SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 16
Baixar para ler offline
Emmon Bach
Aulas Informais sobre Semântica Formal
Traduzido por
Cláudio Corrêa e Castro Gonçalves
e
Luiz Arthur Pagani
2
Aula 1
Formação e Começo
A aula de hoje tem duas partes. Uma delas é uma introdução bastante geral, na qual vou falar
sobre a pergunta O que é signicado? e contar um pouco da história da semântica  o estudo
do signicado  na lingüística, tanto a recente quanto a assim nem tão recente. Depois então
vamos dar início, ainda hoje, a uma introdução mais especíca sobre um assunto mais técnico: o
estudo da semântica de um certo ponto de vista  o da semântica da teoria dos modelos. Esse
é o tema geral das oito aulas.
Apesar de que o que sabemos sobre a semântica ser, certamente, muito menos do que aquilo
que não sabemos, acredito que houve muito progresso nestes últimos 15 anos, mais ou menos.
Acredito também que estamos experimentando atualmente uma quantidade de desenvolvimentos
bastante empolgantes, e gostaria de me ater aqui a alguns destes desenvolvimentos. Pretendo
que estas aulas sejam completamente auto-sucientes. Faço isto por dois motivos. O primeiro
é que eu caria contente se elas fossem acessíveis para todos os presentes, e tenho certeza que
vocês têm uma formação muito variada. E, ainda mais importante, é que eu acredito piamente
que um especialista ou um técnico deva ser capaz de explicar o que ele ou ela está estudando
para qualquer pessoa que se interesse e que se disponha a acompanhar e fazer algum esforço;
além disso, essa tentativa também é importante para mim pois me força a reetir profundamente
sobre porque estou estudando o que estudo e se isso é importante. Os especialistas podem se
perder nos detalhes de seus trabalhos e esquecer porque fazem o que fazem.
Peço desculpas por desconhecer totalmente a tradição lingüística de seu país. Não há muitos
lugares no mundo onde uma tradição lingüística independente tenha se desenvolvido; a China é
um deles. Passei os primeiros anos da minha vida no Japão, e o que cou comigo da infância é
suciente para reconhecer que a China está para o Oriente assim como Grécia e Roma estão para
o Ocidente. E onde quer que encontremos registros das primeiras indagações intelectuais huma-
nas, encontramos também registros de indagações sobre a linguagem. Algumas das perguntas
que as pessoas já se zeram são:
Por que há tantas línguas diferentes?
Quão diferentes e quão semelhantes são as diferentes línguas?
Qual a relação entre linguagem e mundo?
Como as palavras podem ser tão obscuras e ainda assim admitir certo e errado?
A última pergunta é de Zhuang Z em excerto de Os Capítulos Interiores.1 Esse excerto
suscita questões fundamentais que serão consideradas aqui. E também apresenta com muita
1
[Será que isso foi traduzido para o português?]
3
4 AULA 1. FORMAÇÃO E COMEÇO
clareza a principal premissa da semântica. Cito: As palavras não são apenas um sopro de ar,
elas têm signicado. A tarefa primordial das teorias semânticas é explicar como as palavras e
as outras expressões lingüísticas, como sentenças e sintagmas, podem ter signicados e o que são
esses signicados. Acho que esse ponto (o fato de que as expressões lingüísticas têm signicados)
é bastante óbvio, e qualquer pessoa consideraria isso tão óbvio que ele ou ela acaba supondo
que os lingüistas (pessoas cujo trabalho é compreender a linguagem) consideram a semântica (o
estudo do signicado) uma de suas preocupações principais. No entanto, não tem sido sempre
assim na história da lingüística. Hoje vou contar um pouco desta história.
Bom, o que poderia ser um signicado? Mais uma vez, acho que qualquer pessoa diria que
um signicado tem de ser algo que não faz parte da língua, exceto no caso de palavras sobre
palavras.2 As palavras se referem a coisas. As sentenças são sobre acontecimentos no mundo.
Usamos as palavras e as sentenças para falar sobre o mundo, sobre nossos próprios sentimentos,
interesses e necessidades. Mais uma vez, esse ponto parece óbvio, mas os lingüistas e os lósofos
que se preocuparam com a linguagem nem sempre chegaram a um acordo. Voltaremos a essa
questão em vários pontos destas aulas. O ponto de vista que vou assumir aqui é o que parte de
duas premissas:
I. Uma língua tem signicado.
II. Os signicados não fazem parte da língua.
O que são os signicados? Os signicados são as coisas às quais as línguas estão relacionadas.
Aparentemente, isto é o que faz com que as palavras sejam diferentes dos cantos dos pássaros,
que não estão relacionadas a nada, até onde sabemos. A semântica é o estudo dos signicados
que uma expressão da língua pode ter.
Até agora, usei a palavra signicado para algo que as expressões lingüísticas têm e a semântica
estuda. Mas essa palavra em si mesma  a palavra signicado  tem muitos signicados,
bem como o verbo correspondente signicar. Alguns destes signicados diferentes podem ser
ilustrados através de exemplos.
1. Te dar essas ores signica que eu te amo.
2. Aquelas montanhas ali na frente signicam problema.
3. Ele disse que se juntaria a nós, mas a palavra dele não signica nada.3
4. Quando eu digo X, signica que Y .
5. Aìren signica cônjuge.
Para desenvolver de uma teoria cientíca, precisamos ter cuidado com os termos que usamos.
Freqüentemente temos de adotar uma terminologia especial que se afasta da língua cotidiana e
que assume seu signicado através da maneira pela qual ela é usada em nossas teorias. Vamos
combinar de continuar usando signicado como um termo que abrange muitos tipos diferentes de
relações, mas vamos adotar uma terminologia especial para os aspectos mais especiais e técnicos
de signicado.
2
[No que será que ele estava pensando?]
3
NT: O exemplo aqui precisou ser adaptado, porque o original era He said that he would join us, but he didn't
mean that; sua tradução literal, algo como Ele disse que se juntaria a nós, mas ele não estava sendo sincero,
não envolve o uso do verbo signicar.
5
Para nos concentrarmos em algumas dessas idéias mais especializadas que precisamos usar,
vamos considerar os exemplos que acabamos de dar e seus respectivos signicados. Na sentença
Te dar essas ores signica que eu te amo pratico um determinado ato  eu te dou algumas
ores  com esse ato quero expressar meus sentimentos por ti  que eu te amo. Assim signicar,
a palavra da língua portuguesa signicar nesta sentença, parece designar uma relação entre um
ato que eu pratico e algum signicado, intenção, sentimento ou atitude presumivelmente expressa
pela ação. Não é esse sentido de signicado que me interessa discutir aqui.
Então consideremos o exemplo: Aquelas montanhas ali na frente signicam problema. Isso
parece querer dizer alguma coisa como: Se continuarmos nossa viagem (ou coisa do tipo), ela
vai ser difícil para nós porque teremos de atravessar aquelas montanhas. Então, nesse caso,
signicar parece designar a relação entre alguma coisa  as montanhas  e alguma conseqüência
para nós em relação a algum motivo ou propósito. Mais uma vez, não é esse sentido de signicado
que me interessa aqui.
Consideremos os próximos exemplos. Ele disse que se juntaria a nós, mas a palavra dele
não signica nada. Isso parece ter a ver com sinceridade. Alguém diz alguma coisa, mas ele
está mesmo querendo dizer aquilo? Isto é, ele está sendo realmente sincero no que diz? Aqui,
signicar parece designar a relação entre uma pessoa e alguma coisa que essa pessoa diz. Mais
uma vez, esse não é o sentido de signicar que me interessa aqui, apesar de, adiante, haver
alguns pontos nos quais levantaremos o tipo de questão suscitada por esse exemplo, questões
que têm a ver com as línguas e o que as pessoas fazem com elas.
O próximo exemplo  Quando eu digo X, signica que Y .  parece signicar alguma
coisa do tipo: eu digo alguma coisa, há um signicado usual associado ao que eu digo, mas
eu estou declarando que o que eu realmente quero expressar a você é uma outra coisa. Assim,
signicar aqui tem a ver com a relação entre uma pessoa, alguma coisa que essa pessoa diz e uma
outra coisa que a pessoa quer expressar. Esse exemplo exige referência ao tipo de signicado
que nos interessa aqui, mas ainda não expressa completamente esse sentido.
Vamos ver agora o último exemplo: Aìren signica cônjuge. Esse exemplo está intimamente
relacionado ao sentido de signicado com pelo qual pretendo começar aqui. O que eu quero dizer
com isso? Você deve ter percebido que eu sublinhei a palavra aìren do chinês e a palavra cônjuge
do português. Uma forma mais precisa de exprimir o que esse exemplo pretende signicar é: a
palavra aìren signica o mesmo que a palavra cônjuge. Agora vamos nos concentrar no signicado
de signica o mesmo que. Aìren signica uma coisa e cônjuge signica essa mesma coisa. Que
coisa é essa que ambas as palavras designam? Vamos chamá-la, seja lá o que for, de denotação
da expressão lingüística em questão. Então, uma outra maneira de dizer a mesma coisa é dizer
que a denotação dessa palavra, aìren, é a mesma que a denotação de cônjuge. E, novamente,
estamos falando de uma coisa que é não uma sensação, mas ded algo que existe no mundo, seja
qual for a referência destas duas palavras. Mas, na verdade, isto não é tudo. O problema é que
sem referência a uma língua, não sabemos exatamente o que são estas expressões mencionadas.
Pode haver uma língua na qual a palavra aìren signica um certo tipo de or e outra ainda na
qual cônjuge signica jornal ou algo assim. Então, para ser bem especíco, precisamos dizer
alguma coisa como: A denotação de aìren em uma certa língua (o chinês) é a mesma que a
denotação de cônjuge em português. Logo, quando falamos sobre denotações de expressões, nós
pressupomos que sabemos que há uma certa língua na qual esta expressão é usada.
Assim, acabei de dar um rápido panorama sobre a minha concepção de semântica, ou pelo
menos de uma parte importante da semântica. Vamos reetir, agora, sobre o que essa concepção
de semântica precisa para funcionar. Evidentemente, esse programa tem duas partes. Primeiro,
precisamos mostrar como atribuir denotações a todos os elementos básicos (ou lexicais) da língua
 seja o chinês, o porttuguês, ou qualquer outra. E depois precisamos mostrar como reunir as
6 AULA 1. FORMAÇÃO E COMEÇO
denotações das expressões simples, palavras como cônjuge e aìren, e mostrar como as denotações
das expressões complexas podem ser formadas a partir das denotações destas expressões simples.
E assim por diante.
Eis um exemplo do que precisamos fazer. Suponhamos que João denota um certo indivíduo
 eu mesmo, por exemplo, ou qualquer pessoa que cujo nome seja João. Suponhamos ainda
que andar denota um certo conjunto (ou coleção) de indivíduos  o conjunto dos que andam.
Para poder dizer o que signica João anda, gsotaríamos de dizer algo do tipo: é uma armação
verdadeira dizer que o indivíduo denotado por João é um elemento do conjunto de indivíduos
que andam. Esse é um exemplo bem simples de como gostaríamos de tratar o signicado das
expressões complexas mediante a reunião dos signicados ou denotações das expressões que
fazem parte delas, à medida que construímos expressões cada vez mais complexas na nossa
sintaxe.
Então, até agora, precisamos aparentemente de dois tipos de coisa para falar sobre as deno-
tações das expressões de uma língua. Precisamos ser capazes de falar sobre indivíduos, de ter
um conjunto de indivíduos denotado por palavras como os nomes próprios. João é um desses
indíviduos. E precisamos ser capazes de falar sobre conjuntos ou coleções de indivíduos. Con-
seqüentemente, ao dar esse exemplo do que é uma denotação, como parte da resposta à pergunta
o que é signicado?, z uma certa escolha. Essa escolha é a de que as denotações são algo como
as coisas no mundo; não fazem parte da língua, mas sim do mundo  pessoas, mesas, copos,
livros e assim por diante. Esse é o principal tipo de teoria sobre a qual vou falar aqui. Mas
é importante saber que outros tipos de respostas podem ser dadas, e inclusive já foram dadas.
Uma delas é a que diz que os signicados são objetos mentais de algum tipo, coisas dentro da
minha cabeça, conceitos ou pensamentos. Então a resposta que eu escolhi é controversa. Nem
todos vão concordar com esta escolha.
Eu gostaria de deixar essa polêmica de lado por enquanto e nas próximas aulas simplesmente
presumir que uma maneira interessante de falar sobre os signicados é falar desta maneira
sobre as denotações como se fossem coisas, conjuntos de coisas e assim por diante. Em aulas
posteriores, vou voltar a rever outros tipos de respostas que podem ser dadas à pergunta o que
é signicado? e comparar as diferentes teorias com as diferentes respostas a essa pergunta.
Antes de começarmos a olhar mais aprofundadamente para uma teoria semântica, queria
gastar alguns minutos na história recente da teoria lingüística nos Estados Unidos e na Europa.
O ano de 1957 foi importante na lingüística. Esse foi o ano em que Noam Chomsky publicou seu
pequeno livro Estruturas Sintáticas.4 Esse livro teve um profundo impacto na teoria lingüística,
não só nos Estados Unidos mas em muitas outras partes do mundo. Na minha opinião, a
idéia mais importante e também a mais difícil de ser compreendida pelos lingüistas que tinham
trabalhado nas tradições anteriores foi a de gramática gerativa.
O que é uma gramática gerativa? Supõem-se que seja uma declaração explícita de quais são
as classes das expressões lingüísticas e que tipo de estruturas elas têm. Esta noção é importante
para nós porque o tipo de semântica na qual eu quero me concentrar pressupõe a existência
de uma gramática explícita deste tipo. Por isso, quero gastar algum tempo reetindo sobre
o que é esse tipo de gramática e o que ela faz. A coisa mais importante de se lembrar, e
também a mais difícil de se acostumar inicialmente, é a idéia de que, de fato, a gramática
diz explicitamente o que está na língua. Esta é a idéia básica de uma gramática gerativa.
Um exemplo nos ajudará a tornar esta idéia mais concreta. Dada uma gramática gerativa de
uma língua, você deveria conseguir construir vários tipos de expressões nesta língua por meios
completamente mecânicos, sem conhecer antecipadamente nada sobre a língua. Então quero
4
[Seria interessante acrescentar aqui a referência, apesar de ser um livro conhecido. Tem tradução?]
7
apresentar uma pequena gramática para uma pequena língua articial que vai ser importante
à medida que progredirmos. E gostaria de desenvolvê-la para ilustrar o assunto sobre o qual
estamos reetindo.
Vou chamar essa língua de CP (uma abreviação de cálculo de predicados). O CP tem muitos
tipos de expressões. Ela tem o que vou chamar de termos, e eles são de duas espécies:
1. variáveis, que terão a forma: x, y, z, . . . (as últimas letras do alfabeto latino);
2. constantes individuais, que são escolhidas dentre as letas a, b, c, . . . (as primeiras letras do
alfabeto latino); e
3. há ainda outras expressões: duas espécies de predicados, que vamos chamar de predicados
de um lugar, que são expressões como Correr, Caminhar, Feliz, Calma, . . .
(Você pode achar que isso é português mas não é. Para os nossos propósitos, por enquanto,
pense nelas simplesmente como símbolos desprovidos de signicados que pertencem a estas
diferentes classes de expressões.) E temos também predicados de dois lugares. Estes serão
palavras que novamente parecem ser do português, mas não são:
Amar, Beijar, Gostar,5 Ver, . . .
Estes são os únicos tipos de expressões básicas ou, se você preferir, expressões lexicais da
língua. Eu incluí aqui as reticências porque dá para imaginar que existem muitas outras, mas
só precisamos de alguns exemplos de cada tipo. As outras expressões da nossa língua precisam
ser construídas por regras que apresento agora, para mostrar a você como elaborar algumas
expressões mais complexas. Então, vamos criar mais uma classe de expressões, que vou chamar
de fórmulas. Eis as regras para construir fórmulas:
R1. Se P é um predicado de um lugar e T é um termo, então P(T) é uma fórmula.
Isso signica que se eu escolher algo que seja um termo, um x, ou um y, ou um a, ou um b,
e escolhjer algo que seja um predicado de um lugar, eu posso construir uma fórmula juntando
o primeiro símbolo  digamos que Correr  a um segundo símbolo  um termo como a 
em parêntesis depois: então, Correr(a) seria uma fórmula de acordo com essa primeira regra.
É provável que você já tenha advinhado qual é a segunda regra:
R2. Se R é um predicado de dois lugares, e X e T são termos, então R(X, T) é uma fórmula.
Assim, agora podemos escrever coisas como V er(a, b).6
Essa é toda a sintaxe da língua. Neste ponto, ainda não há semântica para esta língua.
Mas dada essa gramática, já podemos dizer que certas expressões que pertencem a certas classes
na gramática, porque dissemos explicitamente o que essas classes são. Então, sabemos, por
exemplo, que a expressão x é um termo, e que b também é um termo. E sabemos ainda que
estas são fórmulas na língua:
Correr(x), Gostar(c, y), Calma(c) e Amar(x, y)
5
[Esse não é exemplo legal, porque rege preposição.]
6
[Isso não tem na minha cópia, mas justamente essa página saiu torta na fotocópia.]
8 AULA 1. FORMAÇÃO E COMEÇO
Apesar de não sabermos o que elas signicam, nós já temos uma gramática gerativa bem
simples para esta língua CP. Tudo o que precisamos para gerar alguns exemplos desta língua é
ser capaz de reconhecer os símbolos ou sinais, e vericar se eles pertencem às devidas categorias
ou classes que estão descritas na gramática.
A gramática que acabei de fornecer  para uma língua muito simples  segue a forma
que lógicos como Carnap e Tarski usaram para denir a sintaxe das línguas formais da lógica
simbólica e ded outros sistemas articiais. Ela é um exemplo do que alguns chamam de sistema
formal. Uma maneira de caracterizar o que Chomsky fez é dizer que ele propôs uma tese ou
hipótese sobre as línguas naturais: que uma língua natural, uma língua como o chinês ou o
português, pode ser descrita como um sistema formal. Vou chamar isto de Tese de Chomsky
de 1957. A maneira de Chomsky construir uma gramática era bem diferente da maneira como
apresentei esta língua. Mas um sistema simples como o que eu apresentei é suciente para come-
çarmos. Numa próxima aula, voltarei à questão sobre que tipo de gramática é mais apropriada
para uma língua natural como o português ou o chinês.
A língua CP até agora não é muito interessante porque só podemos formar sentenças muito
simples. Não podemos fazer nada muito complicado, e há muitas coisas que não podemos
expressar nessa língua, então quero acrescentar mais duas regras para fórmulas. A primeira
nova regra diz:
R3. Se F é uma fórmula então −F também é.
a quarta regra diz:
R4. Se F e G são fórmulas, então (F  G) e (F ∨ G) também são.
Estas regras nos dizem que podemos fazer fórmulas mais complicadas a partir das simples.
Nós podemos pegar uma fórmula e depois outra, e juntá-las com um sinal no meio delas, co-
locando tudo entre parênteses, de forma que teremos uma outra fórmula nova. Podemos pegar
esta fórmula e colocar o sinal − na frente ela, e termos outra fórmula. Então agora podemos
formar com a nossa gramática sentenças tão longas quanto quisermos.
As gramáticas para as línguas naturais devem ter essa capacidade pois não há, em nenhuma
língua, uma sentença que seja a mais longa. Se você me der uma sentença bem longa em
português, sempre posso acrescentar mais alguma coisa para torná-la uma sentença ainda mais
longa e complexa. Com estas regras, então, não só temos a possibilidade de formar sentenças
bem curtas, mas agora podemos também formar sentenças da extensão que quisermos graças a
umas poucas regras a mais.
Estamos reetindo sobre uma língua bem simples, a língua CP. E, até agora, nos restringimos
à sintaxe dessa língua. Sintaxe é o estudo de uma língua do ponto de vista puramente formal sem
dar atenção ao signicado. Se fôssemos falar de uma língua natural seguindo por este caminho,
ainda teríamos muito a dizer muito sobre ela a partir deste ponto de vista estritamente formal.
Alguns lingüistas do nosso século7 parecem sugerir que isto é tudo o que há para ser dito, que a
única coisa importante sobre uma língua é a rede de relações e contrastes formais que existem
na língua. Nos Estados Unidos, alguns dos lingüistas mais inuentes antes de Chomsky parecem
aceitar esta idéia. Um deles foi Leonard Bloomeld, outro foi Zellig Harris, que foi professor
de Chomsky. Claro que eles reconheciam que as palavras têm signicados, mas eles pareciam
pensar que o estudo do signicado não podia ser feito de uma forma precisa e cientíca. Neste
aspecto, eles concordavam com muitos lósofos e lógicos que diziam que as línguas naturais são
7
NT: Lembremos que as aulas e sua transcrição em livro ocorreram ainda no século passado.
9
tão vagas e ambíguas que não podem ser descritas da mesma forma que as línguas articiais,
como o CP.
Um lósofo que não concordou com esse ponto de vista foi Richard Montague. Em seus tex-
tos sobre línguas naturais, que foram escritos no m dos anos 60 e início dos anos 70, Montague
armou que as línguas naturais podem ser tratadas da mesma maneira que as línguas articiais
formais do lógico. Podemos estabelecer esta como uma segunnda tese. Já falei antes um pouco
da tese de Chomsky. Esta eu gostaria de chamar de a Tese de Montague: as línguas naturais
podem ser descritas como sistemas formais interpretados. Relembrando, eu disse que a tese de
Chomsky dizia que as línguas naturais podem ser descritas como sistemas formais. Montague
acrescentou a ela a idéia de que as línguas naturais podem ser descritas como sistemas formais
interpretados. Montague herdou da tradição e losóca os métodos da semântica da teoria de
modelos. Esta é a perspectiva que mencionei. A semântica atribui a sentenças e outras expres-
sões interpretações que são coisas diferentes da língua, especicamente, atribuem às sentenças
interpretações que dizem se elas são verdadeiras ou falsas. Em geral, para determinar se uma
sentença é verdadeira ou falsa, duas coisas são necessárias: (1) você deve saber o que a sentença
signica e (2) você deve comparar esta sentença a alguma situação no mundo real e ver se ela
correponde ao signicado da sentença.
(Aliás, podemos ver agora que o termo semântica formal, que aparece no título geral destas
aulas, é bastante enganador. O mais importante em relação à semântica da teoria de modelos é
que ela não trata apenas das relações entre as expressões de alguma língua (ou algumas línguas),
mas das relações entre a língua e as coisas além da língua. A maneira como a palavra formal é
usada no termo semântica formal deve ser entendida com um sentido semelhante ao de explícito
ou preciso. Outra nota sobre este título: informal deve ser entendido como: sem uso excessivo
de formalismos estranhos. Uma questão que espero que vocês venham a valorizar é que se pode
ser bastante preciso usando uma língua comum. Um formalismo só se justica quando ampliam
a perspicuidade e o entendimento; eles não são ns em si mesmos.)
Agora quero retomar nossa língua simples, o CP, e mostrar como podemos dar uma inter-
pretação a esta língua dizendo o que os diferentes tipos de expressão denotam. O que tínhamos
antes era a sintaxe. Agora eu vou dizer alguma coisa sobre a semântica desta língua, alguma
coisa sobre as denotações dos diferentes tipos de expressão. E o que eu vou dizer é: os termos
denotam indivíduos, os predicados de um lugar denotam conjuntos de indivíduos, os predicados
de dois lugares denotam conjuntos de pares de indivíduos e as fórmulas denotam o que eu chamo
de valores de verdade. Vamos escrever 1 para o Verdadeiro e 0 para o Falso.
(Você pode achar que a idéia de fazer a denotação de um predicado ser um conjunto não
é muito intuitiva. Talvez Andar devesse signicar alguma coisa como a propriedade de andar.
Se você acha isso, você não está sozinho. Em aulas posteriores, vou voltar a essa idéia. O que
estamos buscando aqui é uma teoria padrão sobre as denotações de uma língua desenvolvida por
lógicos e matemáticos que gostam de usar a teoria dos conjuntos como uma ferramenta básica.
Ela é uma bela teoria e já está bem compreendida, e esta é só uma parte de seu apelo. Mas ela
tem algumas desvantagens, como veremos. Poderíamos dizer o mesmo sobre valores de verdade
como denotações de fórmulas.)
É muito importante entender o que estou dizendo. O que estou falando aqui é que supomos
que os diferentes tipos de expressões na língua se referem a estas coisas no mundo ou num modelo
para a língua. Então, pense em uma determinada constante individual como tendo uma pessoa
ou uma xícara ou uma mesa como seu valor semântico ou denotação. Eis uma língua e eis-me
aqui falando sobre um mundo de indivíduos e conjuntos de indivíduos e de pares de indivíduos:
Agora, antes de dizer exatamente como tudo isso funciona, precisamos pensar um pouco nos
dois tipos de termos: as variáveis e as constantes individuais. Eu disse que ambas denotam
10 AULA 1. FORMAÇÃO E COMEÇO
indivíduos, mas elas fazem isso de modo bastante distinto, e vou ter de algum tempo explicando
isso. A coisa mais fácil é pensar nas constantes individuais como nomes próprios em uma
língua. Então, essas constantes individuais dessa língua, o CP, funcionam como Emmon ou
Cláudio ou Arthur, mas imaginamos que podemos dar nomes a diversos tipos diferentes de
coisas. Portanto elas sempre representam alguma coisa ou algum indivíduo em particular. (Por
enquanto, suponha que as constantes  diferentemente de nomes próprios nas línguas naturais
 sempre selecionam uma única coisa à qual ela se refere. Conseqüentemente, vocês poderiam
pensar em cada nome como se incluísse uma espécie de Número de Identicação Universal.)
E as variáveis? Aqui temos de dizer que aquilo que as variáveis denotam depende de algo
chamado atribuição de valores às variáveis. Uma variável é como um pronome. Então, nesta
língua, as variáveis funcionam exatamente como as palavras ele ou ela,8 numa língua natural
como o português. Se temos uma sentença da língua natural como ela é sábia, como é que
vamos saber se ela é falsa ou verdadeira? Bem, nós não podemos determinar seu valor de verdade
a não ser que saibamos quem o pronome ela designa. Logo, parte de uma interpretação é uma
atribuição de valores às variáveis. E essas atribuições vão sempre indicar algum indivíduo para
qualquer variável que usarmos, de modo que as constantes funcionam como nomes e as variáveis
funcionam tal qual as vairáveis em matemática. Uma fórmula como Correr(x) não pode ser
julgada verdadeira ou falsa a não se que saibamos a que indivíduo essa variável se refere. Por
isso nós devemos ter, além do que já falamos, uma atribuição de valores ou signicados para
as variáveis. Constantes individuais denotam indivíduos tal qual os nomes próprios. Variáveis
denotam indivíduos sob uma atribuição de valores para as variáveis.
Perceba que essa língua ainda é extremamente limitada pois não temos uma maneira de fazer
generalizações. Só podemos dizer coisas como: João corre, Maria corre ou Ele está feliz.
8
No texto original, há ainda menção ao pronome neutro it, do inglês, para o qual não existe um correspondente
direto.
11
Não podemos dizer coisas como: Alguém está feliz ou Todos estão tristes etc. Além disso,
dizer que essas palavras denotam um indivíduo em particular, como fazem nossas constantes,
não faria o menor sentido. Quem são alguém e todos? Não há expressões de generalização nessa
língua, e novamente nós precisamos de mais duas coisas para poder dizer coisas dessa natureza.
Novamente, vou apresentar primeiro a sintaxe dessas novas expressões e depois descrever seus
signicados. Então, à denição das fórmulas, acrescento uma quinta regra:
R5. Se x é uma variável e F é uma fórmula, então
∀xF é uma fórmula; e
∃xF é uma fórmula.
Elas corresponderão a generalizações que dizem:
Todo x é um F; e
Algum x é um F.
Na primeira formula, se nós pensarmos onde a variável x aparece fazemos uma armativa
sobre tudo, todo indivíduo na interpretação. Para a segunda, nós fazemos armativas que
correspondem às sentenças do português como alguém corre. Então, a primeira corresponde à
armativa universal e a segunda a uma sentença existencial em lógica. Agora sim já contei os
tipos de denotações que todas as expressões desta língua têm. Os termos denotam indivíduos.
Se eles são constantes, eles são semelhantes aos nomes e denotam indivíduos especícos. Se eles
são variáveis, tal qual os pronomes, eles denotam indivíduos relativos a uma certa atribuição
de valores a estas variáveis. Os predicados denotam conjuntos se eles são de um lugar. Eles
denotam conjuntos de pares de indivíduos, como João e Maria, se eles são predicados de dois
lugares. Vocês devem pensar nestes pares como sendo ordenados: Maria e (depois) João é um
par ordenado diferente de João e Maria. E todas as fórmulas denotam valores de verdade: 1
para o verdadeiro e 0 para o falso.
Para dar a semântica desta línga, tenho de dizer alguma coisa a mais sobre quais denotações
atribuímos às fórmulas a partir das denotações de suas partes mais simples. Conseqüentemente,
o que eu tenho de fazer é dar uma denição do que é ser uma fórmula verdadeira nesse sistema.
Acho que seria melhor, na apresentação desta denição de verdade, não dar um denição precisa
do tipo que teria de ser escrita no quadro e que pareceria bem complicada, mas ao invés disso,
prero observar alguns exemplos e ver como é que poderíamos denir as denotações de expressões
nessa língua. Deixe eu tomar alguns exemplos de expressões simples como:
Correr(a)
Nós queremos determinar quando uma fórmula como Correr(a) é verdadeira e quando ela
é falsa. Por um lado, nós temos a língua CP, por outro, nós temos o mundo ou modelo, e nós
queremos perguntar sobre a fórmula: Quando vamos dizer que essa fórmula é verdade? Bem, o
valor semântico, a denotação da fórmula vai ser igula a 1 (Verdadeiro) só no caso do indivíduo
denotado por a estar no conjunto denotado por Correr. Então, quando a fórmula Correr(a)
seria verdadeira? Bem temos de olhar para o mundo:
12 AULA 1. FORMAÇÃO E COMEÇO
Encontramos neste mundo o indivíduo que a deve denotar. Encontramos também muitos
outros indivíduos que estão correndo. Há muitas outras coisas no mundo  árvores, panelas etc.
 mas se o indivíduo denotado por a for membro do conjunto de pessoas que estão correndo,
então dizemos que a fórmula é verdadeira. Como é que deniríamos as condições de verdade
para Amar(a, b)? Ora, vamos olhar para o mundo novamente. Nós temos de encontrar algum
indivíduo denotado por b e digamos que novamente achemos o mesmo indivíduo para a. Agora
temos de olhar para pares de coisas no modelo ao invés de olhar coisas únicas. Vamos assumir
que temos agora três entidades em nossa interpretação: A, B e C, e que de alguma maneira
nós achamos o conjunto de pares que está na denotação de Amar. Não faz parte da semântica
saber como isso acontece, dee alguma forma sabemos que A ama B. Vamos contar uma estória
triste: A ama B. B ama C, e C ama A. Então é assim que é o nosso mundo  nós temos um
conjunto de pares  A + B; B + C; C + A  e depois nos perguntamos sobre esta fórmula: é
verdadeira? Ora, ela é verdadeira de acordo com esse mundo porque nesse mundo nós dissemos
que A, de fato, ama B, logo a fórmula é verdadeira. Mas e a fórmula Amar(b, a)? De acordo
com o que eu acabei de dizer, essa fórmula é falsa. Pois, infelizmente B não ama A. B ama
C. Para ser mais explícito, diríamos: essa fórmula é verdadeira se, e somente se, o par de
indivíduos A e B estiver no conjunto de pares que são a denotação de Amar no modelo. E isso
nos dá um ponto de partida para a denição de Verdadeiro e Falso com respeito a um certo
mundo ou modelo. Perceba uma coisa sobre o que eu acabei de dizer: estou presumindo que
a especicação da interpretação dá a informação completa sobre todos os indivíduos, conjuntos
etc. dos quais nós precisamos para dar a denotação das fórmulas da língua que interpretamos.
É só com relação a essa compreensão que nós podemos concluir, por exemplo, que B não ama
A. Nas próximas aulas vamos lidar com situações menos idealizadas, onde podemos ter apenas
informações incompletas.
(Neste exemplo, assumi uma convenção geral que tentarei seguir: não posso estar apresen-
tando coisas reais em um modelo, por isso às vezes desenho guras. Mas as guras também não
são totalmente convevientes, por isso usei letras maiúsculas, como A, B e C, para corresponder
às coisas denotadas pelas constantes de nossa língua: A para a coisa que a denota, e assim por
diante.)
E agora, como cam os outros jeitos de formar as fórmulas? Você deve estar lembrado que
uma das regras dizia que, se temos uma fórmula, podemos formar outra colocando o sinal −
na frente:
13
−Amar(b, a)
Este sinal correponde a não ou negação. Quando é que queremos que essa fórmula seja
verdadeira? Queremos que ela seja verdadeira se e somente se a fórmula sem a negação for falsa.
Então, podemos dizer:
A denotação de −Amar(b, a) = 1 (é verdadeira)
sse
a denotação de Amar(b, a) = 0 (é falsa)
(normalmente, sse é usado como abreviação de se e somente se.)
E a fórmula:
(Correr(a)  Amar(a, b))?
(O `e' comercial    correponde à palavra e.) E gostaríamos de dizer que esta fórmula
toda é verdadeira se, e somente se, a primeira parte for verdadeira e a segunda parte também.
De modo que a fórmula
(Correr(a)  Amar(a, b))
é verdadeira só no caso de cada uma de suas partes serem ambas verdadeiras. Então, ela é
verdadeira ou não? É verdadeira. Eu disse antes: a é um dos corredores, (a, b) é um dos pares
que estão na denotação de Amar,9 logo, já que a primeira fórmula é verdadeira e a segunda
fórmula é verdadeira, o conjunto inteiro é verdadeiro. E é isto que se assume que as denotações
de tais fórmulas sejam.
Finalmente, para estes casos mais simples: como ca esta fórmula?
(Correr(a) ∨ Amar(a, b))
Bem, esta fórmula vai ser verdade só no caso de uma das fórmulas componentes ser verda-
deira. Assim, o sinal  é como a conjunção e e o sinal ∨ é como ou. E esta fórmula vai ser
verdadeira só no caso de (se e somente se) ou a primeira parte ser verdadeira ou a segunda
parte ser verdadeira ou ambas serem verdadeiras. Então, novamente, dado nosso modelo 
Esta fórmula é verdadeira?  ela denota 1 neste modelo? Sim, porque ambas as partes são
verdadeiras. Ela também seria verdadeira se uma das partes fosse falsa. Contanto que uma de
suas partes seja verdadeira, o conjunto todo será verdadeiro. Ela só seria falsa se ambos os lados
da disjunção fossem falsos.
A única coisa que falta para completar a semântica para a língua CP é descrever as denotações
de fórmulas como
∀xCorrer(x) e ∃xAmar(x, a).
Aqui precisamos pensar um pouco sobre as atribuições de valores às variáveis. E, em cada
caso, queremos dizer se a expressão toda é a verdadeira com base apenas na parte sem o quanti-
cador, para cada caso, e precismos dizer isso em termos de atribuições de valores às variáveis.
Toda a fórmula (1) vai ser verdadeira se e somente se (2)  aquilo que obtemos quando tiramos a
parte ∀x  é verdadeira em toda as atribuições de valores às vairáveis, isto é, independentemente
do valor que considerarmos que x denote:
9
[Eu achava que as denotações deviam ser A e (A, B), de acordo com a convenção que ele acabou de mencionar.]
14 AULA 1. FORMAÇÃO E COMEÇO
A denotação de (1) ∀xCorrer(x) = 1
sse
a denotação de (2) Correr(x) = 1 para toda atribuição de valores às variáveis.
Para este exemplo, esta armação é correta. Algumas complicações surgem do fato de não
sabermos se há outras variáveis na fórmula ou não, se não conhecemos a estrutura da fórmula
subordinada, mas, para esta fórmula em particular, que apresenta apenas a variável relevante x
nela, esta armativa funciona (voltarei a este ponto na próxima aula). Você já deve ter advinhado
o que vai acontecer com a outra fórmula, a sentença existencial. Novamente, precisamos dizer
quais são as condições de verdade para a fórmula como um todo com base na verdade da parte
subordinada, aquilo que obtemos quando tiramos o ∃x. Você precisa dizer o que tudo aquilo vai
denotar com base na denotação da segunda parte e para isto diremos o seguinte:
A denotação de ∃xCorrer(x) = 1
sse
a denotação de Correr(x) = 1 em alguma das atribuições de valores às variáveis.
Assim, no primeiro caso, não importa como atribuirmos os valores, precisamos ter sempre
uma fórmula verdadeira. Digamos que temos a variável x. Uma atribuição diria que x denota
esta pessoa. Outra atribuição diria que x denota aquela pessoa. Outra atribuição diria que x
denota aquela coisa. Para o quanticador universal, se para toda a atribuição de valores a x a
fórmula for verdadeira, então a coisa toda é verdadeira. Para o quanticador existencial, se em
alguma atribuição  pelo menos uma atribuição  de valores para as variáveis a fórmula for
verdadeira, então a coisa toda é verdadeira.
Isto é, de uma forma bem apressada, uma teoria da quanticação. Se foi a primeira vez que
você escutou uma explicação desse tipo e a compreendeu, você tem motivos para sentir muito
orgulho, porque levou muito tempo para os lógicos desenvolverem essa teoria da quanticação
em toda sua complexidade. Se foi a primeira vez que você escutou e você acha que ainda não
entendeu completamente  se você acha que precisa pensar um pouco mais a respeito dela e lidar
mais com ela para para compreendê-la  você está plenamente justicado. Ela é complexa e eu
estou apresentando-a de uma maneira muito rápida. Eu não quero falar muito sobre os detalhes
técnicos formais. Quero dar a vocês uma idéia geral para que possamos falar dos assuntos gerais
que são o foco dessas aulas.
O que acabei de repassar é realmente uma versão restrita do assim chamado cálculo de
predicados, que é um sistema lógico formal, e ofereci a vocês uma interpretação. A maneira pela
qual zemos isto é um exemplo da abordagem geral da interpretação com a teoria de modelos.
Falei sobre um mundo ou modelo e sobre uma língua, e sobre a relação entre esta língua e o
mundo, em termos de denotação ou signicados de expressões do cálculo de predicados ou CP.
O conjunto de objetos  ou seja lá o que for que tivermos no modelo  vou chamar de
estrutura do modelo. Nós vimos um exemplo de uma estrutura de modelo para uma língua em
particular. Uma das questões recorrentes, e talvez a mais importante destas aulas, é: que tipo
de estrutura de modelos são mais apropriadas e esclarecedoras para o estudo da semântica das
línguas naturais? Ou seja, não para línguas como CP, o cálculo de predicados, mas línguas
como o português, o chinês, o russo, o tailandês e outras. Que tipos de estrutura de modelo nós
precisamos se quisermos tentar alcançar a semântica das línguas naturais através da teoria de
modelos? Vamos estudar vários tipos de estruturas de modelo para línguas naturais e articiais.
Antes de parar, eu gostaria de tomar alguns minutos para falar sobre coisas que encontramos
nas línguas naturais, mas com as quais o CP não é capaz de lidar. O cálculo de predicados PC é
15
um sistema demasiado simples, e a estrutura de modelo para ele também é muito simples para
se adequar às línguas naturais. Deixem-me mostrar a vocês alguns exemplos de como o CP é
diferente de uma língua como o chinês, ou uma língua como o português, mostrando os tipos de
coisas que não dispomos.
Nas classes de palavras do CP, só temos três diferentes tipos de expressões  bom, talvez
quatro. Temos os termos (as constantes individuais e variáveis), os predicados de dois tipos,
e então temos coisas como e e ou, os parênteses, o quanticador universal, e o quanticador
existencial, mas temos apenas um número bem pequeno de tipos de expressão ou de classes
gramaticais no CP. Para uma língua natural, isso não basta. Precisamos de mais tipos de
expressões. Por exemplo, tome uma sentença como João corre lentamente. O que é lentamente?
Temos apenas predicados e termos individuais. Podemos dizer coisas como João corre, mas não
podemos dizer coisas como João corre lentamente. Imagine, alternativamente, uma sentença do
português como Maria correu em oposição a Maria corre. Em português, é claro, precisamos
fazer uma opção explícita do tempo verbal, e Maria correu não signica o mesmo que Maria
corre. O CP não tem nada que se assemelhe ao tempo verbal das línguas naturais.
Imagine ainda uma sentença como Maria pode correr. No CP, só podemos lidar com
sentenças como Maria corre ou Maria não corre. O que signica dizer que Maria pode
correr ou É possível que Maria vá correr? Não há nada que corresponda aos auxiliares ou aos
modos, como o subjuntivo, palavras como pode, deve, tem de etc. E o CP não tem expressões
desse tipo. As línguas naturais têm. Precisamos saber algo sobre como ter um sistema deste
tipo, na teoria de modelos, para uma língua natural. Também não temos como expressar os
condicionais. Sentenças como Quando chove, alaga o quintal, ou Se amanhã zer um dia
bonito, nós iremos à praia e assim por diante. Nós ainda não temos nenhuma maneira de
relacionar as sentenças com se e quando. É fácil inserir isto no CP. Na próxima vez, mostrarei
a vocês como fazer isso.
Além disso, ainda não temos nada nesta língua que corresponda àquilo que precisamos para
interpretar sentenças como eu moro aqui. Podemos dizer talvez João mora em Tianjin.
Podemos dizer que morar em é um predicado e podemos dizer João e T, ou alguma coisa para
Tianjin,10 mas não podemos dizer nada nessa língua como eu moro aqui. Então, o que eu
moro aqui signica? Eu signica eu, mas só se eu estiver falando. Se você disser eu moro aqui,
aí eu vai signicar outra pessoa. Esta língua não tem como lidar com expressões determinadas
pelo contexto. isto também acontece com aqui; o que aqui signica? Se eu estou aqui, nesta
sala, aqui pode se referir a esta sala. Mas se uma outra pessoa dizer esta sentença em outra
cidade, em outra sala, aqui nesta outra sentença vai ter um outro signicado. Então precisamos
pensar em palavras que dependem de contexto como eu, aqui, agora e assim por diante.
Nesta língua, não há nenhuma maneira de fazer sentenças complexas como Nós vamos
tentar agradar você. Trata-se de uma situação na qual uma sentença é, de alguma forma, uma
componente de outra sentença, sem que isso seja feito em termos de e, ou, não etc. Tudo é uma
armação: João corre. Maria mora em Tianjin. Guilherme ama Sandra. E assim por diante.
Nesta língua, não há como fazer perguntas. Quem mora naquela casa? Também não há como
pedir coisas no CP. Uma língua como o CP, portanto, está completamente restrita a armativas
sobre as coisas, sendo impossível fazer perguntas ou pedidos, tais como por favor, você pode
me dizer as horas? etc.
Dentre as coisas novas sobre as quais vamos estar pensando na seqüência, a mais importante
é o fato de que, em nossa interpretação do CP, pensamos apenas em um mundo ou modelo. E, à
10
[Parece que o plano do discurso cou um pouco prejudicado neste trecho; seria mais adequado algo como
`morar em é um predicado que se aplica a J (a denotação de João) e a T (ou alguma outra coisa que represente
a denotação de Tianjin'.]
16 AULA 1. FORMAÇÃO E COMEÇO
medida que progredimos, será proveitoso lembrar que podemos ter toda uma classe de modelos
diferentes, e pensar no valor de verdade das sentenças em modelos diferentes. De modo que
poderemos pensar em diferentes jeitos que o mundo poderia ser, ao invés de nos limitarmos a
um único modelo. E isto introduz a noção de mundo possível, que é simplesmente um outro jeito
das coisas estarem dispostas, sem ser necessariamente o jeito como as coisas estão. Precisamos
deste aréscimo em nossa teoria para lidar com sentenças como Maria talvez caminhe no parque.
Quando é verdadeiro dizer que talvez Maria caminhe no parque? Uma maneira de se responder
a essa pergunta é dizer, Maria talvez caminhe no parque é verdadeira neste mundo se houver
algum mundo possível, algum jeito alternativo das coisas estarem dispostas, tal que Maria de fato
caminhe no parque. Assim podemos explicar as modalidades em termos de diferentes maneiras
como as coisas poderiam ser no mundo. Esse será o assunto da próxima aula.

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Mais procurados (19)

Recursos morfossintáticos, lexicais,semânticos
Recursos morfossintáticos, lexicais,semânticosRecursos morfossintáticos, lexicais,semânticos
Recursos morfossintáticos, lexicais,semânticos
 
Curso de alemão celso melo - 1ª edição
Curso de alemão   celso melo - 1ª ediçãoCurso de alemão   celso melo - 1ª edição
Curso de alemão celso melo - 1ª edição
 
(Resumo)comunicação e expressão
(Resumo)comunicação e expressão(Resumo)comunicação e expressão
(Resumo)comunicação e expressão
 
Aula 06 português.text.marked
Aula 06   português.text.markedAula 06   português.text.marked
Aula 06 português.text.marked
 
Aula 10 termos da oração análise sintática
Aula 10   termos da oração análise sintáticaAula 10   termos da oração análise sintática
Aula 10 termos da oração análise sintática
 
Gramaticanoensinobasico
GramaticanoensinobasicoGramaticanoensinobasico
Gramaticanoensinobasico
 
Apostila regencia verbal
Apostila regencia verbalApostila regencia verbal
Apostila regencia verbal
 
Aula 01 sujeito i
Aula 01   sujeito iAula 01   sujeito i
Aula 01 sujeito i
 
PPT-4 classe de palavras
PPT-4 classe de palavrasPPT-4 classe de palavras
PPT-4 classe de palavras
 
Figuras de linguagem e efeitos de sentido.
Figuras de linguagem e efeitos de sentido.Figuras de linguagem e efeitos de sentido.
Figuras de linguagem e efeitos de sentido.
 
Sintaxe Volume 1
Sintaxe Volume 1Sintaxe Volume 1
Sintaxe Volume 1
 
Gramática - Sujeito I
Gramática - Sujeito IGramática - Sujeito I
Gramática - Sujeito I
 
SINTAXE
SINTAXESINTAXE
SINTAXE
 
curso-de-latim
curso-de-latimcurso-de-latim
curso-de-latim
 
Sessão 1
Sessão 1Sessão 1
Sessão 1
 
Gramática aula 16 - colocação pronominal
Gramática   aula 16 - colocação pronominalGramática   aula 16 - colocação pronominal
Gramática aula 16 - colocação pronominal
 
Locução verbal
Locução verbalLocução verbal
Locução verbal
 
Análise sintática
Análise sintáticaAnálise sintática
Análise sintática
 
Morfossintaxe
MorfossintaxeMorfossintaxe
Morfossintaxe
 

Semelhante a Semântica Formal: Introdução à Teoria dos Modelos

Língua e linguagem
Língua e linguagemLíngua e linguagem
Língua e linguagemjohnypakato
 
A sintaxe da gramatica normativa ii
A sintaxe da gramatica normativa iiA sintaxe da gramatica normativa ii
A sintaxe da gramatica normativa iiIury Alberth
 
1000 Questões de Português Cespe - Assuntos mais Cobrados
1000 Questões de Português Cespe - Assuntos mais Cobrados1000 Questões de Português Cespe - Assuntos mais Cobrados
1000 Questões de Português Cespe - Assuntos mais CobradosEstratégia Concursos
 
O que letramento_e_alfabetizacao
O que  letramento_e_alfabetizacaoO que  letramento_e_alfabetizacao
O que letramento_e_alfabetizacaoTamara Pina
 
Lingusticaaplicadainterpretaodetextoscursinho 111006072155-phpapp02
Lingusticaaplicadainterpretaodetextoscursinho 111006072155-phpapp02Lingusticaaplicadainterpretaodetextoscursinho 111006072155-phpapp02
Lingusticaaplicadainterpretaodetextoscursinho 111006072155-phpapp02Maria Marlene Marcon
 
Língua portuguesa 6º ano
Língua portuguesa 6º anoLíngua portuguesa 6º ano
Língua portuguesa 6º anosmssergio
 
CONCORDANCIA VERBAL AULA PROFESSOR AUTOR
CONCORDANCIA VERBAL AULA PROFESSOR AUTORCONCORDANCIA VERBAL AULA PROFESSOR AUTOR
CONCORDANCIA VERBAL AULA PROFESSOR AUTORlucianadsguimaraes
 
Módulo 2 verbo
Módulo 2   verboMódulo 2   verbo
Módulo 2 verboBeto Batis
 
PORTUGUÊS - MULTIBANCAS.pdf concurso pbh
PORTUGUÊS - MULTIBANCAS.pdf concurso pbhPORTUGUÊS - MULTIBANCAS.pdf concurso pbh
PORTUGUÊS - MULTIBANCAS.pdf concurso pbhFernandaCosta740762
 
Língua(s), linguagens e comunicação
Língua(s), linguagens e comunicaçãoLíngua(s), linguagens e comunicação
Língua(s), linguagens e comunicaçãoArnaldoSobrinho
 
Língua(s), linguagens e comunicação
Língua(s), linguagens e comunicaçãoLíngua(s), linguagens e comunicação
Língua(s), linguagens e comunicaçãoArnaldoSobrinho
 

Semelhante a Semântica Formal: Introdução à Teoria dos Modelos (20)

Semântica pt 1
Semântica pt 1Semântica pt 1
Semântica pt 1
 
Wittgenstein_
Wittgenstein_Wittgenstein_
Wittgenstein_
 
Tp5
Tp5Tp5
Tp5
 
521183 (1).pptx
521183 (1).pptx521183 (1).pptx
521183 (1).pptx
 
Artigo sobre sociolinguistica
Artigo sobre sociolinguisticaArtigo sobre sociolinguistica
Artigo sobre sociolinguistica
 
Língua e linguagem
Língua e linguagemLíngua e linguagem
Língua e linguagem
 
TP5- Unidades 17 e 18
TP5- Unidades 17  e  18TP5- Unidades 17  e  18
TP5- Unidades 17 e 18
 
A sintaxe da gramatica normativa ii
A sintaxe da gramatica normativa iiA sintaxe da gramatica normativa ii
A sintaxe da gramatica normativa ii
 
1000 Questões de Português Cespe - Assuntos mais Cobrados
1000 Questões de Português Cespe - Assuntos mais Cobrados1000 Questões de Português Cespe - Assuntos mais Cobrados
1000 Questões de Português Cespe - Assuntos mais Cobrados
 
O que letramento_e_alfabetizacao
O que  letramento_e_alfabetizacaoO que  letramento_e_alfabetizacao
O que letramento_e_alfabetizacao
 
Lingusticaaplicadainterpretaodetextoscursinho 111006072155-phpapp02
Lingusticaaplicadainterpretaodetextoscursinho 111006072155-phpapp02Lingusticaaplicadainterpretaodetextoscursinho 111006072155-phpapp02
Lingusticaaplicadainterpretaodetextoscursinho 111006072155-phpapp02
 
Língua portuguesa 6º ano
Língua portuguesa 6º anoLíngua portuguesa 6º ano
Língua portuguesa 6º ano
 
Trabalho elaine la
Trabalho elaine laTrabalho elaine la
Trabalho elaine la
 
CONCORDANCIA VERBAL AULA PROFESSOR AUTOR
CONCORDANCIA VERBAL AULA PROFESSOR AUTORCONCORDANCIA VERBAL AULA PROFESSOR AUTOR
CONCORDANCIA VERBAL AULA PROFESSOR AUTOR
 
Módulo 2 verbo
Módulo 2   verboMódulo 2   verbo
Módulo 2 verbo
 
PORTUGUÊS - MULTIBANCAS.pdf concurso pbh
PORTUGUÊS - MULTIBANCAS.pdf concurso pbhPORTUGUÊS - MULTIBANCAS.pdf concurso pbh
PORTUGUÊS - MULTIBANCAS.pdf concurso pbh
 
Expressão Escrita e Oral Presentes na Leitura, na Produção e na Interpretação...
Expressão Escrita e Oral Presentes na Leitura, na Produção e na Interpretação...Expressão Escrita e Oral Presentes na Leitura, na Produção e na Interpretação...
Expressão Escrita e Oral Presentes na Leitura, na Produção e na Interpretação...
 
Aula 10
Aula 10Aula 10
Aula 10
 
Língua(s), linguagens e comunicação
Língua(s), linguagens e comunicaçãoLíngua(s), linguagens e comunicação
Língua(s), linguagens e comunicação
 
Língua(s), linguagens e comunicação
Língua(s), linguagens e comunicaçãoLíngua(s), linguagens e comunicação
Língua(s), linguagens e comunicação
 

Semântica Formal: Introdução à Teoria dos Modelos

  • 1. Emmon Bach Aulas Informais sobre Semântica Formal Traduzido por Cláudio Corrêa e Castro Gonçalves e Luiz Arthur Pagani
  • 2. 2
  • 3. Aula 1 Formação e Começo A aula de hoje tem duas partes. Uma delas é uma introdução bastante geral, na qual vou falar sobre a pergunta O que é signicado? e contar um pouco da história da semântica o estudo do signicado na lingüística, tanto a recente quanto a assim nem tão recente. Depois então vamos dar início, ainda hoje, a uma introdução mais especíca sobre um assunto mais técnico: o estudo da semântica de um certo ponto de vista o da semântica da teoria dos modelos. Esse é o tema geral das oito aulas. Apesar de que o que sabemos sobre a semântica ser, certamente, muito menos do que aquilo que não sabemos, acredito que houve muito progresso nestes últimos 15 anos, mais ou menos. Acredito também que estamos experimentando atualmente uma quantidade de desenvolvimentos bastante empolgantes, e gostaria de me ater aqui a alguns destes desenvolvimentos. Pretendo que estas aulas sejam completamente auto-sucientes. Faço isto por dois motivos. O primeiro é que eu caria contente se elas fossem acessíveis para todos os presentes, e tenho certeza que vocês têm uma formação muito variada. E, ainda mais importante, é que eu acredito piamente que um especialista ou um técnico deva ser capaz de explicar o que ele ou ela está estudando para qualquer pessoa que se interesse e que se disponha a acompanhar e fazer algum esforço; além disso, essa tentativa também é importante para mim pois me força a reetir profundamente sobre porque estou estudando o que estudo e se isso é importante. Os especialistas podem se perder nos detalhes de seus trabalhos e esquecer porque fazem o que fazem. Peço desculpas por desconhecer totalmente a tradição lingüística de seu país. Não há muitos lugares no mundo onde uma tradição lingüística independente tenha se desenvolvido; a China é um deles. Passei os primeiros anos da minha vida no Japão, e o que cou comigo da infância é suciente para reconhecer que a China está para o Oriente assim como Grécia e Roma estão para o Ocidente. E onde quer que encontremos registros das primeiras indagações intelectuais huma- nas, encontramos também registros de indagações sobre a linguagem. Algumas das perguntas que as pessoas já se zeram são: Por que há tantas línguas diferentes? Quão diferentes e quão semelhantes são as diferentes línguas? Qual a relação entre linguagem e mundo? Como as palavras podem ser tão obscuras e ainda assim admitir certo e errado? A última pergunta é de Zhuang Z em excerto de Os Capítulos Interiores.1 Esse excerto suscita questões fundamentais que serão consideradas aqui. E também apresenta com muita 1 [Será que isso foi traduzido para o português?] 3
  • 4. 4 AULA 1. FORMAÇÃO E COMEÇO clareza a principal premissa da semântica. Cito: As palavras não são apenas um sopro de ar, elas têm signicado. A tarefa primordial das teorias semânticas é explicar como as palavras e as outras expressões lingüísticas, como sentenças e sintagmas, podem ter signicados e o que são esses signicados. Acho que esse ponto (o fato de que as expressões lingüísticas têm signicados) é bastante óbvio, e qualquer pessoa consideraria isso tão óbvio que ele ou ela acaba supondo que os lingüistas (pessoas cujo trabalho é compreender a linguagem) consideram a semântica (o estudo do signicado) uma de suas preocupações principais. No entanto, não tem sido sempre assim na história da lingüística. Hoje vou contar um pouco desta história. Bom, o que poderia ser um signicado? Mais uma vez, acho que qualquer pessoa diria que um signicado tem de ser algo que não faz parte da língua, exceto no caso de palavras sobre palavras.2 As palavras se referem a coisas. As sentenças são sobre acontecimentos no mundo. Usamos as palavras e as sentenças para falar sobre o mundo, sobre nossos próprios sentimentos, interesses e necessidades. Mais uma vez, esse ponto parece óbvio, mas os lingüistas e os lósofos que se preocuparam com a linguagem nem sempre chegaram a um acordo. Voltaremos a essa questão em vários pontos destas aulas. O ponto de vista que vou assumir aqui é o que parte de duas premissas: I. Uma língua tem signicado. II. Os signicados não fazem parte da língua. O que são os signicados? Os signicados são as coisas às quais as línguas estão relacionadas. Aparentemente, isto é o que faz com que as palavras sejam diferentes dos cantos dos pássaros, que não estão relacionadas a nada, até onde sabemos. A semântica é o estudo dos signicados que uma expressão da língua pode ter. Até agora, usei a palavra signicado para algo que as expressões lingüísticas têm e a semântica estuda. Mas essa palavra em si mesma a palavra signicado tem muitos signicados, bem como o verbo correspondente signicar. Alguns destes signicados diferentes podem ser ilustrados através de exemplos. 1. Te dar essas ores signica que eu te amo. 2. Aquelas montanhas ali na frente signicam problema. 3. Ele disse que se juntaria a nós, mas a palavra dele não signica nada.3 4. Quando eu digo X, signica que Y . 5. Aìren signica cônjuge. Para desenvolver de uma teoria cientíca, precisamos ter cuidado com os termos que usamos. Freqüentemente temos de adotar uma terminologia especial que se afasta da língua cotidiana e que assume seu signicado através da maneira pela qual ela é usada em nossas teorias. Vamos combinar de continuar usando signicado como um termo que abrange muitos tipos diferentes de relações, mas vamos adotar uma terminologia especial para os aspectos mais especiais e técnicos de signicado. 2 [No que será que ele estava pensando?] 3 NT: O exemplo aqui precisou ser adaptado, porque o original era He said that he would join us, but he didn't mean that; sua tradução literal, algo como Ele disse que se juntaria a nós, mas ele não estava sendo sincero, não envolve o uso do verbo signicar.
  • 5. 5 Para nos concentrarmos em algumas dessas idéias mais especializadas que precisamos usar, vamos considerar os exemplos que acabamos de dar e seus respectivos signicados. Na sentença Te dar essas ores signica que eu te amo pratico um determinado ato eu te dou algumas ores com esse ato quero expressar meus sentimentos por ti que eu te amo. Assim signicar, a palavra da língua portuguesa signicar nesta sentença, parece designar uma relação entre um ato que eu pratico e algum signicado, intenção, sentimento ou atitude presumivelmente expressa pela ação. Não é esse sentido de signicado que me interessa discutir aqui. Então consideremos o exemplo: Aquelas montanhas ali na frente signicam problema. Isso parece querer dizer alguma coisa como: Se continuarmos nossa viagem (ou coisa do tipo), ela vai ser difícil para nós porque teremos de atravessar aquelas montanhas. Então, nesse caso, signicar parece designar a relação entre alguma coisa as montanhas e alguma conseqüência para nós em relação a algum motivo ou propósito. Mais uma vez, não é esse sentido de signicado que me interessa aqui. Consideremos os próximos exemplos. Ele disse que se juntaria a nós, mas a palavra dele não signica nada. Isso parece ter a ver com sinceridade. Alguém diz alguma coisa, mas ele está mesmo querendo dizer aquilo? Isto é, ele está sendo realmente sincero no que diz? Aqui, signicar parece designar a relação entre uma pessoa e alguma coisa que essa pessoa diz. Mais uma vez, esse não é o sentido de signicar que me interessa aqui, apesar de, adiante, haver alguns pontos nos quais levantaremos o tipo de questão suscitada por esse exemplo, questões que têm a ver com as línguas e o que as pessoas fazem com elas. O próximo exemplo Quando eu digo X, signica que Y . parece signicar alguma coisa do tipo: eu digo alguma coisa, há um signicado usual associado ao que eu digo, mas eu estou declarando que o que eu realmente quero expressar a você é uma outra coisa. Assim, signicar aqui tem a ver com a relação entre uma pessoa, alguma coisa que essa pessoa diz e uma outra coisa que a pessoa quer expressar. Esse exemplo exige referência ao tipo de signicado que nos interessa aqui, mas ainda não expressa completamente esse sentido. Vamos ver agora o último exemplo: Aìren signica cônjuge. Esse exemplo está intimamente relacionado ao sentido de signicado com pelo qual pretendo começar aqui. O que eu quero dizer com isso? Você deve ter percebido que eu sublinhei a palavra aìren do chinês e a palavra cônjuge do português. Uma forma mais precisa de exprimir o que esse exemplo pretende signicar é: a palavra aìren signica o mesmo que a palavra cônjuge. Agora vamos nos concentrar no signicado de signica o mesmo que. Aìren signica uma coisa e cônjuge signica essa mesma coisa. Que coisa é essa que ambas as palavras designam? Vamos chamá-la, seja lá o que for, de denotação da expressão lingüística em questão. Então, uma outra maneira de dizer a mesma coisa é dizer que a denotação dessa palavra, aìren, é a mesma que a denotação de cônjuge. E, novamente, estamos falando de uma coisa que é não uma sensação, mas ded algo que existe no mundo, seja qual for a referência destas duas palavras. Mas, na verdade, isto não é tudo. O problema é que sem referência a uma língua, não sabemos exatamente o que são estas expressões mencionadas. Pode haver uma língua na qual a palavra aìren signica um certo tipo de or e outra ainda na qual cônjuge signica jornal ou algo assim. Então, para ser bem especíco, precisamos dizer alguma coisa como: A denotação de aìren em uma certa língua (o chinês) é a mesma que a denotação de cônjuge em português. Logo, quando falamos sobre denotações de expressões, nós pressupomos que sabemos que há uma certa língua na qual esta expressão é usada. Assim, acabei de dar um rápido panorama sobre a minha concepção de semântica, ou pelo menos de uma parte importante da semântica. Vamos reetir, agora, sobre o que essa concepção de semântica precisa para funcionar. Evidentemente, esse programa tem duas partes. Primeiro, precisamos mostrar como atribuir denotações a todos os elementos básicos (ou lexicais) da língua seja o chinês, o porttuguês, ou qualquer outra. E depois precisamos mostrar como reunir as
  • 6. 6 AULA 1. FORMAÇÃO E COMEÇO denotações das expressões simples, palavras como cônjuge e aìren, e mostrar como as denotações das expressões complexas podem ser formadas a partir das denotações destas expressões simples. E assim por diante. Eis um exemplo do que precisamos fazer. Suponhamos que João denota um certo indivíduo eu mesmo, por exemplo, ou qualquer pessoa que cujo nome seja João. Suponhamos ainda que andar denota um certo conjunto (ou coleção) de indivíduos o conjunto dos que andam. Para poder dizer o que signica João anda, gsotaríamos de dizer algo do tipo: é uma armação verdadeira dizer que o indivíduo denotado por João é um elemento do conjunto de indivíduos que andam. Esse é um exemplo bem simples de como gostaríamos de tratar o signicado das expressões complexas mediante a reunião dos signicados ou denotações das expressões que fazem parte delas, à medida que construímos expressões cada vez mais complexas na nossa sintaxe. Então, até agora, precisamos aparentemente de dois tipos de coisa para falar sobre as deno- tações das expressões de uma língua. Precisamos ser capazes de falar sobre indivíduos, de ter um conjunto de indivíduos denotado por palavras como os nomes próprios. João é um desses indíviduos. E precisamos ser capazes de falar sobre conjuntos ou coleções de indivíduos. Con- seqüentemente, ao dar esse exemplo do que é uma denotação, como parte da resposta à pergunta o que é signicado?, z uma certa escolha. Essa escolha é a de que as denotações são algo como as coisas no mundo; não fazem parte da língua, mas sim do mundo pessoas, mesas, copos, livros e assim por diante. Esse é o principal tipo de teoria sobre a qual vou falar aqui. Mas é importante saber que outros tipos de respostas podem ser dadas, e inclusive já foram dadas. Uma delas é a que diz que os signicados são objetos mentais de algum tipo, coisas dentro da minha cabeça, conceitos ou pensamentos. Então a resposta que eu escolhi é controversa. Nem todos vão concordar com esta escolha. Eu gostaria de deixar essa polêmica de lado por enquanto e nas próximas aulas simplesmente presumir que uma maneira interessante de falar sobre os signicados é falar desta maneira sobre as denotações como se fossem coisas, conjuntos de coisas e assim por diante. Em aulas posteriores, vou voltar a rever outros tipos de respostas que podem ser dadas à pergunta o que é signicado? e comparar as diferentes teorias com as diferentes respostas a essa pergunta. Antes de começarmos a olhar mais aprofundadamente para uma teoria semântica, queria gastar alguns minutos na história recente da teoria lingüística nos Estados Unidos e na Europa. O ano de 1957 foi importante na lingüística. Esse foi o ano em que Noam Chomsky publicou seu pequeno livro Estruturas Sintáticas.4 Esse livro teve um profundo impacto na teoria lingüística, não só nos Estados Unidos mas em muitas outras partes do mundo. Na minha opinião, a idéia mais importante e também a mais difícil de ser compreendida pelos lingüistas que tinham trabalhado nas tradições anteriores foi a de gramática gerativa. O que é uma gramática gerativa? Supõem-se que seja uma declaração explícita de quais são as classes das expressões lingüísticas e que tipo de estruturas elas têm. Esta noção é importante para nós porque o tipo de semântica na qual eu quero me concentrar pressupõe a existência de uma gramática explícita deste tipo. Por isso, quero gastar algum tempo reetindo sobre o que é esse tipo de gramática e o que ela faz. A coisa mais importante de se lembrar, e também a mais difícil de se acostumar inicialmente, é a idéia de que, de fato, a gramática diz explicitamente o que está na língua. Esta é a idéia básica de uma gramática gerativa. Um exemplo nos ajudará a tornar esta idéia mais concreta. Dada uma gramática gerativa de uma língua, você deveria conseguir construir vários tipos de expressões nesta língua por meios completamente mecânicos, sem conhecer antecipadamente nada sobre a língua. Então quero 4 [Seria interessante acrescentar aqui a referência, apesar de ser um livro conhecido. Tem tradução?]
  • 7. 7 apresentar uma pequena gramática para uma pequena língua articial que vai ser importante à medida que progredirmos. E gostaria de desenvolvê-la para ilustrar o assunto sobre o qual estamos reetindo. Vou chamar essa língua de CP (uma abreviação de cálculo de predicados). O CP tem muitos tipos de expressões. Ela tem o que vou chamar de termos, e eles são de duas espécies: 1. variáveis, que terão a forma: x, y, z, . . . (as últimas letras do alfabeto latino); 2. constantes individuais, que são escolhidas dentre as letas a, b, c, . . . (as primeiras letras do alfabeto latino); e 3. há ainda outras expressões: duas espécies de predicados, que vamos chamar de predicados de um lugar, que são expressões como Correr, Caminhar, Feliz, Calma, . . . (Você pode achar que isso é português mas não é. Para os nossos propósitos, por enquanto, pense nelas simplesmente como símbolos desprovidos de signicados que pertencem a estas diferentes classes de expressões.) E temos também predicados de dois lugares. Estes serão palavras que novamente parecem ser do português, mas não são: Amar, Beijar, Gostar,5 Ver, . . . Estes são os únicos tipos de expressões básicas ou, se você preferir, expressões lexicais da língua. Eu incluí aqui as reticências porque dá para imaginar que existem muitas outras, mas só precisamos de alguns exemplos de cada tipo. As outras expressões da nossa língua precisam ser construídas por regras que apresento agora, para mostrar a você como elaborar algumas expressões mais complexas. Então, vamos criar mais uma classe de expressões, que vou chamar de fórmulas. Eis as regras para construir fórmulas: R1. Se P é um predicado de um lugar e T é um termo, então P(T) é uma fórmula. Isso signica que se eu escolher algo que seja um termo, um x, ou um y, ou um a, ou um b, e escolhjer algo que seja um predicado de um lugar, eu posso construir uma fórmula juntando o primeiro símbolo digamos que Correr a um segundo símbolo um termo como a em parêntesis depois: então, Correr(a) seria uma fórmula de acordo com essa primeira regra. É provável que você já tenha advinhado qual é a segunda regra: R2. Se R é um predicado de dois lugares, e X e T são termos, então R(X, T) é uma fórmula. Assim, agora podemos escrever coisas como V er(a, b).6 Essa é toda a sintaxe da língua. Neste ponto, ainda não há semântica para esta língua. Mas dada essa gramática, já podemos dizer que certas expressões que pertencem a certas classes na gramática, porque dissemos explicitamente o que essas classes são. Então, sabemos, por exemplo, que a expressão x é um termo, e que b também é um termo. E sabemos ainda que estas são fórmulas na língua: Correr(x), Gostar(c, y), Calma(c) e Amar(x, y) 5 [Esse não é exemplo legal, porque rege preposição.] 6 [Isso não tem na minha cópia, mas justamente essa página saiu torta na fotocópia.]
  • 8. 8 AULA 1. FORMAÇÃO E COMEÇO Apesar de não sabermos o que elas signicam, nós já temos uma gramática gerativa bem simples para esta língua CP. Tudo o que precisamos para gerar alguns exemplos desta língua é ser capaz de reconhecer os símbolos ou sinais, e vericar se eles pertencem às devidas categorias ou classes que estão descritas na gramática. A gramática que acabei de fornecer para uma língua muito simples segue a forma que lógicos como Carnap e Tarski usaram para denir a sintaxe das línguas formais da lógica simbólica e ded outros sistemas articiais. Ela é um exemplo do que alguns chamam de sistema formal. Uma maneira de caracterizar o que Chomsky fez é dizer que ele propôs uma tese ou hipótese sobre as línguas naturais: que uma língua natural, uma língua como o chinês ou o português, pode ser descrita como um sistema formal. Vou chamar isto de Tese de Chomsky de 1957. A maneira de Chomsky construir uma gramática era bem diferente da maneira como apresentei esta língua. Mas um sistema simples como o que eu apresentei é suciente para come- çarmos. Numa próxima aula, voltarei à questão sobre que tipo de gramática é mais apropriada para uma língua natural como o português ou o chinês. A língua CP até agora não é muito interessante porque só podemos formar sentenças muito simples. Não podemos fazer nada muito complicado, e há muitas coisas que não podemos expressar nessa língua, então quero acrescentar mais duas regras para fórmulas. A primeira nova regra diz: R3. Se F é uma fórmula então −F também é. a quarta regra diz: R4. Se F e G são fórmulas, então (F G) e (F ∨ G) também são. Estas regras nos dizem que podemos fazer fórmulas mais complicadas a partir das simples. Nós podemos pegar uma fórmula e depois outra, e juntá-las com um sinal no meio delas, co- locando tudo entre parênteses, de forma que teremos uma outra fórmula nova. Podemos pegar esta fórmula e colocar o sinal − na frente ela, e termos outra fórmula. Então agora podemos formar com a nossa gramática sentenças tão longas quanto quisermos. As gramáticas para as línguas naturais devem ter essa capacidade pois não há, em nenhuma língua, uma sentença que seja a mais longa. Se você me der uma sentença bem longa em português, sempre posso acrescentar mais alguma coisa para torná-la uma sentença ainda mais longa e complexa. Com estas regras, então, não só temos a possibilidade de formar sentenças bem curtas, mas agora podemos também formar sentenças da extensão que quisermos graças a umas poucas regras a mais. Estamos reetindo sobre uma língua bem simples, a língua CP. E, até agora, nos restringimos à sintaxe dessa língua. Sintaxe é o estudo de uma língua do ponto de vista puramente formal sem dar atenção ao signicado. Se fôssemos falar de uma língua natural seguindo por este caminho, ainda teríamos muito a dizer muito sobre ela a partir deste ponto de vista estritamente formal. Alguns lingüistas do nosso século7 parecem sugerir que isto é tudo o que há para ser dito, que a única coisa importante sobre uma língua é a rede de relações e contrastes formais que existem na língua. Nos Estados Unidos, alguns dos lingüistas mais inuentes antes de Chomsky parecem aceitar esta idéia. Um deles foi Leonard Bloomeld, outro foi Zellig Harris, que foi professor de Chomsky. Claro que eles reconheciam que as palavras têm signicados, mas eles pareciam pensar que o estudo do signicado não podia ser feito de uma forma precisa e cientíca. Neste aspecto, eles concordavam com muitos lósofos e lógicos que diziam que as línguas naturais são 7 NT: Lembremos que as aulas e sua transcrição em livro ocorreram ainda no século passado.
  • 9. 9 tão vagas e ambíguas que não podem ser descritas da mesma forma que as línguas articiais, como o CP. Um lósofo que não concordou com esse ponto de vista foi Richard Montague. Em seus tex- tos sobre línguas naturais, que foram escritos no m dos anos 60 e início dos anos 70, Montague armou que as línguas naturais podem ser tratadas da mesma maneira que as línguas articiais formais do lógico. Podemos estabelecer esta como uma segunnda tese. Já falei antes um pouco da tese de Chomsky. Esta eu gostaria de chamar de a Tese de Montague: as línguas naturais podem ser descritas como sistemas formais interpretados. Relembrando, eu disse que a tese de Chomsky dizia que as línguas naturais podem ser descritas como sistemas formais. Montague acrescentou a ela a idéia de que as línguas naturais podem ser descritas como sistemas formais interpretados. Montague herdou da tradição e losóca os métodos da semântica da teoria de modelos. Esta é a perspectiva que mencionei. A semântica atribui a sentenças e outras expres- sões interpretações que são coisas diferentes da língua, especicamente, atribuem às sentenças interpretações que dizem se elas são verdadeiras ou falsas. Em geral, para determinar se uma sentença é verdadeira ou falsa, duas coisas são necessárias: (1) você deve saber o que a sentença signica e (2) você deve comparar esta sentença a alguma situação no mundo real e ver se ela correponde ao signicado da sentença. (Aliás, podemos ver agora que o termo semântica formal, que aparece no título geral destas aulas, é bastante enganador. O mais importante em relação à semântica da teoria de modelos é que ela não trata apenas das relações entre as expressões de alguma língua (ou algumas línguas), mas das relações entre a língua e as coisas além da língua. A maneira como a palavra formal é usada no termo semântica formal deve ser entendida com um sentido semelhante ao de explícito ou preciso. Outra nota sobre este título: informal deve ser entendido como: sem uso excessivo de formalismos estranhos. Uma questão que espero que vocês venham a valorizar é que se pode ser bastante preciso usando uma língua comum. Um formalismo só se justica quando ampliam a perspicuidade e o entendimento; eles não são ns em si mesmos.) Agora quero retomar nossa língua simples, o CP, e mostrar como podemos dar uma inter- pretação a esta língua dizendo o que os diferentes tipos de expressão denotam. O que tínhamos antes era a sintaxe. Agora eu vou dizer alguma coisa sobre a semântica desta língua, alguma coisa sobre as denotações dos diferentes tipos de expressão. E o que eu vou dizer é: os termos denotam indivíduos, os predicados de um lugar denotam conjuntos de indivíduos, os predicados de dois lugares denotam conjuntos de pares de indivíduos e as fórmulas denotam o que eu chamo de valores de verdade. Vamos escrever 1 para o Verdadeiro e 0 para o Falso. (Você pode achar que a idéia de fazer a denotação de um predicado ser um conjunto não é muito intuitiva. Talvez Andar devesse signicar alguma coisa como a propriedade de andar. Se você acha isso, você não está sozinho. Em aulas posteriores, vou voltar a essa idéia. O que estamos buscando aqui é uma teoria padrão sobre as denotações de uma língua desenvolvida por lógicos e matemáticos que gostam de usar a teoria dos conjuntos como uma ferramenta básica. Ela é uma bela teoria e já está bem compreendida, e esta é só uma parte de seu apelo. Mas ela tem algumas desvantagens, como veremos. Poderíamos dizer o mesmo sobre valores de verdade como denotações de fórmulas.) É muito importante entender o que estou dizendo. O que estou falando aqui é que supomos que os diferentes tipos de expressões na língua se referem a estas coisas no mundo ou num modelo para a língua. Então, pense em uma determinada constante individual como tendo uma pessoa ou uma xícara ou uma mesa como seu valor semântico ou denotação. Eis uma língua e eis-me aqui falando sobre um mundo de indivíduos e conjuntos de indivíduos e de pares de indivíduos: Agora, antes de dizer exatamente como tudo isso funciona, precisamos pensar um pouco nos dois tipos de termos: as variáveis e as constantes individuais. Eu disse que ambas denotam
  • 10. 10 AULA 1. FORMAÇÃO E COMEÇO indivíduos, mas elas fazem isso de modo bastante distinto, e vou ter de algum tempo explicando isso. A coisa mais fácil é pensar nas constantes individuais como nomes próprios em uma língua. Então, essas constantes individuais dessa língua, o CP, funcionam como Emmon ou Cláudio ou Arthur, mas imaginamos que podemos dar nomes a diversos tipos diferentes de coisas. Portanto elas sempre representam alguma coisa ou algum indivíduo em particular. (Por enquanto, suponha que as constantes diferentemente de nomes próprios nas línguas naturais sempre selecionam uma única coisa à qual ela se refere. Conseqüentemente, vocês poderiam pensar em cada nome como se incluísse uma espécie de Número de Identicação Universal.) E as variáveis? Aqui temos de dizer que aquilo que as variáveis denotam depende de algo chamado atribuição de valores às variáveis. Uma variável é como um pronome. Então, nesta língua, as variáveis funcionam exatamente como as palavras ele ou ela,8 numa língua natural como o português. Se temos uma sentença da língua natural como ela é sábia, como é que vamos saber se ela é falsa ou verdadeira? Bem, nós não podemos determinar seu valor de verdade a não ser que saibamos quem o pronome ela designa. Logo, parte de uma interpretação é uma atribuição de valores às variáveis. E essas atribuições vão sempre indicar algum indivíduo para qualquer variável que usarmos, de modo que as constantes funcionam como nomes e as variáveis funcionam tal qual as vairáveis em matemática. Uma fórmula como Correr(x) não pode ser julgada verdadeira ou falsa a não se que saibamos a que indivíduo essa variável se refere. Por isso nós devemos ter, além do que já falamos, uma atribuição de valores ou signicados para as variáveis. Constantes individuais denotam indivíduos tal qual os nomes próprios. Variáveis denotam indivíduos sob uma atribuição de valores para as variáveis. Perceba que essa língua ainda é extremamente limitada pois não temos uma maneira de fazer generalizações. Só podemos dizer coisas como: João corre, Maria corre ou Ele está feliz. 8 No texto original, há ainda menção ao pronome neutro it, do inglês, para o qual não existe um correspondente direto.
  • 11. 11 Não podemos dizer coisas como: Alguém está feliz ou Todos estão tristes etc. Além disso, dizer que essas palavras denotam um indivíduo em particular, como fazem nossas constantes, não faria o menor sentido. Quem são alguém e todos? Não há expressões de generalização nessa língua, e novamente nós precisamos de mais duas coisas para poder dizer coisas dessa natureza. Novamente, vou apresentar primeiro a sintaxe dessas novas expressões e depois descrever seus signicados. Então, à denição das fórmulas, acrescento uma quinta regra: R5. Se x é uma variável e F é uma fórmula, então ∀xF é uma fórmula; e ∃xF é uma fórmula. Elas corresponderão a generalizações que dizem: Todo x é um F; e Algum x é um F. Na primeira formula, se nós pensarmos onde a variável x aparece fazemos uma armativa sobre tudo, todo indivíduo na interpretação. Para a segunda, nós fazemos armativas que correspondem às sentenças do português como alguém corre. Então, a primeira corresponde à armativa universal e a segunda a uma sentença existencial em lógica. Agora sim já contei os tipos de denotações que todas as expressões desta língua têm. Os termos denotam indivíduos. Se eles são constantes, eles são semelhantes aos nomes e denotam indivíduos especícos. Se eles são variáveis, tal qual os pronomes, eles denotam indivíduos relativos a uma certa atribuição de valores a estas variáveis. Os predicados denotam conjuntos se eles são de um lugar. Eles denotam conjuntos de pares de indivíduos, como João e Maria, se eles são predicados de dois lugares. Vocês devem pensar nestes pares como sendo ordenados: Maria e (depois) João é um par ordenado diferente de João e Maria. E todas as fórmulas denotam valores de verdade: 1 para o verdadeiro e 0 para o falso. Para dar a semântica desta línga, tenho de dizer alguma coisa a mais sobre quais denotações atribuímos às fórmulas a partir das denotações de suas partes mais simples. Conseqüentemente, o que eu tenho de fazer é dar uma denição do que é ser uma fórmula verdadeira nesse sistema. Acho que seria melhor, na apresentação desta denição de verdade, não dar um denição precisa do tipo que teria de ser escrita no quadro e que pareceria bem complicada, mas ao invés disso, prero observar alguns exemplos e ver como é que poderíamos denir as denotações de expressões nessa língua. Deixe eu tomar alguns exemplos de expressões simples como: Correr(a) Nós queremos determinar quando uma fórmula como Correr(a) é verdadeira e quando ela é falsa. Por um lado, nós temos a língua CP, por outro, nós temos o mundo ou modelo, e nós queremos perguntar sobre a fórmula: Quando vamos dizer que essa fórmula é verdade? Bem, o valor semântico, a denotação da fórmula vai ser igula a 1 (Verdadeiro) só no caso do indivíduo denotado por a estar no conjunto denotado por Correr. Então, quando a fórmula Correr(a) seria verdadeira? Bem temos de olhar para o mundo:
  • 12. 12 AULA 1. FORMAÇÃO E COMEÇO Encontramos neste mundo o indivíduo que a deve denotar. Encontramos também muitos outros indivíduos que estão correndo. Há muitas outras coisas no mundo árvores, panelas etc. mas se o indivíduo denotado por a for membro do conjunto de pessoas que estão correndo, então dizemos que a fórmula é verdadeira. Como é que deniríamos as condições de verdade para Amar(a, b)? Ora, vamos olhar para o mundo novamente. Nós temos de encontrar algum indivíduo denotado por b e digamos que novamente achemos o mesmo indivíduo para a. Agora temos de olhar para pares de coisas no modelo ao invés de olhar coisas únicas. Vamos assumir que temos agora três entidades em nossa interpretação: A, B e C, e que de alguma maneira nós achamos o conjunto de pares que está na denotação de Amar. Não faz parte da semântica saber como isso acontece, dee alguma forma sabemos que A ama B. Vamos contar uma estória triste: A ama B. B ama C, e C ama A. Então é assim que é o nosso mundo nós temos um conjunto de pares A + B; B + C; C + A e depois nos perguntamos sobre esta fórmula: é verdadeira? Ora, ela é verdadeira de acordo com esse mundo porque nesse mundo nós dissemos que A, de fato, ama B, logo a fórmula é verdadeira. Mas e a fórmula Amar(b, a)? De acordo com o que eu acabei de dizer, essa fórmula é falsa. Pois, infelizmente B não ama A. B ama C. Para ser mais explícito, diríamos: essa fórmula é verdadeira se, e somente se, o par de indivíduos A e B estiver no conjunto de pares que são a denotação de Amar no modelo. E isso nos dá um ponto de partida para a denição de Verdadeiro e Falso com respeito a um certo mundo ou modelo. Perceba uma coisa sobre o que eu acabei de dizer: estou presumindo que a especicação da interpretação dá a informação completa sobre todos os indivíduos, conjuntos etc. dos quais nós precisamos para dar a denotação das fórmulas da língua que interpretamos. É só com relação a essa compreensão que nós podemos concluir, por exemplo, que B não ama A. Nas próximas aulas vamos lidar com situações menos idealizadas, onde podemos ter apenas informações incompletas. (Neste exemplo, assumi uma convenção geral que tentarei seguir: não posso estar apresen- tando coisas reais em um modelo, por isso às vezes desenho guras. Mas as guras também não são totalmente convevientes, por isso usei letras maiúsculas, como A, B e C, para corresponder às coisas denotadas pelas constantes de nossa língua: A para a coisa que a denota, e assim por diante.) E agora, como cam os outros jeitos de formar as fórmulas? Você deve estar lembrado que uma das regras dizia que, se temos uma fórmula, podemos formar outra colocando o sinal − na frente:
  • 13. 13 −Amar(b, a) Este sinal correponde a não ou negação. Quando é que queremos que essa fórmula seja verdadeira? Queremos que ela seja verdadeira se e somente se a fórmula sem a negação for falsa. Então, podemos dizer: A denotação de −Amar(b, a) = 1 (é verdadeira) sse a denotação de Amar(b, a) = 0 (é falsa) (normalmente, sse é usado como abreviação de se e somente se.) E a fórmula: (Correr(a) Amar(a, b))? (O `e' comercial correponde à palavra e.) E gostaríamos de dizer que esta fórmula toda é verdadeira se, e somente se, a primeira parte for verdadeira e a segunda parte também. De modo que a fórmula (Correr(a) Amar(a, b)) é verdadeira só no caso de cada uma de suas partes serem ambas verdadeiras. Então, ela é verdadeira ou não? É verdadeira. Eu disse antes: a é um dos corredores, (a, b) é um dos pares que estão na denotação de Amar,9 logo, já que a primeira fórmula é verdadeira e a segunda fórmula é verdadeira, o conjunto inteiro é verdadeiro. E é isto que se assume que as denotações de tais fórmulas sejam. Finalmente, para estes casos mais simples: como ca esta fórmula? (Correr(a) ∨ Amar(a, b)) Bem, esta fórmula vai ser verdade só no caso de uma das fórmulas componentes ser verda- deira. Assim, o sinal é como a conjunção e e o sinal ∨ é como ou. E esta fórmula vai ser verdadeira só no caso de (se e somente se) ou a primeira parte ser verdadeira ou a segunda parte ser verdadeira ou ambas serem verdadeiras. Então, novamente, dado nosso modelo Esta fórmula é verdadeira? ela denota 1 neste modelo? Sim, porque ambas as partes são verdadeiras. Ela também seria verdadeira se uma das partes fosse falsa. Contanto que uma de suas partes seja verdadeira, o conjunto todo será verdadeiro. Ela só seria falsa se ambos os lados da disjunção fossem falsos. A única coisa que falta para completar a semântica para a língua CP é descrever as denotações de fórmulas como ∀xCorrer(x) e ∃xAmar(x, a). Aqui precisamos pensar um pouco sobre as atribuições de valores às variáveis. E, em cada caso, queremos dizer se a expressão toda é a verdadeira com base apenas na parte sem o quanti- cador, para cada caso, e precismos dizer isso em termos de atribuições de valores às variáveis. Toda a fórmula (1) vai ser verdadeira se e somente se (2) aquilo que obtemos quando tiramos a parte ∀x é verdadeira em toda as atribuições de valores às vairáveis, isto é, independentemente do valor que considerarmos que x denote: 9 [Eu achava que as denotações deviam ser A e (A, B), de acordo com a convenção que ele acabou de mencionar.]
  • 14. 14 AULA 1. FORMAÇÃO E COMEÇO A denotação de (1) ∀xCorrer(x) = 1 sse a denotação de (2) Correr(x) = 1 para toda atribuição de valores às variáveis. Para este exemplo, esta armação é correta. Algumas complicações surgem do fato de não sabermos se há outras variáveis na fórmula ou não, se não conhecemos a estrutura da fórmula subordinada, mas, para esta fórmula em particular, que apresenta apenas a variável relevante x nela, esta armativa funciona (voltarei a este ponto na próxima aula). Você já deve ter advinhado o que vai acontecer com a outra fórmula, a sentença existencial. Novamente, precisamos dizer quais são as condições de verdade para a fórmula como um todo com base na verdade da parte subordinada, aquilo que obtemos quando tiramos o ∃x. Você precisa dizer o que tudo aquilo vai denotar com base na denotação da segunda parte e para isto diremos o seguinte: A denotação de ∃xCorrer(x) = 1 sse a denotação de Correr(x) = 1 em alguma das atribuições de valores às variáveis. Assim, no primeiro caso, não importa como atribuirmos os valores, precisamos ter sempre uma fórmula verdadeira. Digamos que temos a variável x. Uma atribuição diria que x denota esta pessoa. Outra atribuição diria que x denota aquela pessoa. Outra atribuição diria que x denota aquela coisa. Para o quanticador universal, se para toda a atribuição de valores a x a fórmula for verdadeira, então a coisa toda é verdadeira. Para o quanticador existencial, se em alguma atribuição pelo menos uma atribuição de valores para as variáveis a fórmula for verdadeira, então a coisa toda é verdadeira. Isto é, de uma forma bem apressada, uma teoria da quanticação. Se foi a primeira vez que você escutou uma explicação desse tipo e a compreendeu, você tem motivos para sentir muito orgulho, porque levou muito tempo para os lógicos desenvolverem essa teoria da quanticação em toda sua complexidade. Se foi a primeira vez que você escutou e você acha que ainda não entendeu completamente se você acha que precisa pensar um pouco mais a respeito dela e lidar mais com ela para para compreendê-la você está plenamente justicado. Ela é complexa e eu estou apresentando-a de uma maneira muito rápida. Eu não quero falar muito sobre os detalhes técnicos formais. Quero dar a vocês uma idéia geral para que possamos falar dos assuntos gerais que são o foco dessas aulas. O que acabei de repassar é realmente uma versão restrita do assim chamado cálculo de predicados, que é um sistema lógico formal, e ofereci a vocês uma interpretação. A maneira pela qual zemos isto é um exemplo da abordagem geral da interpretação com a teoria de modelos. Falei sobre um mundo ou modelo e sobre uma língua, e sobre a relação entre esta língua e o mundo, em termos de denotação ou signicados de expressões do cálculo de predicados ou CP. O conjunto de objetos ou seja lá o que for que tivermos no modelo vou chamar de estrutura do modelo. Nós vimos um exemplo de uma estrutura de modelo para uma língua em particular. Uma das questões recorrentes, e talvez a mais importante destas aulas, é: que tipo de estrutura de modelos são mais apropriadas e esclarecedoras para o estudo da semântica das línguas naturais? Ou seja, não para línguas como CP, o cálculo de predicados, mas línguas como o português, o chinês, o russo, o tailandês e outras. Que tipos de estrutura de modelo nós precisamos se quisermos tentar alcançar a semântica das línguas naturais através da teoria de modelos? Vamos estudar vários tipos de estruturas de modelo para línguas naturais e articiais. Antes de parar, eu gostaria de tomar alguns minutos para falar sobre coisas que encontramos nas línguas naturais, mas com as quais o CP não é capaz de lidar. O cálculo de predicados PC é
  • 15. 15 um sistema demasiado simples, e a estrutura de modelo para ele também é muito simples para se adequar às línguas naturais. Deixem-me mostrar a vocês alguns exemplos de como o CP é diferente de uma língua como o chinês, ou uma língua como o português, mostrando os tipos de coisas que não dispomos. Nas classes de palavras do CP, só temos três diferentes tipos de expressões bom, talvez quatro. Temos os termos (as constantes individuais e variáveis), os predicados de dois tipos, e então temos coisas como e e ou, os parênteses, o quanticador universal, e o quanticador existencial, mas temos apenas um número bem pequeno de tipos de expressão ou de classes gramaticais no CP. Para uma língua natural, isso não basta. Precisamos de mais tipos de expressões. Por exemplo, tome uma sentença como João corre lentamente. O que é lentamente? Temos apenas predicados e termos individuais. Podemos dizer coisas como João corre, mas não podemos dizer coisas como João corre lentamente. Imagine, alternativamente, uma sentença do português como Maria correu em oposição a Maria corre. Em português, é claro, precisamos fazer uma opção explícita do tempo verbal, e Maria correu não signica o mesmo que Maria corre. O CP não tem nada que se assemelhe ao tempo verbal das línguas naturais. Imagine ainda uma sentença como Maria pode correr. No CP, só podemos lidar com sentenças como Maria corre ou Maria não corre. O que signica dizer que Maria pode correr ou É possível que Maria vá correr? Não há nada que corresponda aos auxiliares ou aos modos, como o subjuntivo, palavras como pode, deve, tem de etc. E o CP não tem expressões desse tipo. As línguas naturais têm. Precisamos saber algo sobre como ter um sistema deste tipo, na teoria de modelos, para uma língua natural. Também não temos como expressar os condicionais. Sentenças como Quando chove, alaga o quintal, ou Se amanhã zer um dia bonito, nós iremos à praia e assim por diante. Nós ainda não temos nenhuma maneira de relacionar as sentenças com se e quando. É fácil inserir isto no CP. Na próxima vez, mostrarei a vocês como fazer isso. Além disso, ainda não temos nada nesta língua que corresponda àquilo que precisamos para interpretar sentenças como eu moro aqui. Podemos dizer talvez João mora em Tianjin. Podemos dizer que morar em é um predicado e podemos dizer João e T, ou alguma coisa para Tianjin,10 mas não podemos dizer nada nessa língua como eu moro aqui. Então, o que eu moro aqui signica? Eu signica eu, mas só se eu estiver falando. Se você disser eu moro aqui, aí eu vai signicar outra pessoa. Esta língua não tem como lidar com expressões determinadas pelo contexto. isto também acontece com aqui; o que aqui signica? Se eu estou aqui, nesta sala, aqui pode se referir a esta sala. Mas se uma outra pessoa dizer esta sentença em outra cidade, em outra sala, aqui nesta outra sentença vai ter um outro signicado. Então precisamos pensar em palavras que dependem de contexto como eu, aqui, agora e assim por diante. Nesta língua, não há nenhuma maneira de fazer sentenças complexas como Nós vamos tentar agradar você. Trata-se de uma situação na qual uma sentença é, de alguma forma, uma componente de outra sentença, sem que isso seja feito em termos de e, ou, não etc. Tudo é uma armação: João corre. Maria mora em Tianjin. Guilherme ama Sandra. E assim por diante. Nesta língua, não há como fazer perguntas. Quem mora naquela casa? Também não há como pedir coisas no CP. Uma língua como o CP, portanto, está completamente restrita a armativas sobre as coisas, sendo impossível fazer perguntas ou pedidos, tais como por favor, você pode me dizer as horas? etc. Dentre as coisas novas sobre as quais vamos estar pensando na seqüência, a mais importante é o fato de que, em nossa interpretação do CP, pensamos apenas em um mundo ou modelo. E, à 10 [Parece que o plano do discurso cou um pouco prejudicado neste trecho; seria mais adequado algo como `morar em é um predicado que se aplica a J (a denotação de João) e a T (ou alguma outra coisa que represente a denotação de Tianjin'.]
  • 16. 16 AULA 1. FORMAÇÃO E COMEÇO medida que progredimos, será proveitoso lembrar que podemos ter toda uma classe de modelos diferentes, e pensar no valor de verdade das sentenças em modelos diferentes. De modo que poderemos pensar em diferentes jeitos que o mundo poderia ser, ao invés de nos limitarmos a um único modelo. E isto introduz a noção de mundo possível, que é simplesmente um outro jeito das coisas estarem dispostas, sem ser necessariamente o jeito como as coisas estão. Precisamos deste aréscimo em nossa teoria para lidar com sentenças como Maria talvez caminhe no parque. Quando é verdadeiro dizer que talvez Maria caminhe no parque? Uma maneira de se responder a essa pergunta é dizer, Maria talvez caminhe no parque é verdadeira neste mundo se houver algum mundo possível, algum jeito alternativo das coisas estarem dispostas, tal que Maria de fato caminhe no parque. Assim podemos explicar as modalidades em termos de diferentes maneiras como as coisas poderiam ser no mundo. Esse será o assunto da próxima aula.