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A política pesqueira atual no Brasil:
a escolha pelo crescimento produtivo em detrimento da pesca artesanal1
Natália Tavares de Azevedo2
Naína Pierri3
Com a eleição do Presidente Luis Inácio Lula da Silva -candidato do Partido dos Trabalhadores- no
Brasil, em 2003, criou-se expectativas de desenvolvimento de políticas que favorecessem
substancialmente às classes populares, o que, no âmbito do setor pesqueiro, representaria o
favorecimento à pesca artesanal. Nos oito anos posteriores, incluindo o segundo mandato do
Presidente Lula, muitos programas e ações foram concebidos e instrumentados pelo governo, mas,
uma análise rigorosa dos mesmos permite afirmar que a pesca artesanal, ainda que tenha sido
atendida como nunca antes, não foi o sub-setor pesqueiro mais beneficiado, e que ações dirigidas
aos outros sub-setores, somadas a certas omissões, tem prejudicado aos pescadores artesanais. Nos
últimos anos, ao que tudo indica, o governo da Presidenta Dilma Rousseff, que responde ao mesmo
partido que o Presidente Lula, mostra continuidade e aprofundamento dessa política, incrementando
a fragilidade da pesca artesanal.
Os vaivéns das políticas pesqueiras prévias (1964-2003)
Antes do governo “Lula”, a política pesqueira no Brasil teve três momentos institucionais com
perfis de atuação distintos, que são importantes de ser lembrados para compreender melhor a
política atual. Assim, o primeiro período, entre 1964 e 1989, esteve caracterizado por um
desenvolvimentismo modernizante e ambientalmente irresponsável. No segundo período, entre
1989 e 1998, o governo reage ao anterior e define uma política fundamentalmente conservacionista.
E o terceiro período, entre 1998 e 2003, esteve caracterizado por uma disputa institucional onde a
tentativa de retomar o desenvolvimento setorial resultou travada pelas disposições ambientais.
1
Este artigo foi publicado pelo Coletivo Internacional de Apoio aos Pescadores Artesanais (CIAPA, em inglês ICSF-
International Collective in Support of Fishworkers) na revista Samudra Report, No
64, p. 34-41, de março de 2013, nas
suas versões em inglês, em francês e em espanhol, disponíveis no site www.icsf.net. Autoriza-se a sua reprodução e
divulgação com a devida menção do anterior.
2
Pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR). nataliatavares@ufpr.br
3
Professora da UFPR e membro do Coletivo Internacional de Apoio aos Pescadores Artesanais (CIAPA).
pierrinai@gmail.com
2
Entre 1964 e 1989, período que inclui o governo militar (1964-1985), o órgão responsável pelas
políticas para o setor foi a Superintendência de Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE), que
implementou uma política desenvolvimentista, focada especialmente na pesca industrial, fazendo
uso de incentivos fiscais e tributários amparados, entre outros, na Lei da Pesca de 1967. Nesse
período efetivaram-se também algumas medidas modernizantes para a pesca artesanal–
particularmente o financiamento de motores-, ainda que estas tenham ocupado um espaço muito
pequeno no total das ações empreendidas. No conjunto, essa política gerou, do ponto de vista
econômico, o maior crescimento histórico contínuo da pesca extrativa, mas, do ponto de vista
ambiental, gerou a sobrepesca dos principais recursos, com destaque para o colapso da pesca da
sardinha verdadeira (Sardinella Brasiliensis). A crise dos recursos pesqueiros, somada às várias
denúncias de malversação de fundos públicos e de corrupção, levaram à extinção da SUDEPE.
Em 1989, já após a reabertura democrática e a promulgação da nova Constituição, as funções da
SUDEPE foram atribuídas a uma instituição ambiental, o então recém-criado Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), que depois veio a ser o principal
braço executor do Ministério de Meio Ambiente, criado em 1992. Nesse período, que vai até 1998,
essa alocação da política pesqueira no órgão ambiental federal, somada à adoção geral de medidas
neoliberais que inibiram certos investimentos públicos, conduziu o foco para políticas
conservacionistas. Assim, se cortou qualquer incentivo para o desenvolvimento da atividade,
considerando toda a pesca depredadora, e se criaram diversos instrumentos de gestão pesqueira,
visando limitar o esforço de pesca e proteger certas espécies.
O terceiro período se inicia em 1998 com a criação do Departamento de Pesca e Aquicultura (DPA)
no interior do Ministério da Agricultura, que foi uma tentativa de retirar a tutela ambiental do setor
e retomar a política desenvolvimentista. Abriu-se então um período de fortes conflitos institucionais
entre o Ministério de Agricultura e o IBAMA, motivados pela divisão de competências na gestão e
ordenamento dos recursos pesqueiros e pela retomada, ainda que incipiente, dos investimentos no
setor pesqueiro, que, agora, além de se dirigir principalmente à pesca industrial, também
privilegiaram a aquicultura empresarial, que dava seus primeiros passos.
A pesca artesanal, pois, ao longo desses três períodos, não foi alvo de praticamente nenhuma ação
por parte dos governos, que se centraram ora no desenvolvimento industrial do setor, ora na
conservação e preservação dos recursos. Desta forma, a condição social dos pescadores artesanais,
sua contribuição econômica e à produção de alimento, e a diversidade de suas formas culturais de
vida estiveram fundamentalmente à margem das preocupações governamentais. Mais do que isso, o
resultado das políticas desenvolvimentistas e conservacionistas, somados ao vazio de políticas
3
substantivas para a pesca artesanal, determinaram que a maioria dos pescadores artesanais e suas
comunidades ficassem em condições muito precárias de vida. Assim, eles se constituíram nas
principais vítimas da crise dos recursos pesqueiros, sem ter sido os principais responsáveis de
causá-la, ficando condenados ao empobrecimento e a enfrentar a concorrência desigual com a pesca
industrial e a aquicultura empresarial e os conflitos derivados.
A reorganização institucional para reconduzir a política pesqueira
Quando o Presidente Lula começou o seu primeiro governo, em 2003, esperava-se, então, que
atuasse favorecendo prioritariamente à pesca artesanal, que é responsável por mais da metade da
produção pesqueira do país, ocupa diretamente 700 mil pessoas, e ao redor de 2 milhões de pessoas
dependem dela.
As principais ações do governo Lula para instrumentar a nova política pesqueira foram: a criação de
um órgão setorial específico e hierarquizado e, anos depois, de uma nova lei de pesca; a criação de
novas formas e espaços de interlocução entre a sociedade civil e o governo; e a incorporação, nesse
órgão setorial de fomento, da primazia nas funções de ordenamento e gestão ambiental que antes
estava era exercida pelos órgãos ambientais.
Assim, o Presidente Lula, já no início do seu governo, em 2003, criou a Secretaria Especial de
Aquicultura e Pesca (SEAP) com status ministerial. Em 2009, a SEAP foi transformada em
Ministério de Pesca e Aqüicultura-MPA, o que supôs um aumento de recursos humanos e
financeiros, ampliando e fortalecendo a capacidade institucional.
No que diz respeito aos espaços de interlocução com a sociedade civil envolvida no setor, o
governo criou duas instâncias principais: o Conselho Nacional de Pesca (CONAPE), que é um
órgão colegiado de caráter consultivo, criado em 2003, como parte da estrutura da SEAP, e as
chamadas Conferências Nacionais, precedidas por conferências estaduais, que são um mecanismo
para aferir as demandas de diferentes setores da sociedade civil, neste, como em outros setores. O
CONAPE está formado por 54 membros, com 27 representantes da sociedade civil nomeados a
cada dois anos pelas suas assembleias (15 representantes dos movimentos sociais e trabalhadores,
10 representantes da área empresarial, e 02 da área acadêmica e de pesquisa), e com os outros 27
representantes de órgãos governamentais envolvidos no tema. No período analisado, o CONAPE se
reuniu de 2 a 3 vezes por ano, e houve 3 Conferências Nacionais de Pesca e Aquicultura (2003,
4
2006 e 2009), e uma Conferência das Trabalhadoras da Pesca e da Aquicultura (2004), reunindo
estas de 600 a 1500 pessoas.
Embora a criação desses espaços de participação represente um importante avanço democrático
porque neles se podem expressar as demandas populares, por si só não garantem a incorporação
dessas demandas às políticas públicas. Mais ainda, a participação nesses espaços, sobretudo quando
é numerosa, pode ser usada pelo governo como demonstração de força a favor de alguma intenção
própria ou com fins eleitorais visando cativar votos, e em todos os casos pode se constituir em
legitimação de políticas que não beneficiem às classes populares ou até as prejudiquem. De fato, as
quatro conferências organizadas contiveram todos esses aspectos, em diferentes graus.
Também em 2009, concomitante com a criação do Ministério, aprovou-se o novo marco legal para
a pesca no país, por meio da Lei No
11.959 que instituiu a Política Nacional para o
Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca. Uma das principais mudanças derivadas
desse reordenamento jurídico foi a primazia outorgada ao MPA nas funções de administração
pesqueira e ordenamento aquícola. Até esse momento essas competências estavam repartidas entre
a SEAP, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o IBAMA, mas quem tinha maior peso eram os
órgãos ambientais. Mas, a SEAP percebia a ação dos órgãos ambientais como um forte entrave para
o impulso que queria dar à pesca industrial e especialmente à aquicultura. Então, depois de anos de
tensão e conflitos, a nova lei de pesca impôs o MPA como o órgão coordenador do processo de
gestão e ordenamento da pesca, e os órgãos ambientais foram mantidos apenas como colaboradores
no então criado Sistema de Gestão Compartilhada dos Recursos Pesqueiros, que também prevê a
participação de cientistas e usuários dos recursos.
Esta reorganização institucional constituiu, pois, um movimento político pelo qual o governo
federal, respaldado e legitimado pela participação dos pescadores artesanais e demais setores da
pesca e da aquicultura, conseguiu uma acumulação de forças que lhe permitiu liberar o caminho
para avançar no fomento da produção pesqueira, mediante a criação de um ministério, a aprovação
de uma nova legislação e, principalmente, o enfraquecimento dos entraves ambientais.
O foco no crescimento econômico privilegia a aquicultura e a pesca industrial oceânica
Os objetivos da política pesqueira foram reconduzidos pelo governo de forma que o crescimento da
produção foi consolidado como principal meta, tal como anuncia o primeiro Projeto Político da
5
SEAP, apresentado após a 1ª Conferência Nacional de 2003, e se consagra em 2008, no primeiro
plano sistemático para o setor pesqueiro intitulado Mais Pesca e Aquicultura. Adicionalmente,
figuram entre os objetivos a modernização do setor, tanto da captura quanto do beneficiamento e da
comercialização, e, secundariamente, a ampliação dos direitos sociais e da renda do pescador
artesanal.
Reconhecendo que a maior parte dos estoques pesqueiros das áreas costeiras está sobre-explotada, e
sem pôr os devidos esforços em revertê-lo, o governo definiu incentivar a produção da pesca
industrial oceânica sob o suposto de que nas águas profundas ainda haveria margem para
incrementar a produção. Desta forma, dentro da pesca extrativa, o governo estabeleceu como
principais atores para protagonizar o pretendido crescimento aos empreendedores da pesca
industrial, e não aos pescadores artesanais. Para gerar esse crescimento, o governo desenvolveu
vários programas de ação. Um deles é o Programa Profrota, que consistia em uma política de
crédito para fabricar barcos visando constituir uma frota nacional para atuar na Zona Econômica
Exclusiva (ZEE) brasileira, com expectativas de incrementar a pesca de espécies como os grandes
atuns e similares. Essa frota nacional iria substituir as embarcações estrangeiras que estavam sendo
arrendadas e traria para o país recursos que também estavam sendo apropriados por frotas
estrangeiras. Vale ressaltar que, além disso, o Profrota providenciou fundos para a substituição de
embarcações de pesca industrial que operam sobre os estoques costeiros de camarão, pargo
(Lutjanus Purpureus Poey) e piramituba (Branchplatystoma Vaillant), condicionado a que as
embarcações mais antigas fossem inabilitadas. O programa, contudo, não obteve o sucesso
desejado: apenas 8 embarcações das 130 planejadas foram financiadas.
Além disso, a pesca industrial foi beneficiada com o incremento paulatino do Programa de
Subvenção ao Óleo Diesel, o combustível usado pelas embarcações, que, mais adiante, o governo
pretendeu estender aos pescadores artesanais, mas que foi limitado por dificuldades operacionais.
Pode-se dizer, assim, que este programa atende fundamentalmente à pesca industrial, contribuindo a
tornar economicamente viáveis pescarias que não o são do ponto de vista ambiental, e, por outro
lado, contribuindo a aumentar os conflitos entre a pesca industrial e a pesca artesanal.
A expansão do crédito para o setor pesqueiro também tem sido uma ação prioritária do governo, e
se consolidou com o lançamento do 1º Plano Safra das Águas, em 2010. Criaram-se novas linhas de
crédito e ampliaram-se os limites para a pesca industrial e para a aquicultura. Por outro lado,
ampliou-se a inclusão de pescadores artesanais no Programa Nacional da Agricultura Familiar
(PRONAF), que é um sistema de crédito específico para esses produtores, mas que tem muitos
limites e problemas na execução.
6
Os dados sobre o crédito disponibilizados pelo MPA apontam um montante de R$ 1.484.230.710,00
(em torno de US$ 811.055.033, a valores de 2010, onde US$ 1,00 custava R$1,83) aplicados entre
os anos de 2003 e 2010, num total de 212.662 contratos. Mas esses dados não diferenciam os
beneficiários de forma que não se sabe quanto foi destinado a cada sub-setor pesqueiro nem o que
foi destinado à aquisição de petrechos de pesca, embarcações e/ou motores.
Já em relação à aquicultura, o governo lhe foi atribuindo cada vez mais importância, de forma que
quando o MPA venceu os entraves dos órgãos ambientais e trouxe para si a atribuição do
ordenamento aquícola, passou a realizar a demarcação de Parques Aquícolas, bem como o
desenvolvimento de Planos Locais de Desenvolvimento da Maricultura. A partir de então, a
aquicultura passou a ser o sub-setor principal para o fim do crescimento produtivo, e, portanto, o
mais privilegiado pela política governamental. Assim, o MPA vem fazendo cessões onerosas e não-
onerosas de áreas aquícolas, isto é, vendendo ou doando espaços aquáticos públicos para cultivos de
particulares. Por outro lado, se propõe a integração vertical da cadeia produtiva, por meio do
desenvolvimento e adoção de pacotes tecnológicos.
Apesar da porção de espaços aquícolas cedida de forma não onerosa, cujo público alvo seria
composto pelos pequenos produtores ou pescadores artesanais, esta política implica o início de um
processo de privatização das águas continentais e marinhas que, sem dúvida, conflita,
principalmente, com a pesca artesanal, pois dispõe dos espaços onde ela normalmente acontece.
Quando questionado, o governo não admite esse conflito, e o esconde sob o discurso de que os
pescadores artesanais, graças a sua ajuda, virarão aquicultores, e assim resolverão os limites
impostos pela crise de recursos e melhorarão definitivamente sua renda e suas condições de vida. A
aquicultura é, pois, o projeto principal de desenvolvimento pesqueiro deste governo, e o futuro
programado para o pescador artesanal é que deixe de pescar, isto é, que deixe de ser pescador.
É importante destacar que, apesar do anterior, desde o início da atuação da SEAP existe, no
discurso governamental, a proposição de atender prioritariamente a pesca artesanal. Os dados da
distribuição orçamentária da SEAP entre os anos 2003 e 2009, a primeira vista parecem confirmar
essa intenção.
7
QUADRO 1. DISTRIBUIÇÃO DO ORÇAMENTO DA SEAP (2003-2009)
SETOR INVESTIMENTO
(R$)
%
Pesca artesanal R$ 257.570.000,00 36
Pesca industrial (inclui
Profrota e subvenção ao óleo
diesel)
R$ 191.600.000,00 26
Aquicultura R$ 102.450.000,00 14
Outros: Publicidade e
Administrativo
R$ 1.71166000,00 24
TOTAL GERAL R$ 722.786.000,00 100
Fonte: elaboração própria com base em MINISTÉRIO DE TRABALHO E EMPREGO (MTE), Políticas públicas de
emprego no Brasil: avaliação externa do Programa Seguro-desemprego. Brasília, 2010 e MINISTÉRIO DA PESCA E
AQUICULTURA (MPA), Relatório de Ações Executadas no período de 2003 a 2010. Brasília, 2010.
Observando o Quadro 1, os números absolutos mostram que a pesca artesanal recebeu a maior
quantidade dos gastos/investimentos (36%), seguida pelo setor industrial, que recebeu 26% do total,
e que a aquicultura recebeu apenas 14%, sendo o 24% restante dos gastos destinados a
administração e publicidade. Porém, se se considera a quantidade de pessoas de cada setor, que são
as reais beneficiárias desses gastos, o sentido da distribuição se inverte, mostrando que os 700.000
pescadores artesanais do país receberam relativamente muito menos que os empresários industriais,
que são uns poucos milhares, considerando que há aproximadamente 5000 embarcações neste sub-
setor. Por sua vez, relembrando que, nesse período, a SEAP ainda não tinha vencido os entraves
ambientais para poder promover massivamente a aquicultura, o montante destinado a esta também
tem um peso relativo maior. Mas, aos efeitos de nossa questão, o relevante é que esses números
ratificam que, apesar do discurso, os pescadores artesanais não são os beneficiários principais do
apoio do governo ao setor pesqueiro.
As ações dirigidas à pesca artesanal visam mais o alívio imediato da pobreza e não sua
supervivência e fortalecimento de longo prazo
Mas, qual é a política do governo atual para a pesca artesanal em si? Começando com as ações
voltadas para a atividade pesqueira, a principal medida do governo orientada à fase de produção da
pesca artesanal foi a ampliação já referida do acesso dos pescadores artesanais ao crédito oriundo
do PRONAF. Mas, os montantes dos empréstimos e certos condicionamentos e medidas
8
complementares orientavam esses recursos para serem usados para repor equipamentos de pesca e
não para somar novos, na intenção do governo de não ampliar a capacidade de captura deste sub-
setor. Outras ações referidas à fase produtiva foram dirigidas a diminuir custos de insumos, tais
como a distribuição de fábricas de gelo, e o acesso à subvenção ao óleo diesel, sendo ambos pouco
eficazes por dificuldades de implementação.
Outras medidas foram orientadas a otimizar as fases pós-captura da cadeia produtiva da pesca, isto é
o processamento e a comercialização, tais como a distribuição de kits para beneficiamento inicial
(limpeza e filetamento) e comercialização direta do pescado, e de caminhões frigoríficos para
facilitar o transporte para centros comerciais, visando diminuir os custos e a dependência da
intermediação. Por último, na fase do consumo, o governo incluiu o pescado na alimentação das
crianças nas escolas, como meio de ampliar e garantir um mercado consumidor regular, assim como
certos preços.
Complementarmente, em 2008, foi lançado o Plano Nacional de Assistência Técnica e Extensão
Pesqueira, que, junto com o estímulo ao associativismo e ao cooperativismo, seriam outros meios
de favorecer o aumento de eficácia na cadeia produtiva e a diminuição de custos.
Por outro lado, o governo teve outras iniciativas em matéria educativa, tais como um programa de
alfabetização (Pescando Letras) e cursos técnicos em pesca e em aquicultura, com conteúdos e
formas pedagógicas desenhadas especificamente para pescadores.
Mas, o mais destacado das ações voltadas à melhoria de renda, é a política do chamado “Seguro
Defeso para a Pesca Artesanal” que consiste no pagamento de um salário mínimo mensal (US$
340,00, aproximadamente, em valores de março de 2013) aos pescadores artesanais envolvidos na
pesca de determinadas espécies, durante os períodos em que esta é proibida (de 2 a 4 meses por
ano) com o fim de favorecer a reprodução e manutenção dos estoques. Surgida em 1991 como uma
ferramenta de gestão pesqueira, esta política foi exponencialmente ampliada durante o governo do
Presidente Lula. A SEAP facilitou o acesso e não fez os devidos controles, estimulando que
recebam esse benefício muitos pescadores que não pescam as espécies em questão, e inclusive
muitas pessoas que não são pescadores profissionais, frequentemente próximas destes, e que
ilicitamente se registram como tais. Desta forma, essa ferramenta de gestão ambiental, se voltou,
pela via dos fatos, uma política social distributiva muito forte, concebida e facilitada pelo Ministério
de Pesca, mas financiada pelo Ministério de Trabalho e Emprego, por esse benefício ter sido
formulado como um seguro de desemprego. A figura 01 é eloquente em mostrar o crescimento das
pessoas registradas como pescadores profissionais e o crescimento, ainda maior, da quantidade de
dinheiro pago como seguro-defeso no período 2003-2009. Este crescimento relativo maior do
9
monto pago se deve ao incremento do salário mínimo nacional registrado nesse período (US$ 77,00
em 2003; US$ 291,00, em 2010).
Os dados indicam, então, que o objetivo principal da política do governo dirigida para a pesca
artesanal busca a redução da pobreza mediante o incremento da renda dos pescadores artesanais e
de suas comunidades, em primeira instância, por meio da melhoria da cadeia produtiva e a
diminuição da dependência de intermediários. Mas, sendo ambas positivas e necessárias, são
limitadas pelo fato de nenhuma dessas medidas terem caráter universal e/ou sistemático. Pelo
contrário, se trata de ações fragmentadas, dispersas e pontuais, que são incapazes de transformar
significativamente a realidade das comunidades pesqueiras. Considerando isso, e o volume de
dinheiro público distribuído como pagamento do seguro-defeso a grande parte da categoria, esta
medida distributiva se constitui na mais significativa realizada pelo governo com respeito à pesca
artesanal no período considerado. Mas, também é limitada, pois se trata de um mecanismo não
universal e, pior ainda, com vícios de procedimento que questionam sua legalidade e, portanto, sua
continuidade.
No conjunto, o que predomina como política específica para a pesca artesanal, então, é uma política
de corte distributivo, que, apesar de, no imediato, servir para a diminuição da pobreza e a melhora
de qualidade de vida das comunidades pesqueiras, resulta totalmente insuficiente para atender a
situação de fragilidade estrutural da pesca artesanal a médio e longo prazo, como seria necessário.
FIGURA 01 - EVOLUÇÃO DOS MONTANTES
APLICADOS (R$) E TOTAL DE BENEFICIÁRIOS
DO SEGURO-DEFESO 1994 – 2009.
Fonte: Elaboração própria com base em MTE, 2010, op cit
.(op.cit.).
10
A política neodesenvolvimentista para o setor pesqueiro representa o aumento da vulnerabilidade
da pesca artesanal
Essas características da política pesqueira atual são condizentes com o modelo de desenvolvimento
construído pelo governo federal nos últimos anos, que tem sido denominado de
neodesenvolvimentista. Este se caracteriza por combinar uma forte atuação governamental para
impulsionar o crescimento econômico, principalmente através de grandes obras públicas de
infraestrutura e de crédito público outorgado aos agentes econômicos considerados capazes de
protagonizá-lo, somada a uma política de distribuição de renda, em grande parte viabilizada
mediante benefícios sociais não universais nem permanentes, mais que, no imediato, estimulam o
consumo, fortalecem o mercado interno, e criam conformismo nos setores populares. No caso do
setor pesqueiro, esse modelo se expressa na prioridade dada à pesca industrial e, crescentemente, à
aquicultura, e no caráter predominantemente social e distributivo da política voltada à pesca
artesanal.
Grandes projetos de infraestrutura, como hidrelétricas, portos e estradas, grandes empreendimentos
públicos e privados, como a exploração de petróleo, fazendas de carcinicultura, hotéis resorts, e
complexos industriais, pressionam cada vez mais aos pescadores artesanais, que não contam com
nenhuma proteção especial que lhes garanta a permanência nos seus territórios e seus modos de
vida. A política para o setor pesqueiro não somente não escolhe aos pescadores artesanais como
destinatários privilegiados do apoio do governo, senão que, pior ainda, a prioridade dada à pesca
industrial e à aquicultura implica, por um lado, o incremento da escassez de recursos pesqueiros, e,
por outro, a privatização das águas, que já começou, processos que, se não forem detidos, acabarão
inviabilizando a pesca artesanal.
No conjunto, a atuação governamental dos últimos anos, por trás de um discurso de suposta
sensibilidade social e responsabilidade ambiental, e a pesar da diminuição imediata da pobreza, tem
contribuído para aumentar a vulnerabilidade e a situação de injustiça ambiental sofrida pelas
comunidades pesqueiras artesanais.
Frente a esta situação, parte significativa dos pescadores artesanais organizados tem adotado uma
posição crítica ao governo. Em 2010, isto cristalizou na criação de um novo movimento nacional e
autônomo da categoria, denominado Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil
(MPP). Em 2012, o MPP lançou a Campanha Nacional pela Regularização dos Territórios das
Comunidades Tradicionais Pesqueiras, que tem como objetivo principal a aprovação de uma Lei de
Iniciativa Popular que reconheça e disponha a demarcação das áreas de terra e água das quais
11
dependem as comunidades pesqueiras. O reconhecimento do direito coletivo a esses territórios e aos
recursos neles presentes é considerado a condição fundamental para garantir a sustentabilidade da
pesca artesanal e garantir a reprodução dos modos de vida e práticas tradicionais de suas
comunidades. A luta por conquistá-lo constitui uma exemplar resistência dos pescadores artesanais
brasileiros frente ao modelo de desenvolvimento excludente impulsionado pelo governo nos últimos
anos.
Mais informação:
AZEVEDO, N. T. Política Nacional para o Setor Pesqueiro no Brasil (2003-
2011), Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Meio Ambiente e
Desenvolvimento. UFPR. Curitiba. 2012.
Disponível em: http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/handle/1884/29268
Campanha Nacional pela Regularização do Território das Comunidades
Tradicionais Pesqueiras
http://peloterritoriopesqueiro.blogspot.com.br/
http://www.icsf.net/en/samudra/article/EN/62-3743-Staking-Claims.html

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A política pesqueira brasileira: crescimento produtivo versus pesca artesanal

  • 1. A política pesqueira atual no Brasil: a escolha pelo crescimento produtivo em detrimento da pesca artesanal1 Natália Tavares de Azevedo2 Naína Pierri3 Com a eleição do Presidente Luis Inácio Lula da Silva -candidato do Partido dos Trabalhadores- no Brasil, em 2003, criou-se expectativas de desenvolvimento de políticas que favorecessem substancialmente às classes populares, o que, no âmbito do setor pesqueiro, representaria o favorecimento à pesca artesanal. Nos oito anos posteriores, incluindo o segundo mandato do Presidente Lula, muitos programas e ações foram concebidos e instrumentados pelo governo, mas, uma análise rigorosa dos mesmos permite afirmar que a pesca artesanal, ainda que tenha sido atendida como nunca antes, não foi o sub-setor pesqueiro mais beneficiado, e que ações dirigidas aos outros sub-setores, somadas a certas omissões, tem prejudicado aos pescadores artesanais. Nos últimos anos, ao que tudo indica, o governo da Presidenta Dilma Rousseff, que responde ao mesmo partido que o Presidente Lula, mostra continuidade e aprofundamento dessa política, incrementando a fragilidade da pesca artesanal. Os vaivéns das políticas pesqueiras prévias (1964-2003) Antes do governo “Lula”, a política pesqueira no Brasil teve três momentos institucionais com perfis de atuação distintos, que são importantes de ser lembrados para compreender melhor a política atual. Assim, o primeiro período, entre 1964 e 1989, esteve caracterizado por um desenvolvimentismo modernizante e ambientalmente irresponsável. No segundo período, entre 1989 e 1998, o governo reage ao anterior e define uma política fundamentalmente conservacionista. E o terceiro período, entre 1998 e 2003, esteve caracterizado por uma disputa institucional onde a tentativa de retomar o desenvolvimento setorial resultou travada pelas disposições ambientais. 1 Este artigo foi publicado pelo Coletivo Internacional de Apoio aos Pescadores Artesanais (CIAPA, em inglês ICSF- International Collective in Support of Fishworkers) na revista Samudra Report, No 64, p. 34-41, de março de 2013, nas suas versões em inglês, em francês e em espanhol, disponíveis no site www.icsf.net. Autoriza-se a sua reprodução e divulgação com a devida menção do anterior. 2 Pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR). nataliatavares@ufpr.br 3 Professora da UFPR e membro do Coletivo Internacional de Apoio aos Pescadores Artesanais (CIAPA). pierrinai@gmail.com
  • 2. 2 Entre 1964 e 1989, período que inclui o governo militar (1964-1985), o órgão responsável pelas políticas para o setor foi a Superintendência de Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE), que implementou uma política desenvolvimentista, focada especialmente na pesca industrial, fazendo uso de incentivos fiscais e tributários amparados, entre outros, na Lei da Pesca de 1967. Nesse período efetivaram-se também algumas medidas modernizantes para a pesca artesanal– particularmente o financiamento de motores-, ainda que estas tenham ocupado um espaço muito pequeno no total das ações empreendidas. No conjunto, essa política gerou, do ponto de vista econômico, o maior crescimento histórico contínuo da pesca extrativa, mas, do ponto de vista ambiental, gerou a sobrepesca dos principais recursos, com destaque para o colapso da pesca da sardinha verdadeira (Sardinella Brasiliensis). A crise dos recursos pesqueiros, somada às várias denúncias de malversação de fundos públicos e de corrupção, levaram à extinção da SUDEPE. Em 1989, já após a reabertura democrática e a promulgação da nova Constituição, as funções da SUDEPE foram atribuídas a uma instituição ambiental, o então recém-criado Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), que depois veio a ser o principal braço executor do Ministério de Meio Ambiente, criado em 1992. Nesse período, que vai até 1998, essa alocação da política pesqueira no órgão ambiental federal, somada à adoção geral de medidas neoliberais que inibiram certos investimentos públicos, conduziu o foco para políticas conservacionistas. Assim, se cortou qualquer incentivo para o desenvolvimento da atividade, considerando toda a pesca depredadora, e se criaram diversos instrumentos de gestão pesqueira, visando limitar o esforço de pesca e proteger certas espécies. O terceiro período se inicia em 1998 com a criação do Departamento de Pesca e Aquicultura (DPA) no interior do Ministério da Agricultura, que foi uma tentativa de retirar a tutela ambiental do setor e retomar a política desenvolvimentista. Abriu-se então um período de fortes conflitos institucionais entre o Ministério de Agricultura e o IBAMA, motivados pela divisão de competências na gestão e ordenamento dos recursos pesqueiros e pela retomada, ainda que incipiente, dos investimentos no setor pesqueiro, que, agora, além de se dirigir principalmente à pesca industrial, também privilegiaram a aquicultura empresarial, que dava seus primeiros passos. A pesca artesanal, pois, ao longo desses três períodos, não foi alvo de praticamente nenhuma ação por parte dos governos, que se centraram ora no desenvolvimento industrial do setor, ora na conservação e preservação dos recursos. Desta forma, a condição social dos pescadores artesanais, sua contribuição econômica e à produção de alimento, e a diversidade de suas formas culturais de vida estiveram fundamentalmente à margem das preocupações governamentais. Mais do que isso, o resultado das políticas desenvolvimentistas e conservacionistas, somados ao vazio de políticas
  • 3. 3 substantivas para a pesca artesanal, determinaram que a maioria dos pescadores artesanais e suas comunidades ficassem em condições muito precárias de vida. Assim, eles se constituíram nas principais vítimas da crise dos recursos pesqueiros, sem ter sido os principais responsáveis de causá-la, ficando condenados ao empobrecimento e a enfrentar a concorrência desigual com a pesca industrial e a aquicultura empresarial e os conflitos derivados. A reorganização institucional para reconduzir a política pesqueira Quando o Presidente Lula começou o seu primeiro governo, em 2003, esperava-se, então, que atuasse favorecendo prioritariamente à pesca artesanal, que é responsável por mais da metade da produção pesqueira do país, ocupa diretamente 700 mil pessoas, e ao redor de 2 milhões de pessoas dependem dela. As principais ações do governo Lula para instrumentar a nova política pesqueira foram: a criação de um órgão setorial específico e hierarquizado e, anos depois, de uma nova lei de pesca; a criação de novas formas e espaços de interlocução entre a sociedade civil e o governo; e a incorporação, nesse órgão setorial de fomento, da primazia nas funções de ordenamento e gestão ambiental que antes estava era exercida pelos órgãos ambientais. Assim, o Presidente Lula, já no início do seu governo, em 2003, criou a Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca (SEAP) com status ministerial. Em 2009, a SEAP foi transformada em Ministério de Pesca e Aqüicultura-MPA, o que supôs um aumento de recursos humanos e financeiros, ampliando e fortalecendo a capacidade institucional. No que diz respeito aos espaços de interlocução com a sociedade civil envolvida no setor, o governo criou duas instâncias principais: o Conselho Nacional de Pesca (CONAPE), que é um órgão colegiado de caráter consultivo, criado em 2003, como parte da estrutura da SEAP, e as chamadas Conferências Nacionais, precedidas por conferências estaduais, que são um mecanismo para aferir as demandas de diferentes setores da sociedade civil, neste, como em outros setores. O CONAPE está formado por 54 membros, com 27 representantes da sociedade civil nomeados a cada dois anos pelas suas assembleias (15 representantes dos movimentos sociais e trabalhadores, 10 representantes da área empresarial, e 02 da área acadêmica e de pesquisa), e com os outros 27 representantes de órgãos governamentais envolvidos no tema. No período analisado, o CONAPE se reuniu de 2 a 3 vezes por ano, e houve 3 Conferências Nacionais de Pesca e Aquicultura (2003,
  • 4. 4 2006 e 2009), e uma Conferência das Trabalhadoras da Pesca e da Aquicultura (2004), reunindo estas de 600 a 1500 pessoas. Embora a criação desses espaços de participação represente um importante avanço democrático porque neles se podem expressar as demandas populares, por si só não garantem a incorporação dessas demandas às políticas públicas. Mais ainda, a participação nesses espaços, sobretudo quando é numerosa, pode ser usada pelo governo como demonstração de força a favor de alguma intenção própria ou com fins eleitorais visando cativar votos, e em todos os casos pode se constituir em legitimação de políticas que não beneficiem às classes populares ou até as prejudiquem. De fato, as quatro conferências organizadas contiveram todos esses aspectos, em diferentes graus. Também em 2009, concomitante com a criação do Ministério, aprovou-se o novo marco legal para a pesca no país, por meio da Lei No 11.959 que instituiu a Política Nacional para o Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca. Uma das principais mudanças derivadas desse reordenamento jurídico foi a primazia outorgada ao MPA nas funções de administração pesqueira e ordenamento aquícola. Até esse momento essas competências estavam repartidas entre a SEAP, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o IBAMA, mas quem tinha maior peso eram os órgãos ambientais. Mas, a SEAP percebia a ação dos órgãos ambientais como um forte entrave para o impulso que queria dar à pesca industrial e especialmente à aquicultura. Então, depois de anos de tensão e conflitos, a nova lei de pesca impôs o MPA como o órgão coordenador do processo de gestão e ordenamento da pesca, e os órgãos ambientais foram mantidos apenas como colaboradores no então criado Sistema de Gestão Compartilhada dos Recursos Pesqueiros, que também prevê a participação de cientistas e usuários dos recursos. Esta reorganização institucional constituiu, pois, um movimento político pelo qual o governo federal, respaldado e legitimado pela participação dos pescadores artesanais e demais setores da pesca e da aquicultura, conseguiu uma acumulação de forças que lhe permitiu liberar o caminho para avançar no fomento da produção pesqueira, mediante a criação de um ministério, a aprovação de uma nova legislação e, principalmente, o enfraquecimento dos entraves ambientais. O foco no crescimento econômico privilegia a aquicultura e a pesca industrial oceânica Os objetivos da política pesqueira foram reconduzidos pelo governo de forma que o crescimento da produção foi consolidado como principal meta, tal como anuncia o primeiro Projeto Político da
  • 5. 5 SEAP, apresentado após a 1ª Conferência Nacional de 2003, e se consagra em 2008, no primeiro plano sistemático para o setor pesqueiro intitulado Mais Pesca e Aquicultura. Adicionalmente, figuram entre os objetivos a modernização do setor, tanto da captura quanto do beneficiamento e da comercialização, e, secundariamente, a ampliação dos direitos sociais e da renda do pescador artesanal. Reconhecendo que a maior parte dos estoques pesqueiros das áreas costeiras está sobre-explotada, e sem pôr os devidos esforços em revertê-lo, o governo definiu incentivar a produção da pesca industrial oceânica sob o suposto de que nas águas profundas ainda haveria margem para incrementar a produção. Desta forma, dentro da pesca extrativa, o governo estabeleceu como principais atores para protagonizar o pretendido crescimento aos empreendedores da pesca industrial, e não aos pescadores artesanais. Para gerar esse crescimento, o governo desenvolveu vários programas de ação. Um deles é o Programa Profrota, que consistia em uma política de crédito para fabricar barcos visando constituir uma frota nacional para atuar na Zona Econômica Exclusiva (ZEE) brasileira, com expectativas de incrementar a pesca de espécies como os grandes atuns e similares. Essa frota nacional iria substituir as embarcações estrangeiras que estavam sendo arrendadas e traria para o país recursos que também estavam sendo apropriados por frotas estrangeiras. Vale ressaltar que, além disso, o Profrota providenciou fundos para a substituição de embarcações de pesca industrial que operam sobre os estoques costeiros de camarão, pargo (Lutjanus Purpureus Poey) e piramituba (Branchplatystoma Vaillant), condicionado a que as embarcações mais antigas fossem inabilitadas. O programa, contudo, não obteve o sucesso desejado: apenas 8 embarcações das 130 planejadas foram financiadas. Além disso, a pesca industrial foi beneficiada com o incremento paulatino do Programa de Subvenção ao Óleo Diesel, o combustível usado pelas embarcações, que, mais adiante, o governo pretendeu estender aos pescadores artesanais, mas que foi limitado por dificuldades operacionais. Pode-se dizer, assim, que este programa atende fundamentalmente à pesca industrial, contribuindo a tornar economicamente viáveis pescarias que não o são do ponto de vista ambiental, e, por outro lado, contribuindo a aumentar os conflitos entre a pesca industrial e a pesca artesanal. A expansão do crédito para o setor pesqueiro também tem sido uma ação prioritária do governo, e se consolidou com o lançamento do 1º Plano Safra das Águas, em 2010. Criaram-se novas linhas de crédito e ampliaram-se os limites para a pesca industrial e para a aquicultura. Por outro lado, ampliou-se a inclusão de pescadores artesanais no Programa Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF), que é um sistema de crédito específico para esses produtores, mas que tem muitos limites e problemas na execução.
  • 6. 6 Os dados sobre o crédito disponibilizados pelo MPA apontam um montante de R$ 1.484.230.710,00 (em torno de US$ 811.055.033, a valores de 2010, onde US$ 1,00 custava R$1,83) aplicados entre os anos de 2003 e 2010, num total de 212.662 contratos. Mas esses dados não diferenciam os beneficiários de forma que não se sabe quanto foi destinado a cada sub-setor pesqueiro nem o que foi destinado à aquisição de petrechos de pesca, embarcações e/ou motores. Já em relação à aquicultura, o governo lhe foi atribuindo cada vez mais importância, de forma que quando o MPA venceu os entraves dos órgãos ambientais e trouxe para si a atribuição do ordenamento aquícola, passou a realizar a demarcação de Parques Aquícolas, bem como o desenvolvimento de Planos Locais de Desenvolvimento da Maricultura. A partir de então, a aquicultura passou a ser o sub-setor principal para o fim do crescimento produtivo, e, portanto, o mais privilegiado pela política governamental. Assim, o MPA vem fazendo cessões onerosas e não- onerosas de áreas aquícolas, isto é, vendendo ou doando espaços aquáticos públicos para cultivos de particulares. Por outro lado, se propõe a integração vertical da cadeia produtiva, por meio do desenvolvimento e adoção de pacotes tecnológicos. Apesar da porção de espaços aquícolas cedida de forma não onerosa, cujo público alvo seria composto pelos pequenos produtores ou pescadores artesanais, esta política implica o início de um processo de privatização das águas continentais e marinhas que, sem dúvida, conflita, principalmente, com a pesca artesanal, pois dispõe dos espaços onde ela normalmente acontece. Quando questionado, o governo não admite esse conflito, e o esconde sob o discurso de que os pescadores artesanais, graças a sua ajuda, virarão aquicultores, e assim resolverão os limites impostos pela crise de recursos e melhorarão definitivamente sua renda e suas condições de vida. A aquicultura é, pois, o projeto principal de desenvolvimento pesqueiro deste governo, e o futuro programado para o pescador artesanal é que deixe de pescar, isto é, que deixe de ser pescador. É importante destacar que, apesar do anterior, desde o início da atuação da SEAP existe, no discurso governamental, a proposição de atender prioritariamente a pesca artesanal. Os dados da distribuição orçamentária da SEAP entre os anos 2003 e 2009, a primeira vista parecem confirmar essa intenção.
  • 7. 7 QUADRO 1. DISTRIBUIÇÃO DO ORÇAMENTO DA SEAP (2003-2009) SETOR INVESTIMENTO (R$) % Pesca artesanal R$ 257.570.000,00 36 Pesca industrial (inclui Profrota e subvenção ao óleo diesel) R$ 191.600.000,00 26 Aquicultura R$ 102.450.000,00 14 Outros: Publicidade e Administrativo R$ 1.71166000,00 24 TOTAL GERAL R$ 722.786.000,00 100 Fonte: elaboração própria com base em MINISTÉRIO DE TRABALHO E EMPREGO (MTE), Políticas públicas de emprego no Brasil: avaliação externa do Programa Seguro-desemprego. Brasília, 2010 e MINISTÉRIO DA PESCA E AQUICULTURA (MPA), Relatório de Ações Executadas no período de 2003 a 2010. Brasília, 2010. Observando o Quadro 1, os números absolutos mostram que a pesca artesanal recebeu a maior quantidade dos gastos/investimentos (36%), seguida pelo setor industrial, que recebeu 26% do total, e que a aquicultura recebeu apenas 14%, sendo o 24% restante dos gastos destinados a administração e publicidade. Porém, se se considera a quantidade de pessoas de cada setor, que são as reais beneficiárias desses gastos, o sentido da distribuição se inverte, mostrando que os 700.000 pescadores artesanais do país receberam relativamente muito menos que os empresários industriais, que são uns poucos milhares, considerando que há aproximadamente 5000 embarcações neste sub- setor. Por sua vez, relembrando que, nesse período, a SEAP ainda não tinha vencido os entraves ambientais para poder promover massivamente a aquicultura, o montante destinado a esta também tem um peso relativo maior. Mas, aos efeitos de nossa questão, o relevante é que esses números ratificam que, apesar do discurso, os pescadores artesanais não são os beneficiários principais do apoio do governo ao setor pesqueiro. As ações dirigidas à pesca artesanal visam mais o alívio imediato da pobreza e não sua supervivência e fortalecimento de longo prazo Mas, qual é a política do governo atual para a pesca artesanal em si? Começando com as ações voltadas para a atividade pesqueira, a principal medida do governo orientada à fase de produção da pesca artesanal foi a ampliação já referida do acesso dos pescadores artesanais ao crédito oriundo do PRONAF. Mas, os montantes dos empréstimos e certos condicionamentos e medidas
  • 8. 8 complementares orientavam esses recursos para serem usados para repor equipamentos de pesca e não para somar novos, na intenção do governo de não ampliar a capacidade de captura deste sub- setor. Outras ações referidas à fase produtiva foram dirigidas a diminuir custos de insumos, tais como a distribuição de fábricas de gelo, e o acesso à subvenção ao óleo diesel, sendo ambos pouco eficazes por dificuldades de implementação. Outras medidas foram orientadas a otimizar as fases pós-captura da cadeia produtiva da pesca, isto é o processamento e a comercialização, tais como a distribuição de kits para beneficiamento inicial (limpeza e filetamento) e comercialização direta do pescado, e de caminhões frigoríficos para facilitar o transporte para centros comerciais, visando diminuir os custos e a dependência da intermediação. Por último, na fase do consumo, o governo incluiu o pescado na alimentação das crianças nas escolas, como meio de ampliar e garantir um mercado consumidor regular, assim como certos preços. Complementarmente, em 2008, foi lançado o Plano Nacional de Assistência Técnica e Extensão Pesqueira, que, junto com o estímulo ao associativismo e ao cooperativismo, seriam outros meios de favorecer o aumento de eficácia na cadeia produtiva e a diminuição de custos. Por outro lado, o governo teve outras iniciativas em matéria educativa, tais como um programa de alfabetização (Pescando Letras) e cursos técnicos em pesca e em aquicultura, com conteúdos e formas pedagógicas desenhadas especificamente para pescadores. Mas, o mais destacado das ações voltadas à melhoria de renda, é a política do chamado “Seguro Defeso para a Pesca Artesanal” que consiste no pagamento de um salário mínimo mensal (US$ 340,00, aproximadamente, em valores de março de 2013) aos pescadores artesanais envolvidos na pesca de determinadas espécies, durante os períodos em que esta é proibida (de 2 a 4 meses por ano) com o fim de favorecer a reprodução e manutenção dos estoques. Surgida em 1991 como uma ferramenta de gestão pesqueira, esta política foi exponencialmente ampliada durante o governo do Presidente Lula. A SEAP facilitou o acesso e não fez os devidos controles, estimulando que recebam esse benefício muitos pescadores que não pescam as espécies em questão, e inclusive muitas pessoas que não são pescadores profissionais, frequentemente próximas destes, e que ilicitamente se registram como tais. Desta forma, essa ferramenta de gestão ambiental, se voltou, pela via dos fatos, uma política social distributiva muito forte, concebida e facilitada pelo Ministério de Pesca, mas financiada pelo Ministério de Trabalho e Emprego, por esse benefício ter sido formulado como um seguro de desemprego. A figura 01 é eloquente em mostrar o crescimento das pessoas registradas como pescadores profissionais e o crescimento, ainda maior, da quantidade de dinheiro pago como seguro-defeso no período 2003-2009. Este crescimento relativo maior do
  • 9. 9 monto pago se deve ao incremento do salário mínimo nacional registrado nesse período (US$ 77,00 em 2003; US$ 291,00, em 2010). Os dados indicam, então, que o objetivo principal da política do governo dirigida para a pesca artesanal busca a redução da pobreza mediante o incremento da renda dos pescadores artesanais e de suas comunidades, em primeira instância, por meio da melhoria da cadeia produtiva e a diminuição da dependência de intermediários. Mas, sendo ambas positivas e necessárias, são limitadas pelo fato de nenhuma dessas medidas terem caráter universal e/ou sistemático. Pelo contrário, se trata de ações fragmentadas, dispersas e pontuais, que são incapazes de transformar significativamente a realidade das comunidades pesqueiras. Considerando isso, e o volume de dinheiro público distribuído como pagamento do seguro-defeso a grande parte da categoria, esta medida distributiva se constitui na mais significativa realizada pelo governo com respeito à pesca artesanal no período considerado. Mas, também é limitada, pois se trata de um mecanismo não universal e, pior ainda, com vícios de procedimento que questionam sua legalidade e, portanto, sua continuidade. No conjunto, o que predomina como política específica para a pesca artesanal, então, é uma política de corte distributivo, que, apesar de, no imediato, servir para a diminuição da pobreza e a melhora de qualidade de vida das comunidades pesqueiras, resulta totalmente insuficiente para atender a situação de fragilidade estrutural da pesca artesanal a médio e longo prazo, como seria necessário. FIGURA 01 - EVOLUÇÃO DOS MONTANTES APLICADOS (R$) E TOTAL DE BENEFICIÁRIOS DO SEGURO-DEFESO 1994 – 2009. Fonte: Elaboração própria com base em MTE, 2010, op cit .(op.cit.).
  • 10. 10 A política neodesenvolvimentista para o setor pesqueiro representa o aumento da vulnerabilidade da pesca artesanal Essas características da política pesqueira atual são condizentes com o modelo de desenvolvimento construído pelo governo federal nos últimos anos, que tem sido denominado de neodesenvolvimentista. Este se caracteriza por combinar uma forte atuação governamental para impulsionar o crescimento econômico, principalmente através de grandes obras públicas de infraestrutura e de crédito público outorgado aos agentes econômicos considerados capazes de protagonizá-lo, somada a uma política de distribuição de renda, em grande parte viabilizada mediante benefícios sociais não universais nem permanentes, mais que, no imediato, estimulam o consumo, fortalecem o mercado interno, e criam conformismo nos setores populares. No caso do setor pesqueiro, esse modelo se expressa na prioridade dada à pesca industrial e, crescentemente, à aquicultura, e no caráter predominantemente social e distributivo da política voltada à pesca artesanal. Grandes projetos de infraestrutura, como hidrelétricas, portos e estradas, grandes empreendimentos públicos e privados, como a exploração de petróleo, fazendas de carcinicultura, hotéis resorts, e complexos industriais, pressionam cada vez mais aos pescadores artesanais, que não contam com nenhuma proteção especial que lhes garanta a permanência nos seus territórios e seus modos de vida. A política para o setor pesqueiro não somente não escolhe aos pescadores artesanais como destinatários privilegiados do apoio do governo, senão que, pior ainda, a prioridade dada à pesca industrial e à aquicultura implica, por um lado, o incremento da escassez de recursos pesqueiros, e, por outro, a privatização das águas, que já começou, processos que, se não forem detidos, acabarão inviabilizando a pesca artesanal. No conjunto, a atuação governamental dos últimos anos, por trás de um discurso de suposta sensibilidade social e responsabilidade ambiental, e a pesar da diminuição imediata da pobreza, tem contribuído para aumentar a vulnerabilidade e a situação de injustiça ambiental sofrida pelas comunidades pesqueiras artesanais. Frente a esta situação, parte significativa dos pescadores artesanais organizados tem adotado uma posição crítica ao governo. Em 2010, isto cristalizou na criação de um novo movimento nacional e autônomo da categoria, denominado Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (MPP). Em 2012, o MPP lançou a Campanha Nacional pela Regularização dos Territórios das Comunidades Tradicionais Pesqueiras, que tem como objetivo principal a aprovação de uma Lei de Iniciativa Popular que reconheça e disponha a demarcação das áreas de terra e água das quais
  • 11. 11 dependem as comunidades pesqueiras. O reconhecimento do direito coletivo a esses territórios e aos recursos neles presentes é considerado a condição fundamental para garantir a sustentabilidade da pesca artesanal e garantir a reprodução dos modos de vida e práticas tradicionais de suas comunidades. A luta por conquistá-lo constitui uma exemplar resistência dos pescadores artesanais brasileiros frente ao modelo de desenvolvimento excludente impulsionado pelo governo nos últimos anos. Mais informação: AZEVEDO, N. T. Política Nacional para o Setor Pesqueiro no Brasil (2003- 2011), Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento. UFPR. Curitiba. 2012. Disponível em: http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/handle/1884/29268 Campanha Nacional pela Regularização do Território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras http://peloterritoriopesqueiro.blogspot.com.br/ http://www.icsf.net/en/samudra/article/EN/62-3743-Staking-Claims.html