2. Platão
Platão constrói, na sua metafísica, uma determinada estrutura
do mundo que tem consequências na teoria do conhecimento.
A sua doutrina fundamental é a teoria do mundo das ideias,
que se traduz numa desvalorização do mundo sensível onde
vivemos por considerar que ele não é o verdadeiro, o real,
mas um mundo de aparências, de sombras, de reflexos da
verdadeira realidade. Emprega os termos mimese ou
participação para tentar definir a relação mundo sensível /
mundo do verdadeiro real. Este não é sensível, mas inteligível,
pois é o mundo das essências, dos arquétipos ideais. Há no
mundo do verdadeiro real uma determinada hierarquia, não
possuindo todas as ideias a mesma perfeição. Porém, todas
elas convergem para a ideia de Bem e de Belo.
3. Platão
• Platão distingue sempre o Bem e o Belo, mas
afirma que eles são indissociáveis: o Belo não
é mais do que uma manifestação do Bem.
• O espírito humano vive no mundo sensível,
mas pela sua própria natureza espiritual tem
origem no mundo inteligível, participa dele.
No entanto, o espírito vive encerrado na
matéria, no mundo das sombras e a
reminiscência é a marca que temos de ter
pertencido ao mundo dos arquétipos.
4. Platão
Sendo o Belo a manifestação do Bem, um
reflexo de algo bom, toda a sedução exercida
pela beleza é um caminho que toma a direção
do Bem. Essa aspiração da beleza é o Amor, que
vai ser elevado, em Platão. Deixa de ser um
simples traço afetivo ou uma apetência sexual
para se transformar no instrumento por
excelência da elevação do homem. O Amor é um
caminho para a participação do homem no
mundo dos arquétipos.
5. Platão
Para Platão, o Amor é algo que não é
verdadeiramente o arquétipo, mas que não está
decaído no mundo sensível. É um estado
intermédio e um meio imprescindível para o
homem iniciar o seu processo de ascensão.
O Banquete é o diálogo platónico que mais
testemunha a doutrina do autor sobre o amor.
Mas a dicotomia mundo sensível vs. mundo
inteligível está presente, sobretudo, na passo da
alegoria da caverna, que a seguir se transcreve:
6. Alegoria da Caverna
Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de
caverna, tendo a toda largura uma entrada aberta à luz;
esses homens estão aí desde a infância, de pernas e
pescoço acorrentados, de modo que não podem mexer‐se
nem ver senão o que está diante deles, dado que a cadeia
os impede de voltar a cabeça; a luz chega‐lhes de uma
fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles;
entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada alta;
imagina que e ao longo dessa estrada está construído um
pequeno muro, semelhante às divisórias que os
apresentadores de títeres armam diante de si e por cima
das quais exibem as suas maravilhas.
— Estou a ver — disse ele.
— Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens
que transportam objectos de toda a espécie, que
transpõem o muro, e estatuetas de homens e animais, de
pedra, madeira e toda a espécie de matéria; naturalmente,
entre esses transportadores, uns falam e os outros calam‐
se.
— Um quadro estranho e estranhos prisioneiros —
comentou.
— Assemelham‐se a nós — respondi. — E, para começar,
achas que, numa tal situação, eles tenham alguma vez
visto, de si mesmos e dos seus companheiros, mais do que
as sombras projectadas pelo fogo na parede da caverna
que lhes fica defronte?
— E como — observou —, se são obrigados a ficar de
cabeça imóvel durante toda a vida?
— E com as coisas que desfilam, não se passa o mesmo?
— Sem dúvida.
— Portanto, se pudessem comunicar uns com os outros,
não achas que tomariam por objectos reais as sombras
que veriam?
— É possível.
— E, se a parede do fundo da prisão provocasse eco,
sempre que um dos transportadores falasse, julgariam
ouvir outra coisa que não fosse a sombra que passasse
diante deles?
— Não, por Zeus! — exclamou.
— Forçosamente — prossegui — tais homens não
atribuirão realidade senão às sombras dos objectos
fabricados.
— Agora, meu caro Gláucon — prossegui —, é preciso
aplicar, ponto por ponto, esta imagem ao que dissemos
atrás, comparar o mundo que nos descobre a vista com a
vida da prisão e a luz do fogo que a ilumina com a força
do Sol. Quanto à subida à região superior e à
contemplação dos seus objectos, se a considerares como
a ascensão da alma para a mansão inteligível, não te
enganarás quanto à minha ideia, visto que também tu
desejas conhecê‐la. Só Deus sabe se ela é verdadeira.
Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo
inteligível, a ideia do bem é a última a ser apreendida, e
com dificuldade, mas não se pode apreendê‐la sem
concluir que é a causa de tudo o que de recto e belo
existe em todas as coisas; no mundo visível, ela
engendrou a luz e o soberano da luz; no mundo
inteligível é ela que é soberana e dispensa a verdade e a
inteligência; e é preciso vê‐la para se comportar com
sabedoria na vida privada e na vida pública.
(Platão 1975: 229‐232)
7. Platão e o neoplatonismo
Na alegoria da caverna platónica, as almas viviam primeiro na
esfera inteligível, na contemplação das realidades perfeitas, das
realidades ideais. Por qualquer queda/pecado, caíram na esfera
sensível e ficaram submetidas ao corpo, apreendendo apenas as
sombras projetadas na caverna onde estão encerradas, ou seja,
apreendendo apenas as realidades que os sentidos captam.
Porém, as almas não perderam por completo a memória do seu
primeiro estado de clara visão racional. Assim, pelo esforço da
reminiscência e pelo caminho dialético, podem chegar a captar
para além das sombras sensíveis as realidades inteligíveis que
nelas se projetam. Na verdade, as almas podem efetuar a
ascensão da esfera sensível para a esfera inteligível, da sombra
para o real, da particular projeção da ideia de beleza sobre o
objeto amado para a sua cada vez mais geral projeção sobre
todos os corpos belos.
8. Platão e o neoplatonismo
As marcas do pensamento de Platão na filosofia neoplatónica no Renascimento
manifestam‐se:
• Na veia literária, pela difusão das doutrinas do amor divulgadas por Marsilio Ficino
e que encontramos, por exemplo, em Camões lírico (e.g.: “Transforma‐se o
amador na cousa amada”‐ Camões 1973: 126).
• Por intermédio da corrente cristã (neoplatonismo cristão), na linha de Santo
Agostinho. Este assimila os princípios de Platão que adapta às doutrinas do
Cristianismo, ideário que vem a repercutir‐se também em Camões (“Sôbolos rios”‐
Idem, 105‐114) e nos escritores espirituais como Frei Heitor Pinto.
Para Platão e, na sua peugada, para neoplatónicos renascentistas, o Amor é erotismo,
iluminação cognitiva e sublimação moral; prazer sensual e processo iniciático
ascensional do Homem.
O processo ascensional do homem pode ser graficamente expresso em três
momentos:
feritas humanistas divinitas
10. Referências Bibliográficas
• CAMÕES, Luís de (1973): Rimas. (Texto estabelecido e
prefaciado por Álvaro Júlio da Costa Pimpão). Coimbra:
Atlântida (Reeditado em 1994, com nota de apresentação
de Aníbal Pinto de Castro).
• PLATÃO(1975): República. Lisboa: Livros de Bolso Europa‐
América.
• SOARES, Maria Luísa de Castro (2007): Do Renascimento
à sua questionação. Sá de Miranda, Vol. I, Nº 71. Vila Real:
UTAD, maxime pp. 51‐56.
• SOARES, Maria Luísa de Castro (2013): Do Renascimento
à sua questionação. Camões lírico e Frei Agostinho da Cruz,
Vol. II, Nº 93. Vila Real: UTAD.