O documento discute o crescente investimento em cultura em Joinville, Brasil. A cultura agora é vista como uma alternativa socioeconômica importante e recebe fundos para equipamentos, eventos e profissionais. Isso está gerando empregos e renda e elevando a qualidade de vida. Exemplos incluem o Centreventos Cau Hansen, o Complexo Cultural da Antarctica, museus renovados e o planejamento de um teatro e orquestra nova.
Cultura entra como alternativa socioeconômica em Joinville
1. J o i n v i l l e Sexta f e i r a , 9 d e M a r ç o d e 2 0 0 1 Santa Catarina Brasil
ANotícia Cultura entra, enfim, Leia também
na ordem do dia
Pouco valorizada no passado, a atividade ganha status
de alternativa socio econômica para a cidade
Joinville 150 anos cultura nunca esteve tão presente nos planos da comunidade
Economia, turismo,
população
A joinvilense. Eleita como alternativa socio econômica para a cidade,
vem recebendo investimentos em equipamentos, eventos e
Aos 150 anos, Joinville é Peça antiga do acervo do Museu de Sambaqui, que
profissionais. Os resultados práticos já são percebidos. É uma política
uma cidade de futuro. evidencia a existência de civilização anterior aos
População cresce 2,4% ao
capaz de provocar reações contraditórias, como entusiasmo e ceticismo,
europeus na região
ano, segundo Ibge. cautela e euforia, elogios e críticas. Enfim, está acompanhada de toda Foto: Divulgação
Sobram motivos para visitar controvérsia que lhe é de direito e por que não? fundamental.
o município.
Aeroporto caminha para a
No âmbito da administração pública, buscase subverter a idéia de que
modernização. cultura é mera perfumaria. Com o pragmatismo dos negociantes, o Um olhar em direção às brumas
investimento em cultura tem por objetivo gerar emprego e renda, qualidade do passado
Serviço social, técnica e de vida. Enfim, a idéia é dar ao palco um papel parecido ao que
educação até agora se deu ao chão de fábrica, desempenhado com maestria, como
Joinville também se se sabe. O que se pretende é atingir marcas culturais que alcancem a
Museus guardam a memória dos 150
sobressai na solidariedade. projeção de uma Consul, Tupy, Tigre ou Docol. anos da cidade, mas retrocedem ainda
Cozinha comunitária é
receita que deu certo. Os indícios do futuro promissor são fortes. No rastro da fama do Festival de mais no tempo
Aposta na indústria do Dança, criado por Albertina Tuma, foi construído o Centreventos Cau
entretenimento. Hansen, o que possibilitou a profissionalização do evento, a vinda de
Novo modelo de educação
Os oito museus da cidade, juntamente com o
estimula o aprendizado. grandes espetáculos e a inauguração da Escola de Balé Bolshoi. Por outro Arquivo Histórico e o Cemitério dos Imigrantes,
Faculdade Cenecista é a lado, o Complexo Cultural da Antarctica pretende ser o espaço que faltava formam importante conjunto cultural. O Museu de
mais jovem. às artes plásticas, abrigando grandes exposições e criando um novo
Matrículas crescem 62%
Arte de Joinville (MAJ) possui um rico acervo de
desde 1996 na Univille. momento para esta que já foi a vertente mais proeminente das artes locais. artistas como Flávio de Carvalho, Glauco
Centros de tecnologia No setor de patrimônio histórico, destacamse o Museu Nacional da Rodrigues, Rebolo, Tarsila do Amaral, Juarez
impulsionam a economia. Imigração e o Cemitério do Imigrante, que, tombados pelo Iphan (Instituto
Modelo da ETT serve a
Machado, Rodrigo de Haro, Elli Heil, Burle Marx,
outros institutos. do Patrimônio Histórico e Arquitetônico Nacional), acabam de ser Carlos Scliar e Lygia Clark, entre outros. Abriga
restaurados. As artes cênicas que até aqui se ressentiram da ausência de exposições temporárias e do próprio acervo.
Saúde, religião um espaço adequado, vão ganhar o Teatro Juarez Machado. Na música, é O Museu Arqueológico de Sambaqui reúne mais 4
Medicina busca exemplo dos grande a expectativa pela criação da Orquestra Filarmônica de Joinville, sob mil peças, incluindo acervo ósseo de animais,
primeiros "doutores". regência do maestro Júlio Medaglia, como anunciado; no âmbito da líticos e de esqueletos do homem de sambaqui,
Modernização mudou perfil
literatura, está em trâmite a criação de uma nova biblioteca pública, com além de administrar 42 sítios arqueológicos de até
do tratamento.
Um pioneiro no tratamento acervo renovado e espaço para encontros e debates; para os bairros estão 5 mil anos. Seu centro de pesquisas atende
da doença mental. em gestação 13 centros comunitários de cultura e convivência. pesquisadores do Brasil e de outros países. Ainda
Cidade é o maior pólo
luterano do continente.
sob este tema, está sendo criado o Parque
Igreja Católica quer ampliar Perspectiva Caieiras, com um sítio, duas oficinas líticas, trilhas
presença. ecológicas e estrutura para passeios de barco pela
lagoa de Saguaçu.
Com essa estrutura pretendese fiar um novo tecido socio econômico para a
Cultura O Museu Nacional da Imigração possui nove
Cultura entra, enfim, na
cidade. A perspectiva de desenvolvimento através das artes é apontada
coleções com obras de imigrantes que vieram para
ordem do dia. também pelo presidente do Instituto 150 anos, o cônsul honorário da
Os cinco mestres da arte. Joinville a maior parte alemães, mas também
Alemanha e empresário Udo Döhler. Afinal, esse investimento em cultura
Sem tradição, literatura é suíços e noruegueses. É formado por objetos
uma arte em emergência.
conclui uma nova infraestrutura para a cidade, que se iniciou com a
doados pelas famílias dos primeiros imigrantes e
Aldeia musical reproduz mais revitalização da área comercial através dos shoppings, melhoria do sistema
de mil e um estilos. pelo acervo da casa de administração da colônia
viário, eixos de acessos a BRs, a ampliação e melhoria da rede hoteleira e
Um olhar em direção às Dona Francisca. Incorpora ainda pinturas, desenhos
brumas do passado.
um sistema eficiente de transportes na malha viária urbana.
e estampas; coleções de trabalho com
Capital da dança sem Paralelamente, Udo percebe uma mudança qualitativa do ensino de primeiro
talentos locais. equipamentos agrícolas, de artesãos, atividades
grau, com escolas reformadas e professores mais preparados. Na sua
O teatro fora do palco. comerciais, fiação, tecelagem, pecuária, maquinaria
Grupos underground fazem
avaliação, com estrutura urbana e eventos estão lançadas as bases
e instrumentos musicais, entre centenas de outras
teatro na periferia. necessárias para a implementação do turismo cultural: "Esta é a grande
peças.
avenida para a abertura de novas áreas de trabalho", afirma. Udo Döhler
Imprensa, Corpo de sustenta que este investimento em cultura fará surgir outro subproduto que,
Bombeiros até agora, não se cogitava: "Vai haver outro surto de crescimento industrial
Em 1852, a imprensa nascia que ninguém esperava. Vamos atrair indústrias de tecnologia de ponta de
na colônia. centros maiores, onde as condições de trabalho estão mais
Uma corporação que defende
a cidade. comprometidas. A cidade, hoje, está preparada para crescer não só na
cultura e no turismo cultural, mas na indústria, o que terá peso na oferta de
Entidades novas oportunidades", analisa.
Acij está à frente no
crescimento de Joinville.
Batalhão é parceiro da Cidade vive transformação
comunidade.
Univille veio com a
Órgão que pertenceu à antiga catedral de Joinville,
industrialização. O presidente da Fundação Cultural de Joinville, Edson Busch Machado, exposto no Museu da Colonização e da Imigração
2. aponta uma transformação na cidade, obtida através da provocação para Foto: Pena Filho
Política que se manifeste artisticamente. Segundo ele, a mudança é evidente desde
Normas de convivência o jeito de falar, pelo debate aberto e o pensamento mais perspicaz. "É uma .... .... ....
definidas desde o início. transformação comportamental e há um senso crítico manifestadamente
Livres pensadores inovam a
maior. Joinville vive um momento de transição entre a cultura dos imigrantes
cultura.
e uma cultura mais universal, mais homogênea, refletindo todas as
influências com que a cidade vem se enriquecendo nas últimas décadas",
Lugares e
afirma. Segundo ele, o novo perfil da cidade ainda não está concluído, "mas
personagens (1)
Tradicional cartão postal
já saímos da fase do susto da contemporaneidade; é um processo que
está revitalizado. precisa ter continuidade".
Abdon Baptista, o "coronel" Para Edson, na gênese deste processo está o Festival de Dança, que
da colônia.
Catedral acompanha a
passou a ser uma espécie de "irmão mais velho" das outras artes. "Com
história da cidade. sua postura mais profissional na organização, mostrou que o processo
O primeiro padre do cultural está muito próximo de um empreendimento e que não há
município.
O "berço" da cidade.
patamares inatingíveis. Seu desenvolvimento vem ajudando a cidade a
crescer como um verdadeiro empreendimento cultural", assegura. Para Balé Bolshoi apresentase na cidade: vinda da
Albano Schmidt, o criador da
Tupy. atender à periferia foi criado o projeto Caravana, coordenado pelo diretor de escola russa revolucionou a história da dança
Rua Princesa Isabel atraiu Foto: Arquivo AN 6/6/96
acontecimentos.
ação cultural da Fundação, Jair Mendes. Segundo Edson, a caravana
Palacete Niemeyer é oferece um palco para os valores dos bairros se manifestarem, firmandose
respeitado até hoje. junto a sua comunidade, e também apresentalhe novos parâmetros, que Capital da dança
Fritz Alt, o 1 º grande artista.
De office boy a dono de
servem de estímulo para despertar suas qualidades artísticas. "Busca sem talentos locais
empresa. incentivar e universalizar o artista local, ao mesmo tempo que valoriza suas
raízes", diz.
Além de apresentações, a caravana leva cursos ligados à cultura artística, Fenômeno deve ser revertido com a
Lugares e
personagens (2) como música, teatro, desenho, cerâmica, pintura, e canto coral. Jair explica instalação da Escola do Teatro Bolshoi
Praça é homenagem a que é feita uma discussão prévia com artistas e lideranças comunitárias
interventor federal. antes da passagem da caravana por um bairro, para escolher os temas e A dança é um capítulo à parte em Joinville. Por um
Em 1906, surge a estação
ferroviária.
cursos a serem ministrados. Cada passagem dura duas semanas, com lado, é sede da Escola do Teatro Bolshoi e tem o
Dr. Sadalla, médico e grande cursos ministrados à tarde e à noite. No último sábado é feita a festa de mais importante festival do País e um dos maiores
construtor. confraternização, com as apresentações artísticas. Quando algum talento é do mundo, que lhe valeu, inclusive, o codinome de
O fundador da Consul e da
Embraco.
identificado, passa a ser incentivado a prosseguir estudos na Casa da "capital da dança". Por outro lado, esta arte é
Colonizadora alemã é citada Cultura. justamente o calcanhardeaquiles da cultura local.
em livro. É inegável a importância do festival no
O primeiro cemitério oficial
da cidade. .... .... .... desenvolvimento da dança no País, mas ao mesmo
tempo não conseguiu fazer o mesmo com os
grupos locais, não havendo nenhum nome de
Lugares e Os cinco mestres da arte destaque formado aqui.
personagens (3)
Crispim Mira, o jornalista A maior referência na dança local é o grupo da
assassinado. Juarez Machado, Luiz Henrique Schwanke, Antônio Mir, Escola Municipal Casa de Cultura, dirigido pelo
Carlos Gomes, acima de tudo coreógrafo Marcos Sage. Com uma linguagem
um político.
Mário Avancini e Fritz Alt são os grandes criadores
Mercado público foi palco de contemporânea, vem conquistando prêmios no
conflitos. festival e chamando a atenção. Para tentar reverter
Filósofo, político e jornalista.
Nas artes plásticas da cidade há algumas unanimidades: Schwanke é o
este quadro, está se iniciando um trabalho de
A vida heróica dos artista redentor; surge uma nova geração; depois de quase uma década de
massificação da dança nas escolas junto a
desbravadores. vazio, vivese um desânimo provocado pela falta de espaço adequado para
professores e alunos, coordenado pela professora
exposição; e, claro, o espaço Cultural da Antarctica é uma luz no fim do
Flávia Vargas. Segundo ela, a idéia é desenvolver
túnel. O patrimônio artístico da cidade se compõe basicamente de cinco
ensino da dança na rede municipal, como atividade
nomes: Juarez Machado, Luiz Henrique Schwanke, Antônio Mir, Mário
extracurricular. Crianças que apresentarem aptidão
Avancini e Fritz Alt. Para além de suas obras, cada um tem sua influência e
serão preparadas para concorrer à Escola Bolshoi.
seu campo de gravitação no que vem a ser o universo artístico de Joinville.
O objetivo é atingir, numa primeira etapa, 600
Antes de qualquer incursão pelo presente, é preciso lembrar a
alunos.
efervescência dos anos 70 e 80, quando todos os nomes acima citados,
Há vários grupos independentes que buscam
excetuandose Fritz Alt, se fizeram, e foi criada a histórica Coletiva de
desenvolver um trabalho próprio, mas nenhum até
Artistas. Foi uma época de inquietação e revelação onde o crítico de artes e
aqui logrou atingir um grau de excelência que o
escritor Harry Laus teve papel decisivo, colaborando para a formação de
credencia a ser referência da cidade. Entre eles
uma massa crítica, instigando a polêmica e instilando a originalidade nos
podem ser citados o Comdança, Andança, Solo,
artistas. As mortes de Schwanke e de Laus, em 1992, parece ter
Perfeto, Duniá, Na Ponta dos Pés e vários de dança
mergulhado a produção das artes locais em uma crise de identidade e
de rua. O Comdança, dirigido por Fabíola
criatividade que só agora começa a ser revertida, com a entrada em cena
Bernardes, buscou fazer um trabalho profissional, e,
de uma nova geração de criadores de linguagem contemporânea.
depois de alguns espetáculos montados, não
Marchande por três décadas e atual diretora da Casa de Cultura de Joinville,
atingiu o êxito esperado. Os outros, prioritariamente
Marina Mosimann concorda que houve um hiato e que uma nova leva
se preparam para participar do festival e se
começa a se destacar. A ela cabe, agora, a incumbência de dar seqüência
apresentar em alguma festa, até porque não há
a essa história iniciada pelos veteranos. Para isso, na sua opinião, é
locais nem público para temporadas. A maioria está
preciso trabalho e união. Desta nova e importante geração fazem parte
ancorado em academias de ginástica ou colégios.
Ricardo Kolb, Francisco Amaral, Luiz Carlos Presente, Luciano da Costa
Pereira, Linda Suzana Poll, Luiz Carlos Franzói e Jane Bruggemann.
Na fotografia, foi positivo o lançamento, ano passado, do álbum "Joinville Profissionalismo
150 Anos", com fotografias e textos de Borges de Garuva, uma tentativa de
construir uma identidade visual da cidade, mas deixa de fora o mais Ely Diniz, diretor executivo do Instituto Festival de
importante fotógrafo artístico da cidade, Peninha Machado, que possui uma Dança de Joinville, aponta como vantagens do
linguagem em que sobressaem composições exaustivamente estudadas, gerenciamento profissional obtida através da
fugindo aos cliques fáceis e imagens turísticas. criação do IFDJ a desburocratização normal dos
órgãos públicos um relacionamento mais
Para os novos artistas, profissional com os patrocinadores. "Artisticamente
o festival estava suficientemente maduro, o que
Schwanke é o guia supremo introduzimos foi o Conselho Consultivo, que traz o
conhecimento e a experiência internacional de
Assumindo a condição que lhe é imputada com certa desconfiança, Ricardo profissionais da dança e idéias que estão
Kolb vê nos artistas de Joinville uma postura muito bairrista. "Somos ampliando o guardachuva do festival". Quanto à
centrados em nós mesmos e a qualidade fica suspeita. A relação tem de qualidade dos grupos locais, Ely analisa que a
ser global, a gente vive num meio muito impróprio, não há uma comunidade própria dificuldade para entrar no festival faz com
capaz de refletir sobre artes plásticas, que acaba confundida com que busquem mais qualidade. Nesse sentido, o
decoração. Não há um foco de discussão, tudo que conseguimos obter são instituto está "ensinando a pescar" em vez de
comentários do tipo 'que lindo seu trabalho'". Kolb também aponta a falta de ofertar o peixe: vai contratar um diretor e coreógrafo
3. um espaço adequado para exposição como fator inibidor da arte de renome para acompanhar os trabalhos dos
contemporânea na cidade. "Há uma banalização, não adianta querer ter grupos locais que pretendem concorrer no festival, o
idéias de vanguarda num fundo de quintal. O contexto, o entorno tem que que lhes dá maior chance de êxito na seleção. A
ser de vanguarda; sem isso não se consegue criar uma atitude em relação superintendente da Escola Bolshoi no Brasil, Jô
à comunidade, pois não se reflete nada". Ele aponta ainda a total falta de Braska Negrão, opina que Joinville vive uma
renovação e de originalidade. "Depois do Schwanke não apareceu ninguém renascença cultural liderada pela dança. "É possível
com o mesmo vigor e capacidade intelectual. Não podemos viver do dito de ser grande e ser para todos", diz.
que arte é uma inspiração, ao contrário, arte não tem que ser prazerosa,
tem que ser suada, resultado de investigação. Arte é uma coisa rara e é
competição", conclui.
Que ninguém se engane com a carinha de anjo barroco de Jane
Bruggemann. Em sua obra, ela busca cutucar demônios. A exposição "Nós
que aqui estamos por vós lamentamos", em que aborda o universo da aids,
é um exemplo de seu dedo na ferida. Vencedora do Edital 2000, da
Fundação Catarinense de Cultura, seu trabalho vai ser exposto em
Florianópolis, Criciúma e Lages. Morando há apenas dois anos em Joinville,
depois de passar por Florianópolis e Curitiba, Jane vê um cenário meio
confuso em que os artistas precisam ir para fora para se fazer. Ela deposita
suas fichas na abertura do Complexo Antarctica para clarear a situação. "A
inauguração de um grande museu com o nome de Schwanke talvez Comdança, uma das mais tradicionais companhias
desemboque em uma visão mais contemporânea, porque Schwanke é o de Joinville: o festival não é tudo
Foto: Carlos Alberto da Silva 22/6/96
cara. Acho que vai brotar uma bela semente só por se lembrarem e estarem
mexendo nas coisas dele. Talvez tudo acabe renascendo".
Linda Suzana Poll, reconhecido talento, inclusive internacional, exdiretora Festival cria novos grupos
da Casa de Cultura, diz que ser artista em Joinville é "ralar coco e se virar
sozinho". Ela explica: "Muita pouca coisa acontece pela valorização do O festival fez surgir grupos como o Ponta dos Pés,
artista, que só é lembrado para tapar buraco, quando é preciso representar dirigido por Simone Espíndola, que existe há dez
numericamente a classe, mas não há a preocupação em apoiar a produção, anos, ligado à escola de dança do mesmo nome. O
preservar obras, e nem com a Coletiva de Artista, que é um termômetro das sonho de ser bailarino e de dançar no festival é que
artes na cidade". Linda reclama que "quando tem que ser feito os grandes move a maioria dos cerca de 400 alunos da
painéis, chamam os artistas de fora. Dá vontade de desistir, de ser artista academia. Para ela, o festival popularizou muito a
para outros lugares". Na sua opinião, a qualidade da produção reflete este dança e estudantes da rede pública querem se
desânimo e a falta de espaço para exposição e repercussão. "Sem isso preparar para entrar na Escola Bolshoi, por isso
não tem produtividade, não se produz para deixar no ateliê, e os artistas oferecem preços reduzidos. "Este ano cinco alunas
acabam buscando outras fontes de renda". nossas passaram na audição do Bolshoi, isso
Por sua vez, Luiz Carlos Presente lamenta a ausência do joinvilense em engrandece nosso grupo", avalia a professora.
geral nos eventos culturais. "As pessoas aqui ainda não apreciam arte De uns anos para cá houve um verdadeiro surto de
como em outras cidades do Estado, como Blumenau e Florianópolis, onde grupo praticando dança de rua, normalmente dentro
as exposições são muito visitadas. Joinville, talvez por estar muito voltada de colégios ou academias, que lhes oferecem certa
para o trabalho, deixa a cultura de lado e com isso o artista tem dificuldade. estrutura como espaço para ensaio. É o caso do
Também faltam espaços alternativos. Faltam discussões, linhas de The Angels of Freedom, que existe há sete anos e,
pensamento, grupos com objetivos ou temáticas determinados para desde ano passado associouse à academia
alavancar nomes e arejar o ambiente. Mesmo assim a cidade continua Califórnia. Sem patrocínio e sem locais para se
produzindo novos talentos, alguns de grande expressão com apresentar fora do festival, o grupo passa por
representatividade no Estado e no País. Acho que o complexo artístico e dificuldades, principalmente na hora de viajar. Para
turístico da Antártica será superimportante, vai valorizar a produção, com Cléo Medeiros da Rocha, coordenador do grupo, "o
exposições e oficinas". joinvilense não conhece seus grupos que ficam
O videomaker Luiz Tirotti analisa: "Hoje em dia não temos nada que unifique trancados nas academias o ano inteiro se
um panorama cultural em Joinville. Há muitas pessoas fazendo muitas preparando para o festival e, no entanto,
coisas, mas não tem uma característica única. As pessoas estão dependemos do público de Joinville, deveríamos
produzindo, mas sem uma base coletiva, os grandes movimentos sempre mostrar nosso trabalho, pois o festival não é tudo",
têm um elo de ligação no pensamento". Ele lamenta a falta de um círculo avalia.
pensante. "A arte contemporânea não tem mercado, só se mostra em Um dos grupos de Joinville mais bemsucedidos na
exposições e discussões, e não temos discussões. Dá a impressão que só modalidade Dança de Rua é o Street Santos Anjos,
temos obras para quermesse". único catarinense a conquistar um primeiro lugar no
festival do ano passado. Já se apresentaram em
Excesso de narcisismo cidades como Porto Alegre, São Paulo e Rio de
Janeiro. Mesmo assim, não tem a vida facilitada: "É
matou a Tertúlia complicado fazer dança. Mesmo estando na cidade
do festival, falta patrocínio, a premiação no festival
Criador inquieto e afinado com a linguagem contemporânea, Carlos Alberto fica naquilo e o pessoal esquece logo", diz Nanci
Franzói define a situação das artes plásticas na cidade como sendo "de Rosa, coreógrafa e diretora do grupo.
intempérie", em que a ausência de espaços de exposição, cursos de
formação, curadoria e crítica contribuem para um cenário desolador. Artista .... .... ....
de reconhecimento crescente, com participação em salões de Belo
Horizonte, Rio e São Paulo, entre os quais o renomado projeto Novos
Rumos, do Itaú Cultural , Franzói identifica uma "mídia maciça em torno de
alguns poucos nomes", o que, para ele, compõe uma "imagem falsa da
cidade, muito voltada para o passado. Pensase muito no que já se fez e
não no que Joinville será." Também ele considera uma obrigação o resgate
da arte de Luiz Henrique Schwanke. Outro dado desfavorável que o artista
observa é a ênfase dada aos megaeventos, sobretudo pelo empresariado
local. "Cultura é feita de um degrau após o outro. É necessário discutir,
debater e incutir a arte na população, pois é daí que surgirão novos
pensadores e novos artistas", reflete. Ilaine Melo na peça "Paititi", do Grupo Unicórnio:
Dividindose entre São Francisco do Sul e Espanha, onde tem sua base de esforço nem sempre recompensado
produção e circulação de sua obra, Antônio Mir, um dos artistasfundadores Foto: Arquivo AN 25/9/99
da Coletiva, em 1970, lembra que Joinville despontou culturalmente com
questionamento e polêmica, deixando de ser uma cidade de repasse
cultural para produzir e exportar cultura. Ele vê a postura cultural de hoje
O teatro fora do palco
como "absolutamente política, elitista e sem participação comunitária, com
interesses claríssimos de uma cartilha que impossibilita aos produtores Sem espaço adequado, arte dramática
com opiniões que não coincidam com as oficiais de participarem do sobrevive na garra do improviso
processo ativamente". Com uma ponta de ironia, acredita que "a
4. matemática celestial arrumará a atual situação". A exemplo das artes plásticas, o teatro teve seu
O pintor pontilhista Amandos Sell, que tem boa aceitação no mercado, diz período de êxito na década de 80. A cidade chegou
que sempre houve uma política cultural na cidade, mas ressalva: "O que a ser referência no Estado com montagens como a
vale é o trabalho; se for bom, a política não importa". legendária "Norigama", com direção de Borges de
Antes de lavar as mãos deste capítulo de tintas, idéias e alfinetes, vale Garuva, e "Quando as máquinas param", de Lucas
acrescentar às críticas e autocríticas acima arroladas que a classe artística David. Na década seguinte, salvo peças como
de Joinville jogou fora um bilhete premiado ao deixar morrer a idéia da "Tupac Amaru" e "O Sahy dos sonhos", ambas
Tertúlia. Era uma iniciativa independente que tinha tudo para impulsionar um dirigidas por Borges, veio o lento declínio que,
novo tempo para as artes e conquistar público, mas que, por desunião e agora, ensaia um novo alento. Afinal, o ano de 2001
excesso de narcisismo, não decolou. foi declarado como o ano do teatro em Joinville. Os
artífices desta retomada são Ilaine Melo, Silvestre
.... .... .... Ferreira, Nando Moraes e Marco Vasquez, entre
outros. A estes nomes somase a construção de
Sem tradição, literatura um espaço próprio ao teatro, o Teatro Juarez
Machado, e a organização da classe que, em
é uma arte em emergência dezembro último, uniuse num fórum permanente de
reflexão e propôs um manifesto em defesa da arte
Surgimento de novos autores pode reposicionar Joinville local.
no mundo das letras, do qual esteve afastado Nando Moraes, diretor da Cia. Experimental de
Teatro de Repertório, grupo ligado à Univille, atribui
os anos de vacas magras à falta de formação de
Em Joinville, a literatura não tem tradição. Basta dizer que o nome mais
diretores, atores e artistas da área de teatro. "De
proeminente ligado às letras locais é Alcides Buss, um emigrado de Salete
uns anos para cá, de modo geral, há uma injeção
que vive em Florianópolis há duas décadas. Tirante os nomes ainda
nova com o Marco Vasquez, o Silvestre que está
relacionados aos imigrantes como Julius Karl Parucker, Ottokar Doerffel; os
saindo mais para a ativa, o Laércio (Muniz) e
historiadores, como Carlos Ficker, Elly Herkenhoff e Adolf Bernardo
também com o trabalho que fazemos na Univille",
Schneider, os nomes se afunilam. Os escritores na ativa podem ser
diz. Ele cita ainda Cristóvão Petry, Ângela Finardi,
divididos em três grupos distintos, para um melhor entendimento. O
Ana Beatriz Raposo, Glória Muniz e Robinson
primeiro é formado por aqueles estabelecidos há alguns anos, em que se
Benta.
inscrevem autores como Borges de Garuva, Ives Paz, Carlos Adauto Vieira,
O segundo Encontro de Teatro, realizado na Univille
David Gonçalves, Dúnia de Freitas, Mila Ramos e Apolinário Ternes.
ano passado foi um bom termômetro deste
David Gonçalves é, em termos de público, o mais bem sucedido. Autor de
renascimento da arte. O evento contou com a
21 títulos (todos lançados pela sua própria editora, Pocket Sucesso), seus
participação de Roberto Mallet, debatedor e
livros estão entre os mais lidos nos três estados do Sul. São 13 obras
oficinante que apresentou um olhar estrangeiro
literárias e oito na área técnica de gerência, vendas e marketing. "Minha
sobre a produção local. O encontro reuniu 26
literatura é simples, fala de temas universais que não envelhecem e estou
espetáculos de 16 grupos de teatro amador, de
preocupado em transmitir uma mensagem que as pessoas entendam e seja
escolas e de fábricas e de igrejas, que foram vistos
útil para suas vidas", diz o autor que está com novo livro no prelo, a
por um público total de 3 mil pessoas. Em janeiro,
coletânea de contos "Até sangrar", com lançamento marcado para este
Mallet voltou a Joinville para um curso com 25
mês. David Gonçalves calcula que já vendeu meio milhão de livros. "Terra
pessoas. "Se continuarmos neste estado, em três
brava", na 11ª edição, e "Flores que o chapadão não deu", 7ª edição, são os
anos, vamos fazer um teatro de muito boa
mais vendidos.
qualidade, viveremos um despertar", afirma o
Apolinário Ternes tem nas atividades de jornalista e historiador seu principal
diretor. Nando aponta que, neste processo, é
foco de atenção. De seus 18 livros até aqui lançados, apenas três não são
fundamental um espaço com condições técnicas
historiográficos: o romance "Os manuscritos de Von Klopper", a peça "A
onde possa haver temporadas para o espetáculo
última esperança" e a coletânea de poemas "O aprendiz da esperança". É
amadurecer e que funcione, também, como local de
um dos intelectuais mais atuantes de Joinville, pelo seu conhecimento
encontro e referência.
histórico, literário e por seu trabalho na imprensa.
O advogado Carlos Adauto Vieira, autor de "Saborosas histórias curtas de
Charles D'Olengér (Ed. Letradágua, 1999), entre outros, é um ativista
literário desde os anos 70, quando integrava o grupo de artistas, jornalistas
e intelectuais que publicava a revista "O Cordão". A confraria, que se reunia
diariamente no Bar do Museu, foi grande incentivadora da arte em Joinville,
e, em suas reuniões, foram gestados eventos importantes como o Festival
de Dança e a Feira de Artesanato. Na opinião de Carlos Adauto, "não
existe literatura joinvilense", porque os intelectuais, hoje, não se reúnem,
não trocam idéias e não têm coragem de reeditar alguma coisa como "O
cordão". Através da publicação, que teve seis números, nos anos de 1975 e Diretores Borges de Garuva (E) e Silvestre Ferreira:
76, foi iniciada uma luta pela redemocratização do país. Joinville, nesta atividade teatral precisa reviver década de 80
época, se tornou a capital cultural do Estado e sediou o primeiro congresso Foto: Arquivo AN 21/6/92 Original em preto e branco
da União Catarinense de Escritores.
.... .... ....
Esvaziamento
Borges de Garuva, que participou de "O Cordão", construiu uma reputação
com sua atuação no teatro, mas é a literatura sua musa dileta. Autor de
vários inéditos, possui apenas uma obra publicada, "Cobaia" (edição do
autor, 1995). Para ele, ser escritor em Joinville é uma solidão que "nasce do
esvaziamento do espaço público para a arte" e pelo esvaziamento diante da
disputa injusta de mercado com os criadores e produtores das grandes
capitais. Na sua opinião, esse gerenciamento equivocado das questões
culturais ocorre não apenas no poder público, mas também no meio Peça "O Homem que Enganou a Morte", do grupo
empresarial e na comunidade em geral. "Sou testemunha de trocentos Bytes & Parafusos
projetos abandonados ou reduzidos aos seus próprios esboços por falta de Foto: Pena Filho 30/3/2000
espaço político e institucional", diz.
Os integrantes do segundo grupo se caracterizam por terem estreado Grupos underground fazem teatro
tardiamente em livro, embora escrevam há muito mais tempo. Entre estes
"novos" que, em sua maioria, já passou os 40/50 anos de idade, estão
na periferia
Orlando Alves, Onévio Zabot, Germano Jacobs e Wilson Gelbcke. Wilson
Gelbcke, autor da novela policial "A máscara de Capelle", (Ed. Corpo da Marco Vasquez é o enfant terrible do teatro
Letra) e do infantojuvenil "Esses Duendes Tão Míopes" (Letradágua), está joinvilesco. É um encenador marginal no que se
com "A vindita do historiador" no prelo. refere a condições de trabalho, espaço e estética.
Para ele, escrever em Joinville é um desafio devido à falta de motivação e, "Vou à caça do que quero, não me interessa fazer
até pouco tempo, de uma editora que justificasse a escrita. "Como escritor, projetos para conseguir dinheiro para fazer teatro",
argumenta. A trupe que dirige, o Grupo Vozes de
5. não encontrei um campo aberto, escrever sempre foi muito mais um sonho
pessoal a ser realizado que uma resposta a um incentivo vindo de um Teatro, existe há dois anos e meio, nasceu na
ambiente propício que te desafiasse. O escritor de Joinville era isolado, um escola Estadual Olavo Bilac e tem três peças
espírito ilhado, sem ter onde estabelecer suas pontes", relata. Para fugir montadas, sendo "Valsa nº 6", de Nelson
deste isolamento, Gelbcke, que é também um reconhecido aquarelista, Rodrigues, a mais recente, com a qual fez 26
buscou outras praças e editou seu primeiro livro por uma editora carioca. apresentações. Tem apenas uma atriz fixa, Paula
Kornaski, e, para os demais papéis, trabalha com
nãoatores.
Dos prêmios oficiais Atualmente, o grupo ensaia em Pirabeiraba, num
à guerrilha poética velho galpão cedido pela igreja luterana local. Na
hora de analisar a cena teatral da cidade, Vasquez
Germano Jacobs, autor do livro de contos "Virgínia" (Ed. Bernúncia, tem a desenvoltura dos nãocompromissados: "Pra
Florianópolis, 1998) está preparando seu primeiro romance, "Tempos de mim, o teatro em Joinville está sendo tratado como
Guerra", em que narra as agruras dos imigrantes durante a Segunda Guerra indústria de entretenimento, e, ligada ao poder, é
Mundial, na região de Brusque e de Itajaí. Onévio Zabot entrou para a cena um teatro de encomenda. O teatro sobrevive
literária no ano passado, com o livro de poemas "Arco de pedra" (Ed. parcamente nas escolas particulares que
Letradágua). Orlando Alves dedicase, há anos, à artesania de contos, sustentam os grupos. Grupo independente,
minicontos e relatos de uma intrincada tessitura, em que sobressai uma underground, não há. Se houvesse 19 garagens de
linguagem inusual. Mas o seu discurso também pode ser satírico, na casa sendo ocupadas com teatro a manifestação
criação de personagens impagáveis ou ternos em crônicas do cotidiano. aconteceria de forma mais vibrante. Ligar o teatro
Sua estréia no formato livro se deu em 1999, com "Na gare da estação ao poder é transformálo numa extensão da
primavera" (Ed. Letradágua). televisão e acaba representando uma classe que
Correndo por fora, "desenquadrados" estão os poetas Fernando José Karl e sempre manipula os grupos".
Caco de Oliveira. Caco, filósofo de formação, é um autor de textos mínimos, Buscando posicionarse fora desse foco, o Grupo
exercendo haikais, tankas e epigramas, modalidades que estuda com Vozes se apresenta nos lugares mais inusitados,
afinco. Seu maior mérito é a capacidade incansável de incentivar novos de galpões vazios a garagens alternativas, para
leitores, escritores e poetas. Verdadeiro guerrilheiro literário, seus poemas reforçar a idéia de que Joinville tem teatro
não estão publicados em livros mas carimbados ou mesmo manuscritos em (espetáculos) mas não tem teatro (estrutura física).
pequenos pedaços de papel reaproveitados e distribuídos em bares e "É lógico que recursos e referencial teatral são
festas. importantes, mas a arte pode existir sem um
Fernando Karl é, de fato e de direito, a grande figura da literatura joinvilense. espaço profissional, este não é o ponto
Embora não tendo o reconhecimento oficial merecido na sua própria aldeia, fundamental. Não sou contra quem faz teatro nas
sua obra é conhecida e respeitada por críticos, escritores e uma legião de empresas e nas escolas, mas esta não pode ser a
admiradores. Possui oito títulos publicados, dentre os quais se destacam forma teatral predominante nem podemos chamar
"Esquina, China" (Letras Contemporâneas, Florianópolis, 1996), de brechtiniano o teatro feito para apaziguar
"Travesseiro de pedra" (2000, Prêmio Cruz e Souza, FCC), "Desenhos trabalhadores", diz.
mínimos de rios" (1997, Prêmio Helena Kolody do Paraná) e "Diário A atriz Ilaine Melo, do Unicórnio, grupo com mais
estrangeiro" (1998, Prêmio Cruz e Souza, FCC). É o mais premiado poeta de 200 apresentações por ano do Rio de Janeiro ao
da terra (incluase, na lista acima, o Prêmio Minas de Literatura). Rio Grande do Sul, destaca que a grande conquista
Para fechar este capítulo, é preciso incluir dois historiadores. Elly da classe foi a instituição do Fórum Permanente,
Herkenhoff, pelo inestimável trabalho de tradução de documentos no Arquivo que vai proporcionar a discussão do fazer teatral.
Histórico e pela autoria de dois livros fundamentais "Era uma vez um Um dos grandes problemas na cidade, em sua
simples caminho", que, além das informações históricas, é uma deleitável opinião, é o fato de não existirem locais públicos
leitura pelo seu estilo; e "História da imprensa em Joinville". Adolf Bernardo para espetáculos em temporada, sem a
Schneider, nos seus três volumes de memória, traz um relato pessoal e preocupação em ter que bancar as despesas com a
pitoresco de que como se vivia em Joinville no início do século. bilheteria.
A construção de um espaço adequado, na sua
opinião, vai absorver o trabalho dos cerca de 18
.... .... ....
grupos que mantêm produção constante em
Joinville, sendo que três deles (Persona, Unicórnio
Aldeia musical reproduz e Dionisos) são profissionais e vivem do fazer
mais de mil e um estilos teatral. "Se tivéssemos um espaço, hoje,
poderíamos manter uma agenda todos os finais de
semana para formar platéia, pois os grupos têm
Há grupos para todas as sonoridades possíveis tocando repertórios prontos", aponta. Ilaine diz que há um
nos palcos e garagens da cidade grande potencial prestes a aflorar, com muitas
pessoas com vários anos de pesquisa e trabalho
Joinville não tem tradição no campo da música. Houve, no passado, um tal em teatro. Não são grupos que, de repente,
de Janguito do Rosário, cantor da zona do Bucarein, que fez carreira e resolveram fazer teatro; todos têm vários anos de
angariou fama em Curitiba, mas que por aqui ninguém tomou estrada. Ela cita o "Itinerante", grupo de Cristóvão
conhecimento. Nossa glória musical de antanho foram os grupos vocais e Petry, com um trabalho comunitário no bairro Itinga
instrumentistas reunidos em torno de sociedades como a Lírica e a muito interessante, e Guido Almeida, do grupo
HarmoniaLyra. Ficaram os espaços, mas os artistas não. independente Círculo, que desenvolve uma linha de
No entanto, o panorama musical atual se mostra múltiplo e, quiçá, teatro antropológico.
promissor. Entre bandas de rock, de garagem, alternativas, conjuntos pops,
grupos vocais, instrumentais, pagodeiros e profissionais, há em Joinville em
torno de 40 bandas. Tocase pop, rock, black metal, grunge, sambanejo,
MPB e música erudita.
A grande promessa musical de Joinville é a criação da Orquestra Sinfônica
Municipal, com regência do renomado maestro Júlio Medaglia, cujas
tratativas se encontram bastante adiantados. O maestro e professor da
Escola VillaLobos da Casa de Cultura, Voldis Eleazar Sprogis, diz que há
uma ânsia de toda região Norte, incluindo as cidades de Blumenau, São
Bento do Sul, Jaraguá do Sul e Itajaí, pela criação da orquestra, pois Apresentação do espetáculo "O Segredo do
garantirá trabalho e maior aperfeiçoamento para os músicos. Curumim", do grupo Unicórnio
A criação da orquestra foi o sonho não realizado do maestro Tibor Reisner, Foto: Divulgação Luciano Fusinato
morto em 1999, que dirigiu a Escola VillaLobos e dedicou sua vida à
consolidação de uma cultura musical clássica na cidade. Tibor regeu
dezenas de concertos em Joinville, inclusive com composições próprias, e
deixou uma vasta obra inédita.
A Escola de Música VillaLobos possui em torno de 500 alunos e a maioria
de seus 30 professores possui curso superior em música. Segundo Voldis,
a função da VillaLobos é dar formação e descobrir talentos. "É uma escola
pública com formação básica para comunidade", diz. Os cursos duram em
média de seis a oito anos, vão da iniciação musical à especialização em
6. a função da VillaLobos é dar formação e descobrir talentos. "É uma escola
pública com formação básica para comunidade", diz. Os cursos duram em
média de seis a oito anos, vão da iniciação musical à especialização em
instrumentos.
Voz operística
O barítono Douglas Hahn estudou canto lírico na Casa de Cultura e fez
curso de aperfeiçoamento com Neide Thomas e Rio Novello, professores
internacionais de Curitiba. Desde 1997 desenvolve carreira nacional, com
apresentações em Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre,
Recife, Manaus. Entre outras obras, participou da montagem das óperas "O
Guarani", de Carlos Gomes; "La Boheme", de Puccini; "La Traviata", de
Verdi; "Elixir do Amor", de Donizetti; e "Carmina Burana", de Karl Orff; e
tem participado de inúmeros concertos e recitais, inclusive no festival de
inverno de Campos do Jordão. Douglas diz que é quase impossível
sobreviver do canto lírico em Joinville, a não ser se der aula, e, mesmo
assim, são poucos os alunos. Ele apenas vive em Joinville e trabalha para
teatros de outras capitais. A única apresentação que fez na cidade foi na
inauguração da Escola Bolshoi, em março de 2000.
Ainda na música erudita, podese perceber um crescimento com a
fundação de vários grupos como o Vocal Madrigal, formado por professores
e alunos da Casa da Cultura, com 16 vozes, e a Camerata A5, com seis
instrumentistas, também de professores e alunos da Escola VillaLobos.
Vale citar ainda o trabalho do violonista e produtor Ananias Alves de
Almeida, que está gravando seu primeiro CD. Entre 1990 e 1997, ele
promoveu 39 concertos com os maiores violonistas do País. Outra
importante produtora é Albertina Tuma.
A fauna das bandas
abrange todas as tendências
As bandas de rock compõem uma fauna bastante variada. As de maior
destaque são Butt Spencer, Sanchez e Vacine. Os entendidos no assunto
afirmam que elas tocam músicas próprias com qualidade tão boa quanto
uma banda de primeiro time americana. Com um repertório de surf music e
ska (mistura de rock com reggae), se apresentam em festas e organizam
os próprios shows.
Butt Spencer têm participação em um compacto vinil da Monstro Discos,
uma das mais importantes gravadoras independente do País, mesmo selo
que está por lançar o primeiro CD profissional do Sanchez. Vacine tem um
CD single esgotado, pela Holliday Record. Neste mesmo caminho está um
grupo de bandas que ainda não se firmou, como Buzzgang, Medíocres,
Simples, Fel, Os Cara de Marte entre outras. Esta categoria teve como
precursora a finada The Power of de Bira.
Uma outra categoria pode ser aberta para abrigar aquelas bandas que
buscam o sucesso sem se preocupar com o que tocam: o importante é
agradar a galera. São bandas preponderantemente de cover com algumas
composições próprias, como Gata Parida, Núcleo Sul, Razor Back, Tree
Back, com estilos bem definidos em figurinos e comportamento. A Canela
Preta, com um estilo anos 80, gravou um CD, caiu na estrada e abriu
importante espaço na mídia.
A Núcleo Sul faz shows em várias cidades do Estado. Sua música "Deixe o
amor entrar em seu coração", gravada em CD, está tocando nas três FMs
de Joinville. A Identidade Secreta existe há dez anos, tem participações no
CD "Canta Joinville" e no CD do 2º Festival Latinoamericano da Canção, de
Itajaí, venceu o Belko Music Festival, na etapa rock e prepara um CD
single.
Entre as bandas de metal se destacam Flash Grinder, que toca metal
splatter versando sobre enciclopédia médica. Estes caras tem uma legião
de verdadeiros fãs pela sua linhagem, tipo pestes, enfermidades e termos
fisiológicos, de uma morbidez que beira à necrologia. Com dois discos
lançados pela Lofty Storn, visando o mercado internacional, pelo visto têm
se dado bem embora não tenham obtido muita repercussão aqui na
terrinha.
O movimento de bandas em Joinville foi impulsionado pelo Curupira Rock
Club, de Guaramirim, que, a partir de 1993 passou a promover um encontro
anual de bandas e cultura alternativa. As principais bandas do País
passaram por lá, inclusive a Utopia, que depois virou Os Mamonas
Assassinas. O público desse pessoal é formado por jovens com formação
musical pósNirvana, grunges, skatistas, que sabem muito bem a atitude
que desejam tomar em relação a roupa, o que beber, ouvir e pensar sobre o
mundo. Usuária de tatuagens, piercings e outros badulaques mais, é uma
galera plugada no planeta via internet e MTV.
Por mais que o estilo soe postiço, não se pode fazer ouvidos moucos para
o sucesso alcançado pelos grupos de pagode Koisaboa, que representa
uma linha mais original, e o Koskarke, que faz o estilo mauricinho. Ambos,
na levado de cavacos, reúnem um público expressivo em shows e festas.
Finalizando, é indispensável citar o cavaquinista Bera, músico de grande
talento, que chegou a fazer carreira no Rio de Janeiro, e conquistou uma
legião de admiradores com o seu Regional, em Joinville e região. Ficaram
famosas as manhãs e tardes de sábado do Mercado Municipal onde tocou.
A tradição é mantida ainda hoje, depois de sua morte, reunindo até 15