Consideracoes Sobre As Despesas Com Vale Refeicao Ou Auxilio Alimentacao Previsto Na Lrf
1. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS DESPESAS COM ‘VALE-REFEIÇÃO’
OU ‘AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO’ DOS SERVIDORES PÚBLICOS E O
MONTANTE TOTAL DE GASTO COM PESSOAL, PREVISTO NO
ARTIGO 18 DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL.
A Lei Complementar n. 101, de 04 de maio de 2000, Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF), regulamenta vários dispositivos
constitucionais, especialmente os artigos 163, 165, 168 e 169, disciplinando
exaustivamente as finanças públicas em todos os níveis da federação, em
ordem a consolidar, num único instrumento, normas esparsas existentes no
ordenamento, para além de inová-lo pontualmente.
Com espeque no art. 169 da Constituição, os artigos 18 a
23 da LRF versam matéria relacionada a “despesas de pessoal”, ponto que tem
suscitado sem-número de polêmicas e dificuldades de aplicação e sobre o qual
tivemos a oportunidade de produzir os trabalhos “Lei de Responsabilidade
Fiscal terceirização de mão-de-obra no serviço público”1 e “Lei de
Responsabilidade Fiscal e medidas para a redução das despesas de pessoal:
perspectivas de respeito ao direito dos funcionários públicos estáveis.”2
A fim de fomentar e acalorar a discussão, decidimos
esclarecer (ou obscurecer), uma questão que nos foi informalmente colocada
por técnicos do Tribunal de Contas do Estado da Bahia, a propósito da
inclusão ou exclusão no montante da despesa total com pessoal, dos
valores pagos a título de vale-refeição ou auxílio-alimentação aos
servidores públicos em geral.
Consoante dispõe o artigo 18 da LRF, entende-se como
despesa total com pessoal: o somatório dos gastos do ente da Federação
(respectivos Poderes e órgãos, autarquias, fundações e empresas estatais
dependentes) com os servidores ativos (funcionários, empregados e
contratados temporariamente), aposentados e pensionistas, relativos a
mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos civis, militares e de membros
de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e
vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e
1
Consultá-lo na Revista Jurídica – Administração Municipal, março/2001 e no Boletim Fórum
Administrativo, maio/2001.
2
Consultá-lo na obra coletiva Aspectos Relevantes da Lei de Responsabilidade Fiscal, publicada pela editora
Dialética, São Paulo, 2001.
2. 2
pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais
de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas
pelo ente às entidades de previdência.
O tratamento dado às despesas de pessoal pelo legislador é
genérico, compreendendo todos os valores de índole remuneratória ( e
somente estes) pagos pelo ente federativo a seus agentes civis e militares em
atividade, aposentados e pensionistas, bem como os encargos sociais e
contribuições recolhidas às entidades de previdência na condição de
empregador.
Note-se que as despesas de custeio com natureza
indenizatória não são computadas para fins de obtenção do montante
global da despesa de pessoal.
Portanto, saber se os valores revertidos aos servidores a
título de vale-refeição ou auxílio-alimentação integram o montante da
despesa total com pessoal, demanda estudo acerca da natureza jurídica do
benefício. Com efeito, tratando-se de parcela com natureza remuneratória
integrará o montante, do contrário, isto é, tratando-se de parcela com natureza
indenizatória,. excluir-se-á dele.
Nas diversas obras sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal
a questão permanece intrincada3, valendo registrar duas posições antagônicas
colhidas na literatura:
“Também entram no cômputo das despesas (de pessoal)
vale-refeição, vale-transporte e salário família.”4
“As (despesas) de caráter indenizatório, tais como
diárias, ajuda de custo, vale-alimentação não integram,
na nossa opinião, a base de cálculo da despesa total
com pessoal.” 5
3
Cf. MOTA, Carlos Pinto Coelho. FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Responsabilidade Fiscal, 2. ed. Belo
Horizonte: Del Rey, 2001; MOURA CASTRO. Flávio Régis Xavier (Coord.). Lei de Responsabilidade
Fiscal: abordagens pontuais, Belo Horizonte: Del Rey, 2000; FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby.
Responsabilidade Fiscal. Brasília: Brasília Jurídica, 2001; MARTINS, Ives Gandra da Silva.
NASCIMENTO. Carlos Valder do (Coord.).Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal, São Paulo:
Saraiva, 2001; CORREA, Arícia Fernandes. FLAMMARION, Eliana Pulcinelli. VALLE, Vanice Regina
Lírio. Despesas de Pessoal: a chave da gestão fiscal responsável – Teoria e Prática, Rio de Janeiro: Forense,
2001; OLIVEIRA, Régis Fernandes. Responsabilidade Fiscal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
4
FIGUEIREDO, Carlos Maurício Cabral et. alli. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal, Recife:
Nossa Livraria, 2000, p. 125. (parêntesis acrescido).
5
CRUZ, Flávio (Coord.). Lei de Responsabilidade Fiscal, São Paulo: Atlas, 2000. p. 72. (parêntesis
acrescido)
3. 3
Infere-se que o primeiro posicionamento defende o caráter
remuneratório do vale-refeição, ao passo que o segundo defere-lhe o caráter
indenizatório. As repercussões são diversas.
Sem embargo das opiniões externadas, urge melhor
sedimentar, num ou noutro caminho, buscando fundamentos convincentes, o
entendimento que se nos parece mais adequado.
A jurisprudência trabalhista a respeito dos vales para
refeição consolidou-se no Enunciado n. 241 do TST, que veio a lume pela
Resolução n. 15/1985, publicada no DJ de 09-12-1985, verbis:
“O vale para refeição, fornecido por força do contrato
de trabalho, tem caráter salarial, integrando a
remuneração do empregado, para todos os efeitos
legais.”
Como se vê, para a relação contratual trabalhista o
entendimento jurisprudencial é no sentido de que o vale para refeição tem
caráter salarial, integrando, para todos os efeitos, o salário (remuneração) do
empregado. Em outras palavras, na relação regida pela legislação trabalhista, o
vale refeição tem natureza remuneratória. Os valores pagos a tal título aos
empregados públicos da Administração Direta, autarquias, fundações e
empresas dependentes, integram o montante do gasto com pessoal
previsto no artigo 18 da LRF.
É diverso o raciocínio quando se está diante da relação
entre a Administração e o servidor público estatutário. O Supremo Tribunal
Federal, em diversas ocasiões, tem-se manifestado sobre o caráter
indenizatório do vale-refeição atribuído aos servidores públicos, notadamente
para fins de considerá-lo não extensível aos inativos (aposentados e
pensionistas), diante da paridade estipendial que se lhes é garantida pelo artigo
40, § 8º (antigo § 4º) da Constituição. No repertório do Pretório Excelso
colhe-se ementa que resume o entendimento e cita precedentes, verbis:
“Auxílio Alimentação.
Esta Corte tem entendido que o direito ao vale ou
auxílio–alimentação não se estende aos inativos por
força do § 4º do artigo 40 da Constituição Federal,
porquanto se trata, em verdade, de verba indenizatória
4. 4
destinada a cobrir os custos de refeição devida
exclusivamente ao servidor que se encontrar no
exercício de suas funções, não se incorporando à
remuneração nem aos proventos de aposentadoria
(assim, a título de exemplificativo, nos RREE 220.713,
220.048, 228237.362 e 227.036.).”
(STF, RE 281015/RS, v. u., rel. Min. Moreira Alves, DJ
de 09/02/01, p. 00039.)
Como se vê, o STF tem jurisprudência firme no sentido de
que o vale-alimentação dos servidores públicos estatutários tem caráter
indenizatório, não devendo ser incorporando nas respectivas remunerações.
Dessa sorte, a parcela deferida a tal título aos estatutários está excluída
do cômputo do montante das despesas de pessoal, porquanto não se trata
de vantagem com caráter remuneratório.
Em síntese, somente integrarão o montante da despesa total
de pessoal do ente federativo (artigo 18 da LRF) os valores pagos a título de
vale-refeição ou auxílio-alimentação aos empregados públicos, cuja relação
com a Administração subsume-se à legislação trabalhista (Enunciado 241 do
TST). As parcelas pagas a tal título aos servidores públicos estatutários,
consoante reiterada jurisprudência da Suprema Corte, tem índole
indenizatória, excluindo-se do montante total da despesas com pessoal.
Belo Horizonte, 30 de abril de 2001.
Luciano de Araújo Ferraz
OAB/MG 64.572
Advogado em Belo Horizonte.
Assessor do Tribunal de Contas de Minas Gerais.
Mestre e Doutorando em Direito Administrativo pela UFMG.
Professor da PUC/MG.