1. Fundamentos Epistêmicos da Medicina
2.3. Conhecimento e Filosofia
Luiz Salvador de Miranda Sá Jr.
Visão do Mundo
A filosofia enquanto atividade cognitiva superior ao conhecimento
vulgar (antes e depois do aparecimento do conhecimento científico),
tem como objeto de estudo as regularidades universais e seu
objetivo a dirige para o conhecimento da ordenação da natureza, da
sociedade e do homem e seu pensamento como totalidades
integradas em uma unidade: o mundo, o universo, tudo o que existe.
Por isto, a atividade filosófica pode ser entendida como uma
preocupação do espírito voltada para tudo o que existe no mundo
natural e no mundo social, incluindo os seres humanos e sua
subjetividade; o que não exclui seu entendimento como uma
protociência, como visão do mundo (visão com o sentido de
concepção, modo de entender o universo como uma totalidade
ordenada e inteligível), incluindo em seu objeto a natureza, a
sociedade, o homem, sua existência objetiva e sua subjetividade.
É importante ter presente que a visão do mundo implica em
uma concepção do universo, uma concepção da natureza, uma
1
2. concepção da sociedade e uma concepção do homem. E que a
filosofia, no sentido mais amplo desta expressão deve poder
generalizar em cada um destes patamares.
É possível identificar duas modalidades de relação entre o ser
humano e sua visão do mundo: uma, contemplativa e passiva; e,
outra ativa e operacional, uma concepção de mundo que impõe ao
1
seu sujeito uma determinada forma de conduta.
Toda filosofia existe como visão do mundo de alguém. Com este
sentido de concepção de mundo capaz de influenciar seus
comportamentos e, principalmente, suas condutas, todos têm uma
filosofia, ainda que não o saibam, que não se dêm conta exatamente
disso.
A filosofia não existe por si mesma, não é um produto da natureza; é
sempre produto da atividade mental de alguém; sempre existe
primeiro na subjetividade de alguém que a experimenta e formula. As
concepções filosóficas de alguém influem muito no quotidiano das
pessoas e, mesmo, em suas ações aparentemente mais sem
importância. Influem, sobremaneira, em sua maneira de pensar, de
elaborar seu conhecimento e de agir em todas sua esferas de
atuação, mesmo na atividade científica.
Filosofia - Atividade Cognitiva e Concepção do Mundo
Como ficou implícito em sua definição, a filosofia é uma atividade
cognitiva especial que tem por objeto o conhecimento do universo,
da natureza, da vida, do pensamento, do homem e o seu
1
Politzer, G., Princípios Fundamentais de Filosofia, Ed. Fulgor, S.Paulo, 1962, p. 14.
2
3. conhecimento; enfim tudo que existe na natureza, na sociedade ou
no homem (e na humanidade), suas causas, seu desenvolvimento e
suas possibilidades. Tudo. Conhecimento do mundo e conhecimento
do conhecimento. Uma concepção do mundo que se desdobra
simultaneamente como uma visão do mundo natural (cosmologia),
do mundo social (sociologia), do homem (antropologia) e do
conhecimento (gnosiologia).
O campo da filosofia inclui e ultrapassa o campo de todas as ciências
porque, de certa maneira, todas estão contidas nela, ao menos,
como seu objeto. A dimensão globalizante da filosofia abarca a
totalidade das ciências sem pretender substituir qualquer uma delas
no estudo específico de seu objeto particular. Pois, a filosofia é um
instrumento de conhecimento da natureza e do mundo considerado
como totalidade e, por esta razão, a filosofia é denominada por
alguns como a ciência das totalidades, mas não deve ser confundida
com as ciências fáticas específicas ou com a soma delas, embora
talvez possa ser concebida como sua síntese.
A filosofia de uma pessoa é uma premissa e, ao mesmo tempo, um
dos resultados da sua concepção do mundo e dos valores de sua
cultura, do conhecimento existente e das condições vigentes no
momento histórico em que foi elaborada, além das circunstâncias
psicossociais da existência de quem a elabora, processa e emprega
em sua conduta. A concepção que alguém tenha do universo como
uma totalidade (incluindo o homem, a sociedade e a ciência) constitui
premissa essencial de seu pensamento e determina, ao menos, a
3
4. eleição de seus objetos de cogitação, a direção de seus raciocínios e
a tendência geral de suas conclusões.
Porquanto seja uma atividade cognitiva tida como essencial, um
instrumento cultural e um construto social importante, a filosofia tem
seu desenvolvimento dependente de algumas premissas
fundamentais, sem o conhecimento das quais, ela não pode ser
entendida.
As premissa capazes de explicar os rumos da filosofia são as
seguintes:
= a) a qualidade de uma filosofia depende da qualidade e das
possibilidades da metodologia que utilizar;
= b) qualquer metodologia, inclusive a filosófica será mais
aperfeiçoada, eficiente e adequada, quanto mais amplos e precisos
forem os conhecimentos já existentes acerca do objeto que estude e
sobre os recursos para estudá-lo (porque toda metodologia implica
em um corpo de conhecimento sobre o objeto em que será
empregada e os sobre os recursos para implementá-la em sua
investigação);
= c) por isto, quanto mais desenvolvidos forem o sistema teórico e a
tecnologia presentes na metodologia que um determinado tipo de
filosofia empregue, mais aprimorados serão os resultados que se
obterá com ela; e, finalmente;
= d) a filosofia, como atividade cognitiva particular, guarda relação
direta com a impotancia que a cultura lhe empreste e com as
4
5. demandas sociais dirigidas para ela.
Por todas estas razões, ao menos nos textos técnicos e científicos
contemporâneos, a palavra filosofia deve ser sempre empregada com
seu significado preciso. Como uma concepção geral e global da
natureza, da sociedade, do homem e da sua subjetividade,
especialmente seu pensamento como elaboração cognitiva (o
conhecimento); um tipo de atividade cognitiva que se consubstancie
em uma concepção do universo como uma totalidade teórica
sistêmica que abranja sub-sistemas em seu nterior.
Ao menos as pessoas mais instruídas (como os professores
universitários, por exemplo) não devem empregar a palavra
filosofia como doutrina, como teoria, como diretriz porque isto
corrompe o emprego correto do termo e transtorna o
entendimento da realidade. É um procedimento alienante.
A filosofia de alguém encarna sempre sua visão do mundo, uma
concepção que este tenha sobre tudo o que existe no universo. Mas,
mais do que isto, uma concepção do mundo, da qual decorra uma
determinada forma de conduta naque que a sustenta. Muito mais que
uma filosofia contemplativa, uma filosofia ativa e transformadora das
pessoas e de suas sociedades. Essa idéia de filosofia ativa que se
objetiva e se expressa na conduta com a qual está em permanente
interrelação, se diferencia das noções de uma filosofia subjetivista,
contemplativa ou especulativa, restrira à subjetividade de quem
cogitava dela; tal como era concebida nos séculos passados pela
maioria e como é o sentido que tem até hoje para os filósofos
místicos e religiosos (porque estes, têm interesse de conservar o
sentido da filosofia igual ao que tinha no passado mais remoto).
5
6. Não se deve chamar filosofia aqualquer atividade especulativa ou
divagadora do senso comum nem pode ser confundida com este.
Dele se diferenciou qualitativamente há muitos séculos, na antiga
Grécia, quando apareceram as primeiras explicações naturais dos
acontecimentos, bem antes do aparecimento da ciência como uma
qualidade especial de atividade cognitiva, tais como as conhecemos
hoje (pois, as ciências nasceram do interior da filosofia na época do
Renascimento). Contudo, como atividade cognitiva superior a
Filosofia costuma ser encarada de duas maneiras: como um tipo de
conhecimento especial (o conhecimento filosófico) ou como uma
ciência formal (ao lado da matemática e da lógica), que contituiriam
eu núcleo mais essencial. Entretanto, é preciso ter clara que esta
diferença de opinião sobre a interação ciência x filosofia tem carácter
muito mais ideológico do que racional (além de carecer de qualquer
utilidade prática ou necessidade teórica).
2
Jacob Bazarian ilustra o conhecimento superior ou conhecimento
filosófico com a imagem de uma árvore. O tronco é representado
pela filosofia natural da qual brotam os galhos que representam as
ciências específicas – naturais, humanas e sociais - que foram
nascendo dela. E esta imagem é bastante pertinente. Podendo-se
especular que, uma vez transformadas em ciências todos os seus
ramos possíveis, a Filosofia do futuro será mais que uma ciencia,
será uma espécie de síntese delas.
Essa concepção de filosofia como atividade cognitiva análoga ou
2
Bazarian, J., O problema da Verdade, 3a. edição, Ed. Alfa-Ômega, S.Paulo, 1985, p. 33-34.
6
7. idêntica a uma ciência é ensinada por Bunge e Ferrari, para os quais
a filosofia é uma ciência formal que lida com conteúdos ideativos,
como a matemática. E é também uma visão global do mundo. De
onde pode-se inferir que todas as pessoas têm uma filosofia,
originada em sua existência e em sua concepção do mundo. O que
lhes dá diretriz mais ou menos imperiosa a seus pensamentos e
orienta sua conduta.
Além disto, também se pode pretender que todos os
comportamentos humanos sofram a influência mais ou menos
poderosa e mais ou menos consciente da filosofia de seu autor,
ainda que não o mesmo não tenha qualquer noção da existência em
si mesmo daquela filosofia subjacente à sua conduta manifesta,
quanto mais seja capaz de perceber a extensão de sua influência em
seu comportamento.
As ciências, em geral, e as ciências médicas, em particular, recebem
constantemente esta influência e, por isto, saber como identificá-la é
uma dado muito importante para estudar o conhecimento. A própria
natureza do objeto da psicologia e da psicopatologia lhes induzem
altíssimo grau de ideologização e influência psicológica.
Também se deve acrescentar que existem duas grandes concepções
sobre o mundo, uma mágico-sobrenatural (ou idealista) e outra,
científico-natural (ou materialista). Estas duas concepções, por si
mesmas muito diferentes, determinam maneiras muito diversas de
entender e explicar tudo o que existe. Principalmente os conceitos
filosóficos, mas repercute muito em todo procedimento cognitivo,
7
8. inclusive na atividade científica.
Há muitos séculos, existem basicamente, duas grandes visões do
mundo: a idealista e a materialista.
Acontece que em Filosofia estas designações não correspondem ao
sentido que têm na linguagem comum. Como conceitos filosóficos,
materialismo significa precedência da matéria sobre as idéias (que o
mundo existe independente das idéias e que estas são uma
dependência da atividade material). Os idealistas sustentam o
oposto: que as idéias (ou um espírito) precedem a matéria e a criam.
Estes dois termos, idealismo e materialismo, têm na linguagem do
senso comum sentidos muito deformados pelos interesses políticos e
ideológicos (já tendo sido visto que o materialismo e o idealismo
filosóficos não devem ser confundidos com o materialismo e o
idealismo morais). A despeito disto, esta identificação (sem qualquer
fundamento, diga-se de passagem) tem sido propagada como
instrumento de luta ideológica.
Materialismo filosófico e idealismo filosófico são duas concepções
basicamente antagônicas e constituem o primeiro divisor de águas
na Filosofia. Desde que srgiram as Filosofias se dividem em duas: as
Filosofia Idealistas e as Filosofias Materialistas. Esta é a primeira
grande lição para quem se inicia nos estudos filosóficos.
O idealismo e a primeira Filosofia idealista nasceu com as
explicações sobrenaturais sobre o mundo, tendo prosseguido nas
formulações de Platão; somente muito depois do nascimento do
8
9. idealismo, o materialismo surgiu como uma explicação natural
(physis) do universo. Os idealistas pressupõem que as ideias
prcedem as coisas materiais na existência do mundo. Os
materialistas, ao contrário, pretendem que a matéria precedeu e
precede os itos, as lendas, as idéias, as palavras na existência.
Poristo, os materialistas recusam toda explicação mágica,
supersticiosa ou sobrenatural para tudo o que existe. Para eles, o
mundo é natural porque composto por coisas naturais e tudo o mais
que existe procede dessas coisas.
Durante muitos séculos, toda cultura foi mobilizada para identificar o
idealismo como bom e o materialismo como mau (e, até, o mal). Isto
não pode deixar de ser considerado por quem pretende avançar
neste estudo.
Fundamentos da Visão de Mundo
A Filosofia, enquanto concepção do mundo de alguém e enquanto
sistema de opiniões ou informações individuais e coletivas e
construída na dependência dos marcos teóricos desta visão, está
sujeita a sofrer a influência simultânea de duas ordens de fatores: os
sociais e os individuais.
Marco teórico é um sistema de referęncias teóricas que
fundamentam uma opinião, uma hipótese ou uma investigação
científica. Todo processo investigatório está sujeito à
influęncia dos elementos teóricos que o fundamentam.
Mesmo que a visão de mundo de uma pessoa se manifeste nela
como um indivíduo, toda concepção de mundo é elaborada a
partir da confluęncia de duas ordens de fatores: os sociais e os
individuais.
9
10. Em primeiro lugar, podem ser levantadas as influências que se
manifestam no plano social: toda concepção do mundo se apoia na
evolução histórica do conhecimento filosófico de seu agente, no
desenvolvimento científico vigente na cultura onde se desenvolve,
além de sofrer muita influência dos interesses ideológicos e sociais
hegemônicos em cada momento do desenvolvimento da sociedade e
em cada formação social específica. Por isto, as doutrinas filosóficas
da de cada época e de cada sistema social importante que coexiste
nas mesmas épocas, diferem umas das outras. Porque as
concepções do mundo dependem, mais ou menos decisivamente,
das relações sociais vigentes, cujas configurações históricas,
políticas, jurídicas e culturais determinam o chamado espírito de
cada época e o cortejo de ideologias que nela frutificam.
O segundo pilar de apoio da filosofia, aquele que reúne as
influências de ordem individual, parece se assentar mais no plano
pessoal que nos limites dos indivíduos. Toda concepção do mundo
se estrutura em uma pessoa concreta, vivendo uma determinada
realidade objetiva e subjetiva, sujeito de uma certa dinâmica
psicológica e submetida à influência de um certo sistema de relações
sociais (com suas facetas ideológicas, sócio-econômicas, sócio-
políticas, sócio-históricas e sócio-culturais que são os canais pelos
quais a sociedade influi sobre os indivíduos).
Neste plano individual, a visão do mundo de uma pessoa depende
de outras circunstâncias referentes às características pessoais;
exatamente por isto, pode se apresentar muito diversamente em
10
11. pessoas diferentes, em diferentes circunstâncias, podendo diferir
muito em um mesmo lugar, uma mesma época e uma mesma
pessoa (ao sabor de suas circunstâncias e de suas decisões).
A Filosofia de alguém, sendo sua concepção da vida e do mundo,
resulta da interação das condições objetivas e subjetivas, individuais
e sociais; da posição que o indivíduo ocupa no complexo de relações
sócio-econômicas, políticas, históricas e culturais dos seus sistemas
sociais, incluídos aí, suas possibilidades e seus interesses
psicológicos (de afirmação, de importância, de auto-realização) ou
ideológicos (como os religiosos ou os de classe), além das condições
de desenvolvimento e funcionamento de seu organismo. E por isto, a
Filosofia de alguém sempre se manifesta, de alguma maneira, em
todos os aspectos de sua vida, notadamente em sua produção
intelectual, através de seus padrões de pensamento e suas atitudes
cognitivas, inclusive nas concepções médicas e na prática concreta
da Medicina, especificamente na relação médico-paciente e no
relacionamento do médico com a sociedade.
Filosofia, Filosofias
A noção de Filosofia, a despeito de sua uniformidade, pode varias
muito em suas significações. Pois, as aqui chamadas tendências
filosóficas são, na verdade, filosofias. Senão, veja-se a seguir.
Adiante há de se ver como são numerosas as possibilidades de se
configurarem tantas filosofias quantas são as combinações que
podem ser obtidas com os diversos critérios que logo a seguir se
enumeram e se definem. A multiplicidade dessas filosofias induz o
11
12. surgimento de numerosas qualidades de de estruturas teóricas
científicas e ideológicas influenciadas por elas.
Filosofia e Personalidade
Como sucede a praticamente todas as situações ntropológicas, os
processos individuais e sociais estão imbricados na pessoa concreta
formando um amálgama dialético tão inseparável, que é impossível
saber se a personalidade vem a ser uma instância individual
socialmente condicionada ou se, ao contrário, existe como uma
instância social, conformada individualmente. De fato, os elementos
individuais e sociais são indistinguíveis em cada personalidade
individual, assim como as personalidades e seus papéis específicos
são indetermináveis na realidade social em que existem e que
vivenciam (como, para exemplificar, a dificuldades de determinar o
significado da influência da personalidade nos acontecimento
históricos e nos demais processos sociais.
O termo personalidade provem da palavra latina persona que
designava a máscara que o ator do teatro grego empregava para
representar a disposição anímica de seu personagem cujoo papel
representasse. A persona punha em evidência ou caricaturava os
traços mais significativos do personagem e permitia sua pronta
identificação pelos assistentel.
A noção de personalidade integra em um só significado a síntese da
noção de indivíduo e sua relação dinâmica com a sociedade na qual
está inserido em um processo em permanente desenvolvimento e
adaptação (identificando-se, portanto, com a noção de pessoa com a
12
13. qual se confunde). Personificava o personagem. Como se verá
adiante, o conceito de pessoa é mais abrangente do que o de
indivíduo exatamente por causa desta relação com o social,
especialmente com o socio-cultural, pois é aí que se configura e se
definem suas qualidades especificamente humanos da
personalidade.
O ser humano, quando avaliado neste contexto particular, apresenta
um movimento permanente de desenvolvimento tanto no plano
ontológico (do indivíduo), quanto filológico (da espécie).
O conceito de ser humano é bastante amplo e abrange duas noções
específicas que, freqüentemente, são confundidas como se fossem
idênticas, apesar de corresponderem a coisas bastantes diferentes:
= o indivíduo e
= a pessoa.
Na verdade, os conceitos de indivíduo e pessoa podem parecer
idênticos porque na linguagem comum têm iguais significados e são
usados mais ou menos indistintamente, o que não acontece (ou não
deve acontecer) na terminologia científica. Mesmo na linguagem
culta, além da terminologia científica, indivíduo e pessoa são
conceitos diferentes que representam coisas diversas e bem
definidas e seu emprego não se vê fazer de maneira indiscriminada.
O indivíduo é uma referência apenas quantitativa e se refere ao
elemento singular de uma coletividade; um componente individual de
uma pluralidade, mesmo que se trate de um conjunto inanimado.
13
14. Enquanto a pessoa é o componente mais elementar da humanidade
um dado qualitativo. Pode se denominar pessoa ao indivíduo
humano (o que se faz muito), ente ativo e digno. O emprego da
expressão indivíduo humano pode ter o mesmo significado, mas, em
geral permite designar apenas suas propriedades biológico-
individuais, excluindo qualquer característica psicológica ou sócio-
cultural (atributos que são indispensáveis ao conceito de pessoa).
Já a expressão pessoa humana é redundante e deve ser evitada
por quem não tenha o conceito de pessoa divina como
sustentável; pois, denuncia desconhecimento do significado
destes termo; porque, por mais tolerante que seja sua
apreciação, não há possibilidade de existir pessoa que não seja
humana ou ser humano que não seja pessoa, a não ser como
metáfora (mesmo necessária, como pessoa jurídica). Quando se
faz referęncia metafórica acomo em pessoa jurídica, por
exemplo, este é p caso em que o termo pessoa deve ser
adjetivado.
A despeito do que ocorre na linguagem comum, os conceitos de
pessoa e indivíduo devem ser bem diferenciados, principalmente na
linguagem científica. Na linguagem científica, denomina-se indivíduo
a um ser diferenciado dos demais por ter vida separada ou
características diferenciais que o assinalem como um ser singular;
uma unidade funcional específica. Qualquer ser, de qualquer espécie
pode ser encarado como um indivíduo.
No indivíduo coexistem e se confundem os atributos de singularidade
e individualidade. A singularidade é seu atributo mais essencial,
significa aquilo que faz o indivíduo único, diferente dos demais. A
individualidade de um ser se consubstancia em certas características
14
15. que o diferenciam dos outros da mesma espécie, fazendo-o, de certa
forma, único em sua singularidade. Pode-se usar o termo indivíduo
com sentido amplo para mencionar quaisquer objetos indivisíveis
(um planeta no sistema solar, uma galáxia no universo, uma estrela
na galáxia, uma laranja na laranjeira, uma formiga no formigueiro,
ugão de areia numa caixa de areia).
Já pessoa, é um conceito muito mais complexo e sua definição é
essencial para caracterizar o objeto da Medicina e da Psicologia.
Pessoa é uma noção que transcende o conceito de indívíduo e
designa a entidade individual humana completa, inclusive sua
personalidade (o que inclui todos seus atributos biológicos
anatômicos e fisiológicos, psicológicos e sociais).
A concepção de pessoa ultrapassa em todos os planos o conceito de
indivíduo. A noção de pessoa, inclui uma referência à sua condição
de ser social, um indivíduo socializado, uma personalidade detentora
de qualidade que, como se viu anteriormente, a identificam,
personalizam e dignificam. A dignidade da pessoa tem sido um
atributo sempre reconhecido nos homens de todos os tempos
civilizados e é um dado essencial não só da civilização, mas do
humanismo como atitude intelectual básica.
Não há, nem pode haver civilização sem que ali exista respeito pela
dignidade humana como principal atributo da pessoa. Muito mais que
sua inteligência, que suas possibilidades verbais, que suas
habilidades psicomotoras, que sua aptidão para amar ou
desempenhar papéis da vida social. No presente momento histórico,
15
16. um excelente indicador civilizatório é o respeito aos direitos
3
humanos. A noção de pessoa inclui tudo isto e transcende a todos
estes atributos, exatamente pelo carácter ético de sua dignidade, o
que o faz credor dos direitos humanos.
Conhecimento e Filosofia
O conhecimento se divide e, comum (ou vulbar), científico e
filosófico. , já se viu
Adiante, há de se ver que o conhecimento filosófico e o científico são
formas particulares do conhecimento humano superior que são
diferenciadas, menos em função de sua estrutura cognitiva (porque,
esta, é análoga até ao conhecimento comum), do que por causa de
sua técnica de obtenção de informações e do grau de abrangência
de suas possibilidades de generalização, potencial preditivo e
capacidade explicativa que detenham. E, caso se valorize
preferentemente seus elementos de unificação ou de diferenciação,
podem ser considerados tipos de conhecimento idênticos, análogos
ou diferentes.
Distorções do Conceito de Filosofia
O conceito de filosofia acumula muitos sentidos, como já se viu
anteriormente. Alguns destes sentidos são decorrentes de diferentes
maneiras de diferentes pessoas que têm interesses diferentes,
verem o mundo e, com ele, a filosofia (as divergências ideológicas e
doutrinárias); mas, além disto, a noção de filosofia também se
3
Ver o trabalho sobre os Fundamentos Sócio-Políticos da Medicina e da Psiquiatria, deste autor.
16
17. modifica com o avanço do saber, afinal este conceito também vem
evoluindo no tempo, à medida em que se amplia e se aprofunda o
conhecimento humano (as divergências de ponto-de-vista).
Contudo, atualmente, além destes e das opiniões decorrentes das
divergências doutrinárias mencionadas acerca dos sentidos que a
terminologia filosófica(inclusive as que envolvem os sentidos que a
terminologia filosófica), existem diversos significados que são
atribuídos pelo senso comum à filosofia que devem ser objeto de
cogitação. Principalmente, porque alguns deles são claramente
deformados, francamente pejorativos e, em geral, usados por
desconhecimento de seu conteúdo ou empregados deliberadamente
como instrumentos ideológicos a serviço da descaracterização e da
desqualificação da filosofia como atividade cognitiva inteligente e dos
conhecimentos filosóficos como patrimônio valioso da humanidade.
O conceito de filosofia fica distorcido e aviltado, por exemplo, quando
se emprega o termo para expressar algum aspecto teórico ou
doutrinário mais restrito da realidade, como uma diretriz política; é
muito comum que se ouça “filosofia de administração”, “filosofia de
ação” ou “filosofia de governo” e outras tolices semelhantes. Com
sentido, pouco diferente, mas na tendência de aviltamento da
filosofia, a palavra tem sido empregada para traduzir a atitude de
distanciamento, de alienação frente à realidade; como, por exemplo,
quando se diz: “fulano vive a vida com filosofia”, “sicrano é um
filósofo”.
Outra distorção importante do conceito de filosofia é o que a situa
17
18. como contemplação vazia de conteúdo racional ou prático. O
entendimento ativo e dinâmico de filosofia situa-a como
conhecimento que fundamenta a atividade do sujeito. O fundamento
da ação humana, inclusive a atividade científica.
Mais um dos significados distorcidos da palavra filosofia, a filosofia
metafísica idealista, é exatamente a busca das causas últimas
(quase sempre sobrenaturais) que está vinculado a uma concepção
sobrenatural ou ideal do mundo, que é essencialmente contraditória
com a noção científico-natural do universo. A persistência dessa
ideologia é o mais importante descaminho de entendimento da
Filosofia ainda atualmente.
Outro significado pervertido da palavra filosofia, é o que a tem por
teoria hermética, conhecimento inútil, sem a menor finalidade prática;
ou elaborações mentais extremamente difíceis, tão difíceis que as
pessoas comuns não têm possibilidade de entender, sendo um
exercício ocioso ocupar-se deles; a ideologia da filosofia como
conhecimento inacessível às pessoas comuns.
Esta ideologia que pretendia e pretende fazer crer a filosofia (e,
talvez, fosse melhor dizer as filosofias) como conhecimento inútil ou
tão difícil que resulta inacessível senão para os próprios filódofos,
visa cultivar a alienação, a ignorância e a subserviência intelectual,
na medidaem que afasta as pessoas do estudo da filosofia.
Mas, é preciso reconhecer que parte das concepções
deformadas sobre a filosofia se originaram na atividade de
muitos filósofos que abusam do direito de produzir tolices, do
hermetismo e muitas outras distorções da produção filosófica.
18
19. Quem quer que se dedique a estudar a filosofia sem preconceitos
verá que ela não é um estudo mais difícil que qualquer outro, sendo
plenamente acessível às possibilidades da maioria das pessoas
medianamente interessadas, dotadas e instruídas. Ainda que, como
acontece em todo estudo sistemático de algum assunto, deva ser
precedido da leitura de temas que lhe sejam fundamentais. O estudo
da filosofia ensina a pensar inteligentemente, exercita o raciocínio e
a capacidade lógica, permite estruturar e fundamentar melhor as
opiniões; reformá-las, abandoná-las ou trocá-las por outras. Sendo
assim, e de fato é, talvez seja importante pensar porque tanta gente
tem tanto horror à Filosofia e o proclama sem qualquer
constrangimento.
Sendo assim, como de fato é, talvez seja importante pensar
porque tanta gente tem tanto horror à Filosofia e o proclama
sem qualquer constrangimento.
Sem qualquer exagero, pode-se afirmar que a filosofia é dos mais
eficazes instrumentos para a liberdade interior humana, além de ser
o melhor antídoto e a melhor terapêutica contra todos os tipos de
alienação, sobretudo a alienação das ideologias, porque toda
ideologia é alienante em princípio. Provavelmente, por causa de tudo
isto que significa, a filosofia e seu estudo são sempre uma ameaça
aos interesses daqueles que se servem da alienação e que cultivam
a mentira sistemática como objetivo ou necessidade e tiram proveito
da ignorância e da alienação alheias.
A filosofia é importante instrumento para uma pessoa aprender a
pensar por si. E o conhecimento da, assim chamada, Filosofia da
19
20. Ciência pode ser essencial para que os médicos aprendam a avaliar
a correção e a confiança que possam merecer os resultados das
investigações promovidas ou patrocinadas pelas empresas que
podem lucrar com elas. Ninguém pode conhecer ou reconhecer
conhecimento científico ou atividade de investigação científica sem
que esteja apoiado em conhecimentos mínimos de filosofia.
Não é possível conhecer e empregar adequadamente metodologia e
ignorar ontologia e gnosiologia. Não é possível boa técnica sem
apoio na ética. Como acontece muito nesta indesejada
promiscuidade entre a indústria farmacêutica e de equipamentos
médicos e as entidades associativas dos médicos e, mesmo, os
docentes de muitos serviços universitários. Pois, não parece
concebível que professores de Medicina comprometam suas
imagens vinculando-os com agências econômicas cujo desempenho
é freqüentemente bastante anti-social.
Deixando de lado os preconceitos que impregnam o entendimento da
filosofia e as divergências doutrinárias ou ideológicas acerca de suas
questões mais gerais, buscando considerar apenas os elementos de
sua significação como conhecimento superior ao conhecimento
vulgar, existem duas maneiras diferentes de conceber a filosofia
como tipo superior de conhecimento. Em primeiro lugar, a filosofia
pode ser entendida como uma forma cogitação inteligente ou de
conhecimento qualitativamente diverso do conhecimento comum e
do conhecimento científico; e, em segundo lugar, a filosofia pode ser
reconhecida como um tipo particular de conhecimento científico (a
20
21. filosofia entendida como uma das ciências, ainda que não uma
ciência factual, como se há de apresentar adiante, quando se tratar
da caracterização e classificação das ciências). Ao menos para os
efeitos deste trabalho, não faz diferença qualquer que seja a opção
que se adote.
21