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EM SONHOS
Artur Azevedo


- Ora, sempre há sonhos muito exquisitos! - exclamou o César, logo pela manhã, quando se
ergueu da cama.
- Com quem sonhaste? - perguntou D. Margarida, que ainda se achava deitada.
- Sonhei que estávamos num jardim, D. Eponina, a senhora do Sá Coelho, e eu, e que ela se
atirou a mim aos beijos apertando-me nos braços dizendo que me adorava!
- E que necessidade tinha eu de saber desse teu sonho? - perguntou D. Margarida um tanto
contrariada e, cá entre nós, com toda a razão.
- Oh! meu amor! Pois queres que eu tenha segredos para ti? Eu conto-te a minha vida toda,
inclusive os meus sonhos!
- Pois sim, mas uma reserva natural, ou por outra, a delicadeza mais rudimentar deveria fazer
com que não me contasses coisas que não me podem ser agradáveis, e cuja revelação nenhum
interesse, nenhuma conveniência tem.
- Ora esta! Nunca esperei que te zangasses!.
- Não estou zangada, mas simplesmente ressentida; nenhuma esposa gosta de saber que
mesmo em sonhos seu marido andou aos beijos com outra mulher!
- Em primeiro lugar, eu não beijei, fui beijado! Fui violentado!... Eu não queria!... D. Eponina caiu
sobre mim com uma fúria!...
- Pois olha! Eu estou mais magoada contigo que com ela. .
- Deixa-te disso, Margarida! Os sonhos não querem dizer nada!...
- Não querem dizer nada, mas são sempre o resultado de uma impressão qualquer, recebida na
vida real: se tu não tivesses tido um mau pensamento a respeito de Eponina, jamais sonharias
que ela caiu sobre ti aos beijos!
- Por pouco mais, darias razão àquele fazendeiro, que mandou surrar o escravo por ter sonhado
que este queria assassiná-lo!...
- Sim, tens razão, César... Sonhos são sonhos... uma tolice minha aborrecer-me por causa de
uns beijos quiméricos, de que nenhuma culpa tens.
- Ora, ainda bem que te chegas à razão!.
E não se falou mais nisso: a discussão passou... como um sonho.
Três ou quatro dias depois, Margarida foi a primeira a erguer-se da cama.
- Que é isto? - perguntou César despertando. - Ergueste hoje mais cedo?
- Sim, porque estou aborrecida; tive um sonho terrível!
- Sim?... Com quem sonhaste?.
- Não quero ter segredos para meu marido: sonhei com o Braguinha!
- Com aquele patife, com aquele desavergonhado, que entendeu que podia namorar-te às
minhas barbas! Pois tu sonhaste com esse homem?!.
- Sonhei; que tem isso?... Que culpa tenho eu?
- Conta-me o teu sonho.

    •   Isso não! Tu já ficaste tão zangado sabendo que sonhei com o Braguinha; que não farias
        se eu te contasse o resto?!


    •   Margarida! Nunca esperei que tu.

- Deixa-te disso!... Os sonhos não querem dizer nada. Demais, aconteceu-me o mesmo que a ti
o outro dia: não beijei - fui beijada!.
O César saltou da cama furioso:
- Não calculas a vontade com que estou de quebrar a cara do Braguinha!
- Ora, aí tens! ~ exatamente o caso do fazendeiro!

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  • 1. EM SONHOS Artur Azevedo - Ora, sempre há sonhos muito exquisitos! - exclamou o César, logo pela manhã, quando se ergueu da cama. - Com quem sonhaste? - perguntou D. Margarida, que ainda se achava deitada. - Sonhei que estávamos num jardim, D. Eponina, a senhora do Sá Coelho, e eu, e que ela se atirou a mim aos beijos apertando-me nos braços dizendo que me adorava! - E que necessidade tinha eu de saber desse teu sonho? - perguntou D. Margarida um tanto contrariada e, cá entre nós, com toda a razão. - Oh! meu amor! Pois queres que eu tenha segredos para ti? Eu conto-te a minha vida toda, inclusive os meus sonhos! - Pois sim, mas uma reserva natural, ou por outra, a delicadeza mais rudimentar deveria fazer com que não me contasses coisas que não me podem ser agradáveis, e cuja revelação nenhum interesse, nenhuma conveniência tem. - Ora esta! Nunca esperei que te zangasses!. - Não estou zangada, mas simplesmente ressentida; nenhuma esposa gosta de saber que mesmo em sonhos seu marido andou aos beijos com outra mulher! - Em primeiro lugar, eu não beijei, fui beijado! Fui violentado!... Eu não queria!... D. Eponina caiu sobre mim com uma fúria!... - Pois olha! Eu estou mais magoada contigo que com ela. . - Deixa-te disso, Margarida! Os sonhos não querem dizer nada!... - Não querem dizer nada, mas são sempre o resultado de uma impressão qualquer, recebida na vida real: se tu não tivesses tido um mau pensamento a respeito de Eponina, jamais sonharias que ela caiu sobre ti aos beijos! - Por pouco mais, darias razão àquele fazendeiro, que mandou surrar o escravo por ter sonhado que este queria assassiná-lo!... - Sim, tens razão, César... Sonhos são sonhos... uma tolice minha aborrecer-me por causa de uns beijos quiméricos, de que nenhuma culpa tens. - Ora, ainda bem que te chegas à razão!. E não se falou mais nisso: a discussão passou... como um sonho. Três ou quatro dias depois, Margarida foi a primeira a erguer-se da cama. - Que é isto? - perguntou César despertando. - Ergueste hoje mais cedo? - Sim, porque estou aborrecida; tive um sonho terrível! - Sim?... Com quem sonhaste?. - Não quero ter segredos para meu marido: sonhei com o Braguinha! - Com aquele patife, com aquele desavergonhado, que entendeu que podia namorar-te às minhas barbas! Pois tu sonhaste com esse homem?!. - Sonhei; que tem isso?... Que culpa tenho eu? - Conta-me o teu sonho. • Isso não! Tu já ficaste tão zangado sabendo que sonhei com o Braguinha; que não farias se eu te contasse o resto?! • Margarida! Nunca esperei que tu. - Deixa-te disso!... Os sonhos não querem dizer nada. Demais, aconteceu-me o mesmo que a ti o outro dia: não beijei - fui beijada!. O César saltou da cama furioso: - Não calculas a vontade com que estou de quebrar a cara do Braguinha! - Ora, aí tens! ~ exatamente o caso do fazendeiro!