2. P
entear,
vestir, ralhar,
aconchegar
são algumas
das situações
que as crianças
recriam com as suas bonecas.
Um brinquedo que amplia o
jogo de faz-de-conta e traz mais
pormenores à história e ao
enredo que inventam. “Mas não
são indispensáveis”, diz Carla
Martins, psicóloga e professora
na Universidade do Minho. “As
bonecas dão contornos mais
realistas às brincadeiras da
criança, mas esta não precisa
delas para brincar. Pode fazê-lo
com ou sem elas.”
Receando interpretações
apressadas deste argumento, a
investigadora em Psicologia do
Desenvolvimento prossegue: “Não
é para concluírem que afinal as
bonecas não fazem falta e podem
ser retiradas do mercado…”,
ironiza, “mas também não se faça
um drama porque alguém não
tem uma boneca”.
E reforça a relevância
da aptidão para inventar:
“O importante é que o
desenvolvimento da criança
seja saudável a ponto de
permitir a capacidade
simbólica. A de substituir
um objecto por outro. Por
exemplo, pegar numa colher de
pau e fingir que é uma boneca
e, a partir daí, criar uma
história.” Ou transformar uma
“banana num microfone” e dar
um concerto ao vivo...
A professora, de 39
anos, tem duas filhas, de
seis e três, e observa como
ambas se relacionam com
os seus bonecos, “a forma
como brincam são um
reflexo dos cuidados que
recebem”. Sugere que os
adultos prestem atenção ao
brincar das crianças, pois
“reproduzem situações do
quotidiano e vão revelando
necessidades de que podem
não se ter apercebido”. Dá o
exemplo da chegada de um
irmão e de como o faz-de-
conta à volta de um boneco
transformado em bebé pode
ajudar a decifrar o sentimento
da criança perante esta
alteração na sua vida.
Essa “ficção” do dia-a-dia
“dá-lhes a oportunidade
de recriar situações,
desempenhando papéis
que lhe são familiares. Na
maioria das vezes, fazem de
mãe ou pai, de professor(a),
de médico(a), reconstruindo
o que vivenciaram. Esta
reconstrução vai ser-lhes
útil para reviverem conflitos
que experienciaram ou
presenciaram, permitindo-
lhes ensaiar resoluções para
os mesmos”.
A capacidade de se
pôr no lugar dos outros é
mais um aspecto positivo:
“Havendo a oportunidade
para experimentar vários
papéis, que têm de ser
negociados com os outros,
o jogo funciona como uma
experiência de ‘calçar os
sapatos do outro’, que terá
impacto ao nível da sua
as para quê?
Rita Pimenta
Se nunca brincou com bonecas, não se
preocupe. Se brincou, também não.
O que importa é a capacidade de entrar
no faz-de-conta. E aí elas dão uma
ajuda. Mas não imprescindível.
Brinquedos “Proibições” no que toca aos brinquedos com que
meninas e meninos podem brincar não fazem sentido. O faz-
-de-conta é transversal a ambos os sexos
c
jorgesilva
3. miúdos
empatia e pensamento sobre
o pensamento e sentimentos
do outro.” Também a
linguagem é exercitada nesta
prática. Pergunta a psicóloga
à Pública: “Já experimentou
ouvir atentamente o que as
crianças dizem enquanto
estão a ‘fazer de conta’?”
E logo responde: “São
capazes de fazer imitações
perfeitas da mãe, do pai e
do(a) professor(a), utilizando
palavras, expressões e frases
que estão acima do que seria
de esperar para o seu nível de
desenvolvimento.”
Imitar a vida
Os brinquedos, no caso as
bonecas, “adquirem um
papel de relevo enquanto
facilitadores da construção
da fantasia que a criança
pretende criar”. Michel
Manson, na sua obra História
do Brinquedo e dos Jogos,
Brincar Através dos Tempos
(Editorial Teorema, 2002),
fala assim sobre as bonecas
da Antiguidade: “Brinquedo
por excelência, onde mais
se cristalizam os desejos e
afectos infantis, a boneca é
uma representação humana,
frequentemente provida
de membros articulados,
para melhor imitar a vida,
permitindo desempenhar
todos os papéis e praticar
todos os deslizes simbólicos e
imaginários” (p. 22).
E todos os brinquedos
são válidos “prò menino
e prà menina”. Defende a
especialista: “A partir do
momento em que o faz-de-
conta é transversal a ambos
os sexos, não faz sentido
haver ‘proibições’ no que
toca aos brinquedos com que
meninas e meninos poderão
brincar. A boneca pode ser a
‘filha’ e o carrinho pode ser o
‘carro da família’, podendo e
devendo meninas e meninos
brincar com ambos.”
E no caso das bonecas
mais conhecidas, vende-se
a boneca ou a marca? Carla
Martins tem consciência do
peso da publicidade e de
que, às vezes, “quando as
crianças pedem uma boneca,
não estão a pedi-la por ser
uma boneca, mas por ser
Barbie ou Pinipon”. Não crê
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que “seja um mal em si”, no
entanto, sugere: “Os pais e
todos os que estão à volta da
criança podem ajudá-la a que
brinque com as bonecas de
uma forma natural. Não é por
ser a Barbie que deixa de ser
uma boneca.”
E uma criança consegue
“transformar” a Barbie, por
hipótese, numa agricultora de
enxada na mão? “Agora, há
tantas diferentes, se calhar já
há uma Barbie agricultora e nós
não sabemos”, diz divertida.
“Uma que não tenha sempre
aquele ar de miss…” É difícil
de acreditar, mas
podemos sempre
fazer de conta. a
rpimenta@
publico.pt