguem o que tenham em mente, alcançando tudo aquilo que lhes trará felicidade e realização. Peço que sejam protegidos na saúde, no trabalho, nos estudos, nas viagens e no trânsito e que nunca percam a memória e a inteligência. Que assim seja, Graças a Deus. 5
  • 6. AGRADEÇO A DEUS A VIDA QUE ME DEU Quando aqui chegamos, nossos pensamentos vagavam pelo infinito, não imaginávamos como seriam preenchidos os anos que viriam e o que estaria acontecendo hoje, e como seriam as nossas vidas. Hoje compreendemos que é preciso lutar, temos tarefas a cumprir e que se soubermos vencê-las de acordo com as leis da natureza e divinas, seremos felizes eternamente. Nada do que acontece de bom ou ruim, em nossas vidas é por acaso. Em qualquer situação devemos estar sempre atentos, permanecendo firmes, sem nos vangloriar ou esmorecer, pois esses são os parâmetros que nos guiam para o caminho do bem. Quando nascemos, iniciamos a luta pela sobrevivência, é um período muito importante e perigoso, não podemos perturbar e nem explorar nosso irmão, procurar sempre ajudar quem necessita e viver em comunhão com todos. Desta maneira amenizaremos nossos sofrimentos e poderemos ter uma passagem feliz pela Terra e consequentemente uma recompensa no Céu. Não devemos deixar nosso barco à deriva e navegar sempre com muita fé em Deus, em Jesus e na Virgem Santíssima para que nos abençoem e nos ajudem a seguir o caminho do bem e 6
  • 7. cumprir o que nos foi designado para nossa permanência na Terra. PREFÁCIO A Nossa Árvore Genealógica Meu pensamento sempre foi conhecer sobre a família, não se limitando à minha, mas de todo grau de parentesco. Sempre pensei resgatar conhecimentos sobre nossos antepassados, saber suas origens e de como foram constituídas nossas famílias. Em 2001, já aposentado definitivamente, resolvi fazer as árvores genealógicas de nossas famílias, parei para pensar como ia iniciar e deparei-me com um alto grau de dificuldades. Infelizmente era um pouco tarde, pois os esteios das famílias 7
  • 8. que podiam me fornecer com naturalidade esses dados desde a origem, já eram falecidos. Para obter os dados (das árvores) resolvi convocar o parentesco das quatro famílias: Manzutti e Santos, de minha parte, e Sampaio e Pinheiro, da parte de minha esposa Ilze. Distribui os questionários para serem preenchidos e recebi os dados. Infelizmente poucos forneceram alguma historia sobre a família e os antepassados, limitando-se a fornecer dados de sua árvore, mas agradeço de coração a todos, por colaborarem. Das famílias Manzutti e Santos, consegui além dos dados para a árvore algumas histórias vividas por alguns familiares. Das famílias, Sampaio e Pinheiro, além dos dados da Árvore Genealógica, acrescentei as histórias de Tibiriçá, Bartira e João Ramalho, e também transcrevi dados do livro “Diogo Antonio Feijó” de Ricardo Gumbleton Daunt – 1943. 8
  • 9. Os dados das Árvores Genealógicas foram fornecidos pelos parentes no período entre 2001 e 2011 e tive também a colaboração de meus filhos: Adolfo Júnior sua esposa Madelon, Alexandre José, Ana Aparecida e Ana Carmen; de meus netos Adolpho Neto e Rodrigo; também colaboraram meus primos Alcyr Azzoni e Emery do Carmo Granja; Paulo Roberto Moura Castro e Maria Sylvia Braga Castro; Valéria Guimarães; meu cunhado Carlos José Pinheiro Sampaio; meu afilhado Julio Sampaio Guimarães; e também a tia Benedita de Souza Sampaio Parente (Sinhá). Trata-se de um presente aos parentes. Anexo, uma mídia onde esta registrado o conteúdo impresso, para que seja fornecido aos familiares que tenham interesse. Estarei à disposição, nos endereços abaixo. 9
  • 10. Adolpho José Manzutti & Ilze Maria Pinheiro Sampaio Manzutti São Paulo/Brotas – SP - Dezembro de 2012 Email – adolphojmanzutti@terra.com.br Fones: 014/3653-8561 e 011/3031-2335 Brotas – SP – Rua Guido Coró, 12 – Jardim Parizi – CEP. 17380-000 São Paulo – SP – Rua Brás Mendes, 63 – Vila Madalena – CEP. 05443-070 10
  • 11. CACIQUE TIIRIÇÁ Cacique Tibiriçá foi o primeiro índio a ser catequisado pelo padre José de Anchieta. Foi convertido e batizado pelos jesuítas José de Anchieta e Leonardo Nunes. Seu nome de batismo cristão foi Martim Affonso, em homenagem ao fundador de São Vicente. Sua data de nascimento é calculada em 1440. Seus restos mortais 11
  • 12. encontram-se na cripta da Catedral da Sé, na cidade de São Paulo. "Maioral" ou "Vigilância da Terra", na língua Tupi, Cacique guaianás ou tupi, (sendo) divergem nesse ponto as opiniões dos historiadores. Chefe de uma parte da nação indígena estabelecida nos campos de Piratininga, com sede na aldeia de Inhampuambuçu foi irmão de Piquerobi e de Caiubi, índios que se salientaram durante a colonização do Brasil, o primeiro como inimigo e o segundo como grande colaborador dos jesuítas. Teve muitos filhos. Com a índia Potira , teve Ítalo, Ará, Pirijá, Aratá, Toruí e Bartira. A índia Bartira, viria a ser mulher de João Ramalho, de quem era grande amigo e a pedido do qual defendeu os portugueses quando chegaram a São Vicente. Em 1554, Tibiriça acompanhou Manuel da Nóbrega e Anchieta na obra da fundação de São Paulo, e estabeleceu-se no local onde hoje se encontra o mosteiro de São Bento, espalhando seus índios pelas 12
  • 13. imediações. A atual rua de São Bento era por esse motivo chamada primitivamente Martim Affonso (seu nome de batismo). Graças à sua influência, os jesuítas puderam agrupar as primeiras cabanas de neófitos nas proximidades do colégio. Tibiriça deu aos jesuítas a maior prova de fidelidade, a 9 de Julho de 1562 ( e não 10 como habitualmente se escreve), quando, levantando a bandeira e uma espada de pau pintada e enfeitada de diversas cores, repeliu com bravura o ataque à vila de São Paulo, efetuado pelos índios tupi, guaianás e carijós, chefiados por seu sobrinho (filho de Piquerobi) Jagoanharo. TIBIRIÇÁ Esse cacique indígena, chefe da nação Guaianaz, um dos chefes das tribos aliadas de São Paulo, prestou inúmeros e relevantes serviços à colonização paulista. À sua boa índole, energia e ao seu esforçado concurso, deveu Martim Afonso de Sousa uma boa parte do progresso da capitania de 13
  • 14. S. Vicente. Era irmão de Arari, chefe dos Tupis e Carijós, que, naquele memorável dia 9 de junho de 1562, atacaram a vila de São Paulo, sendo derrotados, graças aos esforços dos jesuítas e do Cacique Tibiriçá. Amigo dedicado de Martim Afonso tomou o cacique o seu nome ao ser batizado, quando convertido pelas prédicas de Anchieta e Leonardo Nunes. Faleceu a 25 de dezembro de 1562, com avançada idade, vítima de prolongada enfermidade. Aquele dia de natal foi de tristeza para os índios. O cacique, desde cedinho, estava passando muito mal. O padre Anchieta, a seu lado, empenhava-se em suavizar-lhe os últimos momentos. Havia muito tempo vinha ele sofrendo de câmaras de sangue. E com a avançada idade que atravessava aquilo mais lhe torturava os derradeiros estertores... A indiada, cá fora, não se conformava, e chorava. Chorava aos gritos angustiados. E pela aldeia rolava um lamento surdo e inquietante. Os tambores lá longe, ecoavam. Logo mais, a nova melancólica 14
  • 15. caiu como um raio: Tibiriçá morrera! O Martim Afonso deixara de existir. Piratininga inteira vibrou: os índios e os padres. À tardinha, realizou-se o sepultamento com toda a pompa. Compareceu todo o mundo. João Ramalho e sua mulher Bartira, batizada com o nome de Isabel, seus numerosos filhos, seus netos, todos os seus descendentes, os jesuítas, os indígenas chorando... Seu corpo foi levado para o colégio de São Paulo e ali sepultado. Hoje jaz na cripta da Catedral de São Paulo, ali no largo da Sé. 15
  • 16. BARTIRA Princesa Mbicy ou Bartira ou Isabel Dias ou Butira-Flor Os arautos reais trombeteavam pelas ruas e vielas de Lisboa, as alegrias Del-Rei, o Venturoso, e liam a carta histórica de Pero Vaz Caminha, contando as belezas e a fecundidade da terra recém-descoberta por Cabral (Que não era Cabral, e sim Pedro Álvares Gouveia). Os que ouviam iam logo levar a notícia de casa em casa, e em pouco toda a Lusitânia sabia e comentava o auspicioso acontecimento. Os camponeses ficavam com inveja da terra ubérrima, na qual "em se plantando nela dará tudo". Sabiam que eram terras sem fim que eles saberiam aproveitar. E meditavam tristes, olhando as pequenas faixas de terra milenar e cansada, que tinham diante de si, terra por eles trabalhada com tanto sacrifício e amor! Pelas suas cabeças cheias de sonhos e de 16
  • 17. cobiça passava a ideia: Ah! Se pudéssemos lá ir... Os rapazes ficavam encantados com as noticias das moças morenas, de corpos de cor de cobre, talhados em curvas sedutoras, as quais andavam nuas e belas, "tão bem feitas e tão redondas” diz Caminha de uma delas "que a muitas mulheres de nossa terra vendo-lhes tais feições fizera vergonha". Os poetas e os artistas ficavam enamorados ao pensar nas paisagens constituídas de montanhas e selvas entremeadas pelas curvas prateadas dos rios e ribeirões, nas florestas cerradas onde tinham animais estranhos e aves de linda plumagem; onde o pôr do sol tingia o céu e as águas com revérberos de ouro, rubis e ametistas... Os banqueiros pensavam em numa certa madeira cor de brasa, e em outras especiarias de que era farta a terra; nas minas de ouro que certamente existiam; na fonte inesgotável de riquezas de que era 17
  • 18. prolífera a terra morena e graciosa, que Caminha tanto gabava. E perguntamos nós, seria por um desses motivos que de lá abalou João Ramalho, de maneira quase desconhecida, afrontando a imensidão dos mares, as tempestades os perigos, para se homiziar num cantinho desse paraíso por tanto sonhado e desejado? Teria anseios de plantar, colher, enriquecer?...Vontade de conhecer as belas moças cor de bronze? Desejaria deliciar os olhos e a alma com a paisagem deslumbrante e encantadora desse mundo longínquo, ou teria ânsias de aventura de qualquer espécie, em buscas das quais se atira de olhos fechados? Ou uma desilusão terrível, uma dor, uma mágoa profunda, fizeram-no procurar esses riscos como se fosse um suicídio? Ninguém sabe. Quando teria ele deixado Portugal, a terra amada? Tanto historiadores como pesquisadores estão em desacordo. Uns afirmam que saiu de Portugal em 1510; 18
  • 19. outros afirmam que saíra de Portugal em 1512; outros mencionam o ano de 1515, e ainda outros atestam ter ele chegado aqui em 1498. Não importa quando tenha saído de Portugal, e porque o fez. Quem sabe mesmo se não teria sido impelido a essa aventura empurrado pelo medo de um castigo cometido por crime? Não importa também. O fato certo e sabido é que os primeiros exploradores vieram encontrá-lo já unidos a mais linda índia da tribo, a filha do Cacique Tibiriçá, falando e entendendo a linguagem dos índios brasileiros da costa paulista. Lá estava ele, feliz, descivilisando à medida que procurava civilizar os bugres; desdobrando-se os filhos, os primeiros mamelucos que a linda esposa Bartira, ofertava à terra vermelha de São Paulo. Bartira ou Butira (Machado de Oliveira, dálhe o nome de Butira), nome bonito que significa "flor". Ela mesma representa na sua figura gentil de índia guianaz, a 19
  • 20. primeira flor humana transformada na primeira mãe cristã, de paulistas cristãos. Filha do Cacique Tibiriçá, a escolhida por João Ramalho, esse histórico português que foi Capitão entre os seus compatriotas e, segundo Pedro Taques, o linhagista, teve o foro de Cavaleiro e foi mais tarde o fundador da vila de Santo André da Borba do Campo, foi Guarda-Mor e Alcaide-Mor da expedição contra os índios Tupiniquins que, confederados com outras tribos, assaltaram a nascente povoação de São Paulo de Piratininga. Esse João Ramalho que se esqueceu de deixar gravada a sua história, e, como se viu um dia, naqueles primeiros anos do século XVI, aportado às terras do Brasil. A linda Bartira casou-se com ele pelo cerimonial do íncola; o casamento foi abençoado por Deus, que lhes floriu a vida dando-lhes muitos filhos (Tiveram oito filhos, diz Alfredo Ellis Jr. em "Primeiros Troncos Paulistas"). 20
  • 21. Quando Padre Manoel da Nóbrega os conheceu, ambos avançados em anos e felizes, não se conformou com a ilegitimidade dessa união fora da igreja. Precisavam da bênção católica, e fazendo João Ramalho confessar, soube que o mesmo era casado em Portugal, perante o altar do Senhor, e que ao partir para rumo desconhecido, deixara a esposa, a quem jamais dera notícias suas. O grande missionário jesuíta, para tranquilizar sua consciência e cumprir sua missão, regularizando aquele casamento perante a Igreja, escreve uma longa carta datada de 31 de Agosto de 1553 aos jesuítas em Portugal pedindo à Companhia que investigue se é viva ou morta a esposa de Ramalho, "QUE QUER SABER PARA PODER CASAR COM BARTIRA, E QUE HÁ MAIS DE 40 ANOS VIVE NO BRASIL E TEM DELA MUITOS FILHOS E FILHAS". Nóbrega batizou-a de Isabel Dias; batizou lhes os filhos e filhas, os primeiros 21
  • 22. cristãos de São Paulo, nascidos dessa mãe semibárbara e linda. Boa mãe, boa esposa, essa quase desconhecida Bartira, foi aos poucos adquirindo hábitos civilizados; viu a chegada de Martin Afonso de Souza em 1532, viu mais tarde a chegada de Ana Pimentel, fidalga, rica, trazendo da Metrópole uma civilização palaciana; viu a fundação da Vila de Santo André da Borba do Campo, como já havia visto em 22 de Janeiro de 1532 a fundação de São Vicente no dia do santo homônimo; viu Braz Cubas construindo a Casa do Porto de Santos; viu a ereção do Hospital de Misericórdia fundado por Ana Pimentel; viu Anchieta atraindo a si os curumins e cunhatains, para ensinar-lhes noções de coisas e a rezar, adorar Deus e ela também vai aprendendo muitas coisas. Quando João Ramalho, aos 73 anos de idade, foi convidado para ser Prefeito de São Vicente, ela lembra-lhe a idade, e ele serenamente, numa carta ao Governador, recusa o alto cargo por "sentir-se velho e 22
  • 23. cansado" e achar que o governo da cidade necessitava de uma pessoa moça, cheia de vida, de entusiasmo e de disposição para o trabalho. Essa é a mulher que deve descerrar as cortinas do pórtico da História da Mulher Paulista, pois que seu sangue vem passando de geração em geração pelas veias da gente de nossa terra, formando os bandeirantes que alargaram as fronteiras da Pátria, sangue que ainda hoje circula nas veias dos estadistas, dos agricultores, dos industriais, dos poetas, dos operários, e da juventude gloriosa de São Paulo! Bartira - Flor, seu nome ficará nas paginas da História, como já está gravado no sangue heroico dos bandeirantes de todas as eras. Tirado do livro "A Mulher Paulista na História" Adalzira Bittencourt - 1954 23
  • 25. Quando Martim Afonso de Sousa aportou em São Vicente, pelas alturas de 1532, foi recebido, com surpresa sua, por dois patrícios que aqui já se encontravam havia longo tempo: Antonio Rodrigues e João Ramalho. Do primeiro muito pouco se conhece. Apenas que se casara com uma filha de Piquerobi, o cacique de São Miguel de Ururai, com quem teve muitos filhos. Quanto ao segundo, a fama era das piores. "Judeu degredado para uns; simples náufrago casual para outros; precursor de Colombo na América, segundo frei Gaspar da Madre de Deus; filho da casa real, dí-lo Pedro Taques; uma e única pessoa, pelo menos, iniciado nos rudimentos da Cabala, para Horácio de Carvalho", João Ramalho foi uma autêntica figura de novela. Deixara crescer a barba descuidada. Vivendo no mato, no meio da indiada, pouco ligava à indumentária. Era truculento, despótico, dominado pelos modos desabridos. Em consequência, não havia quem não o temesse. Um dia, andejando sempre, 25
  • 26. galgou a Paranapiacaba, e veio bater nas margens de Guapituba, onde conheceu o cacique Tibiriçá, com quem fez boa amizade. O aventureiro apreciou o lugar. Resolveu ficar. Aquilo por ali estava cheio de "índias passivas e ofertantes, que andavam nuas e não sabiam se negar a ninguém". Uma, porém, no meio de tantas, mexeu-lhe com o coração. Chamava-se Bartira. Além de bonita, Bartira sendo filha do cacique Tibiriçá, era um bom partido. João Ramalho não vacilou. Abandonou as demais e ficou com ela. Tornou-a á predileta. O chefe da tribo gostou. Ter um branco como genro era uma incomensurável honraria para a família... O núcleo de Santo André, assim chamado em memória do padroeiro da vila, foi atraindo outros forasteiros. A seleção não poderia ser das maiores. Apareceu gente de toda a espécie: bons e maus, estes em maior número do que aqueles. Quem era Ramalho 26
  • 27. Quando Martin Afonso de Sousa aportou a São Vicente, pelas alturas de 1532, foi recebido, para sua surpresa, por dois patrícios que aqui já se encontravam, havia longo tempo: Antônio Rodrigues e João Ramalho. De Antônio Rodrigues, muito pouco se conhece. Apenas que se casara com uma filha de Piquerobi, o cacique de São Miguel de Ururaí, e teve muitos filhos. E sobre João Ramalho? "Judeu degredado, para uns; simples náufrago casual, para outros; precursor de Colombo na América, segundo frei Gaspar da Madre de Deus; filho da casa Real, di-lo Pedro Taques; uma e única pessoa com o bacharel de Cananéia, na opinião de Cândido Mendes; boçal e rude analfabeto; personagem pelo menos iniciado nos rudimentos da Cabala, para Horácio de Carvalho." Na verdade, João Ramalho foi uma autêntica figura de novela. Deixara crescer a barba descuidada. Vivendo no mato, no meio da indiada, pouco ligava à indumentária. Era truculento, despótico, 27
  • 28. dominando pelos modos desabridos. Em consequência, não havia quem não o temesse. Além, muito além daquelas serras. Um dia, andejando sempre, galgou a serra de Paranapiacaba [subida de Santos ao planalto paulista] e veio bater nas margens de Guapituba, onde conheceu o cacique Tibiriçá, com quem fez boa amizade. O aventureiro apreciou o lugar. Resolveu ficar. Aquilo ali estava cheio de "índias mansas, daquelas índias passivas e ofertantes, que andavam nuas e não sabiam se negar a ninguém". Uma delas, no meio de tantas, lhe mexeu com o coração. Chamava-se Bartira. Além de bonita, Bartira vinha a ser a filha do cacique Tibiriçá. Era um bom partido. João Ramalho não vacilou. Abandonou as demais e ficou com ela. Tornou-a predileta. O chefe da tribo gostou. Ter um branco como genro era uma grande honraria... O núcleo de Santo André 28
  • 29. O núcleo de Santo André, assim chamado em memória ao padroeiro da vila, foi atraindo outros forasteiros. A seleção não podia ser das maiores. Apareceu gente de toda espécie: bons e maus, estes últimos em maior número do que aqueles. Tendo brotado na beira do sertão, ficou conhecido como Santo André da Borda do Campo. Como seria, naqueles tempos primitivos, Santo André da Borda do Campo? Naturalmente, tinha um aspecto selvagem. A terra era selvagem, os casebres de taipa-de-mão, cobertos de sapé, selvagens; as mulheres mestiças, mal enrodilhadas em panos de algodão, de fisionomias endurecidas pelos trabalhos incessantes, seriam, também, selvagens. "E os homens, na sua rudeza incomparável, barbudos e desataviados, possivelmente vestidos de pele, por toda parte alçando o perfil de lince, seriam, entre todos os seres, entre as próprias feras, os mais temerosos e os mais selvagens." 29
  • 30. Mas não tardou que o pequenino arraial viesse a receber o título honroso de vila, passando o seu fundador a ser apontado com o título mais honroso ainda "Alcaide Mor e Guarda Mor do Campo"... Um Alemão Assustado Foi nesse tempo que, por ali, apareceu o viajante alemão Ulrico Schmidel, que andava correndo mundo. Tinha um tipo esquisito. Sofria de delírio ambulatório. De Assunção, viera a ter em São Vicente. De São Vicente foi andando. E andando, andando sempre, quando viu, estava no meio de gente branca. Era ali Santo André. Cedamos-lhe a palavra: Afinal, chegamos a uma aldeia habitada por cristãos, cujo chefe se chamava João Reinvelle (sic). Felizmente, para nós, andava ausente, pois o arraial tinha-me cara de ser um covil de bandidos. Partira Reinvelle (Ramalho) para ir com outros cristãos que habitavam uma 30
  • 31. povoação chamada Vicenda (São Vicente), a fim de, com eles, concluir um tratado. "Apenas lhe vimos o filho, que nos recebeu bem, embora nos inspirasse muito mais desconfiança do que os próprios índios. Deixando este lugar, rendemos graças ao céu por dele havermos podido sair sãos e salvos." "Apesar de tudo, João Ramalho era o homem mais poderoso da região, mais do que o próprio soberano: havia guerreado e pacificado a província, reunindo cinco mil índios enquanto o rei de Portugal só reuniria dois mil". Ramalho excomungado No ano de 1553, Santo André da Borda do Campo viveu o ponto mais alto de sua vida florescente. Então, surgiram os primeiros jesuítas: Manuel da Nóbrega e Leonardo Nunes. O segundo ficou horrorizado com o que presenciava: a mancebia dos portugueses com as índias e o cativeiro dos índios. 31
  • 32. Aquilo lhe pareceu pior que Sodoma e Gomorra. E não teve dúvidas em excomungar João Ramalho. João Ramalho achou ruim... E começou a luta, uma luta de vida e morte. A mulher de Ramalho decidiu a questão Uma manhã, a coisa tomou aspecto muito sério. O padre, tendo ido dizer missa na igrejinha do povoado, viu entre os presentes João Ramalho e mandou expulsálo do templo. Foi à conta. Saiu um sarilho de todos os diabos. Os filhos de João Ramalho [que não eram poucos] resolveram tomar um desforço. Lá apareceram armados de trabuco, dispostos a matar o jesuíta corajoso. E foram entrando... Na frente, André, o mais velho. Depois, os outros: Vitório, Antonio, Marcos, João... Em casa, ficaram apenas as meninas: Joana, Margarida, e Antônia... Quando Bartira soube de que planejavam os filhos, foi atrás, e meteu-se 32
  • 33. no meio, desarmou-os, fê-los retroceder... Foi água na fervura. Desistiram do seu intento. E só assim escapou com vida o padre Leonardo Nunes. Um dia depois do outro A coisa era desse feitio, naqueles áureos tempos, na primitiva Santo André da Borda do Campo. Tudo se resolvia a trabuco. No princípio, João Ramalho deu aos padres muita dor de cabeça, e por um triz “não quebrou a pau” a dita cuja de Leonardo Nunes, o padre intrujão. Com os anos, tudo foi mudando. O belicoso João Ramalho já não era o mesmo das primitivas eras. Foi perdendo aquela arrogância, aquele jeitão distorcido... Os filhos, sim, os mamelucos da sua numerosa descendência, aqueles primeiros e desenvoltos paulistas, tornaram-se o terror das cercanias. E deram trabalho medonho... Foi um tempo quente. O fim da vila na borda do campo 33
  • 34. Já nessa época, São Paulo de Piratininga progredia, absorvendo completamente a vila que ficara atrás. Mem de Sá determinara que Santo André se extinguisse e todos se mudassem para São Paulo. O próprio João Ramalho acabou por concordar. E, para contentá-lo, nomearamno capitão-mor de São Paulo. Era uma maneira jeitosa de atraí-lo. Mas ele, a tempo, descobriu o golpe. Desiludido, não desejou ficar por aqui. Resolveu abandonar o Planalto e ir morar longe. E foi habitar uma cabana rústica no vale do Paraíba. Hospedou-se em casa de Luís Martins. Estava velho e cansado. Apesar de tudo, embora com setenta anos, não tinha uma cã [cabelos brancos] na cabeça nem no rosto, e costumava andar nove léguas a pé antes de jantar... Ramalho vereador 34
  • 35. Um dia, naqueles 15 de fevereiro de 1564, um grupo pacífico de homens foi procurá-lo na sua casinhola. João Ramalho recebeu-os com certo embaraço. Que queriam dele? Mandou-os entrar. Não havia banco para tanta gente... Ficaram de pé, e de pé falaram. Era uma comissão do Conselho Paulista. Vieram comunicar-lhe que a gente de Piratininga o havia elegido para vereador de sua Câmara. Á hora do troco Ramalho ouviu tudo com a maior atenção. Seu olhar parecia andar por muito longe, distante mesmo... Lembrava-se, talvez, das ingratidões de que fora vítima. Recordava-se das humilhações sofridas. E no mesmo instante, mal sopitando a revolta tardia, alçou o rosto, e achou que chegara o momento azado para a desafronta. Solene, pausado, com um tom superior, retorquiu, altivo: "Não aceito. Vivo bem no meu exílio. Pra que voltar? Além disso, estou velho: sou 35
  • 36. um homem que já passou dos setenta anos... Digam ao Conselho que João Ramalho declina da honraria, e prefere ficar onde se encontra: prefere acabarem seus dias entre os contrários do Paraíba, na terra dos índios..." E deu-lhes as costas. Um a um, foram saindo. O velho dominador tinha razão: "não nasceu para vereador de um mísero burgo, aquele que sempre foi um rei da floresta”. Morre Martim Afonso Tibiriçá (o cacique) Naquele dia 25 de dezembro de 1562, sofreram os índios um rude golpe. A notícia espalhara-se rapidamente. O cacique Tibiriçá estava passando muito mal. O padre Anchieta, ao seu lado, empenhava-se em suavizar-lhe os últimos momentos. Havia muito, vinha ele sofrendo as “câmaras de sangue”. E com a avançada idade que atravessava aquilo mais lhe torturava os derradeiros estertores. A indiada, cá fora, não se conformava e chorava. Chorava aos gritos angustiados. E 36
  • 37. pela aldeia rolava aquele lamento surdo e inquietante. Os tambores, lá longe, ecoavam. Logo mais, a nova melancólica caiu como um raio. Tibiriçá morrera! O Martin Afonso [nome cristão que ele adotara] deixara de existir. Piratininga inteira vibrou. Os índios e os padres. Desaparecia um dos seus melhores amigos. À tardinha, realizou-se o sepultamento. Um sepultamento com toda a pompa. Compareceu todo o mundo. João Ramalho e sua mulher, Bartira, batizada com o nome de Isabel, seus numerosos filhos, seus netos, todos os seus descendentes, os jesuítas, os indígenas, chorando... Seu corpo foi levado para o colégio São Paulo e ali sepultado. Era uma deferência das maiores. O repórter Padre Anchieta O padre Anchieta, em carta escrita a 16 de abril de 1563, contava, então, o que acontecera: "Foi enterrado na nossa igreja, com muita honra, acompanhando-o todos 37
  • 38. os cristãos portugueses com a cera de sua confraria”. "Ficou toda a capitania com grande sentimento de sua morte pela falta que sentem, porque este era o que sustentava todos os outros, conhecendo-se-lhes muitos obrigados pelo trabalho que tomou em defender a terra, mais que todos, acho que nos devemos nós os da companhia e por isso determinou dar-lhe em conta não só de benfeitor, mas ainda de fundador e conservador da Casa de Piratininga e de nossas vidas”. "Fez testamento e faleceu com grandes sinais de piedade e fé, recomendando à sua mulher e filhos que não deixassem de honrar sempre a verdadeira religião que abraçaram." Quem mais sentira a morte de Tibiriçá fora seu genro, aquele barbaçudo e intrépido João Ramalho. Regressara, depois do enterro, ao seu retiro às margens rumorejantes do Paraíba. Parecia que a vida perdera para ele a razão de ser, seu 38
  • 39. encanto maior. Talvez a idade avançada, talvez os dissabores enormes... E meditou muito longamente sobre a morte. O vale da sombra da morte O velho João Ramalho tratou de preparar-se para enfrentar o momento fatal que haveria de vir, mais dias, menos dias. Mandou chamar à sua presença o tabelião Lourenço Vaz, naqueles três de maio de 1580. Conversaram os dois longamente. Soube-se apenas que, no mesmo dia, o funcionário regressava à casa do ex-rei do Planalto, armado de enorme livro e com a sua pena de pato. Acompanhavam-no o juiz ordinário Pedro Dias e quatro testemunhas. Vinham solenes e carrancudos. E João Ramalho ditou seu testamento. O documento famoso ficou transcrito nas notas do tabelião da Vila de São Paulo. Narrava toda a sua vida, uma vida novelesca e cheia de altos e baixos. Frei Gaspar da Madre de Deus revelou mais tarde que possuía uma cópia do documento 39
  • 40. original, mas o certo é que pouquíssimas pessoas manusearam o testamento tão discutido. Capistrano de Abreu [historiador, contemporâneo de Rocha Pombo], escrevendo a respeito, deu sua opinião valiosa: "fora de dúvida está que João Ramalho foi um dos colonos mais antigos; preferiu o planalto à beira-mar, fez-se respeitado pelos indígenas, entre os quais granjeou numerosa prole”. "Os hábitos, adquiridos em decênios de vida solta, incompatibilizaram-no com os jesuítas, de cujas crônicas saiu mal notado. Muito deu que falar o seu testamento, do qual sonsamente deduziu frei Gaspar da Madre de Deus que fora ele o verdadeiro descobridor da América; o documento não foi visto só por frei Gaspar, mas até agora não reapareceu." Paulistas de quatrocentos anos 40
  • 41. João Ramalho morreu tempos depois. Deixou uma descendência colossal, gerando os primeiros paulistas: 1) Beatriz Dias, que foi casada com Lopo Dias, natural de Portugal; 2) Francisco Ramalho Tamarutaca, que foi casado três vezes, sendo a primeira e terceira com Francisca e Justina, índias; 3) Antônio de Macedo, casado; 4) Vitorino Ramalho, casado, que foi assassinado pelos índios Tupiniquins, nas imediações da Vila de São Paulo; 5) JOANA RAMALHO, casada com Jorge Ferreira, que foi, em 1556, loco tenente do donatário da Capitania de Santo Amaro, pertencente a Martim Afonso, filho de Pedro Lopes de Souza. E outros mais... Um lugar perdido no tempo Santo André - já asseverou Teodoro Sampaio [historiador, contemporâneo de Rocha Pombo] - como um ninho de escravismo e toca de turbulência, 41
  • 42. desapareceu sem deixar vestígios, como se, de vez, a arrasara um braço exterminador. Nas margens do Guapituba, que flui para Piratininga, cerca de uma légua na atual vila de São Bernardo, o viajante debalde procura um trecho de velho muro que lhe recorde este baluarte do alcaidemor da Borda do Campo. Como se fora edificada na areia movediça, onde um sopro de desolação tudo subvertera e apagara, nem mesmo a tradição mameluca se salvou na memória dos raros habitadores destas paragens. É que as cidades também se apagam na vida, como se apagam na iniquidade dos homens. (Fernando Correia da Silva - Sertanejo, pioneiro, 1493(?) – (1580)). Quando Tudo Aconteceu.. 1493 (?): Nascimento de João Ramalho, em Vouzela, distrito de Viseu. 1512 (?): Sua viagem para o Brasil. - 1514 (?): É aceite pela tribo tupiniquim chefiada pelo cacique Tibiriçá, o qual lhe dá como 42
  • 43. esposa a sua filha Bartira. - 1532: Ajuda Martim Afonso de Sousa a fundar a vila de São Vicente (no litoral do atual Estado de São Paulo). - 1553: Funda e é nomeado Alcaide-mor da vila de Santo André da Borda do Campo, no planalto de Piratininga. - 1554: Ajuda o jesuíta Padre Manuel da Nóbrega a levantar a povoação de São Paulo de Piratininga. - 1560: Mem de Sá, Governador - geral do Brasil, extingue a vila de Santo André e promove São Paulo a vila. - 1562: João Ramalho, com a ajuda de Tibiriçá, comanda a defesa de São Paulo contra o ataque da chamada "confederação dos tamoios". - 1564: Recusa o cargo de vereador da vila de São Paulo e retira-se para o vale do Paraíba. - 1580: Morre João Ramalho em São Paulo. Confissão Vossa Reverendíssima insiste ouvir-me em confissão? Compreendo e agradeço o cuidado. Já fiz 87 anos, amanhã vou apagar-me e quereis que eu vá sem mácula 43
  • 44. à presença do Criador. Porém, nesta passagem, mais temo por vós do que por mim. Explico-me e perdoai-me o doesto: sois muito verde, noviço recém-chegado. Sem prévia vivência das terras do Brasil, não conseguireis entender os volteios da minha vida. Ireis ficar escandalizado como escandalizado ficou em tempos o Padre Manuel da Nóbrega, o fundador desta vila de S. Paulo. Chegou mesmo a pregar que petra scandali era toda a minha vida. Mais tarde corrigiu a opinião, mas que o disse lá isso disse, e quase me excomungou. “Não, Padre, Ramalho é a minha alcunha por causa da minha barba que foi sempre ramalhuda. Maldonado é que é o apelido do meu pai. Nome de cristão novo achais que sim? Antes de vós, já outros disseram o mesmo e até disseram que a rubrica ou gatafunho com que assino os documentos é um kaf, letra hebraica. Portanto, para eles, marrano fugido ou degredado para o Brasil serei eu. Outros opinam que eu sou apenas um náufrago que 44
  • 45. deu à costa. Nada disso eu desminto ou confirmo. Padre: mais vale cair no mar fundo do que rolar nas bocas do mundo... Contra correntes adversas, não vale a pena resistir-lhes. Não se perca o fôlego, é deixar que nos arrastem. Só quando começam a enlanguescer é que, num repelão, delas podemos nos safar. E eu safei-me, como estais vendo, pois venho aqui a morrer de velho. Padre foi por entre duas águas que atravessei a vida”. A Ilha do Paraíso Em Vouzela, onde nasci, despeço-me de Catarina, a minha esposa, e parto para Lisboa. O motivo? Padre: essa é matéria que não vem ao caso. Pecados, se os cometi, foram aqui e não em Portugal, e pecados é o que eu devo confessar. Abalo de Vouzela, coração apertadinho... Suponho, e bem, que nunca mais tornarei a ver a Catarina, pois o meu destino é o Brasil tão distante. Mas, ao chegar a Lisboa, logo me animo. Não só por causa das novas da expedição de Fernando Noronha que, esse 45
  • 46. sim! Veramente cristão-novo e mercador, o que não obstou que El-Rei D. Manuel, o Venturoso, lhe tivesse arrendado as terras de Vera Cruz desde 1502 a 1505 para o abate e recolha de pau-brasil, então muito procurado para a tingidura de panos. E foram 20 mil quintais que renderam cinco por um. Pensei que o nome do pau-brasil lhe viesse da cor de brasa, mas um marinheiro bretão, com quem fiz amizade, conta-me que na sua terra, e na sua língua, corre a antiga lenda que O'brazil é o nome verdadeiro da Ilha do Paraíso, e que tinham sido os afortunados portugueses a descobrila, e por isso está ele em Lisboa na esperança de poder ser engajado numa viagem ao Paraíso. Arribo a esta costa do Brasil em 1511, talvez em 12, ou 13, não sei ao certo, com tantos anos em cima do lombo a memória já me vai falhando. Bem acolhido sou por António Rodrigues, o degredado português a quem todos chamam, ou chamavam, o "bacharel de Cananéia", e que há muito 46
  • 47. tempo vive entre os índios tupiniquins da beira da praia. Apadrinha-me e logo me parece que demandei veramente o Paraíso, pois, ao acolherem-me, os índios começam por me dar mulher nova, escorreita e muito limpa, e eu estou na casa dos 20 anos, deslumbramento... NUDEZ E MALÍCIA É o que eu temia: Vossa Reverendíssima já começa a benzer-se e a apostrofar-me por ter caído eu em pecado mortal, que é o da fornicação e luxúria. Segui o ditado em Roma sê romano e confesso que, entre os índios, índio fui. Para 47
  • 48. eles, pecado é recusar o que a natureza prazerosa manda colher. Vossa Reverendíssima escandaliza-se com a nudez das mulheres nativas e desvia os olhos para não mirar aquilo a que chama suas vergonhas. Mas se malícia existe não será nelas, pois com inocência revelam os corpos que Deus lhes deu, tal como vós mostrais a nudez das vossas mãos. E mais vos digo que assim desnudas são elas mais discretas e modestas do que as ataviadas damas do Paço e nem sequer estou a compará-las com as marafonas que, vestidas da cabeça aos pés, andam em requebros pelas ruas de Lisboa. Quanto ao relacionamento que estas índias têm com os homens, procedem elas com a mesma naturalidade e prazer com que se refrescam e matam a sede com a água de coco. Uma coisa de comum têm as nativas com as reinóis: a vaidade. Mas enquanto as de lá gastam os dias a escolher tecidos, brocados e roupas com que pensam adornarem-se, estas daqui passam o tempo 48
  • 49. a fazer cocares com penas de aves e a fantasiar desenhos e motivos com que irão pintar os corpos umas das outras. São elas também que pintam, com mão firme, a geometria que se espalha sobre os corpos de rapazes e guerreiros. Tintas preparadas com barro, resinas e sumos de frutas. Portanto pinturas que duram apenas até ao próximo banho. Porque estes índios são muito asseados, chegam a tomar um, dois, ou mesmo três banhos por dia. São muito diferentes dos portugueses, que fedem como os porcos que trouxeram do Reino. Potira e Tibiriçá Vinda do planalto de Piratininga, um dia baixou à praia, Potira, cujo nome quer dizer flor. Não sei por que os portugueses insistem em chamá-la de Bartira, já que o seu nome verdadeiro é Potira... Índia jovem, quase uma menina, esbelta, verdadeira flor de manacá. Boto os olhos nela e quedo logo embeiçado. Afaga-me as barbas, ri-se do meu enleamento e vai-se 49
  • 50. embora. Resolvo segui-la. Por veredas que descubro ou invento por entre o mato grosso da encosta íngreme, trepo pela serra de Paranapiacaba acima. Aquela a que ides chamando Serra do Mar. Potira é filha de Tibiriçá, cacique de Inhapuambuçu, a principal taba ou aldeamento dos campos de Piratininga. Também o cacique parece gostar de mim. Espanta-se com a minha barba ramalhuda e diverte-se com a minha forma de falar a sua língua. Adopta-me e dá-me Potira em casamento. Antes de construir a minha oca, ficamos provisoriamente a viver na maloca, ou palhoça colectiva, do meu sogro. Promiscuidade? Saiba Vossa Reverendíssima que homem nascido numa maloca não pode casar ou ter conjunção carnal com mulher nascida na mesma maloca e todos aceitam voluntariamente esta lei. Portanto, promiscuidade não é, mas outra forma de vida muito diferente daquela a que os portugueses estão acostumados. Na maloca de Tibiriçá vivem, entre 50
  • 51. homens, mulheres e crianças, umas duzentas pessoas. Está dividido em várias secções, em vários lares, e em cada lar um homem com as suas mulheres e os seus filhos. Entre os moradores da maloca não há segredos e o que pertence a um pertence a todos. E o mesmo altruísmo estende-se aos moradores das seis malocas vizinhas, e aos dos outros aldeamentos mais à frente porque, por casamentos cruzados das mulheres de um grupo, ou maloca, ou taba, com homens de outro grupo, de outra maloca, de outra taba, todos eles são parentes, e assim todas as tribos de uma mesma nação que ocupa um território por vezes maior do que o de Portugal vive em amizade e harmonia. Sim, Padre, confesso que mulheres tive e tenho muitas, pois todos os caciques queriam e querem ser meus parentes. Mas a esposa principal é Potira. Respeitada pelas demais, na minha maloca a sua rede fica sempre armada junto à minha. De Potira e das outras tenho muitos filhos e filhas. Os 51
  • 52. meus meninos mestiços... Ou caribocas, como dizem os índios; ou mamelucos, como dizem os portugueses; mas esta é palavra árabe que perdeu o rumo, porque significa pajem, escravo ou criado e os meus filhos nunca foram nem meus pajens, nem meus escravos, nem meus criados, embora outros caribocas, que não os meus, tenham sido tudo isso para outrem que não eu. Os meus caribocas andam por aí desde as praias de S. Vicente, Bertioga e Itanhaen até aos campos de Piratininga, a dar-me força e prestígio, pois casaram e tiveram filhos e netos que, por sua vez, também se casaram, e por isso me tornaram parente de quase todos os tupiniquins. De mim alguém disse (e não mentiu) que, se necessário, num só dia eu poderia reunir à minha volta 50 mil homens. E reuni, não foram precisos tantos, mas uma vez eu reuni largos milhares e por isso o Padre Manuel da Nóbrega me ficou muito agradecido. O caso aconteceu lá pelos idos de 1562, depois eu conto. 52
  • 53. Se tudo isto é pecado, então, Padre, eu pecador me confesso. Mas bater no peito eu cá não bato, nem faço acto de contrição. Não podeis, por isso, absolver-me, nem darme a extrema unção? Sossegai, pois, na Sua omnisciência, saberá Deus Nosso Senhor entender e perdoar os volteios da minha vida... Padre, o que fiz nesta vida, nesta vida eu não renego. E na outra, a ver vamos... Fundação de São Vicente João Ramalho ajuda Martim Afonso de Sousa a fundar a vila de São Vicente. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica Padre: em 1532, tenho eu uns 40 anos, ouço a nova que várias canoas grandes (assim os índios chamam às naus) com homens brancos a bordo, tinham fundeado junto à praia. E que António Rodrigues, o "bacharel de Cananéia", em vão tentava interpor-se entre índios e brancos, guerra à vista. Com os meus 53
  • 54. homens desço a serra, chego à praia. Comanda a expedição Martim Afonso de Sousa, a quem El-Rei D. João III concedera donataria com cem milhas de costa e todas as terras que houvesse dentro, limitadas a norte e a sul por duas paralelas ao Equador. Se, por um lado, eu sou respeitado chefe tupiniquim, por outro, português continuo ainda a ser. A nadar assim por entre duas águas, só a paz poderá sossegar o meu tormento e trato de promovê-la. Em tupi, discurso para os índios e, em português, para os lusos. Digo-lhes que os brancos ocupem o litoral, mas que deixem os índios continuar nas suas fainas de pesca. Que uns não molestem os outros. Que iniciem o escambo do que uns têm a mais e outros a menos, e todos alcançarão seus proveitos. E assim se faz. Martim Afonso de Sousa e os seus dão seis anzóis e dois cunhas por 80 patos, e duas cunhas grandes mais 20 punções e quatro tesouras por dois antas, e cinco cunhas mais cinco anzóis por cinco cargas de milho, e 100 54
  • 55. facas por 200 rolas, e 15 cunhas mais 15 anzóis médios por 15 veados, e 40 cunhas mais 12 tesouras e 52 anzóis por 52 cabaças de mel em favo, e dois tesouras mais 25 punções e 24 anzóis por 26 cargas de ostras. Portugueses e tupiniquins ficam todos muito contentes com o escambo, pois os brancos estão muito carenciados de mantimentos e, para os índios, ferramentas de ferro é algo de milagroso. Mais se firma a paz e a boa amizade quando eu facilito mulheres para os portugueses solteiros e as cunhantãs até quedam muito felizes com o arranjo, pois num repente melhoram de vida. Padre: podeis excomungar-me, mas atentai que alcoviteiro não fui eu, porém apaziguador de vendavais. Com António Rodrigues e os meus filhos caribocas e muitos outros tupiniquins, ajudo os portugueses de Martim Afonso de Sousa a construir casario de pedra e cal, também a igreja matriz e assim rompe a vila de São Vicente. 55
  • 56. Então, nos campos em redor de São Vicente, os portugueses começam a plantar cana de açúcar e a levantar engenhos e pedem-me que lhes forneça escravos para os trabalhos da lavoura. Os tupiniquins não sabem o que isso seja, mas sei eu. Nas guerras que mantínhamos com os tamoios e outros tapuias, fazíamos muitos prisioneiros. E então me ponho a pensar que mais vantajoso será vendê-los aos portugueses do que comê-los, costume que veramente me dá a volta ao estômago e à alma. Tento conciliar o inconciliável e assim ajudo a abrir as portas do inferno em que hoje vivem todos os índios, os tapuias, mas também os meus tupis, porque os portugueses, a partir do momento em que passam e ter índios como escravos, e não querendo distinguir tupis de tapuias, acham que todos os índios devem ser escravos seus... Padre, por ora não estou a falar de vós nem dos outros missionários jesuítas, mas daqueles portugueses que vêm do Reino ao Brasil com a ambição de fazer 56
  • 57. fortuna rápida e logo tornar à pátria. Deles também se queixa o Padre Manuel da Nóbrega. Um dia ouço que se lamenta, embora aos solavancos, pois tartamudo é ele: -De quantos vieram lá do Reino, nenhum tem amor a esta terra. Todos querem fazer em seu proveito, ainda que seja à custa da terra, porque esperam de se ir. Não querem bem a terra, pois têm a sua afeição em Portugal; nem trabalham tanto para favorecê-la, como para se aproveitarem de qualquer maneira que puderem. ... Mas doutra ouço que assopra aos missionários:- Se El-Rei quer ver os índios todos convertidos, pois deve mandar sujeitá-los. Deve haver um protector dos índios para fazê-los castigar, para não deixá-los comer carne humana, nem guerrear sem licença do Governador, fazerlhes ter uma só mulher, vestirem-se, pois tem muito algodão, fazê-lo viver quietos sem se mudarem para outra parte. E eu já não sei Padre, já não sei qual é 57
  • 58. a pior sujeição: se a física ou a mental. ESCRAVIDÃO Comedores de Carne Humana Sim, Padre, confesso que, embora a contra gosto, também eu fui um comedor de carne humana, em Roma sê romano. Não fique Vossa Reverendíssima horrorizado que eu sei de horrores maiores cometidos lá no Reino. Quando, numa guerra, os tupiniquins aprisionam um tapuia, não tratam mal o 58
  • 59. prisioneiro, até antes pelo contrário. Dãolhe de comer e beber, tudo quanto queira. Chegam mesmo a dar-lhe mulher que em tudo o serve. E quando amanhece o dia marcado para o sacrifício, empunhando o tacape, que é um pilão de guerra, o carrasco aproxima-se da vítima e diz-lhe: - Sim, vou matar-te, pois a tua gente também matou e comeu muitos dos meus. Se o tapuia não tremer, não desfalecer de medo, se for homem de coragem, responderá: - Depois que eu for morto, os meus irão vingar-me, tu vais ver. Então o carrasco, com o tacape, acerta-lhe uma pancada na nuca e assim é morto o prisioneiro. Só depois começam a assar-lhe o corpo. E se ele foi homem de coragem, mais disputada é a sua carne, porque todos pensam partilhar assim de tal coragem. Padre, não me comove a vossa repugnância, pois eu sei que no Reino agora a voga é, em nome de Deus, prender judeus 59
  • 60. e cristãos-novos, é torturá-los até lhes partirem os ossinhos todos, é levá-los ainda em vida à fogueira, o que é grande maldade que não se usa por aqui. Assam-nos em vida e depois nem sequer os comem; desperdício. Santo André da Borda do Campo João Ramalho é nomeado Alcaide-mor da vila de Santo André da Borda do Campo. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica Padre: em 1553, aproximadamente 20 anos depois de Martim Afonso de Sousa se ter ido embora, e estava eu com mais ou menos 60 anos, o seu primo Tomé de Sousa fundeia as suas naus ao largo de São Vicente. Mas vem como Governador-geral do Brasil, porque El-Rei tinha acabado com as donatarias, pois das 15 só dois tinham resultado: a de São Vicente, por esforço meu, e a da Bahia por esforço de um Diogo Álvares Correia, a quem os tupinambás, 60
  • 61. com os quais vivia, chamavam Caramuru. Junto com Tomé de Sousa vinha o jesuíta Padre Manuel da Nóbrega, com a missão de evangelizar os tupiniquins. Antipatiza logo comigo e quase me excomunga, já vos disse. Mas, em abono da verdade, devo acrescentar que, anos depois, para me safar de pecado mortal, tentará casar-me com Potira. Aviso-o que tenho mulher legítima no Reino. Escreve para Vouzela, a saber, novas de Catarina, se ainda é viva ou já finada. Não vem resposta. Na dúvida, manda que eu acabe com a mancebia. Recuso repudiar Potira eu cá não repudio. Para escândalo do Padre decido continuar a viver em pecado mortal... Este Tomé de Sousa é homem decidido. Para evitar incursões dos corsários franceses que infestam as costas do Brasil, manda construir um forte na barra de Bertioga. E para congregar os colonos que andavam esparsos pelo litoral ao sul de São Vicente, manda edificar a vila de Conceição 61
  • 62. de Itanhaen. Depois, para sustar o comércio dos moradores de São Vicente com os castelhanos de Assunção do Paraguai, na serra de Paranapiacaba cega as veredas de acesso ao planalto e decide construir, lá no alto, uma vila cuja guarnição impeça a passagem dos mercadores num e noutro sentido. A medida revolta a população de São Vicente que tem os seus interesses em tal comércio, mas foi pensado assim e assim se faz. E, contra a opinião do Padre Manuel da Nóbrega, sou eu o indicado para, lá na boca do sertão de Piratininga, fundar a vila de Santo André da Borda do Campo. Também sou o seu primeiro e único Alcaidemor, pois a vila será extinta em 1560 pelo novo Governador-geral Mem de Sá. São Paulo de Piratininga João Ramalho ajuda o Padre Manuel da Nóbrega a fundar São Paulo. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica. 62
  • 63. Saiba Vossa Reverendíssima que, apesar da má vontade do Padre Manuel da Nóbrega, em 1554 ajudo-o a fundar São Paulo de Piratininga, povoação que Tomé de Sousa mandara levantar. Sempre esta minha mania de nadar por entre duas águas, conciliação... Santo André e São Paulo, duas povoações tão próximas uma da outra, mas por quê? Um capitão, que é muito meu amigo, pois muito lhe facilitei a vida junto dos tupiniquins, comete inconfidência e mostra-me o Regimento de D. João III para Tomé de Sousa. As instruções são claras: "Será grande inconveniente os gentios, que se tornaram cristãos, morarem na povoação dos outros e andarem misturados com eles; e será muito serviço de Deus e meu apartarem-nos da sua conversação. Encomendo-vos e mando que, os que forem cristãos, morem junto, perto das povoações das ditas capitanias, para que conversem com os cristãos e não com os gentios, e possam ser doutrinados e ensinados nas coisas da Santa Fé; e aos 63
  • 64. meninos, porque neles imprimiram melhor a doutrina, trabalhareis por dar ordem como se façam cristãos e que sejam ensinados e tirados da conversação dos gentios". Tomé de Sousa não pensava povoar o planalto. São Paulo, com o seu Colégio, e com o seu Padre Anchieta que tão bem aprendeu a falar tupi que até nessa língua faz hinos e poemas, era apenas um aldeamento para a evangelização dos índios. Já Mem de Sá, terceiro Governadorgeral do Brasil, é um pau de dois bicos. Começa por proibir escravizar os índios. Mas, ao mesmo tempo, manda desimpedir as veredas de Paranapiacaba e em 1560 extingue a Santo André dos meus guerreiros tupiniquins (e de escassos peões portugueses) e promove São Paulo a vila. É um nebuloso convite aos aventureiros, porém convite: subam ao planalto a caçar índios! E eles começam a subir, ó se começam... E são perigosos, devastadores, pois os portugueses facilmente se adaptam 64
  • 65. a tudo: se não há farinha de trigo, pois coma-se a de mandioca, se não há uvas, pois comam-se jabuticabas, se não há bagaço de vinho, pois beba-se aguardente de milho, se não há colchões, pois durma-se em rede, se não há putas brancas, pois fodam-se índias! Desleixados, sem planos prévios levam tudo a eito, dispostos apenas ao trabalho de pôr os outros a trabalhar para eles, sequiosos que estão de honrarias e riquezas... Atormentado, rolado entre duas águas, com os meus tupiniquins abandono a extinta vila de Santo André e retiro-me para o sertão. A Conferência dos Tamoios 65
  • 66. Tantas atrocidades são cometidas que bastam apenas dois anos para unir todas as tribos dos tamoios, desde Bertioga ao Cabo Frio, e até mesmo ao vale do Paraíba... E eis uma nação de índios congregada para arrasar São Paulo, com todos os seus moradores, homens de armas, padres, artesãos, mercadores e senhores de engenho, o povo todo... Em desespero de causa o Padre Manuel da Nóbrega mandame pedido de socorro. Atendo, é a pecha do costume, as duas águas... Com Tibiriçá, o 66
  • 67. meu sogro, em dois dias reúno milhares de homens. Em 1562 há lutas, escaramuças, guerras e morticínios, mas os tamoios não conseguem entrar em São Paulo. Sou eu quem comanda toda a defesa. Assim o querem os portugueses, assim o faço. Depois os Padres Manuel da Nóbrega e Anchieta entram a parlamentar com os tamoios. Dão razão às suas queixas e prometem-lhes que os brancos não mais irão prear índios porque eles, Padres, são contra a escravização. Os tamoios acreditam que assim vai ser. Em 1563, em Iperoig, os Padres e os tapuias fazem a paz. Coitados de tapuias e tupis... MEDITAÇÃO Em 1564 oferecem-me o cargo de vereador de São Paulo. Recuso e, com os meus homens, retiro-me para o vale do Paraíba. Por lá fiquei até hoje, já lá vão 16 anos. Tive muito tempo para meditar sobre as duas águas em que andei e ando sempre a rolar. 67
  • 68. Padre: o índio segue a natureza, o português luta contra ela. Quando, por causa das queimadas, se esgotam as suas terras, o índio abandona-as, procura e desbrava outras e tantas há que parecem não ter fim... Constrói uma nova taba ou aldeamento, reconhece o novo território de caça. Para apanhar pacas, capivaras, tamanduás, coatis e outros bichos, coloca as armadilhas nos trilhos novos. Nos rios que descobriu observa a que pegões vão os lambaris e outros peixes em cada época do ano. O índio está sempre a mudar de lugar, para ele não tem sentido a casa de pedra e cal. Também não tem sentido a acumulação de víveres, pois o calor apodrece-os. Conhecendo a natureza como conhece, em cada momento dela vai retirando o que precisa. Já a ambição do português, habituado à penúria dos seus Invernos, é acumular, de tudo, o mais que possa, em tempo curto, cereais e frutos secos, conservas em azeite, ou fumeiros, ou salgadeiras de carnes e peixes. Nem os 68
  • 69. índios conseguem entender os portugueses (aos quais chamam de loucos), nem os portugueses conseguem entender os índios (aos quais chamam de selvagens). Padre: olvidei estas diferenças, quis conciliar o inconciliável e o resultado é o que se vê. Reparai agora que todas as tribos de fala tupi, que ocupam a faixa litorânea desde o norte do Brasil até ao rio da Prata, por causa dos casamentos cruzados e alargados, são todas elas aparentadas. Só mais para o interior é que vivem e reinam as outras tribos ou nações tapuias, que são dezenas, se acaso centenas não forem elas. Até parece que Deus Nosso Senhor, ao espalhar os tupis pela costa do Brasil, quis preparar a entrada dos portugueses, pois a estes lhes bastou aprender apenas mais uma língua, para se fazerem entender de norte a sul em tamanho território. Vossa Reverendíssima não torça o nariz porque, embora os portugueses sejam os novos donos do Brasil, aqui a língua portuguesa é como o latim, lá no Reino, só 69
  • 70. poucos a falam. Aqui, a língua-geral é o tupi, embora corrompido pela língua portuguesa, porém tupi ainda. E até a língua portuguesa que algumas criancinhas aprendem no Colégio (não nas ocas ou malocas) vai sendo corrompida pelo tupi. Vossa Reverendíssima, em Coimbra, falava um português impecável. Aqui já vai dizendo urubu em vez de abutre, mirim em vez de pequeno, saúva em vez de formiga, capim em vez de forragem, jabuti em vez de cágado, arapuca em vez de armadilha, catapora em vez de bexigas, jararaca em vez de cobra, e tantas mais... E eu pergunto-me se as facilidades que os povos de língua tupi deram aos portugueses estão a ser devidamente retribuídas pela forma como estes tratam aqueles. Não, Padre, não estou a falar apenas da sujeição física, mas também daquela outra que promoveis com a evangelização dos índios, esse vosso trabalho de sapa das suas antigas crenças e tradições, afinal suas referências para a vida 70
  • 71. ter sentido e apetecer. Estou a falar dos muitos milhares de índios que, em consequência, vão perdendo a vontade de viver e de resistir à opressão dos brancos. Bem sei que anjos, não homens, é o que vós, jesuítas, pretendíeis fabricar nos vossos aldeamentos. Mas vejo que não haveis conseguido nem uma coisa nem outra, apenas mortos-vivos. Padre: estou velho e prestes a apagarme. Português nasci e só ambiciono, na hora da morte, ouvir falar a minha língua natal. Só por isso tornei a esta vila de São Paulo, é ainda esta minha pecha das duas águas... Padre: se tudo o que digo vos parecer blasfêmia, pois relevai as patetices de um velho senil que a vós chega amparado pelos seus caribocas, e tratai de encomendar-me a alma a Nosso Senhor, deus dos brancos, que um pajé, antes do meu retorno, já a encomendou a Tupã, deus dos índios. 71
  • 72. 72
  • 73. Histórias das Famílias Relatos de Antonio Souza Sampaio SEBASTIÃO FLORIANO E MARIA MIQUILINA Meu avô Sebastião Floriano de Camargo Sampaio, filho de Francisco de Paula Souza Camargo e Maria Fausta do Amaral Camargo, casou-se em Campinas em 25/01/1872, na Matriz de Santa Cruz. Era advogado na cidade de Campinas, exerceu suas funções em Amparo (onde nasceu meu pai, Adão de Camargo Sampaio) também em Atibaia, Bragança Paulista, Mogi - Mirim e Capivari. Minha avó, Maria Miquilina Ribeiro de Camargo e Castro, era filha do maior fazendeiro de Campinas, Comendador e Tenente Coronel Querubim Uriel Ribeiro de Camargo e Castro. A fazenda do Tenente Coronel Querubim era no arraial dos Sousas, hoje Distrito de Sousas é ligada á Campinas, 73
  • 74. ocupava uma imensa área nos dois lados do rio Atibaia. O Tenente Coronel também tinha uma chácara maravilhosa na cidade de Campinas, fornecia muitos produtos ao povo da cidade, como leite, frutas, verduras e legumes. Político influente e de grande prestígio social, foi vereador e presidente da Câmara, cabendo-lhe saudar o Imperador Dom Pedro II, em 1846, quando este visitou Campinas pela primeira vez e ficou hospedado em sua casa. Sua majestade o agraciou com a “Ordem das Rosas” - Tenente Coronel Chefe do Estado Maior da Guarda Nacional dos municípios de Campinas, Bragança, Atibaia, Nazaré, Jundiaí e Constituição, depois Piracicaba da Província de São Paulo. O Comendador das Rosas cultivava suas fazendas com escravos, e seu genro, meu avô, Sebastião Floriano de Camargo Sampaio, tinha muita pena da escravidão e trabalhava com afinco para a libertação, era 74
  • 75. abolicionista, o que acabou criando uma grande inimizade com o sogro. O Coronel ficou muito sentido e bravo com meu avô. ANTONIO DE SOUZA LARA Meus avôs Antônio de Souza Lara e Eudoxia Lazara Ribeiro de Souza Lara, ele paulista de Piracicaba, ela carioca do Rio de Janeiro, quando se casaram foram morar em São Carlos. Meu avô era um famoso mestre de obras, viviam muito felizes. Trabalhou com afinco e conseguiu ser proprietário de várias casas na cidade, onde nasceu minha mãe. O coronel Querubim Vieira, político forte da cidade de Brotas, possuidor de várias fazendas, contratou meu avô para construir o prédio do Grêmio Literário Brotense. Meu avô mudou-se com a família para Brotas e começou a obra com muitos empregados. A construção já estava bastante adiantada, quando durante uma 75
  • 76. grande chuva, meu avô foi surpreendido por uma enxurrada canalizada em direção aos alicerces, o que comprometeu o serviço já feito, abalando as paredes, as quais já estavam respaldadas. Toda culpa recaiu sobre meu avô. Homem sério, honesto e cumpridor de seus deveres, meu avô Antonio demoliu tudo o que tinha feito e reconstruiu por sua conta. Para isso teve que vender seu patrimônio, ficando quase a zero. Posteriormente foi comprovado que a canalização da enxurrada, nos alicerces do prédio do Grêmio, foi criminosa, feita as escondidas, por homens a mando de políticos do partido contrário ao do coronel. O Coronel era um homem honesto e muito bom, após os esclarecimentos do acontecido quis recompensar meu avô por perdas e danos. Vendeu-lhe a fazenda Bela Vista por um preço bem baixo, facilitou-lhe o pagamento, o que o deixou muito feliz e contente. Após o término dos serviços da construção do Grêmio Literário Brotense, 76
  • 77. que até hoje é um belo prédio, mudou-se com a família para a sua fazenda, onde viveram felizes muitos anos. ADÃO DE CAMARGO SAMPAIO E ERNESTINA DE SOUZA LARA SAMPAIO Adão de Camargo Sampaio nasceu na cidade de Amparo – SP, em 28/09/1883, 77
  • 78. onde seus pais Sebastião Floriano de Camargo Sampaio e Maria Miquilina Ribeiro Sampaio residiam, sendo Sebastião advogado nessa cidade. O interessante é que na Igreja Matriz de Amparo existe a imagem da Padroeira, com os braços curvados em forma de um amparo, e em 1883, o nenezinho Adão foi colocado e Batizado nos braços de Nossa Senhora do Amparo. Adão, quando criança, juntamente com seu irmão gêmeo Wenceslau, ficaram internos e estudaram no Liceu Coração de Jesus, em São Paulo. Adão era um menino aplicado e muito querido pelos professores, possuía uma excelente voz e fazia parte integrante do coral, da Igreja, tendo participado de várias apresentações do Coral em lugares importantes na cidade de São Paulo. Eles não se acostumaram naquela vida rígida imposta aos internos do Liceu, principalmente com a comida, e repetidas vezes fugiram e voltaram para casa. 78
  • 79. Sebastião Floriano, saturado com essas idas e vindas dos filhos, sempre fugindo do Liceu, desgostoso, levou-os para o Colégio de sua cidade. Com o passar do tempo, Adão estava casado com Ernestina de Souza Lara Sampaio e morava no município de Brotas – SP – Fazenda Bom Jardim, lecionava e trabalhava na lavoura. Fazenda Bom Jardim Quando nasci, meu pai era o professor da Escola da Fazenda Bom Jardim, uma fazenda muito bonita, e lecionava para uns trinta alunos. Essa fazenda era cortada pelo rio Jacaré Pepira e os proprietários eram meus tios Job, Ana e Francisco Uladislau Figueiredo e tia Mariquinha. Também me lembro de meu padrinho Albino. Lá morei até os meus sete anos, época em que mudamos para a Fazenda Bela Vista. Valentia Dobrada Meu pai lecionava, nas horas de folga fazia algumas plantações e também era 79
  • 80. barbeiro. Sempre havia pessoas para cortar o cabelo ou fazer a barba, e ele vivia sempre ocupado. Certo dia, meu pai pediu para o empregado José ir lavar sua espingarda no rio. Além da espingarda, José levou também os aviamentos. Após lavá-la, começou a dar tiros, mirava e atirava nas bananeiras inclusive colocando a vareta como munição. Contaram a meu pai o que o camarada estava aprontando e ele saiu ás pressas rumando até o local. Chegou muito nervoso, tomou a espingarda da mão do José e o despediu. Esse empregado era encrenqueiro e gostava de uma briga, tratava-se de um negro, magro, alto e muito valente, que andava com uma faca bem afiada, de ponta aguda, na cintura. No acerto de contas, o empregado ficou devendo e, como pagamento da dívida, meu pai ficou com enxada dele, que estava na roça. José não gostou do acerto, e na hora que foi despedido prometeu que 80
  • 81. no dia seguinte iria á roça buscar a sua enxada. Na manhã seguinte, meu pai estava rumando para a roça, foi aconselhado por seus primos a esquecer da enxada, porque o José prometeu que a levaria de qualquer maneira. Mesmo assim, como meu pai não tinha medo, foi para a roça pegou a enxada e começou carpir. Chegou José, reclamou pela sua enxada, meu pai repetiu que era pagamento de sua divida e não iria devolvê-la. José tirou a faca da cinta e avançou, meu pai ergueu a enxada e foi ao seu encontro, o camarada ficou com medo e saiu correndo. Meu pai voltou para a sede da fazenda e foi ovacionado com vivas, o que o deixou muito envaidecido. Conta-se que até hoje ninguém sabe o paradeiro do José. Fazenda Bela Vista A fazenda Bela Vista era propriedade dos meus avôs Antônio Souza Lara e Eudoxia Lazara Ribeiro de Souza Lara, 81
  • 82. sendo ele paulista de Piracicaba, e ela carioca do Rio de Janeiro. Quando se casaram, foram morar em São Carlos, meu avô era um famoso mestre de obras, viviam muito felizes, trabalhou com afinco e conseguiu ser proprietário de várias casas na cidade, onde nasceu minha mãe, Ernestina de Souza Lara Sampaio. Posteriormente, trabalhando em Brotas, conseguiu comprar a Fazenda Bela Vista e a cultivou por muito tempo. Depois de muitos anos, a Fazenda Bela Vista foi dividida entre aos filhos e meu pai mudou-se para lá e assumiu a parte que lhe coube. Mas, como nas famílias sempre há discordantes, meu pai e o tio Antonio, irmão de minha mãe, sempre estavam se estranhando. Tio Antonio sempre irritando meu pai, muitas vezes chegou às vias de fatos e foram apaziguados pela turma do “deixa disso”. 82
  • 83. Adão não estava gostando nada daquilo, vivia sempre com o cunhado atravessado na goela. Daquela maneira não podia continuar, precisava resolver a situação, trocou ideias com minha mãe e resolveram pedir conselho a avó Miquilina. Montou em seu cavalo e foi conversar com sua mãe na Fazenda Pinheiro. Contou o que estava acontecendo, ela ficou muito triste e procurando uma saída para o caso contou tudo ao Maneco (Manoel Antonio de Oliveira Pinheiro), administrador da fazenda, e primo de meu pai. Maneco, para dar uma solução e por um fim nas desavenças, combinou com meu pai para que vendesse sua parte na fazenda Bela Vista, que ele, Maneco, venderia a sua parte que tinha na Fazenda Pinheiro para meu pai. Chegando de volta á Bela Vista, meu pai procurou o tio Antônio e ofereceu suas terras, era o que ele sempre queria, devido ás terras estarem anexas ás dele. Mais que 83
  • 84. depressa combinaram o preço e fecharam o negócio. Logo que meu pai vendeu sua parte na Fazenda Bela Vista, foi procurar Sr. Maneco na Fazenda Pinheiro e comprou suas terras, como haviam combinado. Deixamos a Bela Vista e mudamos para a Fazenda Pinheiro. Foi maravilhoso porque mudamos em nossas terras e livres das encrencas com meu tio Antonio. Fazenda Pinheiro Meu pai, além de cuidar de suas terras, foi contratado pelo inesquecível José de Oliveira Pinheiro, para lecionar na escola da fazenda. Quem diria posteriormente Juca Pinheiro, como era conhecido, seria meu sogro e a Carmem, minha esposa, ela nasceu alguns meses após o falecimento de seu pai. Meu Pai e o Juca Pinheiro Recordo que meu querido pai, quando lecionava, certo dia aparece na sala de aula, 84
  • 85. Juca Pinheiro, e encontrou meu pai dormindo e os alunos fazendo a maior algazarra. Quando os alunos viram o Sr. Juca, ficaram todos quietinhos, ele tossiu e meu pai acordou. Quando viu o Juca na sua frente, levou um grande susto. Meu pai alegou que tinha dormido muito mal, devido um filho que chorou a noite toda, pediu desculpas e também que o perdoasse. O Sr. Juca deu por isso mesmo, conversaram sobre alguns assuntos e retirou-se, e meu pai continuou dando aulas. Nossa Casa em Brotas Recordo-me por volta do ano de 1948 o dia que fui á Brotas procurar uma casa para meus pais morarem. Eles estavam envelhecendo e precisavam descansar dos anos de labuta que tiveram em fazendas. Visitei muitas casas para comprar, não tinha gostado de nenhuma, até que encontrei uma casa perfeita para eles, bem em frente á Matriz de Brotas. Levei-os para conhecer e 85
  • 86. dar opinião sobre a compra, meu pai estava doente, mas, levantou da cama e fomos. A casa tinha catorze cômodos num terreno enorme que ia de uma rua á outra, tinha um grande pomar, horta, e quando eles abriram a janela da frente ficaram maravilhados com a vista panorâmica, viram a Igreja Matriz do outro lado da praça, meu pai até sarou, pois eram muito religiosos, e quiseram que eu fechasse o negócio com urgência. A compra foi realizada, sendo passada á escritura e registrada em cartório. Eles mudaram-se da fazenda para a cidade e ficaram muito felizes na nova morada. Posteriormente, vendemos a fazenda e passamos a residir com meus Pais na cidade de Brotas. Trabalhava na praça com o meu Fordinho, o meu filho Mauro a trabalhar na Granja de Brotas, e o meu filho Wilson foi trabalhar em São Paulo. Em 1960, meu pai ficou muito aborrecido devido à esposa ter sofrido um derrame cerebral, ela ficou com a memória 86
  • 87. atrapalhada. Dois anos mais tarde, ela caiu de cama e passou a necessitar de todos os cuidados possíveis, falecendo em 17/06/1963. Meu pai envelheceu e foi levando a vida até 05/06/1969, nesse dia, assistiu a procissão de Corpus Christi passar em frente à sua casa, depois começou a passar mal. Naquela tarde, inicio da noite, o vigário da Paróquia foi chamado, e ele faleceu durante a extrema unção. O padre nos disse: “Ele morreu como um passarinho”. 87
  • 88. Ernestina e Adão – Início dos Anos de 1960 Minha mãe, Ernestina, nasceu em São Carlos, em 15/02/1887, filha de Antonio de Souza Lara e Eudoxia Lazara Ribeiro de Souza Lara. Meu avô era mestre de obras. Posteriormente, foi trabalhar na cidade de Brotas, e comprou a Fazenda Bela Vista, para onde mudaram com a família. Em Brotas, Ernestina conheceu meu pai, Adão de Camargo Sampaio, com quem 88
  • 89. se casou, constituíram familia e tiveram onze filhos. Morando na Fazenda Bela Vista, Ernestina sofreu muito devido ao seu irmão Antonio estar sempre discutindo e em desacordo com o seu marido Adão. Sua vida melhorou muito, quando mudou para a Fazenda Pinheiro, onde viveu muitos anos feliz ao lado de meu pai e parentes. Lá casaram todos seus filhos. Em 1948, já com a idade de 61 anos, mudou-se para a cidade de Brotas onde foram muito felizes. Por volta de 1960, minha mãe adoentou-se, começou ficar esquecida e foi perdendo á memória aos poucos, depois sofreu um derrame cerebral que a levou para a cama. Minha filha Ilze cuidava dela, sendo ajudada pela irmã Maria Lúcia, que também foi para Brotas, as duas cuidavam, davam banhos, trocavam de roupas, penteavam-na, davam comida na boca e assim foi até a sua morte no dia 17/06/1963, dia em que a Ilze ficou noiva. 89
  • 90. 90
  • 91. O Falecimento da Vovó Ernestina Naquela época, a Vovó Ernestina estava passando mal, Eu e a Maria Lucia que cuidávamos dela. No dia que fui para Bariri, ficar noiva e receber a aliança, a situação da vovó era crítica, minha mãe “Carminha” veio da fazenda para ficar no meu lugar. Antes de sair, pedi para a vovó não morrer, que me esperasse voltar de Bariri com a aliança, que eu ia mostrar para ela. Á noitinha, quando cheguei de Bariri, ela estava passando muito mal, mostrei a aliança, ela sorriu, mas, notei que suas horas estavam contadas. O Adolpho, que tinha ido comigo á Brotas, queria ficar, mas, pedi que regressasse porque ela podia resistir ainda muitos dias. Logo que o Adolpho saiu, talvez ainda estivesse em viagem, ela faleceu. No outro dia após o enterro, telefonei ao Adolpho dando a notícia. 91
  • 92. Tenho muitas saudades da avó Ernestina, eu morei um bom tempo com ela. Quando criança ela fazia vestidinhos maravilhosos e me presenteava, e eu curtia muito. Sua Neta – Ilze Maria Avó Ernestina Lara, lutadora de grande caráter, batalhou na educação de todos seus filhos. Sempre trabalhando na costura para ter seus filhos com boa aparência, e também sempre dando ensinamentos da sua grande fé e nos ensinando a espiritualidade, nos abençoando em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Sua Neta – Diva Celeste 92
  • 93. ANTONIO SOUZA SAMPAIO (Antoninho) – Histórias de minha biografia Recordações desde minha Infância Antonio Souza Sampaio e Maria do Carmo Pinheiro Sampaio Fazenda Bom Jardim Nasci na Fazenda Bom Jardim, município de Brotas – SP, cortada pelo rio Jacaré Pepira, onde as folhagens e parasitas se espalhavam por toda margem, tudo era florido e maravilhoso. Fazenda propriedade de meus tios Job, Ana, a querida tia Aninha e Francisco Uladislau Figueiredo, e a 93
  • 94. inesquecível tia Mariquinha. Lá também morava o meu padrinho Albino, muito querido; quando o encontrava, sempre me agradava e dava dinheiro, me fazendo muito feliz. Recordo com alegria da moradia de meus tios Lau e Mariquinha. Tinha uma grande mata ás margens do rio Jacaré Pepira, e no meio dela existia um jabuticabal. As jabuticabas eram pintadas, grandes e deliciosas, daquelas que estouravam na boca. Nas épocas das frutas reuniam-se os primos e amigos, e partíamos para a mata rumo às jabuticabeiras, chupávamos até nos empanturrar, era uma delicia. Bons tempos aqueles. Na fazenda funcionava uma escola, o professor era meu pai, que lecionava para uns trinta alunos. Morei nessa fazenda até os meus sete anos, e guardo muitas recordações em meu coração, dos tempos felizes que lá passei. Um Grande Susto 94
  • 95. Sinto calafrios ao lembrar-me de uma aventura no rio Jacaré Pepira, que passava no fundo de nosso quintal. Margarida, minha irmã, e minha prima Alexia, filha do tio Job, lavavam roupas ás margens do rio, usando uma grande bacia. Resolveram brincar e colocaram a bacia vazia nas águas, entraram dentro e começaram a navegar pela beirada. Eu estava por ali e vendo-as alegres e contentes pedi para participar da brincadeira e elas me colocaram junto á elas. Estava uma delícia até que as águas foram ficando rebeldes, levando a bacia para a correnteza e começando a descer o rio. Segurávamos nos capins e ramagens das margens que alcançávamos, mas, arrebentavam e nós continuávamos descendo, cada vez com maior velocidade. Num certo momento, conseguimos agarrar num galho resistente e paramos ás margens. Foi um grande susto, pois pensávamos que no caso da bacia virar seria trágico e 95
  • 96. era uma vez. Mas, com as graças de Deus, nos salvamos dessa assustadora aventura. Valentia Dobrada Meu pai lecionava, nas horas de folga fazia algumas plantações, e também era barbeiro. Sempre havia pessoas para cortar o cabelo ou fazer a barba. Ele vivia sempre ocupado. Certo dia, meu pai pediu para o empregado José ir até o rio, lavar sua espingarda. Além da espingarda, José levou também os aviamentos e, após lavá-la, começou dar tiros. Mirava e atirava nas bananeiras, inclusive colocando a vareta como munição. Contaram a meu pai o que o camarada estava aprontando, e ele saiu ás pressas, rumando até o local e chegou nervoso, tomou a espingarda da mão do José e o despediu. No acerto de contas, o empregado ficou devendo, como pagamento da dívida, 96
  • 97. meu pai ficou com enxada do José, que estava na roça. Esse empregado era encrenqueiro e gostava de uma briga. Tratava-se de um negro, magro, alto e muito valente, que andava com uma faca bem afiada, de ponta aguda, na cintura. Na hora em que foi despedido, prometeu que no dia seguinte iria á roça buscar a sua enxada. Na manhã seguinte, meu pai estava rumando para a roça, quando foi aconselhado por seus primos a esquecer da enxada, porque o José prometeu que a levaria de qualquer maneira. Mesmo assim, como meu pai não tinha medo, foi á roça pegou a enxada e começou carpir. Chegou o José e reclamou pela sua enxada, meu pai repetiu que era pagamento de sua dívida e não ia devolvê-la. José tirou a faca da cinta e avançou, meu pai ergueu a enxada e foi ao seu encontro, o camarada ficou com medo e saiu correndo. Meu pai voltou para a sede da fazenda e foi ovacionado com vivas que o deixaram 97
  • 98. muito envaidecido. Conta-se que até hoje ninguém sabe o paradeiro do José. A Procissão Eu tinha cinco anos, trago gravado em minha memória, quando houve uma procissão na Igreja, eu e o Nenê, filho do tio Job, acompanhamos vestidos de vermelho e branco, e cada um de nós carregava uma bandeirinha na mão. Foi um dia muito feliz. A Cobra Eu estava sentado no terreiro em frente à minha casa, nervoso, porque tinha encrencado com alguém e estava chorando. Do porão da casa, vi sair uma grande cobra que passou pelo terreiro e enrolou-se no mourão do paiol. Chamei por socorro, e veio o nosso vizinho, o Leopoldo, que trouxe uma espingarda, mirou na cobra que estava toda enroladinha, puxou o gatilho e ela despencou do mourão. Depois com um pedaço de pau o Leopoldo levantou-a, todos 98
  • 99. admiraram o tamanho, jogou-a no pasto dos porcos, que disputaram para comê-la. Os Carros de Bois Lembro-me com saudades dos carros de bois do tio José da Silva Braga, proprietário da Fazenda Roseira, uma das maiores do município de Brotas. Passavam pela estrada, perto de onde morávamos carregados com canas de açúcar, eu e meus amiguinhos corríamos atrás, pedindo uma cana, os carreiros sempre jogavam um punhado, ficávamos felizes da vida, descascávamos com os dentes e fartávamos de chupa-las. Minha Doença Ainda com a idade de cinco anos fiquei muito doente, meus pais me levaram á diversos farmacêuticos e depois á bons médicos, mas cada vez mais minha saúde piorava. Meus pais ficaram desesperados, eu era o primeiro filho homem, contaram-me 99
  • 100. que emagreci muito e meu pescoço ficou tão fino que minha cabeça balançava. Disseram-me que fui salvo por uma vaca chamada “Cabrinha”. Ela havia criado um lindo bezerrinho e como o curral ficava ao lado da janela de meu quarto eu ficava olhando o bezerrinho mamar. Fiquei com vontade de tomar daquele leite, pedi á meu pai, o qual foi ao curral e tirou um copo e deu para eu beber, tomei e pedi mais, até ficar satisfeito. Daquele dia em diante, continuei tomando daquele leite, fui melhorando até sarar completamente, graças á querida “Cabrinha” e ao poderoso Deus Pai. O Medo Certa vez eu, minha saudosa mãe e minhas irmãs Margarida e Zezé, fomos dominados pelo medo. Atravessamos o rio e o marginamos no outro lado, passando por uma plantação de arroz, lugar muito perigoso. 100
  • 101. Seguíamos minha mãe, por uma trilha e, em dado momento, ela parou e pediu para que ficássemos bem quietinhos. Vimos atravessar á nossa frente uma cobra muito grande. Ficamos atentos, e demorou um bom tempo para ela sumir de nossas vistas, indo rumo ao rio e pudemos ouvir um enorme barulho ao ela entrar nas águas. Nessa hora agradecemos á Deus pela proteção, de nada ter nos acontecido. Essas e muitas recordações trago de todos os anos que morei na adorada e inesquecível Fazenda Bom Jardim, meu querido berço natal, da qual me despeço e agradeço á Deus, pela melhor parte de minha infância. Fazenda Bela Vista Mudamos para a Fazenda Bela Vista, propriedade dos meus avós Antônio Souza Lara e a querida Eudóxia Lázara Ribeiro de Souza Lara, ele paulista de Piracicaba, ela carioca do Rio de Janeiro. A avó Eudóxia era uma pessoa muito gentil e amável, com 101
  • 102. todos os que a visitavam. Ela servia quitutes e doces muito gostosos, mas, nada se comparava á delícia de seu famoso pudim de queijo. Quando se casaram, foram morar em São Carlos. Meu avô era um famoso mestre de obras, viviam muito felizes. Trabalhou com afinco e conseguiu ser proprietário de várias casas na cidade, onde nasceu minha mãe. O coronel Querubim Vieira, político forte da cidade de Brotas, possuidor de várias fazendas, contratou meu avô, para construir o prédio do Grêmio Literário Brotense. Meu avô mudou-se com a família para Brotas, e começou a obra com muitos empregados. A construção já estava bastante adiantada, quando durante uma grande chuva, meu avô foi surpreendido por uma enxurrada, canalizada em direção aos alicerces, o que comprometeu o serviço já feito, abalando as paredes, as quais já 102
  • 103. estavam respaldadas. Toda culpa recaiu sobre meu avô. Homem sério, honesto e cumpridor de seus deveres, meu avô Antonio demoliu tudo o que tinha feito e reconstruiu por sua conta. Para isso teve que vender parte de seu patrimônio, ficando quase a zero. Posteriormente, foi comprovado que a canalização da enxurrada, nos alicerces do prédio do Grêmio, foi criminoso, feito às escondidas, por homens a mando de políticos do partido contrário ao do coronel. O Coronel era um homem honesto e muito bom, e após os esclarecimentos do acontecido quis recompensar meu avô, por perdas e danos. Vendeu-lhe a fazenda Bela Vista, por um preço bem baixo, facilitou-lhe o pagamento, o que o deixou muito feliz e contente. Após o término dos serviços da construção do Grêmio Literário Brotense, que até hoje é um belo prédio, mudou-se com a família para a sua fazenda, onde viveram felizes muitos anos. 103
  • 104. Dias Amargos Na fazenda Bela Vista, morávamos nas terras que recebemos de meus avós Antônio e Eudóxia, a fazenda foi dividida e cada filho recebeu sua parte. Tio Antonio, irmão de minha mãe, era nosso vizinho, apenas separado por um terreiro, e ele vivia encrencando com meu pai. Daquela maneira não podia continuar, precisava resolver aquela situação, trocou ideias com minha mãe e resolveram pedir conselhos á avó Miquelina. Montou em seu cavalo, e foi conversar com sua mãe na Fazenda Pinheiro. Contou para a avó Miquilina o que estava acontecendo, ela ficou muito triste e procurando uma saída para o caso, contou tudo ao seu Maneco administrador da fazenda (Manoel Antonio de Oliveira Pinheiro) filho do padre Antonio. Maneco para dar uma solução e por um fim nas desavenças combinou com meu pai para que vendesse sua parte na fazenda Bela Vista, que ele Maneco venderia a sua parte, 104
  • 105. que tinha na Fazenda Pinheiro, para meu pai. Chegando de volta á Bela Vista, meu pai procurou o tio Antônio e ofereceu suas terras, era o que ele sempre queria, devido ás terras estarem anexas ás dele, mais que depressa combinaram o preço e fecharam o negócio. Logo que meu pai vendeu sua parte na fazenda Bela Vista, foi procurar Sr. Maneco na Fazenda Pinheiro e comprou suas terras como haviam combinado. Em seguida, mudou para lá. Passado muito tempo, em 1941, quando faleceu minha avó Miquilina, foi feito o inventário, meu pai recebeu a parte que lhe coube e também comprou a parte do seu primo Sebastião, que era solteiro e residia em Brotas. Nessa época, os cafezais estavam com uma grande carga de frutos, nossas terras aumentaram bastante, foi um ótimo negocio, meu pai ficou muito contente. 105
  • 106. Fazenda Pinheiro Agora morando na fazenda Pinheiro, estávamos maravilhados em nossas terras, e também meu pai voltou a lecionar. A Fazenda Pinheiro tinha sido formada pelo “padre Antonio”, inicialmente chamouse Fazenda Santana, homenagem a sua esposa Ana, que era da família Camargo, Ana Izabel Ribeiro de Camargo e Castro, depois Fazenda Santana do Laranjal e, finalmente, Fazenda Pinheiro. Padre Antônio Antonio José de Oliveira Pinheiro, devido a ter estudado para padre era conhecido como “padre Antônio”, uma pessoa muito caridosa e boníssima, que nos domingos montava no lombo de seu burrico e se locomovia de sua fazenda á Brotas, para ajudar o vigário rezar a missa. Tinha costume de levar dinheiro numa bolsa, para distribuir aos pobres. Quando chegava á Brotas, logo na entrada, já encontrava com pessoas pobres esperando 106
  • 107. por ele, ali já começava distribuir esmolas e continuava até aos arredores da Matriz. Deixava o burrico no quintal da casa de um amigo e se dirigia à Igreja, colocava a batina, e ajudava o vigário rezar a Santa Missa. Terminada a missa, costumava reunirse com amigos e fazendeiros, os quais sempre o convidavam para bater um papo e tomar um café. Depois, montava no burrico e voltava para a fazenda onde todos os filhos, netos e colonos estavam esperando-o felizes com seu regresso. Chegava, almoçava e depois descansava. Ás seis horas da tarde se reunia com os familiares e colonos na frente de sua casa diante da Santa Cruz e todos o acompanhavam na reza do terço. Isso se repetia todos os domingos e dias Santos. Nossa Nova Morada Meu pai além de cuidar de suas terras, foi contratado pelo inesquecível José de Oliveira Pinheiro, para lecionar na escola da 107
  • 108. fazenda. Quem diria posteriormente Juca Pinheiro, como era conhecido, seria meu sogro e a Carmem, minha esposa, ela nasceu alguns meses após o falecimento do pai. José de Oliveira Pinheiro, um dos filhos do proprietário da Fazenda Pinheiro, pessoa boníssima, havia estudado medicina e utilizava seus conhecimentos na sua fazenda. Tinha sua farmácia, onde aviava receitas caseiras e homeopáticas, fabricava um bom purgante e também fazia lavagens de intestinos; era ajudado pela sua esposa Amélia, que também havia aprendido com ele, e era a sua enfermeira. Atendia seus colonos e também os das fazendas vizinhas, e nunca cobrava nada. Seus colonos recebiam leite e produtos oriundos da fazenda, tudo de graça. O Sr. Clementino Florim, genro do “padre Antonio”, era o administrador da Fazenda Pinheiro, casado com a Maria do Rosário conhecida pelo nome de Marica. O 108
  • 109. “padre Antonio” e Aninha eram meus padrinhos e tios avós. Depois de seu falecimento, a administração da fazenda passou para seu filho mais novo, Manoel Antonio de Oliveira Pinheiro conhecido, por Sr. Maneco. A Fazenda Pinheiro era maravilhosa, nos fins de semana havia um movimento muito grande de pessoas, aparecia gente que vinha de todas as fazendas vizinhas. Reuniam-se e divertiam-se nos diversos jogos, principalmente no futebol, e á noite não faltava o melhor de tudo, o baile. O baile era organizado pelas professoras das fazendas, que pediam o salão e o enfeitavam. Acabavam conseguindo tudo o que queriam, também, uma mais bonita que a outra, e com tanta beleza o que elas não conseguiam. Os bailes eram muito animados, o pessoal amanhecia dançando. Meu Pai e o Juca Pinheiro Recordo de meu querido pai quando lecionava. Certo dia aparece na sala de 109
  • 110. aulas meu querido Juca Pinheiro e o encontrou dormindo, enquanto os alunos faziam a maior algazarra. Quando os alunos viram o Sr. Juca, ficaram todos quietinhos, ele tossiu, meu pai acordou e, quando viu o Juca na sua frente, levou um grande susto. Meu pai alegou que tinha dormido muito mal devido a um filho ter chorado a noite toda, pediu desculpas, e também que o perdoasse. Sr. Juca deu por isso mesmo, conversaram sobre alguns assuntos, e retirou-se, meu pai continuou dando aulas. Um Dia Muito Triste Era o mutirão na Fazenda Bom Jardim, os trabalhadores de todas as fazendas vizinhas tinham ido dar a sua colaboração. Já era noite e estavam todos reunidos por lá para o grande baile e catira. Pouco antes de iniciarem a festa, chegou uma triste notícia, um portador anunciou a morte do inesquecível José de Oliveira Pinheiro (Juca Pinheiro), primo e 110
  • 111. patrão de meu pai e muito estimado por todos. Na hora, a festa foi cancelada. A morte de Juca Pinheiro deixou uma lacuna muito grande no seio da família e de todos os amigos e conhecidos. Tenho certeza que hoje ele tem um lugar muito bom no descanso eterno, porque mereceu. Sebastião Floriano e Maria Miquelina A tia Aninha esposa do “padre Antônio” era da família “Camargo” irmã de minha avó Maria Miquilina Ribeiro de Camargo e Castro, filhas do maior fazendeiro de Campinas, Comendador e Tenente Coronel Querubim Uriel Ribeiro de Camargo e Castro. Maria Miquelina era casada com meu avô Sebastião Floriano de Camargo Sampaio, pais de meu pai Adão de Camargo Sampaio. Sebastião Floriano era advogado na cidade de Campinas, exerceu suas funções em Amparo onde nasceu meu pai, também em Atibaia, Bragança Paulista, Mogi - Mirim e Capivari. 111
  • 112. A fazenda do Tenente Coronel Querubim era no arraial dos Sousas, hoje Distrito de Souzas, bairro ligado á Campinas, que ocupa uma imensa área nos dois lados do rio Atibaia. O Tenente Coronel também tinha uma chácara maravilhosa na cidade de Campinas, fornecia muitos produtos ao povo da cidade como leite, frutas, verduras e legumes. Político influente e de grande prestígio social, foi vereador e presidente da Câmara cabendo-lhe saudar o Imperador Dom Pedro II, em 1846, quando este visitou Campinas pela primeira vez e ficou hospedado em sua casa. Sua majestade o agraciou com a “Ordem das Rosas” - Tenente Coronel chefe do Estado Maior da Guarda Nacional dos municípios de Campinas, Bragança, Atibaia, Nazaré, Jundiaí e Constituição (Piracicaba) da Província de São Paulo. O Comendador das Rosas cultivava suas fazendas com escravos, e seu genro, meu avô, Sebastião Floriano, tinha muita pena da escravidão e trabalhava com afinco 112
  • 113. para a libertação. Isso acabou criando uma grande inimizade com o sogro, que ficou muito sentido e bravo com meu avô. Nossa Vida na Fazenda Pinheiro Minhas irmãs, Margarida, Iaiá (Eudóxia), Zezé e Cacilda casaram com primos, e posteriormente eu também, outras três irmãs também se casaram com primos. Leonor, minha irmã “raspa do tacho”, era casada com nosso primo Cássio, de Campinas. Ela faleceu em 1957, com vinte e oito anos, e na época foi um grande choque. Lembro-me do sofrimento de meus pais e dos familiares e também de muita gente chorando por todos os cantos. Nossas Vacas Leiteiras Lembro-me das criações que nós tínhamos, das nossas vacas leiteiras de estimação, que davam bastante leite, e de suas crias. Minha irmã Zezé é que cuidava da ordenha (“tirava o leite”). Eu sempre ficava 113
  • 114. esperando, com os copos com açúcar, então ela na hora enchia meu copo, que vinha derramando espuma, e ai voltava para encher o copo dela. Meu Irmão Ricardo Ricardo era estimado por todos, principalmente por minha mãe. Ele costumava presenteá-la trazendo do pomar as frutas maiores e bonitas, também trazia flores do campo. Ele tinha bondade em tudo, só que não aguentava desaforos e dificilmente se rebaixava. Meu irmão gostava muito de desafios, e certa vez, numa roda de amigos, convidou-os para uma disputa de cabeçadas, tratava-se de bater a cabeça um contra o outro para ver quem vencia. Iniciou-se a disputa, era uma coisa de loucos, pareciam carneiros montanheses, Ricardo tinha a cabeça grande e treinava muito isso, ele batia com força e ninguém conseguiu vencê-lo. 114
  • 115. Lembro-me de quando meu pai fazia compras de vestuários para nós, eu sempre gostava das coisas que comprava para o Ricardo, eu pedia á ele para trocar comigo, era chapéu, sapatos, cinta, camisa, calças, ele trocava com a maior naturalidade. Essas lembranças e muitas outras agradáveis de meu saudoso irmão Ricardo ficaram em minha memória. Quando tinha 15 anos, Ricardo ficou doente, foi desenganado, o médico que começou tratar dele não estava acertando. Quando o médico de nossa confiança voltou de São Paulo para onde tinha viajado á negócios, meu pai o chamou, e ele constatou que o tratamento estava errado, a doença era outra, mas, a cura já era impossível. Ricardo faleceu em 05/06/1934 no dia de Corpus Christi. Minha mãe jamais conseguiu esquecê-lo, entre os familiares ele deixou uma enorme lacuna e muitas tristezas. 115
  • 116. Ricardo foi enterrado no cemitério da cidade de Brotas, numa vala simples. Passado algum tempo meu cunhado Celso Guimarães, marido da Nair, fez uma promessa que iria mandar construir um túmulo para o Ricardo, assim que pudesse removê-lo, mas, não deixou nada combinado na Prefeitura. Passado alguns anos o coveiro foi fazer a exumação do corpo de Ricardo e levar os ossos para o ossuário. Quando começou cavoucar, apareceu na sua frente um moço de terno branco, e lhe disse: Antes de começar a remover essa terra, o senhor precisa falar com o coletor federal, Sr. Celso Guimarães. O coveiro virou para o outro lado e desvirando não viu mais o moço, procurou pelos arredores e nada encontrou. Caindo em si, ficou assustado, tudo aquilo tinha acontecido em fração de segundos. O coveiro foi até a casa do Celso Guimarães e explicou o que tinha acontecido. Celso lembrou-se da promessa e mandou que o coveiro aguardasse, foi até o 116
  • 117. cemitério comprou um terreno e mandou fazer um túmulo para o Ricardo. Minhas Peraltices Na Fazenda Pinheiro, passei uma infância muito feliz, recordo sempre com muitas saudades. Tinha mais ou menos sete anos, sempre costumava passar uns dias na casa de minha irmã Margarida. Numa dessas vezes, lembro-me que o paiol tinha espigas de milho estocadas e num cantinho havia uma ninhada de gatinhos. Comecei a brincar com eles, peguei um que era muito bonitinho e comecei a dar ordens e queria que me obedecesse, mas, como não atendeu o meu pedido dei-lhe uma espigada na cabeça matando o pobre gatinho. Sai do paiol, desesperado e fui chamar a Margarida para salvarmos o gatinho, ela veio depressa, mas, como já estava morto o jogamos junto a um pé de bananeira. Minha irmã me deu pega, disse que era o gato de estimação de meu cunhado Joãozinho e que 117
  • 118. ele iria ficar muito bravo quando soubesse do seu sumiço, isso me deixou muito triste. Quando meu cunhado chegou logo notou a falta do gatinho e gritou perguntando por ele, estava uma fera de bravo, eu percebendo sai de mansinho e escondi no quintal. Minha irmã contou-lhe o que tinha acontecido e ele saiu a minha procura soltando fogo pelas ventas, encontrando-me quis saber, porque eu tinha feito aquilo, contei a ele como tinha acontecido, mas, enfurecido ficou muito bravo. Quando estávamos voltando para casa vimos o gatinho que vinha cambaleando e miando, meu cunhado ficou admirado e correndo pegou-o e tudo voltou ao normal, o gatinho ficou completamente recuperado, foi só alegria. Nossos Carrinhos Naquela época também tínhamos carrinhos de soltar nas descidas, não era de rolimãs, mas sim, com rodas de madeiras. 118
  • 119. Fazíamos estradas perigosas com mourões fincados pelo caminho para tirarmos a famosa fina. Todos eram craques, mas, sempre um ou outro caia ou “enchiam o caneco nos mourões”, e quando isso acontecia era um belo de um tombo e só risada que se ouvia. Os que caiam eram vaiados, sempre se esfolavam, coçavam as pernas, braços ou apertavam as costelas, ficavam muito bravos o que causava muitos risos entre os que assistiam, e assim passávamos muitas horas de entretenimentos nos divertindo, o dia parecia curto demais. Meu Amigo Mário Hoje, quando me lembro, penso que não morri porque não tinha chegado á minha hora, Deus não me chamou. Essa aventura foi com meu amigo Mário, menino muito bonzinho, filho de colonos da fazenda. Estávamos perto da represa, á água era usada para impulsionar a máquina de 119
  • 120. beneficiar café, também ali havia um desvio para o moinho de fubá. Naquele dia, nadamos bastante na represa e depois fomos brincar na bica, sem saber o perigo que nos rondava. Certo momento a correnteza ficou mais forte levando-me para a parte mais estreita onde as águas caiam de uma considerável altura, tentei segurar nas beiradas, mas, era cheio de limbo e muito lisa, continuei escorregando devagar em direção à queda. Como nós todo tem anjo da guarda, apareceu o Mário para ajudar-me. Ele tinha saído ás pressas da bica e correu pelo lado de fora, alcançou-me e segurou-me pelo braço e não largou até eu conseguir ficar em pé fora da bica, salvando-me da morte certa. Mário era um grande amigo, mas, Deus precisou dele, tudo que gostamos nem sempre dura, depois de um ano dessa aventura Mário ficou doente e nada pode ser feito para salvá-lo, sofri muito a sua morte. 120
  • 121. Peço á Deus para que ele esteja num bom lugar. Os Coelhos do Sr. Maneco Nossa turma, todos com armas de fogo, nos domingos saíam para caçar coelhos e pássaros. Eram armas perigosas e dos mais variados tipos e modelos, cartucheiras, winchester, revolveres, espingardas de carregar pela boca, etc. Havia bons e maus atiradores. Os coelhos abatidos eram levados ao Sr. Maneco, ele gostava muito de carne de coelho, e comprava de nós. Todos colaboravam, combinávamos que aqueles que não tinham boas pontarias faziam o cerco e espantavam os coelhos para o nosso lado, assim a caça vinha de encontro com o cano de nossa arma, passávamos o dia divertindo e ganhávamos algum dinheirinho. Certo domingo, um de meus colegas, com uma espingarda de carregar pela boca e espoleta externa de papel a municiou com muita pólvora, mirou a caça e disparou o 121
  • 122. tiro. O baque foi enorme a espingarda saltou de sua mão e foi parar longe, a fumaça tomou conta do pedaço, nós gritamos que estava incendiando a sua cabeça, ele começou a se debater de todos os lados para apagar o fogo. Depois do susto começamos a vaiar e rir dele, ficou valente desafiando todos nós, depois se acalmou e vimos que o incêndio era apenas a fumaça embaralhada nos cabelos. O Varal Lembro-me de nossas cavalgadas, eu no meu cavalo e meu primo no dele. Certa vez ele chegou e pedi para que recolhesse no curral o meu cavalo que estava no pasto, para sairmos passear. O meu cavalo estava rebelde, corria por todos os lados e estava difícil de entrar no curral. Meu primo a todo galope não viu o varal de roupas estirado perto de minha casa, enroscou o pescoço e despencou do cavalo estatelando no chão. 122