1. Gestão escolar
e formação
de gestores
ISSN 0104-1037
Em Aberto, Brasília, v. 17, n. 72, p. 1-195, fev./jun. 2000.
72
2. Endereço
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Rosa dos Anjos Oliveira onal de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), destinada à
veiculação de questões atuais da educação brasileira. Os concei-
Normalização Bibliográfica tos e as opiniões emitidas neste periódico são da inteira responsa-
Regina Helena Azevedo de Mello bilidade dos autores. Publicado em junho de 2000. Tiragem: 5.000
Rosa dos Anjos Oliveira exemplares.
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Fernando Secchin nais. v. 1, n. 1, (nov. 1981- ). – Brasília : O Instituto, 1981-.
Irregular. Irregular até 1985. Bimestral 1986-1990.
Arte-Final Suspensa de jul. 1996 a dez. 1999.
Raphael Caron Freitas
Índices de autores e assuntos: 1981-1987
ISSN 0104-1037
1. Educação - Brasil. I. Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais.
3. sumário
apresentação 7
enfoque Qual é a questão?
Perspectivas da Gestão Escolar e Implicações quanto
à Formação de seus Gestores
Heloísa Lück (Cedhap e Renageste/Consed) 11
Em Aberto, Brasília, v. 17, n. 72, p.3-5, fev/jun. 2000.
pontos de vista O que pensam outros especialistas?
Educação e Gestão Descentralizada: Conselho Diretor,
Caixa Escolar, Projeto Político-Pedagógico
Antônio Cabral Neto (UFRN)
Maria Doninha de Almeida (UFRN) 35
Uma Inter-relação: políticas públicas, gestão
democrático-participativa na escola pública e formação
da equipe escolar
Katia Siqueira de Freitas (UFBa) 47 3
4. Diretores de Escola: o desacerto com a democracia
Em Aberto, Brasília, v. 17, n. 72, p.3-5, fev./jun. 2000.
Artemis Torres (UFMT) 4
Lindalva Maria N. Garske (SMPR-MT) 60
A Gestão da Escola Básica: conhecimento e reflexão sobre
a prática cotidiana da diretora de escola municipal
Marta Luz Sisson de Castro (PUC-RS) 71
Autonomia da Escola e Democratização de sua Gestão:
novas demandas para o gestor
Lauro Carlos Wittmann (Furb) 88
Desafios a serem Enfrentados na Capacitação
de Gestores Escolares
Maria Aglaê de Medeiros Machado (Consed) 97
A Relação entre Política Pública de Reforma Educacional
e a Gestão do Cotidiano Escolar
Marisa Schneckenberg (SMEPG-PR) 113
O Planejamento como Instrumento de Gestão Educacional:
uma análise histórico-filosófica
Maria Amelia Sabbag Zainko (PUC-PR) 125
espaço aberto Manifestações rápidas, entrevistas, propostas,
experiências, traduções, etc.
Gestão Escolar e Formação de Diretores:
a experiência do Ceará
Antenor Manoel Naspolini (SEC-CE) 141
5. Qualificação da Gestão da Escola: primeiros passos
de um programa de âmbito estadual
Jarbas José Cardoso (Udesc) 146
Gestão Democrática Escolar: um estudo de
expectativas, efeitos e avanços
Dalva Câmara de Oliveira (Faesa) 150
Mapeamento de Estruturas de Gestão Colegiada
em Escolas dos Sistemas Estaduais de Ensino
Marta Maria de A. Parente (Ipea)
Heloísa Lück (Cedhap e Renageste/Consed) 156
Participação: exigências para a qualificação do gestor
e processo permanente de atualização
Antonio Elizio Pazeto (Unisul) 163
Gestão Democrática da Educação para uma Formação
Humana: conceitos e possibilidades
Naura Syria Carapeto Ferreira (UTP-PR) 167
resenhas
Em Aberto, Brasília, v. 17, n. 72, p.3-5, fev/jun. 2000.
Gestão Escolar e Formação de Gestores 177
bibliografia Gestão Escolar e Formação de Gestores 187
5
7. apresentação No contexto da educação brasileira, tem sido dedicada
muita atenção à gestão na educação que, enquanto um conceito
novo, superador do enfoque limitado de administração, se assenta
sobre a mobilização dinâmica e coletiva do elemento humano, sua
energia e competência, como condições básicas e fundamentais para
a melhoria da qualidade do ensino e a transformação da própria
identidade da educação brasileira e de suas escolas, ainda carentes
de liderança clara e competente, de referencial teórico-metodológico
avançado de gestão, de uma perspectiva de superação efetiva das
dificuldades cotidianas, pela adoção de mecanismos e métodos es-
tratégicos para a solução dos seus problemas.
A gestão escolar constitui uma dimensão e um enfoque
de atuação que objetiva promover a organização, a mobilização e a
articulação de todas as condições materiais e humanas necessárias
para garantir o avanço dos processos socioeducacionais dos esta-
belecimentos de ensino, orientados para a promoção efetiva da
aprendizagem pelos alunos, de modo a torná-los capazes de en-
frentar adequadamente os desafios da sociedade globalizada e da
economia centrada no conhecimento. Por efetiva, entende-se, pois,
a realização de objetivos avançados, de acordo com as novas neces-
sidades de transformação socioeconômica e cultural, mediante a
dinamização da competência humana, sinergicamente organizada.
Em Aberto, Brasília, v. 17, n. 72, p. 7-10, fev./jun. 2000.
Compete à gestão escolar estabelecer o direcionamento
e a mobilização capazes de sustentar e dinamizar a cultura das esco-
las, de modo que sejam orientadas para resultados, isto é, um modo
de ser e de fazer caracterizado por ações conjuntas, associadas e arti-
culadas. Sem esse enfoque, os esforços e gastos são dispendidos sem
muito resultado, o que, no entanto, tem acontecido na educação bra-
sileira, uma vez que se tem adotado, até recentemente, a prática de
buscar soluções tópicas, localizadas e restritas, quando, de fato, os
problemas da educação e da gestão escolar são globais e estão inter-
relacionados. Estes não se resolvem ora investindo em capacitação,
Heloísa Lück (Organizadora) ora em melhoria de condições físicas e materiais, ora em metodologias,
Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) ora em produção de materiais, etc. É preciso agir conjuntamente em
Centro de Desenvolvimento Humano Aplicado (Cedhap) todas as frentes, pois todas estão inter-relacionadas. 7
8. A gestão escolar constitui uma dimensão importantís- à importância da gestão da escola e do trabalho dos profissio-
Em Aberto, Brasília, v. 17, n. 72, p. 7-10, fev./jun. 2000.
sima da educação, uma vez que, por meio dela, observa-se a escola nais que a promovem. Nele são apresentadas diversas contri- 8
e os problemas educacionais globalmente, e se busca abranger, pela buições de profissionais do Norte ao Sul do País, que se dedi-
visão estratégica e de conjunto, bem como pelas ações interliga- cam ao estudo e à reflexão sobre a gestão educacional.
das, tal como uma rede, os problemas que, de fato, funcionam de O primeiro artigo, apresentado por Heloísa Lück,
modo interdependente. para a seção Enfoque, sob o título “Perspectivas da gestão
Cabe ressaltar que a gestão escolar é uma dimensão, escolar e implicações quanto à formação de seus gestores”,
um enfoque de atuação, um meio e não um fim em si mesmo, analisa os novos desafios de realização da gestão democráti-
uma vez que o objetivo final da gestão é a aprendizagem efetiva e ca viabilizada pela descentralização e respectiva construção
significativa dos alunos, de modo que, no cotidiano que vivenciam da autonomia da escola. A análise é feita no contexto de
na escola, desenvolvam as competências que a sociedade demanda, mudança de paradigma e significado da educação, da escola
dentre as quais se evidenciam: pensar criativamente; analisar infor- e da gestão. Também a prática da formação de gestores é ana-
mações e proposições diversas, de forma contextualizada; expressar lisada, apontando limitações das práticas convencionais e
idéias com clareza, tanto oralmente, como por escrito; empregar a indicando encaminhamentos para sua superação.
aritmética e a estatística para resolver problemas; ser capaz de tomar Na seção Pontos de Vista, oito artigos são
decisões fundamentadas e resolver conflitos, dentre muitas outras apresentados.
competências necessárias para a prática de cidadania responsável. Antônio Cabral Neto e Maria Doninha de
Portanto, o processo de gestão escolar deve estar voltado para garan- Almeida, em artigo intitulado “Educação e gestão descentra-
tir que os alunos aprendam sobre o seu mundo e sobre si mesmos lizada: conselho escolar, caixa escolar e projeto político-pe-
em relação a esse mundo, adquiram conhecimentos úteis e apren- dagógico”, analisam a questão da gestão descentralizada no
dam a trabalhar com informações de complexidades gradativas e sistema de educação básica, a partir do entendimento de que
contraditórias da realidade social, econômica, política e científica, a descentralização, nesse âmbito, faz parte da lógica das re-
como condição para o exercício da cidadania responsável. formas modernizadoras do Estado brasileiro. Destacam e
Com esta demanda, o sentido de educação e de escola exemplificam o processo, apresentando a experiência do Rio
se torna mais complexo e requer cuidados especiais. O aluno não Grande do Norte, que propõe descentralizar o seu sistema
aprende apenas na sala de aula, mas na escola como um todo: pela educacional pela criação de Centros Escolares, Conselho Di-
maneira como a mesma é organizada e como funciona; pelas ações retor, Caixa Escolar e Projeto Político-Pedagógico. Os limites
globais que promove; pelo modo como as pessoas nela se relacio- e possibilidades desse processo de democratização são obje-
nam e como a escola se relaciona com a comunidade, pela atitude tivamente descritos e analisados.
expressa em relação às pessoas, aos problemas educacionais e so- O artigo de Kátia Siqueira de Freitas inter-relaci-
ciais, pelo modo como nela se trabalha, dentre outros aspectos. ona o contexto das políticas públicas e a descentralização da
Diante desse desafio, ganha corpo e importância a ges- administração do sistema educacional e da escola pública,
tão da escola e a atuação dos profissionais que a promovem. Subsi- enfocando os ideais da gestão democrático-participativa na
diar a realização desse trabalho e refletir sobre o mesmo é, portanto, educação, além de discutir a implementação desses ideais na
uma tarefa aberta a contribuições. O Em Aberto dedica este número formação de gestores e equipes escolares, a partir do referido
9. contexto. O artigo descreve a ação do Programa Gestão Participativa voltada para a melhoria da eficácia das escolas e construção da sua
(PGP), desenvolvido na Universidade Federal da Bahia, com o ob- autonomia. Conclui, apresentando proposições para a formação de
jetivo de promover a formação de equipes escolares para que pos- gestores escolares produzidas no contexto do Consed.
sam assumir a autonomia pedagógica, financeira e administrativa Marisa Schneckenberg, em seu artigo intitulado “A re-
da escola. Depoimentos dos participantes do PGP são apresenta- lação entre política pública de reforma educacional e a gestão do
dos, dos quais se pode depreender como é realizada a cotidiano escolar”, sintetiza resultados de sua pesquisa no sistema
implementação da gestão participativa naquele contexto. escolar público estadual paranaense, em que examina os efeitos, as
“Diretores de escola: o desacerto com a democracia” é influências e as reações que os esforços de implantação da reforma
o título dado por Artemis Torres e Lindalva Maria Garske ao artigo educacional provocam na escola e no seu clima. São analisadas as
em que descrevem o processo de conciliação entre uma postura questões à luz de uma concepção de escola que se democratiza de
democrática e outra tradicional, além de fazer uma retrospectiva permeio com o poder público.
histórica sobre o processo de gestão democrática em Mato Grosso, Mediante uma incursão pelos caminhos da história e
pela qual são analisadas a descontinuidade do processo e as con- da filosofia, Maria Amélia Sabbag Zainko analisa “O planejamento
tradições que apresenta. Ao final, são apresentadas ponderações como instrumento de gestão educacional”. Essa incursão tem iní-
críticas sobre soluções que vêm sendo buscadas pelos sistemas es- cio no pensamento grego, passando por Descartes, chegando à sua
taduais de ensino, para a realização da gestão democrática. expressão no contexto brasileiro. Pela experiência universitária da
Marta Sisson de Castro, em “Gestão da escola básica: autora, suas conclusões focalizam esse ambiente.
práticas e desafios do cotidiano”, apresenta uma ampla descrição e Na seção Espaço Aberto, são apresentados seis artigos.
análise do cotidiano do diretor de escola, ilustrada com depoimen- Antenor Naspolini, secretário de Educação, apresenta
tos desses profissionais. O artigo resultou de pesquisa realizada em o artigo “Gestão escolar e formação de diretores: a experiência do
escolas do Rio Grande do Sul e revela as dificuldades e desafios Ceará”, em que expõe o que tem sido feito nesse Estado para o de-
que eles enfrentam. senvolvimento da prática de gestão democrática em suas escolas.
Em Aberto, Brasília, v. 17, n. 72, p. 7-10, fev./jun. 2000.
Lauro Carlos Witmann, com o artigo “Autonomia da São descritos, nesse contexto, o processo adotado de seleção técnica
escola e democratização de sua gestão: novas demandas para o e política de diretores, a implantação de Núcleo Gestor da Escola e o
gestor”, analisa os fundamentos e as bases do avanço no pensar e Plano de Desenvolvimento da Escola, bem como os seus resultados.
no fazer pedagógico da educação, apontando as competências ne- Jarbas José Cardoso, em seu artigo “Qualificação da
cessárias para que o gestor bem desempenhe seu trabalho. A análi- gestão da escola: primeiros passos de um programa de âmbito esta-
se é feita à luz do processo de construção do conhecimento que é dual”, descreve o desenvolvimento de programa de gestão da esco-
associado ao de gestão. la, pelo desenvolvimento de sua autonomia, em Santa Catarina.
“Desafios a serem enfrentados na capacitação de Dalva Câmara de Oliveira mostra em “Gestão democrá-
gestores escolares” é o tema do artigo de Maria Aglaê de Medeiros, tica escolar: um estudo de expectativas, efeitos e avanços” os resulta-
que apresenta uma visão contextualizada das mudanças que vêm dos de pesquisa realizada no município de Vitória (ES), sobre os
ocorrendo no cenário do sistema educativo e da gestão, como pano efeitos dos Conselhos Escolares municipais no cotidiano escolar.
de fundo para abordar a formação de gestores escolares. A Marta Parente e Heloísa Lück revelam o “Mapeamento
capacitação de gestores escolares é analisada como uma política de estruturas de gestão colegiada em escolas dos sistemas estaduais 9
10. de ensino”, em que, a partir de pesquisa realizada, evidenciam a e implicações da gestão participativa, cultura organizacional em
Em Aberto, Brasília, v. 17, n. 72, p. 7-10, fev./jun. 2000.
adoção de diferentes mecanismos de gestão colegiada no cotidia- novas bases e exigências e implicações para a qualificação da gestor. 10
no nacional. Naura Syria Carapeto Ferreira, em “Gestão democrática
Antônio Elizio Pazeto fala sobre “Participação: exigên- da educação para uma formação humana: conceitos e possibilidades”,
cias para a qualificação do gestor e processo permanente de atuali- analisa as limitações da ética liberal em relação à gestão democrática,
zação”, analisando condicionantes da gestão da educação, desafios tendo como finalidade a construção de uma sociedade mais humana.
11. enfoque Este artigo tem por objetivo analisar questões fun-
damentais e os novos desafios afetos à gestão escolar, em face
das novas demandas que a escola enfrenta, no contexto de uma
Qual é a questão? sociedade que se democratiza e se transforma. Muitos destes
desafios já se acham reconhecidos conceitualmente embora, em
muitos casos, sejam trabalhados apenas genericamente pela co-
munidade educacional. Sua notoriedade ocorreu principalmen-
te por terem sido propostos pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Tal é o caso da democratização da educa-
ção, já anteriormente estabelecida pela Constituição de 1988.
No entanto, como sua prática é ainda um livro aberto a experi-
ências consistentes, à construção do conhecimento e à aprendi-
Perspectivas da Gestão zagem, e dada a sua centralidade para o desenvolvimento de edu-
cação de qualidade, trataremos, especialmente, dessas questões.
Escolar e Implicações Tendo em vista a complexidade dos processos sociais, suas ex-
pressões estão sujeitas a múltiplos significados e interpretações,
quanto à Formação de seus
cabendo, portanto, explorar tantos quantos forem possíveis, de
modo a alargar e aprofundar o entendimento das mesmas. Não o
devemos fazer, pois, para estabelecer um caráter de comparação
Gestores excludente ou/e de disputa entre outros significados já expres-
sos, mas para configurar novos desdobramentos sobre as ques-
tões. O leitor irá observar em vários artigos apresentados neste
Em Aberto, Brasília, v. 17, n. 72, p. 11-33, fev./jun. 2000.
Em Aberto conceitos como gestão democrática e autonomia da
escola, que são aqui também tratados. O objetivo é o de abrir o
leque do entendimento sobre essas práticas, ao mesmo tempo
que reforçando a análise de certas abordagens. Um novo ângulo,
uma ótica diferente, uma variação conceitual ajudam, por certo,
a fundamentar melhor a compreensão sobre a realidade e os pro-
cessos que a constroem.
São objeto deste artigo a mudança de concepção de
Heloísa Lück escola e implicações quanto à gestão, as limitações do modelo está-
tico de escola e de sua direção; a transição de um modelo estático
Doutora em Educação pela Columbia University, New York; coordenadora
nacional da Rede Nacional de Referência em Gestão Educacional do Conselho
para um paradigma dinâmico; a descentralização, a democratiza-
Nacional de Secretários de Educação (Renageste/Consed); diretora do Centro ção da gestão escolar e a construção da autonomia da escola, e a
de Desenvolvimento Humano Aplicado (Cedhap/Curitiba). formação de gestores escolares. 11
12. Mudança de concepção de escola prol da educação, para o desenvolvimento da sociedade, e por con-
Em Aberto, Brasília, v. 17, n. 72, p. 11-33, fev./jun. 2000.
e implicações quanto à sua gestão seguinte, um grande desafio para os gestores escolares, por exigi- 12
rem deles novas atenções, conhecimentos e habilidades.
Já é lugar comum a afirmação de que vivemos uma épo- São demandadas mudanças urgentes na escola, a fim
ca de mudança. Porém, a mudança mais significativa que se pode re- de que garanta formação competente de seus alunos, de modo que
gistrar é a do modo como vemos a realidade e de como dela participa- sejam capazes de enfrentar criativamente, com empreendedorismo
mos, estabelecendo sua construção. No geral, em toda a sociedade, e espírito crítico, os problemas cada vez mais complexos da socie-
observa-se o desenvolvimento da consciência de que o autoritarismo, dade, conforme indicado na apresentação deste Em Aberto. A edu-
a centralização, a fragmentação, o conservadorismo e a ótica do divi- cação, no contexto escolar, se complexifica e exige esforços redo-
dir para conquistar, do perde-ganha, estão ultrapassados, por condu- brados e maior organização do trabalho educacional, assim como
zirem ao desperdício, ao imobilismo, ao ativismo inconseqüente, à participação da comunidade na realização desse empreendimento,
desresponsabilização por atos e seus resultados e, em última instân- a fim de que possa ser efetiva, já que não basta ao estabelecimento
cia, à estagnação social e ao fracasso de suas instituições. de ensino apenas preparar o aluno para níveis mais elevados de
Essa mudança de paradigma é marcada por uma forte escolaridade, uma vez que o que ele precisa é de aprender para
tendência à adoção de concepções e práticas interativas, compreender a vida, a si mesmo e a sociedade, como condições
participativas e democráticas, caracterizadas por movimentos di- para ações competentes na prática da cidadania. E o ambiente es-
nâmicos e globais, com os quais, para determinar as características colar como um todo deve oferecer-lhe esta experiência.
de produtos e serviços, interagem dirigentes, funcionários e “clien- Educação, portanto, dada sua complexidade e crescente
tes” ou “usuários”, estabelecendo alianças, redes e parcerias, na ampliação, já não é vista como responsabilidade exclusiva da esco-
busca de soluções de problemas e alargamento de horizontes. la. A própria sociedade, embora muitas vezes não tenha bem claro
Em meio a essa mudança, não apenas a escola desen- de que tipo de educação seus jovens necessitam, já não está mais
volve essa consciência, como a própria sociedade cobra que o faça. indiferente ao que ocorre nos estabelecimentos de ensino. Não ape-
Assim é que a escola se encontra, hoje, no centro de atenções da nas exige que a escola seja competente e demonstre ao público essa
sociedade. Isto porque se reconhece que a educação, na sociedade competência, com bons resultados de aprendizagem pelos seus alu-
globalizada e economia centrada no conhecimento, constitui grande nos e bom uso de seus recursos, como também começa a se dispor
valor estratégico para o desenvolvimento de qualquer sociedade, as- a contribuir para a realização desse processo, assim como a decidir
sim como condição importante para a qualidade de vida das pes- sobre os mesmos. São inúmeros os exemplos de parcerias já exis-
soas. Embora esse enfoque não seja plenamente adotado e, quando tentes no contexto nacional entre organizações não-governamen-
levado em consideração, seja orientado, ainda, por um velho e já tais e empresas, com a escola, assim como o bom funcionamento
enfraquecido paradigma orientador da cobrança, em vez de partici- de Associações de Pais e Mestres.
pação, ele tem grande impacto sobre o que acontece na escola, que é Todo esse movimento, alterando o sentido e concep-
hoje, mais do que nunca, bombardeada por demandas sociais das ção de educação, de escola e da relação escola/sociedade, tem en-
mais diversas ordens. Observa-se, também, o interesse de grupos e volvido um esforço especial de gestão, isto é, de organização da
organizações, no sentido de colaborarem com a escola, constituin- escola, assim como de articulação de seu talento, competência e
do-se essa área, um campo fértil para a realização de parcerias em energia humana, de recursos e processos, com vistas à promoção
13. de experiências de formação de seus alunos, capazes de transformá- entidade superior e externa à sociedade, uma supra-entidade, ao
los em cidadãos participativos da sociedade. Trata-se de uma experi- mesmo tempo autoritária e paternalista. A leitura, ao pé da letra da
ência nova, sem parâmetros anteriores para a qual devemos desen- determinação constitucional de que educação é dever do Estado, é
volver sensibilidade, compreensão e habilidades especiais, novos e comumente associada a este entendimento. Segundo ela, portanto,
abertos. Isso porque tudo que dava certo antes está fadado ao fracas- educação é apenas direito da sociedade. Essa dissociação entre direi-
so na nova conjuntura (Drucker, 1992). tos de uns e deveres de outros, ao perpassar a sociedade como um
todo, produz na educação, diretores que não lideram, professores
As limitações do modelo estático de escola que não ensinam, alunos que não aprendem, todos esperando que o
e de sua direção “outro” faça alguma coisa, para resolver os problemas ou dificulda-
des, inclusive os ocupantes de posições no sistema de ensino.
Até bem pouco tempo, o modelo de direção da esco- Segundo essa concepção, adotou-se uma fundamenta-
la, que se observava como hegemônico, era o de diretor tutelado ção teórica de caráter mais normativo, determinada pelo princípio
dos órgãos centrais, sem voz própria, em seu estabelecimento do de certo-errado, completo-incompleto, perfeito-imperfeito. Adotou-
ensino, para determinar os seus destinos e, em conseqüência, se o método de administração científica, orientado pelos princí-
desresponsabilizado dos resultados de suas ações e respectivos pios da racionalidade limitada, da linearidade, da influência
resultados. Seu papel, nesse contexto, era o de guardião e gerente de estabelecida de fora para dentro, do emprego mecanicista de pes-
operações estabelecidas em órgãos centrais. Seu trabalho constituía- soas e recursos para realizar os objetivos organizacionais, da frag-
se, sobretudo, repassar informações, controlar, supervisionar, “dirigir” mentação e redução dos processos educacionais a tarefas exercidas
o fazer escolar, de acordo com as normas propostas pelo sistema de sem vida e sem espírito – nem mesmo, muitas vezes, o pedagógico,
ensino ou pela mantenedora. Era considerado bom diretor quem cum- como é o caso de “corrigir provas”, “dar nota”, dentre outros. Tam-
pria essas obrigações plenamente, de modo a garantir que a escola não bém associada a esta concepção é o entendimento de que o impor-
fugisse ao estabelecido em âmbito central ou em hierarquia superior. tante é fazer o máximo (preocupação com a dimensão quantitativa)
Em Aberto, Brasília, v. 17, n. 72, p. 11-33, fev./jun. 2000.
Cabe lembrar que esse procedimento era possível, uma vez que a cli- e não o de fazer o melhor e o diferente (preocupação qualitativa).
entela escolar era mais homogênea, ante a elitização da educação, em Com esse enfoque, administrar corresponderia a comandar e con-
vista do que, quem não se adequasse ao sistema, era dele banido. A trolar, mediante uma visão objetiva de quem atua sobre a unidade e
expulsão explícita ou sutil de alunos da escola foi uma prática aceita nela intervém de maneira distanciada, até mesmo para manter essa
como natural. O entendimento que sustentava essa homogeneidade objetividade e a própria autoridade, centrada na figura do diretor.
era o de que o participante da escola deve estar disposto a aceitar os Cabral Neto e Almeida, em artigo neste Em Aberto também anali-
modelos de organização estabelecidos e a agir de acordo com eles. sam esta questão.
Portanto, tensões, contradições e conflitos eram eliminados ou abafa- Estes são alguns pressupostos que emergem desse
dos. Os elevadíssimos índices de evasão escolar que marcaram a esco- enfoque sobre a realidade:
la brasileira podem ser também explicados por um esforço no sentido – A realidade é regular, estável e permanente, sendo dada
de manter a homogeneidade da clientela escolar. em caráter absoluto, em vista do que os sistemas de ensino e as organi-
Essa situação está associada ao entendimento limitado zações escolares não se diferenciam significativamente entre si, ca-
de que a escola é responsabilidade do governo, visto este como uma bendo a todos a mesma forma de atuação em suas comunidades. 13
14. – O ambiente de trabalho e comportamento humano implementação de ações, construindo-se, dessa forma, uma cul-
Em Aberto, Brasília, v. 17, n. 72, p. 11-33, fev./jun. 2000.
são previsíveis, podendo ser, em conseqüência, controláveis por tura de determinismo e dependência. 14
normas e regulamentos, que garantiriam uniformidade de ação. Dada, no entanto, a crescente complexidade das organi-
– Incerteza, ambigüidade, tensão, conflito e crise são en- zações e dos processos sociais nelas ocorrentes, caracterizada pela di-
carados como disfunções e como problemas a serem evitados e repri- versificação e pluralidade de interesses que envolvem, e a dinâmica
midos, e não como oportunidades de crescimento e transformação. das interações no embate desses interesses, não se pode conceber se-
– Os sucessos, uma vez alcançados, acumulam-se aos jam elas geridas pelo enfoque limitado da administração científica,
anteriores e mantêm-se por si mesmos, não demandando esforços pelo qual, tanto a organização, como as pessoas atuando em seu inte-
especiais de manutenção e desenvolvimento. rior, eram consideradas como componentes de uma máquina a ser
– A responsabilidade maior do dirigente é a obtenção manejada e controlada de fora para dentro. Também segundo esse
e a garantia de recursos necessários para o bom funcionamento da enfoque, os problemas recorrentes seriam sobretudo encarados como
unidade, sendo a precariedade de recursos considerada como o carência de insumos, em desconsideração à falta de orientação de seu
maior impedimento à realização do seu trabalho. processo e dinamização da energia social necessária para promovê-lo.
– A melhor maneira de administrar é a de fragmentar o
trabalho em funções e tarefas que, para serem bem executadas, de- A transição de um modelo estático para
vem ser atribuídas a diferentes pessoas, que se especializam nelas. um paradigma dinâmico
– A objetividade garante bons resultados, sendo a téc-
nica o elemento fundamental para a melhoria do trabalho. Os sistemas educacionais, como um todo, e os estabele-
– Estratégias e modelos de administração que deram cimentos de ensino, como unidades sociais especiais, são organismos
certo não devem ser mudados, como forma de garantir a continui- vivos e dinâmicos, fazendo parte de um contexto socioeconômico-
dade do sucesso. cultural marcado não só pela pluralidade, como pela controvérsia que
– Os profissionais e usuários das organizações – como vêm, também, a se manifestar na escola; portanto, com tais caracterís-
é o caso do professor e dos alunos – são considerados como partici- ticas devem ser também as escolas entendidas. Ao serem vistas como
pantes cativos das mesmas, em vista do que aceitariam facilmente organizações vivas, caracterizadas por uma rede de relações entre to-
as normas impostas, bastando para isso serem cooptados. dos os elementos que nelas atuam ou interferem direta ou indireta-
– A contrapartida a essa cooptação é o protecionismo a mente, a sua direção demanda um novo enfoque de organização e é a
esses participantes, mediante ações paternalistas e condescendentes. esta necessidade que a gestão escolar procura responder. Ela abrange,
Mediante a orientação por tais pressupostos, resul- portanto, a dinâmica das interações, em decorrência do que o traba-
tou uma hierarquização e verticalização dos sistemas de ensino e lho, como prática social, passa a ser o enfoque orientador da ação de
das escolas, uma desconsideração aos processos sociais neles vi- gestão realizada na organização de ensino.
gentes, a burocratização dos processos, a fragmentação de ações e É possível afirmar que, tendo em vista o momento de
sua individualização e, como conseqüência, a desres- transição entre esses dois enfoques, a escola se defronta muitas
ponsabilização de pessoas em qualquer nível de ação, pelos re- vezes, ainda, com um sistema contraditório em que as forças de
sultados finais. A eles está associada a administração por coman- tutela ainda se fazem presentes, ao mesmo tempo em que os espa-
do e controle, centrada na autoridade e distanciada da ços de abertura são criados, e a escola é instigada a assumir ações
15. para as quais ainda não desenvolveu a competência necessária. – A realidade é dinâmica, sendo construída socialmen-
Portanto, a escola e seus dirigentes se defrontam com a necessida- te, pela forma como as pessoas pensam, agem e interagem.
de de desenvolver novos conhecimentos, habilidades e atitudes para – O ambiente social e comportamento humano são di-
o que não dispõem mais de modelos e sim de concepções. nâmicos e por isso imprevisíveis, podendo ser coordenados e ori-
Um novo paradigma emerge e se desenvolve sobre a entados e não plenamente controlados. O controle cerceia, a orien-
educação, a escola e sua gestão – como, aliás, em todas as áreas de tação impulsiona.
atuação humana: não existe nada mais forte do que uma idéia cujo – Incerteza, ambigüidade, contradições, tensão, con-
tempo chegou, em vista do que se trata de um movimento consis- flito e crise são vistos como elementos naturais de qualquer pro-
tente e sem retorno. E a idéia que perpassa todos os segmentos da cesso social e como condições e oportunidades de crescimento e
sociedade é a que demanda espaços de participação (Lück, 1999) transformação.
associados aos quais estão, inevitavelmente, os esforços de respon- – A busca de realização e sucesso corresponde a um
sabilidade. Há de se dar conta, no contexto da escola, da processo e não a uma meta. Não tem limites e gera novos sucessos
multiculturalidade de nossa sociedade, da importância e riqueza e realizações que devem, no entanto, ser continuamente buscados
dessa diversidade, associados à emergência do poder local e reivin- pela ação empreendedora.
dicação de esforços de participação. – A responsabilidade maior do dirigente é a articula-
Em decorrência da situação exposta, muda a funda- ção sinérgica do talento, competência e energia humana, pela
mentação teórico-metodológica necessária para a orientação e com- mobilização contínua para promover uma cultura organizacional
preensão do trabalho da direção da escola, que passa a ser entendi- orientada para resultados e desenvolvimento.
do como um processo de equipe, associado a uma ampla demanda – Boas experiências realizadas em outros contextos
social por participação. servem apenas como referência e não como modelos, não podendo
Esse paradigma é marcado, sobretudo, por uma mu- ser transferidas, tendo em vista a peculiaridade de cada ambiente
dança de consciência a respeito da realidade e da relação das pes- organizacional.
Em Aberto, Brasília, v. 17, n. 72, p. 11-33, fev./jun. 2000.
soas na mesma – se assim não fosse, seria apenas uma mudança de – As organizações têm vida, desenvolvendo e realizan-
modelos. Essa mudança de consciência está associada à substitui- do seus objetivos, apenas mediante a participação conjunta de seus
ção do enfoque de administração, pelo de gestão. Cabe ressaltar profissionais e usuários, de modo sinérgico.
que não se trata de simples mudança terminológica e sim de uma – A melhor maneira de realizar a gestão de uma orga-
fundamental alteração de atitude e orientação conceitual. Portan- nização é a de estabelecer a sinergia, mediante a formação de equi-
to, sua prática é promotora de transformações de relações de poder, pe atuante, levando em consideração o seu ambiente cultural.
de práticas e da organização escolar em si, e não de inovações, como – O talento e energia humanos associados são os me-
costumava acontecer com a administração científica. lhores e mais poderosos recursos para mover uma organização e
Esse novo paradigma é fundamentado pelos seguintes transformá-la.
pressupostos: A partir de tais pressupostos, emerge o entendimento
– A realidade é global, sendo que tudo está relaciona- de que professores, equipe técnico-pedagógica, funcionários, alu-
do a tudo, direta ou indiretamente, estabelecendo uma rede de fa- nos, pais, comunidade, todos, não apenas fazem parte do ambiente
tos, circunstâncias e situações, intimamente interligadas. cultural, mas o formam e constroem, pelo seu modo de agir, em 15
16. vista do que, de sua interação dependem a identidade da escola na conjunto todo da escola e seu papel educacional, não apenas ime-
Em Aberto, Brasília, v. 17, n. 72, p. 11-33, fev./jun. 2000.
comunidade, o seu papel na mesma e os seus resultados. A mudan- diato, mas de repercussão no futuro, em acordo com visão estra- 16
ça de consciência implica o reconhecimento desse fator pelos par- tégica e com amplas políticas educacionais. Implica ter uma visão
ticipantes do processo escolar, de sua compreensão ao seu papel da escola inserida em sua comunidade, a médio e longo prazo,
em relação ao todo, uma vez que, como lembra Peter Senge (1993, com horizontes largos.
p. 29), “quando os membros de uma organização concentram-se É no contexto desse entendimento, que emerge o con-
apenas em sua função, eles não se sentem responsáveis pelos re- ceito de gestão escolar, que ultrapassa o de administração escolar,
sultados”. E essa percepção setorizada tem sido a responsável pelo por abranger uma série de concepções não abarcadas por este outro,
fracionamento e dissociação das ações escolares e conseqüente di- podendo-se citar a democratização do processo de construção social
luição do seu trabalho e dos seus efeitos. Todos estão lembrados da escola e realização de seu trabalho, mediante a organização de
dos esforços despendidos por inúmeros sistemas de ensino, no sen- seu projeto político-pedagógico, o compartilhamento do poder reali-
tido de definir e delimitar papéis e funções de profissionais da es- zado pela tomada de decisões de forma coletiva, a compreensão da
cola, em vez de descrever suas responsabilidades por resultados. questão dinâmica e conflitiva e contraditória das relações
Segundo este novo paradigma, entende-se que os pro- interpessoais da organização, o entendimento dessa organização como
blemas são globais e complexos, em vista do que ações locais e uma entidade viva e dinâmica, demandando uma atuação especial
tópicas, em desconsideração ao conjunto de que fazem parte, são de liderança e articulação, a compreensão de que a mudança de pro-
ações inconseqüentes, no sentido de transformar a escola e mover cessos educacionais envolve mudanças nas relações sociais prati-
sua prática social voltada para o desenvolvimento. Em decorrên- cadas na escola e nos sistemas de ensino.
cia, a qualidade da educação não poderia mais ser promovida pelo É a partir dessas questões que conceitos como
enfoque administrativo, pelo qual se garantiriam recursos e se pro- descentralização, democratização e autonomia da escola se tornam
moveriam ações concentradas em determinados focos prioritários não apenas importantes, mas imprescindíveis. Cabe, portanto,
e isolados, na expectativa de que viessem a repercutir no conjunto. estudá-los e compreendê-los. No artigo de Cabral Neto e Almeida,
Portanto, tal entendimento implicaria a realização de ações con- neste Em Aberto, a questão da descentralização é analisada no con-
juntas, para as quais todos os participantes do contexto escolar de- texto de reforma do Estado, assim como em sua aplicação no Rio
veriam concorrer (Lück, 1996). Grande do Norte. O que se apresenta a seguir é, portanto, um outro
Em acordo com esses pressupostos, um diretor de es- desdobramento sobre a questão.
cola é um gestor da dinâmica social, um mobilizador e orquestrador
de atores, um articulador da diversidade para dar-lhe unidade e A descentralização, a democratização
consistência, na construção do ambiente educacional e promoção da gestão escolar e a construção
segura da formação de seus alunos. Para tanto, em seu trabalho, da sua autonomia da escola
presta atenção a cada evento, circunstância e ato, como parte de
um conjunto de eventos, circunstâncias e atos, considerando-os Como paradigma, é uma visão de mundo que permeia
globalmente, de modo interativo e dinâmico. Tal atitude garante a todas as dimensões da ação humana, não se circunscreve a esta ou
possibilidade de que “pense grande e aja no pequeno” (Klink, àquela área, a este ou àquele nível de operação. A realidade atua
1993), isto é, que em suas ações localizadas tenha em mente o como um conjunto de peças de dominó colocadas em pé, lado a
17. lado: ao se empurrar uma, todas as demais irão caindo subseqüen- é porque o mundo passa por mudanças muito rápidas. Na
temente. Essa situação ilustra a compreensão da realidade como verdade, a globalização coloca cada dia um dado novo, cada
um sistema, daí por que todos os conceitos seriam inter-relaciona- dia, uma coisa nova. Há necessidade de adaptação e de cons-
dos. Mais do que isso ocorre, uma vez que um conceito está, de tante revisão do que está acontecendo. Então, isso gera a
fato, inserido no outro. necessidade de que o poder decisório esteja exatamente onde
Muito embora as concepções de descentralização, de- a coisa acontece. Porque, até que ele chegue aonde é neces-
mocratização da gestão escolar e autonomia da escola sejam parte de sário, já houve a mudança, as coisas estão diferentes, e aí
um mesmo corolário, encontramos certos sistemas que buscam o aquela decisão já não tem mais sentido.
desenvolvimento da democratização da gestão escolar, sem pensar
na autonomia do estabelecimento de ensino e sem descentralizar O movimento de descentralização em educação é in-
poder para a mesma. Ou que pensam em construir sua autonomia, ternacional (Bullock, Thomas, 1997; Fiske, 1996a, 1996b) e está
sem agir no sentido de criar mecanismos sólidos de sua democrati- relacionado com o entendimento de que apenas localmente é pos-
zação, em vista do que, paradoxalmente, se pode criar a autonomia sível promover a gestão da escola e do processo educacional pelo
do autoritarismo local. Por outro lado, ainda, observa-se o esforço de qual é responsável, tendo em vista que, sendo a escola uma organi-
alguns sistemas de ensino, no sentido de desenvolver nas escolas os zação social e o processo educacional que promove, altamente di-
conceitos de democratização e autonomia, de modo centralizado, o nâmico, qualquer esforço centralizado e distante estaria fadado ao
que implica uma contradição paradigmática muito comum, que faz fracasso, como de fato, tem-se verificado. Também, é sobretudo como
com que os esforços se anulem. Isso porque é comum a prática de se reconhecimento da força dos movimentos democráticos, como con-
incentivar a promoção de mudanças de cima para baixo, na hierar- dição de transformação e desenvolvimento social.
quia funcional, de modo que a mudança pretendida é proposta para É preciso reconhecer que a descentralização tem sido
a escola, não sendo absorvida e praticada por quem a propõe. Em praticada tendo como pano de fundo não apenas essa perspecti-
vista disso, sendo implantada linearmente e contrariamente ao seu va de democratização da sociedade, mas também a de promover
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espírito e propósitos estabelecidos (Lück, 1985). melhor gestão de processos e recursos e, ainda, como condição
Em conseqüência, é possível identificar certa diversi- de aliviar os organismos centrais que se tornam sobrecarregados
dade de orientações e expressões que manifestam graus de intensi- com o crescimento exponencial do sistema educativo e a com-
dade diferentes em relação ao seguimento dos paradigmas. Isso plexidade das situações geradas, que inviabilizam o controle cen-
porque o grau de maturidade de diferentes grupos e segmentos va- tral (Barroso, 1997).
ria. É em função disso que podemos afirmar que vivemos em uma Quando se observa que alguns sistemas de ensino des-
condição de transição entre um paradigma e outro, de que resul- centralizam, centralizando, isto é, dando um espaço com uma mão,
tam algumas tensões e contradições próprias do processo. ao mesmo tempo que tirando outro espaço, com outra, pode-se con-
cluir que o princípio que adotam não é o da democratização, mas o
O processo de descentralização de maior racionalidade no emprego de recursos e o de busca de
maior rapidez na solução dos problemas. Nesse caso, não se pre-
Por que hoje há tendência à descentralização? Confor- tende o estabelecimento de mudanças significativas nas relações
me Ana Luiza Machado (1999, p. 86), entre sistema e escola, escola e comunidade, dirigentes e professo- 17
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res, professores e alunos – mudanças estas que deveriam estar vol- ra escolar não está criada e estabelecida para fazê-lo, adequadamen-
tadas para o compartilhamento de decisões (Fiske, 1996a). Nesse te, centralizam-se ações no sentido de criar mecanismos de influên- 18
caso, pretende-se, tão-somente, estabelecer maior controle sobre a cia sobre a escola para fazê-lo e prestar contas do processo. Barroso
escola, ao mesmo tempo sobrecarregando-a com mais trabalho e (1997, p. 11) afirmou que “O Estado devolve (para as escolas) as
maior responsabilidade. táticas, mas conserva as estratégias, ao mesmo tempo que substitui
Coordenadores estaduais da Rede Nacional de Referên- um controle direto, centrado no respeito das normas e dos regula-
cia em Gestão Educacional, do Conselho Nacional de Secretários de mentos, por um controle remoto, baseado nos resultados.”
Educação (Renageste/Consed), reunidos em Brasília, em setembro A descentralização da educação é, por certo, um pro-
de 1997, identificaram que, para ser plena, a democratização da es- cesso extremamente complexo e, quando se considera o caso do
cola deveria passar pela democratização da educação, isto é, do sis- Brasil, a questão se complexifica ainda mais, por tratar-se de um
tema de ensino como um todo, envolvendo os níveis superiores de País continente, com diversidades regionais muito grandes, com
gestão, que deveriam, também, sofrer o processo de gestão democrá- distâncias imensas que caracterizam, também, grande dificuldade
tica, mediante a participação da comunidade e de representantes de comunicação, apesar de vivermos na era da comunicação mun-
das escolas na determinação das decisões que são tomadas nesse dial em tempo real. Em vista disso, só se pode pensá-la em termos
âmbito. Somente mediante uma tal prática é que seria possível reali- graduais e processuais, mediante conquistas sucessivas. Cabe aqui
zar a verdadeira descentralização proposta. Em pesquisa realizada aplicar os princípios da participação propostos por Pedro Demo
no Paraná, sobre a implantação de políticas educacionais e implica- (1988), no sentido de que participação é conquista.
ções quanto a sua gestão (Lück, Schneckenberg, Durli, 1999) foi iden- Desse modo, “a descentralização educacional não é
tificado o anseio de diferentes grupos de interesse, na determinação um processo homogêneo e praticado com uma única direção. Ela
dessas políticas, e a sua frustração por falta desse espaço. Essa práti- responde à lógica da organização federativa” (Parente, Lück, 1999,
ca implica redefinição dos papéis do Estado, em associação com os p. 7). Como se trata de um processo que se refere à transferência
da escola e da comunidade, em relação a esta instituição e seu traba- de competências para outros níveis de governo e de gestão, do
lho educacional, mediante o estabelecimento do princípio de co- poder de decisão sobre os seus próprios processos sociais e os
responsabilidade pelo mesmo. Essa redefinição seria acompanhada recursos necessários para sua efetivação, implica existência ou
de um movimento de desburocratização, uma vez que a existência construção de competência para tanto, daí porque a impossibili-
ou fortalecimento da burocracia estão associados à centralização. dade da homogeneidade apontada. O nível de maturidade associ-
De qualquer modo, esse processo, como todo movi- ada à competência dos grupos sociais é fator substancial na deter-
mento social, é sujeito a contradições. A contradição evidenciada na minação da amplitude do processo.
educação brasileira não invalida, portanto, o movimento, apenas re- É em decorrência de tal situação que, em muitos ca-
gistra um aspecto natural do mesmo. Conforme indicado por Bullock sos, pratica-se muito mais a desconcentração, do que propriamente
e Thomas (1997), em seu estudo sobre descentralização, esta se pro- a descentralização, isto é, realiza-se a delegação regulamentada da
cessa simultaneamente com um movimento de centralização, isto é, autoridade, tutelada ainda pelo poder central, mediante o estabele-
enquanto se descentralizam certas coisas, centralizam-se outras. É cimento de diretrizes e normas centrais, controle na prestação de
importante registrar que o que comumente se descentralizam são contas e a subordinação administrativa das unidades escolares aos
recursos e espaços para a tomada de decisão, mas que, como a cultu- poderes centrais, em vez de delegação de poderes de auto-gestão e
19. autodeterminação na gestão dos processos necessários para a reali- ação dinâmica de implantação de política social, visando estabele-
zação das políticas educacionais. Segundo Florestal e Cooper (1997, cer, conforme indicado por Malpica (1994), mudanças nas relações
p. 32), “desconcentração é ato de conferir autoridade a um agente entre o sistema central, pela redistribuição de poder, passando, em
situado em um nível inferior na mesma hierarquia e localizado mais conseqüência, as ações centrais, de comando e controle, para coor-
próximo dos usuários do serviço, com o entendimento de que esses denação e orientação (descentralização política); pela abertura à
agentes mantêm-se sob o controle hierárquico do governo central.” autodeterminação no estabelecimento de processos e mecanismos
Nesse caso, não ocorrem a reorganização e redefinição funcional de gestão do cotidiano escolar, de seus recursos e de suas relações
do aparelho de Estado, conforme indicado por Barroso (1997), nem com a comunidade (gestão administrativa e financeira). Ainda, con-
a delegação de poderes de autogestão e autodeterminação, na ges- forme apontado por Parente e Lück (1999), conduz a escola à cons-
tão dos processos necessários para realização das políticas educa- trução de sua identidade institucional, constituída pela formação
cionais – estas, determinadas no centro, mas mesmo assim, ouvin- da capacidade organizacional para elaborar seu projeto educacio-
do a sociedade e com participação de seus vários segmentos. nal (descentralização pedagógica), mediante a gestão compartilha-
A desconcentração, pois, parece ser mais o caso pratica- da e a gestão direta de recursos necessários à manutenção do ensi-
do no Brasil, em nome da descentralização, estando, no entanto, esse no. Portanto, construindo sua autonomia.
movimento se conduzindo para uma descentralização mais plena.
Conforme, ainda, apontado por Parente e Lück A autonomia da escola
(1999, p. 13),
Em associação à descentralização, a autonomia da es-
o que vem ocorrendo na prática educacional brasileira (...) cola é dos conceitos mais mencionados nos programas de gestão pro-
é o deslocamento do processo decisório, do centro do sis- movidos pelos sistemas estaduais de ensino, como também em pro-
tema, para os níveis executivos mais próximos aos seus gramas do Ministério de Educação, uma vez que neles está presente,
usuários, ou seja, a descentralização do governo federal como condição para realizar o princípio constitucional de democra-
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para as instâncias subnacionais, onde a União deixa de tização da gestão escolar. Isto porque a autonomia de gestão da esco-
executar diretamente programas educacionais e estabele- la, a existência de recursos sob controle local, junto com a liderança
ce e reforça suas relações com os Estados e os municípios, pelo diretor e participação da comunidade, são considerados os qua-
chegando até ao âmbito da unidade escolar. Da mesma for- tro pilares sobre os quais se assentam a eficácia escolar.
ma, os sistemas estaduais vêm adotando política similar, O conceito de autonomia da escola está relacionado com
ou seja, transferem recursos e responsabilidades com a oferta tendências mundiais de globalização e mudança de paradigma que
de serviços educacionais, tanto para o município, quanto têm repercussões significativas nas concepções de gestão educacio-
diretamente para a escola nal e nas ações dela decorrentes. Descentralização do poder, demo-
cratização do ensino, instituição de parcerias, flexibilização de ex-
A municipalização do ensino e a escolarização da me- periências, mobilização social pela educação, sistema de cooperati-
renda são práticas bem-sucedidas, nesse sentido. vas, interdisciplinaridade na solução de problemas são estes alguns
A descentralização é, pois, um processo que se deli- dos conceitos relacionados com essa mudança. Entende-se, nesse
neia, à medida que vai sendo praticado, constituindo, portanto, uma conjunto de concepções, como fundamental, a mobilização de 19