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O teatro e a psicologia na pós-modernidade

                                                          Prof. Dr. Murilo Moscheta
                                                       Universidade Estadual de Maringá




                                               Comunicação      apresentada     no    Simpósio
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                                               comunidade, na Universidade Estadual de
                                               Maringá, em 9 de março de 2012.




           Boa noite! Acho muito importante que neste evento nós tenhamos
conseguido reunir como palestrantes e participantes, um conjunto muito diverso
de pessoas. Temos estudantes e profissionais ligados a arte e cultura, temos
psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, educadores, entre
outros. De fato, a despeito das particularidades de nossos campos de saber e
atuação, o tema que propomos tratar neste simpósio é transdisciplinar.
Primeiro, porque produzir cultura não é prerrogativa dos artistas, mas sim de
todo ser humano que se vê implicado na tarefa de construir sentido sobre si,
seus semelhantes e nossas condições de vida. Cultura é o patrimônio simbólico
que emerge de nosso esforço em significar a materialidade da vida e as formas
de vida que a partir dela criamos. Segundo, porque produzir transformação não
é tarefa exclusiva daqueles profissionais que escolheram carreiras claramente
interventivas como os psicólogos, assistentes sociais e educadores. Privar o
teatro e a arte de sua potencialidade transformadora é reduzi-lo ao
entretenimento - o que a meu ver, seria injusto e empobrecedor. Contudo,
embora a transdisciplinariedade deste campo seja evidente, é preciso fazer
esforço para sair do aprisionamento das caixinhas de especialidades científicas
que a modernidade nos legou. Neste esforço, as perguntas que me parecem
úteis na realização deste simpósio são: O que ganhamos quando concebemos
a prática psicológica, educativa e de intervenção social enquanto produção
artística? E O que ganhamos quando concebemos a produção artística
enquanto prática interventiva e transformadora? Tais perguntas delimitam um
desafio conceitual e técnico. Enquanto psicólogo eu gostaria de fazer alguns
breves apontamentos para avançar na delimitação deste desafio no campo das
práticas psicológicas.
           Eu estava ainda nos primeiros anos do meu curso de graduação em
psicologia quando percebi pela primeira vez a aproximação do teatro com a
prática psicológica. O psicólogo argentino Rodolfo Bohoslavsky dedicou-se ao
estudo     do processo de orientação profissional e comparou a escolha
profissional do ator ao trabalho do psicólogo orientador vocacional. Para ele, o
ator escolhe uma profissão que lhe permite ser ao mesmo tempo ator e
qualquer outra carreira que deseje. No palco ele será médico, advogado,
pedreiro, dançarino, professor, motorista, etc. O psicólogo, sobretudo aqueles
que se dedicam ao trabalho de orientação vocacional, vivem com seus clientes
um processo de exploração de diversos campos profissionais. Enfim, o que
mais me interessa no pensamento de Bohoslavsky é justamente a aproximação
do campo clínico ao campo performático.
           Foi isto que eu pude experimentar alguns anos mais tarde. Eu havia
me tornado um psicoterapeuta e atendia em meu consultório uma diversidade
de pacientes. A pequena sala com duas poltronas e um tapete foi palco e
cenário de narrativas dramáticas sobre a condição humana. A peculiaridade do
trabalho psicoterapêutico me colocou em uma disposição empática de um
acompanhamento muito próximo de meus clientes. Deste modo, o consultório
ofereceu-me algo riquíssimo, que imagino que o palco também ofereça aos
atores: estendeu meu horizonte de experiências e multiplicou minhas
possibilidades de ser. Com meus clientes eu pude ser: mulher com dificuldade
de engravidar, jovem ansioso procurando emprego, criança com medo de fazer
cocô, homem deprimido, senhora angustiada com a possibilidade da morte e
da solidão.
           Entretanto, nestes dois momentos, a aproximação do teatro com a
psicoterapia poderia ser entendida como metafórica. Ou seja, o teatro e seu
vocabulário, emprestavam imagens que serviam para pensar as representações
acerca do trabalho clínico. Permanecia, contudo, uma distinção entre os
campos, a teoria e as ferramentas de trabalho de artistas e psicoterapeutas.
Entendo que esta divisão está relacionada ao descompasso no modo como a
psicologia e o teatro lidam com aquilo que chamamos de realidade e
identidade.
           O teatro parece ter assumido uma postura mais tolerante em relação
a fronteira que separa o real de sua representação, enquanto os psicólogos
ainda insistiam na importância de uma delimitação clara. Ou seja, parece-me
que os artistas estão menos preocupados com a veracidade de sua produção
do que os psicólogos estão com a exatidão de suas teorias. Artistas, assumiram
portanto, a tarefa de construir experiências humanas, enquanto psicólogos
ainda buscavam explicá-las de modo inequívoco e supostamente “verdadeiro”.
Nesta direção, para o teatro a pessoa do ator tem menos importância que a
construção performática de sua personagem. Para a psicologia o sentido
parece ser inverso: pode-se dizer que ainda estamos a procura da pessoa real
que se esconde por trás de suas máscaras, da identidade individual que se
constrói no interior de um sujeito singular, do verdadeiro self, do autêntico e
saudável eu...
           Foi nos últimos anos, quando estive estudando em Nova York, com
um conjunto de profissionais ousados, do qual Esther Farmer fazia parte, que
conheci uma nova proposta psicológica que possibilitou uma nova relação
desta ciência com as artes cênicas. Em suma, nesta proposta psicológica, o
teatro não é metáfora, é modelo. Somos o conjunto de performances que
sustentamos na vida. Sustentamos performances em resposta e colaboração
com o contexto/cenário e outros atores presentes. Eu sou um palestrante
porque vocês dão suporte a minha performance enquanto tal, na medida em
que vocês aceitam desempenhar o papel complementar de audiência.
           Neste sentido, retomo a pergunta inicial: o que ganhamos quando
concebemos a prática psicológica enquanto produção artística/teatral?
           Considere a seguinte cena: dois atores no palco. Um deles esquece
sua fala. O que acontece?

                a) Os atores interrompem a cena e começam tudo de novo?
                b) Alguém grita a frase esquecida?
                c) Analisa-se porque a frase foi esquecida?

            O que tenho aprendido como frequentador de espetáculos de teatro
e colega de produtores de teatro sinaliza que a melhor resposta para o impasse
do esquecimento está na possibilidade dos atores improvisar. O improviso no
teatro tem a função de manter a peça em andamento. Quando um ator
improvisa o outro não diz: olha tá errado, não era bem isso que você deveria
dizer! Ao contrário, o improviso de um demanda que o outro também improvise
“em resposta” de modo a dar ao improviso um lugar na cena e no
desenvolvimento do enredo. A regra básica dos jogos de improvisação parece
ser: não existe erro, tudo é aceito como contribuição, qualquer contribuição é
uma resposta aquilo que foi colocado em cena anteriormente.
            Do ponto de vista psicológico, este modelo ajuda-nos a pensar na
prática terapêutica como um jogo de improvisação no qual o menos importante
é acertar, procurar a verdade ou corrigir equívocos e o mais importante passa a
ser a construção de performances específicas, a compreensão de suas
implicações e repercussões na possibilidade de que aquela relação avance. Ou
como Wittgenstein coloca: como podemos prosseguir juntos? Para isso, assim
como no improviso cênico, os participantes precisam se engajar naquela
relação, deixando em segundo plano o texto ou a teoria. Não se trata de
apresentar-se como se é afirmando uma identidade individual, mas de produzir
respostas que façam sentido naquela interação, valorizando a dimensão
relacional que delimita quem somos. Neste sentido, falamos de uma psicologia
que avança no sentido de superar compreensões individualistas e teorias
identitárias. Finalmente, ao mudar o foco do indivíduo para as relações, somos
desafiados a produzir uma prática psicológica que rompe com a tradição
privatizante da clínica. Se o que somos, podemos e sofremos não se define a
partir “de dentro” mas se sustenta no conjunto de relações que estabelecemos
com os outros, o campo privilegiado de nossa intervenção passa a ser o
coletivo e não o indivíduo. É aqui que a psicologia encontra a possibilidade de
produzir uma prática que não se limita a intervir sobre os indivíduos
desajustados, confirmando por complementariedade, o ajustamento de todos
os demais. A psicologia que emerge no diálogo com o teatro, não ajusta, ela
transforma. Ela almeja intervir sobre as relações que sustentam as diferentes
performances que fazemos no palco da vida e busca transformá-las para que
quem sabe um dia, idealmente, possamos improvisar quem somos sem
precisar empurrar para fora da cena da cena performances dissonantes. A
transformação que nos interessa é esta que acena para possibilidades de
inclusão.

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O teatro e a psicologia

  • 1. O teatro e a psicologia na pós-modernidade Prof. Dr. Murilo Moscheta Universidade Estadual de Maringá Comunicação apresentada no Simpósio Internacional Brasil | EUA | Canadá Teatro e Transformação Social: Possibilidades do uso da performance como estratégia de intervenção na comunidade, na Universidade Estadual de Maringá, em 9 de março de 2012. Boa noite! Acho muito importante que neste evento nós tenhamos conseguido reunir como palestrantes e participantes, um conjunto muito diverso de pessoas. Temos estudantes e profissionais ligados a arte e cultura, temos psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, educadores, entre outros. De fato, a despeito das particularidades de nossos campos de saber e atuação, o tema que propomos tratar neste simpósio é transdisciplinar. Primeiro, porque produzir cultura não é prerrogativa dos artistas, mas sim de todo ser humano que se vê implicado na tarefa de construir sentido sobre si, seus semelhantes e nossas condições de vida. Cultura é o patrimônio simbólico que emerge de nosso esforço em significar a materialidade da vida e as formas de vida que a partir dela criamos. Segundo, porque produzir transformação não é tarefa exclusiva daqueles profissionais que escolheram carreiras claramente interventivas como os psicólogos, assistentes sociais e educadores. Privar o teatro e a arte de sua potencialidade transformadora é reduzi-lo ao entretenimento - o que a meu ver, seria injusto e empobrecedor. Contudo, embora a transdisciplinariedade deste campo seja evidente, é preciso fazer esforço para sair do aprisionamento das caixinhas de especialidades científicas que a modernidade nos legou. Neste esforço, as perguntas que me parecem úteis na realização deste simpósio são: O que ganhamos quando concebemos a prática psicológica, educativa e de intervenção social enquanto produção artística? E O que ganhamos quando concebemos a produção artística enquanto prática interventiva e transformadora? Tais perguntas delimitam um desafio conceitual e técnico. Enquanto psicólogo eu gostaria de fazer alguns breves apontamentos para avançar na delimitação deste desafio no campo das práticas psicológicas. Eu estava ainda nos primeiros anos do meu curso de graduação em psicologia quando percebi pela primeira vez a aproximação do teatro com a prática psicológica. O psicólogo argentino Rodolfo Bohoslavsky dedicou-se ao estudo do processo de orientação profissional e comparou a escolha profissional do ator ao trabalho do psicólogo orientador vocacional. Para ele, o
  • 2. ator escolhe uma profissão que lhe permite ser ao mesmo tempo ator e qualquer outra carreira que deseje. No palco ele será médico, advogado, pedreiro, dançarino, professor, motorista, etc. O psicólogo, sobretudo aqueles que se dedicam ao trabalho de orientação vocacional, vivem com seus clientes um processo de exploração de diversos campos profissionais. Enfim, o que mais me interessa no pensamento de Bohoslavsky é justamente a aproximação do campo clínico ao campo performático. Foi isto que eu pude experimentar alguns anos mais tarde. Eu havia me tornado um psicoterapeuta e atendia em meu consultório uma diversidade de pacientes. A pequena sala com duas poltronas e um tapete foi palco e cenário de narrativas dramáticas sobre a condição humana. A peculiaridade do trabalho psicoterapêutico me colocou em uma disposição empática de um acompanhamento muito próximo de meus clientes. Deste modo, o consultório ofereceu-me algo riquíssimo, que imagino que o palco também ofereça aos atores: estendeu meu horizonte de experiências e multiplicou minhas possibilidades de ser. Com meus clientes eu pude ser: mulher com dificuldade de engravidar, jovem ansioso procurando emprego, criança com medo de fazer cocô, homem deprimido, senhora angustiada com a possibilidade da morte e da solidão. Entretanto, nestes dois momentos, a aproximação do teatro com a psicoterapia poderia ser entendida como metafórica. Ou seja, o teatro e seu vocabulário, emprestavam imagens que serviam para pensar as representações acerca do trabalho clínico. Permanecia, contudo, uma distinção entre os campos, a teoria e as ferramentas de trabalho de artistas e psicoterapeutas. Entendo que esta divisão está relacionada ao descompasso no modo como a psicologia e o teatro lidam com aquilo que chamamos de realidade e identidade. O teatro parece ter assumido uma postura mais tolerante em relação a fronteira que separa o real de sua representação, enquanto os psicólogos ainda insistiam na importância de uma delimitação clara. Ou seja, parece-me que os artistas estão menos preocupados com a veracidade de sua produção do que os psicólogos estão com a exatidão de suas teorias. Artistas, assumiram portanto, a tarefa de construir experiências humanas, enquanto psicólogos ainda buscavam explicá-las de modo inequívoco e supostamente “verdadeiro”. Nesta direção, para o teatro a pessoa do ator tem menos importância que a construção performática de sua personagem. Para a psicologia o sentido parece ser inverso: pode-se dizer que ainda estamos a procura da pessoa real que se esconde por trás de suas máscaras, da identidade individual que se constrói no interior de um sujeito singular, do verdadeiro self, do autêntico e saudável eu... Foi nos últimos anos, quando estive estudando em Nova York, com um conjunto de profissionais ousados, do qual Esther Farmer fazia parte, que conheci uma nova proposta psicológica que possibilitou uma nova relação desta ciência com as artes cênicas. Em suma, nesta proposta psicológica, o teatro não é metáfora, é modelo. Somos o conjunto de performances que
  • 3. sustentamos na vida. Sustentamos performances em resposta e colaboração com o contexto/cenário e outros atores presentes. Eu sou um palestrante porque vocês dão suporte a minha performance enquanto tal, na medida em que vocês aceitam desempenhar o papel complementar de audiência. Neste sentido, retomo a pergunta inicial: o que ganhamos quando concebemos a prática psicológica enquanto produção artística/teatral? Considere a seguinte cena: dois atores no palco. Um deles esquece sua fala. O que acontece? a) Os atores interrompem a cena e começam tudo de novo? b) Alguém grita a frase esquecida? c) Analisa-se porque a frase foi esquecida? O que tenho aprendido como frequentador de espetáculos de teatro e colega de produtores de teatro sinaliza que a melhor resposta para o impasse do esquecimento está na possibilidade dos atores improvisar. O improviso no teatro tem a função de manter a peça em andamento. Quando um ator improvisa o outro não diz: olha tá errado, não era bem isso que você deveria dizer! Ao contrário, o improviso de um demanda que o outro também improvise “em resposta” de modo a dar ao improviso um lugar na cena e no desenvolvimento do enredo. A regra básica dos jogos de improvisação parece ser: não existe erro, tudo é aceito como contribuição, qualquer contribuição é uma resposta aquilo que foi colocado em cena anteriormente. Do ponto de vista psicológico, este modelo ajuda-nos a pensar na prática terapêutica como um jogo de improvisação no qual o menos importante é acertar, procurar a verdade ou corrigir equívocos e o mais importante passa a ser a construção de performances específicas, a compreensão de suas implicações e repercussões na possibilidade de que aquela relação avance. Ou como Wittgenstein coloca: como podemos prosseguir juntos? Para isso, assim como no improviso cênico, os participantes precisam se engajar naquela relação, deixando em segundo plano o texto ou a teoria. Não se trata de apresentar-se como se é afirmando uma identidade individual, mas de produzir respostas que façam sentido naquela interação, valorizando a dimensão relacional que delimita quem somos. Neste sentido, falamos de uma psicologia que avança no sentido de superar compreensões individualistas e teorias identitárias. Finalmente, ao mudar o foco do indivíduo para as relações, somos desafiados a produzir uma prática psicológica que rompe com a tradição privatizante da clínica. Se o que somos, podemos e sofremos não se define a partir “de dentro” mas se sustenta no conjunto de relações que estabelecemos com os outros, o campo privilegiado de nossa intervenção passa a ser o coletivo e não o indivíduo. É aqui que a psicologia encontra a possibilidade de produzir uma prática que não se limita a intervir sobre os indivíduos desajustados, confirmando por complementariedade, o ajustamento de todos os demais. A psicologia que emerge no diálogo com o teatro, não ajusta, ela transforma. Ela almeja intervir sobre as relações que sustentam as diferentes
  • 4. performances que fazemos no palco da vida e busca transformá-las para que quem sabe um dia, idealmente, possamos improvisar quem somos sem precisar empurrar para fora da cena da cena performances dissonantes. A transformação que nos interessa é esta que acena para possibilidades de inclusão.